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Transporte escolar Uma teia complexa

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4/12/2012

Transporte escolar

Uma teia complexa

O transporte de estudantes está em “estado de sítio”! Entre um quadro regulatório disperso e difuso são anunciadas alterações que lançam a confusão entre operadores, autoridades e passageiros. A preocupação é geral e as ansiedades começam a denunciar-se, sendo que a única coisa que parece ser certa, é que todos saem a perder.

Na sequência da nova política de transportes e de comparticipação na aquisição de títulos de transporte, o Governo publicou, no passado dia 27 de janeiro, um despacho que fixa a bonificação para o passe «4_18@escola.tp» nos 25 por cento. Embora o despacho preveja a manutenção do desconto de 50 para beneficiários do escalão A do Apoio Social Escolar, a verdade é que, a grande maioria passou, a 1 de fevereiro, a pagar mais pelo transporte. A medida é transitória. A partir de julho, e com o encerramento do ano letivo, pretende-se que a atribuição de descontos esteja anexada aos rendimentos do agregado familiar. Entretanto, o Governo defende que o apoio social é garantido através do Passe Social+, ao qual se podem candidatar os agregados com rendimentos até 1.258 euros.

No entanto, facto é que com os aumentos nos transportes públicos, e com a redução percentual dos descontos, andar de transportes públicos ficou muito mais caro. Aliás, feitas as contas, para uma família que tenha, por exemplo, duas crianças em idade escolar, acaba por sair mais em conta utilizar o automóvel como meio de transporte. Os pais tentam poupar dinheiro, levantam-se mais cedo e deixam as crianças na escola. O automóvel ganha, perdem os pais em tempo e qualidade de vida, os filhos em liberdade para realizarem as suas atividades, os operadores em passageiros transportados, a economia em receitas e impostos... Perde o transporte público...

A título de exemplo, a Valpibus registou uma quebra de 14,33 por cento entre janeiro e fevereiro na venda destes títulos, facto que para Eduardo Caramalho, «terá a ver com a

redução do desconto». A perda, «muito significativa», de acordo com o administrador da

Valpibus, é transversal aos operadores de todo o país. Miguel Fragoso, responsável da EVA Bus, revelou à Transportes em Revista que, «embora ainda se tratem apenas de

estimativas, a quebra na procura deste título deverá rondar os onze por cento».

«Estas medidas têm enormes impactos nas receitas dos operadores e na sua sustentabilidade financeira», afirma Eduardo Caramalho, adiantando que «os operadores

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estão a ficar numa situação dramática». Não bastasse isso, as compensações parecem

ser “tiradas a ferros”, seja por parte do poder central, de onde saem tarde, quer por parte das autarquias, que, muitas vezes, não chegam mesmo.

Mas o passe 4_18 é apenas a ponta do iceberg nas medidas sociais de transportes para jovens e estudantes. Criado em 2008 pelo Decreto-Lei n.º 186/2008, de 19 de setembro, este título assumia como objetivo primordial “apoiar as famílias numa das suas necessidades básicas — a Mobilidade”. No decreto-lei, lê-se que este passe “destina -se a todas as crianças e jovens, dos 4 aos 18 anos, garantindo -se uma redução do preço do título de transporte, a qual corresponde a um desconto de 50 % a deduzir do valor da tarifa inteira relativa aos passes mensais em vigor, designadamente os intermodais, os combinados e os passes de rede ou de linha”. A medida, então implementada, pretendia ainda “incentivar, desde a infância, a utilização regular de transporte coletivo, como alternativa ao transporte individual, condição necessária para diminuir a dependência face ao petróleo e para tornar as cidades mais amigas do ambiente”. Mas, desde logo, a medida do Governo de José Sócrates assumiu-se como “um complemento social alternativo ao transporte escolar já existente, consagrado no Decreto – Lei n.º 299/84, de 5 de Setembro”. E é aqui que se encontra o busílis da questão... É que, na verdade, e apesar de pequenas alterações, o Decreto – Lei n.º 299/84 nunca foi revogado, continuando a vigorar praticamente na sua íntegra...

O DL nº299/84

O Decreto-Lei em questão surgiu na sequência do reforço da descentralização do Estado através da atribuição de mais competências às autarquias, definindo “a transferência para os municípios do Continente das novas competências em matéria de organização,

financiamento e controle de funcionamento dos transportes escolares”. Assim, as autarquias passaram a ter de oferecer serviço de transporte entre a residência e os estabelecimentos de ensino a todos os alunos dos ensinos primário, preparatório e secundário quando estes

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residam a mais de 3 km ou 4 km das escolas, respetivamente sem ou com refeitório. De fora ficavam os alunos que optavam por outros estabelecimentos que não os diretos, os alunos de cursos noturnos ou com residência nas áreas servidas por transportes urbanos e

suburbanos nas regiões de Lisboa e Porto (exceto os do ensino básico). O regulamento dizia respeito ao ensino obrigatório, sendo que, para o secundário, as autarquias poderiam comparticipar. As verbas seriam transferidas pelo poder central para as autarquias, cabendo a estas fazer depois a transferência das devidas parcelas para os operadores. Embora o Decreto-Lei se fizesse aplicar apenas para os alunos do ensino obrigatório, as autarquias, no âmbito da sua política social, acabavam, na maioria dos casos, por comparticipar também em 50 por cento o valor dos passes dos estudantes do ensino secundário. Perante a entrada em vigor do Passe 4_18, inicialmente previsto apenas para Lisboa e Porto, as autarquias deixaram de assumir alguns dos encargos, uma vez que a nova medida se assumia como um “complemento” ou uma “alternativa”, já que, com ela, os estudantes poderiam beneficiar de descontos durante todo o ano civil e não apenas durante o ano letivo.

A atualização dos descontos do 4_18, a sua possível supressão no conceito original e o alargamento da escolaridade obrigatória, já no próximo ano letivo, ao 12º ano ou aos 18 anos, obrigam a colocar uma questão: Não serão as autarquias obrigadas a garantir ou a comparticipar à mesma os alunos de toda a escolaridade obrigatória, pelo menos os que vivem no perímetro geográfico estabelecido pelo Decreto-Lei 299/84?

A Transportes em Revista contactou diversas autarquias, mas nenhuma soube, ou quis, dar resposta à questão. Até porque, segundo muitos operadores, as Câmaras continuaram a receber verbas para assegurarem o transporte, mas, na verdade, a maioria dos alunos acabou por ficar ao abrigo do 4_18. Em declarações à Transportes em Revista, Cabaço Martins, presidente da ANTROP (Associação Nacional de Transportadores Rodoviários de Passageiros), afirmou que «nalguns casos essas verbas terão sido efetivamente

aplicadas no transporte escolar, noutros casos não. E isso é uma evidência comprovada pelas dívidas das autarquias aos operadores privados decorrentes sobretudo da prestação de serviços de transporte escolar, cujo montante ascende aproximadamente a 60 milhões de euros».

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Transporte financiado?

Segundo o presidente da ANTROP, neste momento, está em causa a sustentabilidade económica de cerca de 80 empresas. «Entendo que no presente as autarquias que estão

em falta devem liquidar, quanto antes, as dívidas aos operadores, resolvendo o passado, já que para várias empresas esses valores são muito significativos e o seu não pagamento tem vindo a causar graves problemas de tesouraria». Para o

responsável da associação dos transportadores é urgente encontrar soluções para colmatar este problema. «Para o futuro há que encontrar soluções para que essas situações não

aconteçam, pois, a verificarem-se, poderá, no limite, ocorrer a suspensão dos

serviços de transporte escolar por parte dos operadores, pelo menos nos moldes que têm sido praticados, isto é, os títulos de transporte, com os descontos previstos, poderão passar a ser vendidos diretamente aos alunos que, no entanto, terão de suportar o valor restante, ou poderão os operadores tomar outras medidas, tendo em vista a salvaguarda das empresas e dos postos de trabalho».

Recorde-se que desde, o início do ano, muitos têm sido os operadores a reclamar os pagamentos em atraso às autarquias. Alguns chegaram a ameaçar suspender os passes escolares. Exemplo disso foi o caso da Rodoviária do Tejo, que, no final de janeiro, revelava com “tolerância zero” com os municípios que persistiam no incumprimento do pagamento da dívida à empresa. No final de 2011, a dívida das autarquias à Rodoviária do Tejo ascendia a 11 milhões de euros. O presidente da Rodoviária do Tejo, Rui Silva, explicou que o

incumprimento do pagamento das dívidas por parte das autarquias estava a colocar as empresas numa “situação limite” e já não tinham condições para continuar a “financiar o sistema”, sob o risco de porem em causa o pagamento de salários e enfrentarem

conflitualidade social. «Enquanto empresas privadas, andamos a comprar dinheiro para

cumprirmos com as nossas responsabilidades porque as autarquias não nos pagam o que nos é devido», explica Miguel Fragoso. De acordo com o responsável da EVA Bus,

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«sempre que há um aumento tarifário, a procura baixa. Aumenta-se quatro por cento, mas depois perde-se oito por cento», ao que se junta o facto de, em concreto «não

existirem quaisquer medidas de incentivo à utilização do transporte público». Por esse

motivo, a manter-se a comparticipação das autarquias em 50 por cento ao transporte de estudantes, «a notícia seria bem-vinda», refere Eduardo Caramalho, «já que permitia

recuperar alguns passageiros». É óbvio que isso pressupõe o devido pagamento, sendo

que, segundo explica Cabaço Martins, «as empresas de transporte coletivo de

passageiros em carreiras interurbanas estão obrigadas a conceder bilhetes de assinatura mensais a todos os estudantes abrangidos pelo DL 299/84, sendo que o preço dos bilhetes de assinatura dos estudantes com idade igual ou inferior a 12 anos (sujeitos à escolaridade obrigatória) beneficia de uma redução de 50% (para os

estudantes com idade superior a 12 anos a redução do preço dos bilhetes de assinatura obedece a outras regras). Este preço é integralmente pago pelas autarquias, já que, como foi anteriormente referido, o transporte destes alunos é gratuito».

No final de fevereiro, e face à falta de pagamento das dívidas (superiores a 60 milhões de euros e por parte de cerca de 250 autarquias), a ANTROP emitiu um comunicado

recomendando aos seus associados que passassem a cobrar o preço do transporte aos 300 mil estudantes que utilizam diariamente o serviço de Transporte Escolar. Luís Cabaço

Martins afirmou não haver «outra alternativa». Segundo o responsável, muitos dos serviços de transporte escolar têm uma rentabilidade muito limitada e “garantir-se esse transporte nas condições atuais e com o nível de dívida que existe, significa a total insustentabilidade desses serviços, facto que impõe que sejam tomadas medidas que levem à manutenção do serviço público prestado, evitando-se situações de rutura que ninguém deseja,

designadamente as 500 mil pessoas que diariamente são por nós transportadas”.

Por: Andreia Amaral Fonte:

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