MIGUEL REALE .&
C
O
M
O
MIGUEL REALE
O DIREITO COMO
EXPERIÊNCIA
(Introdução
à
Epistemologia Jurídica)
2!' EDIÇÃO FAC-SIMILAR COM NOTA INTRODUTIVA DO AUTOR
Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) (Câmara Brasileira do Livro, SP, Brasill
Reale, Miguel,
1910-0 Direito como experiência : introdução à epistemologia jurídica / Miguel Reale. - 2. ed. - São Paulo: Saraiva, 1992.
1. Direito - Filosofia 2. Dir ito - Teoria 1. Título.
91-1089 CDU-340.12
lndices para catálogo sistemático:
1. Direito : Filosofia 340. 12
2. Direito jurldico : Teoria do Direito 340. 12 3. Epistemologia jurídica : Direito 340. 12
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PRINCIPAIS OBRAS DO AUTOR
O Esrado Moderno. 1933, 3 edições esg.Formação da Polt'lica Burguesa. 1935. esg. O Capilalismo Internacional. 1935. esg. Atualidades de um Mundo Anligo. 1936. esg. Atualidades Brasileiras. 1937. csg.
Fundamentos do Direi/o. 1940. esg. 2. ed. Re-vista dos Tribunais, 1972.
Teoria do Direito e do Estado. 1940. esg. 2. cd. 1960. esg. 3. ed., rev., Livr. Martins Ed., 1972. esg. 4. ed., Saraiva, 1984. A Doutrina de Kant no Brasil. 1949, esg. Filosofia do Direito. 1. ed. 1953. 2. ed. 1957.
3. ed. 1962. 4. ed. 1965. esg. 5. ed. 1969.
6. ed. Saraiva, 1972. 7. ed. 1975. 8. ed. 1978. 9. ed. 1982. 10. ed. 1983. 11. ed. 1986. 12. ed. 1987. 13. ed. 1990. Horizontes do Direito e da História. Saraiva,
1956. 2. ed. 1977.
Nos Quadrantes do Direito Positivo. Ed. Mi-chalany, 1960.
Filosofia em São Paulo, 1962. esg. 2. ed. Ed. Grijalbo-EDUSP, 1976.
Parlamentarismo Brasileiro, 2. ed. Saraiva, 1962. Pluralismo e Liberdade. Saraiva, 1963. Imperativos da Revolução de Março. Livr.
Martins Ed., 1965.
Poemas do Amor e do Tempo. Saraiva, 1965. Introdução e Notas aos "Cadernos de Filoso-fia", de Diogo Antonio Feijó. Ed. Grijal-bo, 1967.
Revogação e Anulamento do Ato Administrati-vo. Forense, 1968. 2. ed. 1980.
Teoria Tridimensional do Direito. Saraiva, 1968. 4. ed. 1986.
Revolução e Democracia. Ed. Convívio, 1969.
2. ed. 1977.
O Direito como Experiência, Saraiva, 1968. Direito Administrativo. forense, 1969. Problemas de Nosso Tempo. Ed.
Grijalbo-EDUSP, 1969.
Lições Preliminares de Direito. Bushatsky, 1973, 18. ed. Saraiva, 1991.
Lições Preliminares de Direito. Ed. portugue-sa. Coimbra, Livr. Almedina, 1982. Cem Anos de Ciência do Direito no Brasil.
Sa-raiva, 1973.
Experiência e Cultura. Ed. Grijalbo-EDUSP, 1977.
Polt'lica de Ontem e de Hoje (Introdução à Teo-ria do Estado), Saraiva, 1978.
Estudos de Filosofia e Ciência do Direito. Sa-raiva, 1978.
Poemas da Noite. Ed. Soma, 1980.
O Homem e seus Horizontes. Ed. Convívio, 1980.
Questões de Direito. Sugestões Literárias, 1981. Miguel Reale na UnB, Brasília, 1982. A Filosofia na Obra de Machado de Assis
-Antologia Filosófica de Machado de Assis. Pioneira, 1982.
Verdade e Conjetura. Nova Fronteira, 1983. Obras Políticas (1 ~ fase - 1931-1937). UnB,
1983. 3 vols.
Direito Natural I Direito Positivo. Saraiva, 1984. Figuras da Inteligência Brasileira. Tempo
Bra-sileiro Ed. e Univ. do Ceará, 1984. Teoria e Prática do Direito. Saraiva, 1984. Sonetos da Verdade. Nova Fronteira, 1984. Por uma Constituição Brasileira. Revista dos
Tribunais. 1985.
Reforma Universitária. Ed. Convívio, 1985. O Projeto de Código Civil. Saraiva, 1986. Liberdade e Democracia. Saraiva, 1987. Memórias. v. 1. Destinos Cruzados. Saraiva,
1986. 2. ed. 1987.
Memórias. v. 2. A Balança e a Espada. Sarai-va, 1987.
Introdução à Filosofia. Saraiva, 1988. O Belo e outros Valores. Academia Brasileira
de Letras, 1989.
Aplicações da Constituição de 1988. Forense, 1990.
Nova Fase do Direito Moderno, Ed. Saraiva,
1990.
Vida Oculta, Massao Ohno/Stefanowski Edito-res, 1990.
PRINCIPAIS OBRAS TRADUZIDAS Filosofia dei Diritto. Trad. Luigi Bagoli
G. Ricci. Torino, Giappichelli, 1956. li Dirillo come Esperienza, com ensaio introd.
de Domenico Coccopalmerio. Milano, Giuffre, 1973.
Teoría Tridimensional dei Derecho. Trad. J. A.
Sardina-Paramo. Santiago de Compostella, lmprenta Paredes, 1973. 2. ed. Universidad de Chile, Valparaíso (na coletânea "Juris-tas Perenes").
Fundamentos dei Derecho. Trad. Jolio A. Chiappini. Buenos Aires, Depalma, 1976. Introducción ai Derecho. Trad. Brufau Prats.
Madrid, Ed. Pirámide, 1976. 2. ed. 1977. 9. ed. 1989.
Filosofia dei Derecho. Trad. Miguel Angel Herreros. Madrid, Ed. Pirâmide, 1979. Expérience et Culture. Trad. Giovanni Deli'
À
Faculdade de Jurisprudência da
Universidade de Gênova
ÍNDICE GERAL
Nota introdulória
1 - Motivo da edição fac-similar
II - Momentos da Teoria Tridimensional do Direito Ili - Lógica Jurídica Formal e Lógica Jurídica Dialérica IV - O problemático e o conjelural no Direito
V Modelos do Direito: Modelos Jurídicos e Modelos Dogmáticos VI Uma antiga conversa a.inda alua[ sobre o presente livro Prefácio da 1.
ª
ediçãoENSAIO 1
O PROBLEMA DA EXPERrnNC!A JURIDICA
PÁG. XIII XIII XIV XIX XXI XXIV XXIX XX XVII
- A crise da teoria da experiência jurídica e a atualidade do tema 1 li - As três perspectivas filosóficas fundamentais da experiência jurídica 7
JU - A experiência ética na linha de Kant e dos neokantianos 13
IV - A experiência ética a partir da fenomenologia 20
ENSAIO II
EXPERISNCIA JURIDICA PRIO.-CATEGORIAL E OBJETIVAÇÃO CIENTIFICA
- Concretitude axiológica da experiência jurídica 25
II - Problematicismo e tipicidade da experiência jurídica - Sua natureza
dialética 31
I!! - A experiência jurídica pré-categorial 36
IV - A ordem imanente à experiência jurídica 41
ENSAIO III
ESTRUTURAS FUNDAMENTAIS DO CONHECIMENTO JURlDICO
I - A experiência jurídica sob os prismas transcendental e empírico·
positivo 51
II - Espécies de pesquisas positivas do Direito 58
III - Lógica jurídica e Lógica jurídica formal 65
IV - Analítica e Dialética Jurídicas 70
ENSAIO IV
FILOSOFIA JURIDICA, TEORIA GERAL DO DIREITO E DOGMÁTICA JURIDICA
1 - A Filosofia jurídica e o papel da Jurisprudência - A crise do Direito 75
II - Ontognoseologia e Epistemologia jurídicas 84
III - A Teoria Geral do Direito como teoria positiva de todas as formas cln
experiência jurídica 88
ENSAIO V
NATUREZA E OBJETO DA CLtNCIA DO DIREITO
- Direções fundamentais 93
li - O Direito como realidade "a se" de caráter normativo 95
TTI - O neo-positivismo jurídico 98
TV - O Direito como fato 101
V - Rumo à compreensão integral cio Direito 107
VI - A Jurisprudência como ciência histórico-cultural compreensivo-normativa 111
ENSAIO VI
CltNCIA DO DIREITO E DOGMÁTICA JURIDICA
- Os dois momentos da pesquisa jurídica li - Momento normativo e momento dogmático
Ili - Sistema e problema
IV - Problemática do "dogma" jurídico
123 131 135
O OJREHO COMO EXPERIÊNCIA
ENSAIO Vil
ESTRUTURAS E MODELOS DA EXPERIE.NCTA JURIDICA - O PROBLEMA DAS FONTES DO DIREITO
XI
I - Do conceito de estrutura na Sociologia e na Jurisprudência 147
li - O conceito de estrutura no plano filosófico e no científico-positivo 154
Tii - Natureza dos modelos jurídicos 161
IV - A teoria dos modelos jurídicos e a das fontes formais 167
V - Ciência do Direito e Teoria da Comunicação 173
VI - Espécies de modelos jurídicos e sua correlação 179
ENSAIO VIII
GIONESE E VIDA DOS MODELOS JURíDICOS
1 - Duas espécies de normativismo jurídico
II - Nomogênese jurídica
ITI - O nexo fálico-axiológico - O fato e o direito IV - Problemas de semântica jurídica
V - O tempo no Direito
li
ENSAIO IX
COLOCAÇÃO DO PROBLEMA FILOSÓFICO DA INTERPRETAÇÃO DO DIREITO
Do divórcio entre o filósofo do Direito e o jurista A perspectiva do filósofo no processo hermenêutico
ENSAIO X
PROBLEMAS DE HERMEN10UTICA JURJDICA
187 192 200 209 218 227 231
1 - A interpretação corno terna de Filosofia e de Teoria Geral do Direito 235
11 - A Hermenêutica jurídica como ciência positiva 237
Ili - Fenomenologia do ato interpretativo e objetividade 239
IV - O intérprete perante as intencionalidades objetivadas 241
V - Ato interpretativo e norma jurídica 245
VI - Imperatividade e interpretação 248
VII - Natureza axiológica do ato interpretativo e sua condicionalidade
VIII - Logicidade concreta do ato interpretativo como exigência de objetivação
racional 252
IX - Plenitude do ordenamento jurídico e pluralismo metódico 255
X - Interpretação e integração normativa 257
ENSAIO XI
EXPER!eNCIA MORAL E EXPERrnNCIA JURIDICA
1 - Duas perspectivas do problema 261
II - Sentido da subjetividade da Moral e da objetividade do Direito 264
III - A moralidade do Direito 269
IV - Os corolários da atributividade 271
ENSAIO XII
PENA DE MORTE E MIST1':RIO
1 - O problema da morte na consciência contemporânea 277
li - A morte e o conceito racional de pena 279
III - A morte à luz da filosofia existencial: Sêneca, Agostinho, Heidegger e
Sartre 280
IV - O absurdo da morte na gradação das penas 285
NOTA INTRODUTÓRIA
SUMÁRIO: I - Motivo da Edição Fac-similar; II - Momentos da Teoria Tridimensional do Direito; Ili - Lógica Jurídica Formal e Lógica Jurídica Dialética; IV - O Problemático e o Conjetural no Direito; V - Modelos do Direito: Modelos Jurídicos e Modelos Dogmáticos; VI - Uma Antiga Conversa ainda Atual sobre o Presente Livro.
I
MOTIVO DA EDIÇÃO FAC-SIMILAR
~ 1. Quando a Saraiva, a fim de atender a pedidos chegados de
todos os recantos do País, resolveu publicar a 2.ª edição de O Direito
como Experiência fiquei diante de uma alternativa: ou atualizar a obra, refundindo-a em alguns pontos para fazê-la corresponder ao desenvolvimento de meus estudos, quase vinte quatro anos após a primeira edição, ou, então, manter o texto inalterado, feita apenas a correção de lapsos graves que o enfeiavam.
Após atenta releitura, optei por esta segunda solução, porque me parece que o livro exige menos retificações de fundo do que notas complementares, com remissão a tópicos de livros posteriores onde o assunto passou a ser versado com mais amplitude ou profundidade. Daí a idéia da presente Nota Introdutória, a exemplo da tradução italiana, mas com o objetivo específico de salientar as conseqüências das investigações por mim elaboradas com base nas conclusões a que chegara em 1968.
Na realidade, a presente obra tem a distingui-la o fato de ter operado, por assim dizer, como um divisor de águas na corrente de
minhas pesquisas, abrindo meu espírito para problemas tanto de
Fi-losofia Geral como de FiFi-losofia e Ciência do Direito: alterá-la subs-tancialmente significaria, pois, perder o nexo que suas raízes guar-dam com os desenvolvimentos teóricos, notaguar-damente em razão da passagem de uma teoria da experiência jurídica para os amplos qua-dros de uma teoria da experiência em geral, objeto de Ex'[>eriência e Cultura, publicado em 1977.
Nem mesmo me parece necessário converter os Ensaios em Ca-pítulos, como se fez na edição italiana 1, por ter o ilustre mestre que a dirigiu, o Professor Domenico Coccopalmerio, da Universidade de Trieste, considerado plenamente comprovado o travamento que une todos os estudos numa seqüência lógica essencial.
Além do mais, na inteligência do autor, certos livros se revestem de uma configuração especial, de tal modo que nasce o receio de reto-cá-los para não alterar-lhes a fisionomia. Problema, pois, de filiação espiritual que peço seja respeitada.
O que me comove é saber que, depois de tantos anos, estando o livro esgotado, dele se faziam fotocópias para pesquisas de seminá-rios, ou para atender àqueles que cuidam da história das idéias jurí-dicas no Brasil, onde é sem dúvida crescente o interesse pelos proble-mas de Filosofia Social e Jurídica, não somente em razão de novos cursos universitários que conduzem à interdisciplinaridade, mas tam-bém em virtude da insegurança que reina em nosso ordenamento ju-rídico positivo, impondo o exame de seus alicerces.
Foi talvez a Filosofia do Direito o primeiro ramo filosófico a adquirir, em nossa Terra, dimensão própria, projetando-se univer-salmente por seus valores próprios, muito embora em necessária e fecunda correlação com o diálogo das idéias acima de distinções de fronteiras ou de idiomas. Hoje em dia, outros campos lavrados por nossos "filosofantes'', como é o caso da Lógica Paraconsistente de Newton A. da Costa, atraem a atenção de pensadores alienígenas, adquirindo, assim, a projeção já alcançada pelo Brasil no plano do Direito Positivo (nesse sentido bastaria o exemplo de Teixeira de Freitas). na Música, nas Letras, na Arquitetura e em alguns domí-nios da Ciência positiva.
Espero que esta edição, com as notas que a acompanham, possa
preencher a reclamada lacuna, contribuindo para a transladação à
esfera do Direito do espírito crítico de que andamos tão precisados.
II
MOMENTOS DA TEORIA TRIDIMENSIONAL DO DIREITO ~ 2. A teoria tridimensional do Direito não surgiu de repente, desde logo plenamente constituída, mas veio sendo completada e aper-feiçoada ao longo do tempo, graças a um constante trabalho de auto-1. Vide MIGUEL REALE - li diri110 come esperienza, Giuffre Editore, 1973, com Saggío i11trod11ttivo de DoMENICO CoccoPAl.MER!O.
0 DIREITO COMO EXPERIÊNCIA XV
crítica e também em função da emergência de novas diretrizes dou-trinárias no domínio da Ciência ou da Filosofia do Direito.
É claro que, como sói acontecer, essa teoria foi fruto de uma
intuição inicial, qwmdo, ao constatar a persistência de uma divisão tripartida da Filosofia elo Direito para fins didát;cos - desde o posi-tivista Icilio Vanni até os neokantistas Giorgio D21 Vecchio ·2 Adolfo
H.avà - , me ocorreu perguntar se essa tripartição não ocultava um
problema de fundo relativo à estrutura mesma de fenômeno jurídico. até então não devidamente analisado.
Essa primeira tomada de posição ocorreu em 1940, com a simul-tânea publica<;>ão de duas obras básicas na história de meu
pensamen-to jurídico, Fundamentos do Direito e Teoria do Direito e do
Esh-do ', de concepção geminada, corno foi bem observado, na época, por Waldemar Ferreira.
Nesses dois livros já saliento a existência de três elementos
cons-titutivos, sempre presentes em toda experiência jurídica, a que deno-minei fato, 1.:alot e norma, segundo terminologia ao depois uni\·ersa-lizada.
Essa primeira colocação do problema traduziu-se numa correla-ção estática e ainda não plenamente esclarecida entre aqueles fatores, por não ter ainda concebido o valor como ekmento autônomo, não redutível aos objetos ideais. Só depois viria superar a "idealidade axiológica" de inspiração platônica estabelecida por Max Scheler e Nicolai Hartmann, cujas diretrizes então seguia. Isto, porém, não me impediu de, à pág. 26 de Teoria do Direito e do Est':lio, já poder afir-mar, em 1940, que "é da int8grw:;ão do fato em wn i.:~lcr que surge a
nonna",
o que permitiu a Josef Kunz, em seu conhecido estudo sobre a Filosofia do Direito na América Latina, referir-se à "fórmula H.ea-le" como integração normativa de fatos segundo valores, expressão primeira da tridimensionalidade.~ 3. Foi nos anos seguintes, como o demonstram as sucessivas
preleções taquigrafadas de meu curso de Filosofia do Direito, que mi-nhas idéias sobre a tridimensionalidade vieram progressivamente se determinando, cm virtude, em primeiro lugar, de uma revisão da teo-ria dos objetos de Frank Brentano com base numa compreensão J'e:i.-lista da distinção kantiana entre ser (Sein) e d%er-s::>r (Sollen), com o entendimento de que o que dei.:e ser não pode deixai· de converter-se em algum momento da história, em algo de atualizado ou realizável, 2. O primeiro. tese com que me apresentei ao concurso de Filosofia do Direito na histórica Faculdade do Largo de S~o Francisco. apareceu como ediçi'o particu-lar (2." ed. da Rel'i.<f/l dos Tri/>11nais. com ampla Introdução de THEOPHILO CAVALCAN 11
FILHO) e o segundo foi i icialmenle publicado pela Livraria Martins Editora. sendo a 4.' cd. da Editora Saraiva, reestruturada com todos os textos estrangeiros traduzi-dos (1984).
sob pena de esfumar-se como quimérica aparência. Desse modo, o va-lor deixava de ser algo que é (um dado lógico ou ideal) para passar a ser algo que deve se1· (um dado deontológico). Não creio que essa mudança de enfoque seja irrelevante para um conceito autônomo de Axiologia.
Por outro lado, minha análise do problema do conhecimento le-vou-me a outra e complementar conclusão quanto à correlação
essen-cial entre sujeito e objeto, exposta em termos ontog1wswlógicos, isto
é, como fatores em mútua e unitária dependência. É claro, penso eu, que nessa dupla correlação entre sujeito e objeto e ser e dever-ser
está imanente uma dialética de novo tipo, a dia!étioa de
complemen-taridade, por sinal que cada vez mais prevalecente no campo da Filo-sofia da Ciência, como viria a expor, detalhadamente, em meu livro
Experiência e Cultura (1977). De tal modo, o objeto (meta do
pro-cesso gnoseológico) se convertia concretamente no objetivo visado
pelo processo valorativo e ético, compondo em integralidade meu pen-samento filosófico, depois exposto na obra supracitada.
Cabe notar que essas colocações dos dados do problema ocorre-ram sob a influência crescente da fenomenologia de Husserl, mas em uma "visão histórica" que poucos a consideravam compatível com a
sua teoria transcendental. Sua obra póstuma A crise da Ciência
euro-péia e a
f
encm.eno!ogia transcendental viria, porém, dar-me razão.Foi, assim, que surgiu o meu historicismo axiológico, feliz
denomi-nação dada a meu pensamento pelo fraterno amigo Luigi Bagolini, ao prefaciar a tradução italiana de minha Filo.sofia do Direito, que ele me deu a honra de traduzir conjuntamente com Giovanni Ricci. Na concepção histórico-axiológica da vida humana, que, em minha experiência pessoal representava o superamento do historicismo de Benedetto Croce e Giovanni Gentile, ainda apegados à dialética hege-liana, já está implícita a dial-etização ds fato, valor e norma, a qual, no dizer de Sanchez De La Torre, catedrático da Universidade de Ma-drid, representou inovação fundamental no estudo do que há de fac-tual, normativo e axiológico na experiência social e jurídica. Em ver-dade, é tão-somente quando os três fatores são vistos como termos
entre si diaieticamente correlacionados que se pode considerar
elabo-rada uma teoria fundada na estrutura tridimensional de qualquer
segmento ou momento da experiência jurídica. Foi propriamente em 1952 que essa idéia se me apresentou de maneira clara, sendo recebi· da com entusiasmo por Luigi Bagolini, ao retomar seu curso em nos-sa Faculdade de Direito.
Como se vê, minha Filosofia do Direito, cuja 1.ª edição é de 1953,
significa o ponto de chegada de uma longa e coni"inuada pesquisa, muito embora interrompida por freqüentes intervalos determinados por atividades políticas e administrativas, a que os intelectuais não podem fugir, sobretudo nos países do Terceiro Mundo. Aliás, se os
O DIREITO COMO EXPERIÊNCIA XVII
empenhos práticos, de um lado, nos afastam das elaborações teóricas, de outro, nos enriquecem de senso do real concreto, alimentando e re-orientando as fases sucessivas de indagação.
§ 4. Compre€nde-se, desse modo, também sob o ponto de vista
existencial, minha crescente simpatia pelo problema da concreção no
processo histórico-social, em geral, e no processo jurídico em particu-lar, o que começa a se delinear de maneira positiva em meu ensaio
pioneiro (modéstia à parte) intitulado Goncreção dg fato, val,or e
nor-ma no Direito Rrmu11w Clássico", o qual, segundo me é relatado por meu caro amigo Almiro Couto e Silva, que lhe ouviu as lições, em 1-Ieidelberg, era apresentado por Gerardo Broggini como uma das fon-tes da teoria da concreção jurídica.
Pois bem, foi em O Direito como Experiência que surgiu, em
1968, plenamente desenvolvida a minha visão concreta ou
experien-cial da realidade jurídica, superando de vez não somente o formalis-mo jurídico, cuja máxima expressão foi 1-Ians Kelsen, mas também todas as modalidades de compreensão unilateral do mundo jurídico, em contraposição frontal às recentes pretensões do neopositivismo ou do neo-realismo jurídicos, que, através de caminhos paralelos, preten-diam reduzir o Direito ao meramente factual.
1968 foi um ano decisivo na história de minha vivência jurídica, repetindo 1940 no que se refere à elaboração de duas obras
gemina-das, ou seja, Teoria Tridimensional do Direito e O Direito como
Ex-periência, ambas de Saraiva - Livreiros Editores. São livros que não podem ser compreendidos senão em essencial correlação, sendo o se-gundo, por assim dizer, continuação e especificação do primeiro como projeção no plano epistemológico das idéias gerais anteriormente fir-madas. Todavia, nem sempre se poderá estabelecer essa correlação em termos de gênero e espécie, porquanto o desenrolar da pesquisa implica, de per si, ir freqüentemente do genérico ao específico, e vice-versa. Vista no seu todo, a apontada correlação me parece, no entanto, plausível.
~. em suma, na presente obra que a correlação
fático-axiológico-normativa se apresenta em sua concretitude. Esta põe-se no plano
filosófico ou transcendental como momento da ontognoseologia
jurí-dica e do historicismo axiológico - objeto da citada 1.ª edição de
Teoria Tridirnen.si.vnal do Direito - , mas se realiza como modalidade de estruturas sociais, ou modelos jurídicos no plano empírico da expe-riência do Direito, o que explica o título dado à obra.
Dessarte, à cornpreensão fi"losófica vem acrescentar-se a com-preensão sociológica, esta nas linhas da Sociologia estruturalista de
3. Trabalho publicado na Revista da Faculdade de Direito da USP. vol. 49, 1954, e inserto, depois, na 1: edição de Horizontes do Direito e da História, 1956, págs. 58-RI.
Talcott Parsons e Robert Merton, coincidentes, aliás, em vários pon-tos, com as contribuições renovadoras de Gilberto Freyre.
A teoria dos modelos jurídicos eu a esbocei, inicialmente, em
co-municação escrita para o Congresso Internacional de Filosofia,
reali-zado em Viena, em agosto de 1968, apresentando-se já elaborada em
seus pontos capitais em O Direito como Expsriência.
Quando concordei em publicar a 4.ª edição de Teorh!
Tridimen-sional do Direito (1986), resolvi acrescentar-lhe um longo estudo
des-tinado a atualizá-la, oportunidade em que tratei com mais
profundi-dade do papel desempenhado pela Lebenswelt (o mundo da vida
co-mum) de inspiração husserliana na vida e morte dos modelos jurídi-cos, consoante será realçado logo mais.
O certo é que a presente obra constitui um momento essencial
em minhas renovadas investigações, tendo representado ponto de par-tida para estudos posteriores, não só na esfera do Direito, mas tam-bém na tela da Filosofia Gerai, como o demonstra talvez a minha
obra capital, Experiência
e
Cultura, recentemente vertida para ofrancês•. Nesse sentido, rogo ao benévolo leitor que estenda a este li-vro as referências que encontrar a um meu escrito de 1966, intitula-do "Fenomenologia, Ontognoseologia e Reflexão Crítico-Histórica",
porquanto ele foi o embrião de Experiência
e
Cultura.Apenas para completar a exposição dos momentos da leoria tri-dimensional do Direito, de seu Ensaio X sobre problemas de Herme-nêutica Jurídica resultaram minhas últimas pesquisas sobre os pres-supostos filosóficos e a natureza da interpretação do Direito, à luz do pensamento conjetural, tal como é exposto em Estudos de
Filoso-fia e Ciência do Direito (1978) e Noi:~t Fase do Direito Moder-no (1990).
É por todas essas razões que, ao se dispor a Editora Saraiva a
fazer a 2.ª edição de O Direito ccmw Experiência, julguei mais
con-veniente limitar-me à revisão de lapsos da edição anterior, fazendo-a
anteceder desta Nota Introdutória destinada a apontar os pontos fJUe
merecem correção ou complementos, à luz dos últimos desenvolvi-mentos de minhas pesquisas. Ver-se-á que não teria senticlo refundir algumas páginas de um livro que possui a sua dimensão histórica na evolução de meu pensamento. O cotejo desta Nota com o texto de 1968 servirá tanto para comprovar a evolução como a contínua revisão crítica e as retificações essenciais à investigação científica, a qual, conforme conhecido magistério de Karl Popper, se desenvolve segundo sucessivas tentativas e refutações, o que não significa que deva ser alterado o que ainda resiste à ação erosiva do tempo.
4. Cf. Expérience er C11/111re, Fondemelll d'une tlrforie gé11éra/e de f'expérien-ce, 1990, trad. de Giovanni Dell'Anna, Editions Biére, Bordeaux. com prefácios de
O DIREITO COMO EXPERIÊNCIA XIX
III
LóGICA JURtDICA FORMAL E LóGICA JURíDICA DIALÉTICA 5. Por ocasião do III Congresso de Filosofia Social e Jurídica, ocorrido cm São Paulo, cujos Anais foram publicados sob o título
.Li-berdade, Participação, Comunidade\ Roberto Vernengo, ilustre pro-fessor de Filosofia do Direito da Universidade de Buenos Aires, ofe-receu uma comunicação destinada a delinear a situação atual da
Ló-gica Jurídica. Nesse trabalho R. Vernengo atribui à posição de Carlos
Cossio e à minha, perante essa disciplina, mero valor de documentos históricos superados pelo rápido desenvolvimento dos estudos.
Ele pode ter razão quanto a Cossio, que reduzia a Lógica
Jurídi-ca à Teoria Pura do Direito - o que é deveras inadmissível, muito
embora Hans Kelsen tenha contribuído mais do que ninguém para uma visão autônoma e geral do "normativo" com base na categoria de dever-ser - , mas não penso que a crítica seja procedente com relação ao que afirmo nos parágrafos 8 e seguintes do Ensaio II deste livro (págs. 65 usque 74).
Ou Vernengo tresleu o que escrevi, ou se deixou levar pela pai-xão neopositivista de não admitir outra Lógica além da Lógica For-mal, Simbólica, Matemática ou que melhor nome tenha, não admi-tindo, por prevenção, a Lógica Dialética ou Concreta.
Penso que as dúvidas por mim suscitadas, em 1968, sobre o al-cance da Lógica Jurídica, enquanto Lógica das estruturas proposicio-nais do Direito, ainda não foram de todo superadas, como o
demons-tra o inquietante diálogo demons-travado entre Hans Kelsen e Ulrich Klug,
que levou o Mestre da Teoria Pura às surpreendentes conclusões con-tidas em sua obra póstuma, Teori.a Geral das Norm'.1.s ".
~ 6. A Lógica Jurídica formal, tal como é hoje em dia
enten-dida, tem uma história recente, adquirindo perfil mais nítido a
par-tir dos estudos de De6ntica Juríd'ioa estabelecidos com base nas
decisivas contribuições sobre a teoria das normas de Von Wright, o qual em 1951, por sugestão de Broad, passou a usar o sintagma
Deontic Logic como título de seu já clássico ensaio sobre o sistema
formal de lógica dos modos deônticos obrigatório, proibido ou per·
mi tido.
Como nos lembra Tecla Mazzarese, Norberto Bobbio, em 1962, em Diritto e Lo9ica, já inrfagara da possibilidade de serem respon-didas pela Deõntica Jurídica, enquanto memento da Lógica Jurídica, estas duas perguntas: a) "É possível, e em que condições, uma vá-lida inferência entre normas?"; b) "Quais são as características de
5. Cf. Edição do INSTITUTO BRASltF.lRO Df. F1wsoF1A, São Paulo, 1986. 6. Cf., sobre o assunto, MIGUEt REAi.E - No1·a Fase. do Direito Moderno, São Paulo, 1990, pág. 201, no estudo intitulado "O terceiro Kelsen".
um sistema jurídico e em que condições se pode falar de um orde-namento jurídico como sistema?" 1 • Pois bem, são esses dois
quesi-tos que Tecla Mazzarese, com base em análise da linguagem jurídica, considera ainda não resolvidos satisfatoriamente pela Deôntica Ju-rídica 8 •
Comparada com essa atual atitude dubitativa, não se poderá negar que, em 1968, eu revelava posição mais otimista perante a Deôntica Jurídica, da qual esperava, como se pode ler à pág. 68, "preciosas contribuições à determinação dos conceitos jurídicos, da estrutura da norma jurídica, do silogismo prático e dos nexos de
inferência entre as proposições normativas, em geral, bem como à
elucidação das figuras de qualificação jurídica e das condições
in-dispensáveis à configuração do Direito como 'sistema' e
'ordena-mento'".
Esclareço, no entanto, que, na mesma pág. 68, declaro ser "evidente que a Lógica Jurídica formal não pode deixar de fazer
abstração do variável oonWúdo axiológico das regras de direito,
assim como de sua mutável condicionalidade fática", o que não ex-cluía a possibilidade da formalização normativa chegar a levar em conta, vetorialmente, a existência da realidade factual ou valorativa
do Direito no seu todo, sem imiscuir-se na infinita variabilidade dos
fatos e valores. Neste ponto, confesso que fui surpreendido pelos
recentíssimos trabalhos de forrruilização dual (a norma em função
do valor) ou mesmo trina (a norma em função do fato e do valor)
resultantes da aplicação ao mundo do Direito da Lógica Paracon-sistente, um de cujos fundadores é o grande lógico brasileiro Newton A. da Costa. Nem é demais lembrar que nessa tarefa pioneira
co-labora por sinal também Roberto J. Vernengo, ao lado de Leila
Zar-do Puga e outros. Quanto à formalização da teoria tridimensional, bastará referir-me ao estudo de Leila, que a analisa sob o prisma da Lógica Paraconsistente 9 •
Como se vê, houve e continua a haver inegáveis progressos na tela lógico-juridica, mas sem desmentido de minhas colocações ini-ciais do assunto quanto ao que, no Direito, transcende o aspecto proposicional.
Todavia, o que me parece fora de contestação é que a Lógica Jurídica formal não cobre, nem pode cobrir, todos os momentos do processo normativo peculiar à experiência do Direito, quer no que se refere à gênese dos modelos juridicos e suas mutações, por
tratar-se de um sistema normativo dinâmico cheio de insurgências e
recor-rências; quer no tocante aos problemas de validade e eficácia; quer 7. Diritto e Logica, 1962, págs. 25 e segs.
8. TECLA MAZZARESE, Logica Deolltica e /inguaggio giuridico, Pádua, 1989, pág. 3 e passim.
9. Cf. LEILA Z. PuoA - "A Lógica deôntica e a Teoria Tridimensional do
O DIREITO COMO EXPERl~NCIA XXI
no concernente à sempre aberta captação hermenêutica de seus significados; quer quanto aos critérios de sua aplicação judicial, e, por fim, no que se refere às exigências lógicas que presidem a téc-nica da argumentação e de persuasão, objeto de conhecidos estudos de Perelman, Viehweg e Esser. Para esse amplíssimo e variegado campo da experiência jurídica é que, a meu ver, torna-se necessário recorrer a processos dialéticos, cuja variedade e amplitude ponho
em realce em Experiência e Cultura.
Não vejo razão, pois, para alterar o que escrevo, de págs. 70
a 74, sobre uma distinção fundamental entre Analítica e Dialética
Jurldicas, sobretudo depois que foi superado o monopólio marxista na matéria, reconhecendo-se outras modalidades de dialética, à cuja frente situo a dialétioa d.e cornpl.61'/'LentaridJ:ul,e como a mais própria ao mundo do Direito. Nem é de somenos salientar a correlação exis-tente entre essas duas ordens de método e de pesquisa, como assina-lo na parte conclusiva do Ensaio III.
IV
O PROBLEMATICO E O CONJETURAL NO DIREITO
§ 7. Tenho para mim que a evolução de meu pensamento não
obedece a mutações bruscas, mas antes a uma demorada vivência
dos problemas. É o que se pode notar quanto ao assunto tratado
no Ensaio VI deste livro, onde me refiro aos estudos, em cuja
modernidade é manifesta, sobre a natureza problemática ou
dogmá-tica da Ciência do Direito, entendido, é claro, o termo "dogmático"
em seu sentido técnico, isto é, como enunciação da
norma
jurídicaa ser seguida, em virtude de uma decisão do poder, que põe fim, velo menos provisoriamente, às opções espontâneas do processo nor-mativo.
Como explico, no mencionado Ensaio, o momento normativo do
Direito - que pode ter início no âmbito da sociedade civil para,
aos poucos, merecer a atenção do legislador ou dos órgãos
jurisdi-cionais, para distinguirmos entre Civil Law e Common Law - é
uma das expressões mais significativas do processo geral de
objetiva-ção, ou melhor, de objetivização de formas de sentir, pensar e que-rer, mediante as quais o homem se afirma como indivíduo ou como membro de uma coletividade.
Sem se converter em algo de objetivo ou de heterônomo, ou seja, em algo dotado por si mesmo de validade e eficácia, o ato
hu-mano se esfuma ou se esvai, sem deixar sinal de si. A
objetiviza-ção - que é o ato de tornar algo objetivo, distinto do sujeito cria-dor - , como penso ter demonstrado em vários escritos, mas
sobre-tudo em Experiência e Cultura, é o ato nomotético fundante sem o
.
no processo civilizatório. É que, se um ato é dotado de per si de validade e eficãcia, pelo menos como potencialidade, ele culmina em
alguma forma objetiva, que pode ser tanto uma fórmula científica quanto um poema, tanto uma obra de arte quanto um enunciado normativo, uma regra destinada a disciplinar uma classe previsível de ações futuras.
Ao contrário da afirmação de N. Hartmann, que vê nas objeti-vizações um ato de resfriamento, por assim dizer, do "espírito sub-jetivo", entendo que elas o potenciam, não apenas porque assegu-ram duração às suas criações, mas também porque permitem a in-tercomunicação e o confronto com as objetivizações oriundas dos demais homens, constituindo, assim, a ponte e a base do desenvol-vimento material e espiritual. Não há dúvida que as obras
instaura-das, aquilo que Hartmann denomina hegelianamente "espírito
obje-tivo", pode converter-se em fator de resistência ou de empecilho a novos atos institutivos, mas, em geral, ele opera como plataforma a partir da qual o homem se lança a novos vôos.
Através de múltiplas modalidades de comportamento (acordo
de vontades no plano negocial; reiterados modos de ser e de
enten-der consolidados em usos
e
costumes, convergência de julgados deórgãos jurisdicionais e, por fim, a decisão do legislador)
desenvol-ve-se a experiência normativa do Direito, a qual tende sempre a
converter-se em parâmetros ou paradigmas, à cuja luz possam ser
aferidos os contratos, obedecidos os costumes, cumpridas as sen-tenças e as leis.
§ 8. Ora, perante esses processos múltiplos e incessantes de
"norrnativização da vida humana" há os que optam por um
entendi-mento aberto, dando um sentido problemático até mesmo às soluções
resultantes de um acordo de vontades privadas ou de uma decisão do poder público, cuja provisoriedade proclamam; há os que, em
campo oposto, enaltecem o valor primordial do decidido (fonte
pri-meira de todos os tipos de "decisionismo") e atribuem mero valor preparatório a tudo aquilo que antecede a formulação da norma
imperativa, e são os que conferem valor primordial à Dogmática
Jurídica; e, em terceiro lugar, figuram aqueles que não vêem
con-traposição entre problema e dogma jurídico (entenda-se: norma
ju-rídica obrigatória posta por ato de autoridade) e, por via de conse-qüência, entre problema e sistema, convictos de que este não supera
aquele, pela simples razão de não se poder compreender o sistema com abstração de todos os problemas que lhe deram causa.
É claro que a cada uma dessas diretrizes fundamentais
corres-pondem também três tipos de obrigatori.füade jur·ídíca, a qual é
pu-ramente indicativa, segundo pensam os primeiros (natureza facul-tativa da norma jurídica, certificável em cada caso); enquanto é
imperativa, no entendimento dos segundos, como expressão do que-rido e decidido (natureza imperativa da norma jurídica, de per si,
O DIREITO COMO EXPERIÊNCIA
xxm
erga omnes); sendo, para os que se alinham na terceira posição,
uma obrigatoriedade desvinculada da vontade de quem põe a regula
iuris, em virtude de seu conteúdo essencialmente a."Ciológico, deven-do, pois, o dogma legal ser recebideven-do, como e~crevo à pág. 134, "não como um conteúdo ordenado e rígido, mas como um sentido de ação que objetivamente deve ser valorado e concretamente experiencia-do", podendo-se afirmar que "o poder queda, de certa forma, envol-vido pela norma que ele acaba de positivar", inserindo-se no con-texto normativo a que pôs termo em virtude de sua superior opção.
~ 9. Pois bem, foi a meditação dessa complexa problemática
que aos poucos me levou a analisar o pensamento problemático como tal, objeto de um pequeno livro, Verdade
e
Conjetura, que é de 1983.o qual influiu em Nova Fase do Direito Moderno, no que se refere
à natureza conjetural de categorias jurídicas fundamentais, como a
de pessoa humana, a da obrigatoriedade da lei mesmo para os que a ignorem; a unidade e as lacunas dos sistemas e ordenamentos ju-rídicos.
É claro que, se fosse tratar, hoje em dia, dos temas ventilados no Ensaio VI, os analisaria mais diretamente à luz do "pensamento conjetural", muito embora já tivesse, em 1968, plena consciência do valor do "problemático" na vida social, em geral, e na jurídica em
particular, dado o reconhecimento da radical historicidade do ser
hmnano, ao qual é inerente o valor da liberdade, muito embora
nenhuma responsabilidade tenha quanto à sua chegada onde e como
no Mundo.
Ora, meus estudos sobre a conjetura, a partir sobretudo das
referências de Kant ao pensamento problemático - ponto de sua
doutrina bem pouco analisado - , chegaram a algumas conclusões que me permito aqui enumerar:
a) a conjetura não se confunde nem com o quimérico nem com
o arbitrário, mas corresponde antes a um juízo de
plausi-bilidade, formulado em isonomia com a experiência, de tal modo que dura enquanto esta com ela se harmoniza; b) a conjetura não corresponde a um juízo aleatório ou
even-tual, mas nasce, ao contrário, da necessidade de atender a certos reclamos experienciais que a ciência desconsidera por estarem além de suas possibilidades certificadoras ou veri-ficadoras;
c) a conjetura possui um status epistemológico próprio, não se
confundindo com a probabilidade, cujos dados numéricos
são certificáveis ou previsíveis, nem com a analogia .• que
obedece a parâmetros racionais próprios, de procedência ou viabilidade;
alberga uma compreensão de sentido válida tanto no plano
da Ciência como no da Metafísica;
e) a conjetura, na tela científica, às vezes opera como uma
"suposição", uma "hipótese imaginária", ou uma "ficção", a partir da qual se pode chegar a formas de conhecimento verificáveis 00 •
Penso eu que, com tais colocações do problema, superam-se
mui-tas das razões da contraposição rigidamente firmada entre prob"lema
e sistema, em virtude do que neste há de conjetural; em última análi-se, um sistema é uma ordenação conjetural de problemas que visa tanto a compreendê-los como a possibilitar o advento de novos pro-blemas, assegurando a continuidade da ciência, a qual não tem ape-nas uma finalidade gnoseológica, mas também o fim ético de aper-feiçoamento humano.
No que tange à questão particular da obrigatoriedade objetiva do Direito, de que trata o Ensaio VI, o pensamento conjetural me parece ser de grande valia, pois a exigibilidade de sujeição à lei da-qlleles que a ignoram somente se legitima à luz de um postulado da razão prática jurídica, uma vez que admitir o contrário importaria no absurdo de subverter-se toda a ordem jurídica, sem a qual a so-ciedade pereceria. Ora, todo postulado, à luz da Epistemologia
con-temporânea, é essencialmente um como se, um als ob ou als
if,
admi-tido em razão do absurdo a que nos levaria a tese oposta, operando como "hipótese de trabalho", conforme feliz terminologia de Claude Bernard.
V
MODELOS DO DIREITO: MODELOS JURíDICOS E MODELOS DOGMATICOS
§ 10. Uma das partes fundamentais, e, a meu ver, mais
origi-nais do presente livro refere-se à colocação da experiência jurídica em termos de "estruturas normativas" ou "modelos jurídicos".
É no Ensaio VII que procuro demonstrar que a vida do Direito
não se desenvolve com referência a modews abstratos postos ab
extra, por um ato de autoridade, mas sim como uma contínua "pro-vação" ou "experimentação" de modelos concretos, onde o formal necessariamente se casa ao conteúdo, sendo observáveis, nesse pro-cesso, avanços e recuos, ou, como diria Gilberto Freyre, surgências, insurgências e recorrências.
10. Sobre todos esses pontos, v. MIGUEL REALE - Verdade e Co11jet11rn, Rio de Janeiro, 1983.
O DIREITO COMO EXPERIÊNCIA
xxv
É claro que, no plano puramente lógico, podemos conceber
mo-<k'los jurídicos como idealidades de referência, operando corno parâ-metros ou paradigmas hermenêuticos ideais, mas não creio que na vida comum do Direito tais entes espectrais possam ter importância decisiva, por mais que a utopia possa interferir nos meandros da história. Preferi entrar em contato com a modelagem jurídica que a humanidade vem realizando desde a tomada de consciência de seu
ser social ou de seu ser coletivo, do qual defluem pretensões e deve-res recíprocos entre os consociados.
Sempre me impressionou o fato de que o povo criador do Direito
não foi um escravo da lei, como mandamento do Estado, mas antes
um criador de fórmu"las ordenadoras no bojo da sociedade civil mes-ma, à medida que os fatos iam ditando e a necessidade ia exigindo soluções normativas, "facti"bus dictantibus ac necessi.tate exigente".
Eram os jurisconsultos que forneciam aos litigantes a formula iuris
que o pretor, armado de auctoritas (e podia ser leigo em Direito),
convertia em norma iuris através de sua decisão fundada em
crité-rios práticos de bom-senso.
Por iguais razões, tenho especial simpatia pelo Common Lclw,
que não é "a lei comum", como se poderia supor, mas sim "o direito comum" que emerge das intencionalidades e comportamentos indivi-duais e coletivos, cuja juridicidade os tribunais vão consagrando.
Pois bem, ante essa visão concreta de modelos jurídicos elabo·· rados na imanência social, pareceu-me, num primeiro momento, que
estes acabariam por substituir as tradicionais fontes do Direito,
con-sideradas fontes exauridas, no § 9 do referido Ensaio. A esse respeito,
houve duas alterações significativas em meu pensamento. Em
pri-meiro lugar - como se pode verificar sobretudo em minhas Lições
Preliminares de Direito (l.ª ed., 1973), onde se compendia grande parte de minha Teoria Geral do Direito - , preferi conservar o
termo fontes do direito para designar as categorias formais através
das quais os mo<k'los jurídicos se revelam, ou, por outras palavras,
as formas tipificadoras da mo<klagem earperimental do Direito.
Vistas a essa luz, fui levado a distinguir quatro formas de fontes do direito, a saber: a "legal, a consuetudinária, a jurisdicional e a
negocial, não incluindo entre elas a doutrinária ou "o Direito dos juristas" (Juristenrecht).
§ 11. É que, consoante entendimento posterior, somente se pode
falar em fonte do direito quando uma estrutura normativa é dotada de Po<kr de obrigar seus destinatários a cumprir o que nela se
de-termina. No caso da lei, esse Poder é obviamente o Legislativo; no
caso do direito costumeiro, é o Poder difuso correspondente ao
con-substanciado em reiteradas e convergentes opções jurídicas objetivi-zadas; na hipótese do Direito jurisdicional, é o Poder Judiciário; e,
finalmente, na hipótese das fontes negociais, temos a autonomia d':l
de vontade", pouco importando que seja um poder derivado, resul-tante da lei e por ela assegurado, porquanto o que releva é a natureza do liame e a atualização especifica da faculdade genericamente outor-gada pelo legislador.
Pois bem, são as fontes que põem in esse os modelos jurídicos,
os quais se apresentam como "estruturas normativas de fatos segun-do valores, instauradas em virtude de um ato concomitante de esco-lha e prescrição" 11 •
A diferença essencial entre umas e outras é que as fontes são
retrospectivas, remontam às nascentes de que emergem os modelos
jurídicos, enquanto estes são prospectivos, voltados para a realização
futura dos objetivos que lhes deram nascimento. Resulta daí uma mudança radical no processo hermenêutico, que não fica retrospec-tivamente apegado às fontes (à "intenção do legislador", ou à "in-tenção da lei", por exemplo), mas prospectivamente orientado no
sentido dos fins paradigmaticamente enunciados nos modelos
jurí-dicos.
Costumo, a esse propósito, lembrar, como o notou Wolf Paul, que Karl Marx, assistindo às aulas de Savigny, criticou-o por inter-pretar o Direito remontando às suas nascentes, e não segundo o fluxo das águas do rio no qual o homem se situa navegando em seu barco. Eis aí uma verdade marxista que flutua não obstante o nau-frágio do socialismo real .
Não será demais observar que nessa visão da experiência jurídi-ca a compreensão axiológica da vida do Direito se converte
natural-mente em compreensão teleológica, mesmo porque, no meu entender,
o fim não é senão o valor racionalmente reconhecido como objetivo
da ação. É por isso que, enquanto o mundo sempre agitado e
impre-visível dos valores - não obstante a existência de invariantes
ax1.oló-gicas - desafia nossas forças intuitivas e racionais, o mundo dos
fins resulta de uma filtragem racional daquilo que é valorado,
im-portando numa opção intelectual por um dos caminhos possíveis: é
essa a razão de ser da norma jurídica, a qual se põe sempre como um
dJ:Ulo racional destinado a ser racionalmente interpretado, ainda que não possam e não devam ser olvidados os motivos axiológicos que
lhe deram sei·, mesmo quando tisnados de irracionalidade. O que
cabe à razão é realizar o superamento das contradições inerentes
ao mundo das estimativas, o que só é possível em termos de
razão
concreta ou de razão d-ialética (na qual a razão argumentativa se insere) decidindo sobre os critérios que devem ser seguidos na apli-cação da norma jurídica, na medida de sua elasticidade axiológica, até que surja a necessidade de sua revogação formal.
O DIREITO COMO EXPERIÊNCIA XXVII
Essas considerações vêm reforçar o já dito sobre a minha
com-preensão concreta, por seu conteúdo (contenutistica, diria um
juris-ta peninsular), dos modelos jurídicos, cuja absolujuris-ta positividade é necessário salientar, para que se não confunda o modelo com um ente ideal, concebido abstratamente além da expe1iência.
Tudo isso implica nova compreensão da Hermenêutica Jurídica,
já delineada nos Ensaios IX e X, numa vi.são d«3 integralidade, ac
mesnw tempo lógica, axiológica e histórico-social, que só
aparente-mente pode ser equiparada ao método histórico-evolutivo que mar
cou o ponto mais avançado a que poderia chegar a Jurisprudência clássica, na passagem do plano dos conceitos para o plano dos
inte-resses.
Como o problema dos modelos jurídicos é inseparável de sua
exegese (a Hermenêutica é, penso eu, uma das partes fundamentais
da Axiologia), peço que a leitura dos dois Ensaios supracitados seja completada pelo que escrevo sobre "Hermenêutica estrutural" em
meu livro Estudos de Filosofia e Ciência do Direito.
§ 12. Não haverá mal, todavia, em referir-me ao papel que o
conceito de Lebenswelt (mundo da vida comum) passou a
desempe-nhar, a meu ver, na exegese dos modelos jurídicos, a fim de compreen-der-se melhor suas variações semânticas até a sua revogação ou des-constituição.
A noção de Lebenswelt, ou do mundo da vida comum, ao qual
me refiro à pág. 40, segundo alguns remontaria à idéia de Common
Sense subtilmente elaborada em termos psicológicos pelos filósofos escoceses do Séc. XVIII. Husserl emprega-a, porém, em sentido de condição transcendental da existência do homem comum, que somos todos nós, em nossas relações sociais, donde ser essa idéia apresen-tada como fonte inspiradora da filosofia de Heidegger.
Por Lebenswelt, inspirando-me em Husserl, entendo o complexo
das formas de ser, de pensar e de agir não categorizadas (isto é, não
estadeadas em formas objetivas, como as das artes e das ciências)
que condiciona, como consciência históritranscendental, a vida co-munitária e a vigência de suas valorações, muitas delas devidas ao
refluxo ou reflexo das forrnas objetivas no plano da vivência coletiva.
Não se trata, note-se bem, de um estágio larvar ou incipiente desti-nado a evoluir para formas categorizadas superiores, mas sim de uma condição existencial c<Jnstante, a qual varia incessantemente de
conteúdo, mas nunca deixa de existir como
o
graruLe envolventesocial, no qual acham-se imersos os indivíduos com suas obras e
instituições. Poder-se-ia dizer que a Lebenswelt condiciona o rnwndo
da cultura, no sentido antropológico desta palavra, se ela não fosse um dos seus elementos constitutivos, em correlação essencial e
com-plementar com as referidas formas categorizadas das ciências e das
Ora, sendo o Direito uma das dimensões da vida humana, seus
modelos jur!dicos e dogmáticos estão sempre na dependência das
mutações operadas na Lel>enswelt. O Direito, em suma, tanto no seu evolver como na sua hermenêutica, não pode deixar de ser influído pela Lebenswelt, assim como esta recebe também influxos a partir das estruturas jurídicas e das conquistas da Ciência do Direito. É o que procuro explicar na parte final da 4.ª edição de Teoria Tridi-mensional do Direito, de 1986, cuja leitura seria complemento natu-ral do presente livro.
§ 13. Outro ponto que desejo realçar, a propósito do assunto
desenvolvido no Ensaio VII, § 7, é uma alteração de natureza
termi-nológica.
Após a publicação de Lições Preliminares de Direito, venho
dando ao termo "Modelos do Direito" um sentido genérico que
abran-ge duas espécies, a dos modelos jurídicos e a dos modelos dogmáti-cos. Neste livro, ao contrário, os modelos elaborados pela doutrina, isto é, pela Ciência do Direito, são impropriamente denominados "modelos do Direito" ou "modelos dogmáticos'', motivo pelo qual se torna necessária uma releitura da pág. 163, atualizando-se a respec-tiva terminologia, ficando assente a seguinte divisão:
{
a) modelos juridicos, dotados de
for-Modelos do Di.reito ça prescritiva;
(estruturas normativas
da experiência jurídica) b) modelos dogmáticos, dotados de
força indicativa ou persuasiva.
A ciência dos juristas pode, em suma, elaborar modelos teóricos
indispensáveis à compreensão dos modelos jurídicos, mas, além de
não poder fazer abstração destes, tem por finalidade estabelecer o que os modelos jurldicos significam ou devem significar: em
rela-ção aos modelos jurldicos, portanto, os modelos dogmáticos
repre-sentam uma metalinguagem jurídica: são, fundamentalmente, um
discurso sobre modelos jurídicos, sua estrutura lógica e axiológica, suas variações semânticas e pragmáticas, e sua lacunosidade nos sistemas e subsistemas que compõem o ordenamento jurídico.
Por aí se vê que acentuo mais ainda as razões pelas quais não considero a doutrina uma fonte formal do Direito, visto como os modelos teóricos que ela constitui se acham desacompanhados de ga· rantia do Poder, sem cuja decisão não se instaura nenhum modelo jurídico como tal.
É claro que, no plano factual, a alta significação de uma tese doutrinária pode levar os tribunais a decidir em consonância com ela, preenchendo as lacunas dos modelos jurídicos legais e negociais, ou interpretando-os de maneira renovadora, mas, nesse caso, como no Oommon Law, o entendimento teórico ganha força prescritiva graças ao Poder Judiciário, provocando reformas no Poder Legisla-tivo.
O DIREITO COMO EXPERIÊNCIA XXIX
Nesse entendimento, como aliás realço no § 15 do Ensaio VII,
não diminuo, mas antes enalteço, a função dos mode1.o8 ck>gmáticos,
cuja finalidade é determinar: a) como as fontes podem produzir mo-delos jurídicos válidos; b) que é que esses momo-delos significam; c) como
é que eles se correlacionam entre si para compor figuras, institutos,
subsistemas e sistemas, tudo na unidade lógico-axiológica do orde-namento jurídico nacional. Se, efetivamente, a missão mais imediata dos juristas é determinar o que os modelos jurídicos significam, não é menos certo que, por razões de Política do Direito e pelo próprio evolver da Ciência Jurídica, cabe-lhes abrir primeiramente o caminho para a revogação dos modelos jurídicos tornados inadequados e sua substituição por outros mais correspondentes às necessidades ma-teriais e espirituais do povo.
Essa posição de vanguarda do Juristenrecht é incontestável,
de-vendo-se reconhecer que os jurisconsultos brasileiros, de Ribas a Teixeira de Freitas, de Lafayette a Clóvis, de Rui ou Pedro Lessa a Pontes de Miranda, têm sabido con·esponder a esse nobre mandato intelectual.
A irredutibilidade dos modelos dogmáticos às estruturas das fon-tes formais e dos modelos jurídicos, longe de cercear-lhes plena
li-berdade investigadora, vai compondo, aos poucos, o horizonte teórico
dentro do qual se desenrola o drama da experiência jurídica nacional. Que missão poderia haver maior que essa?
VI
UMA ANTIGA CONVERSA AINDA ATUAL SOBRE O PRESENTE LIVRO
Editado, em 1968, O Direito como EX'periência, provocou ele
incontinenti a atenção dos cultores do Direito do País, com a publi-cação de artigos que enalteceram seus méritos, mas formularam crí-ticas e observações que me pareceram merecedores de resposta, a que dei o título de Cmiversa com meus crítiooo, tal como consta do fascículo 74 da Revi.sta Brasileira. de Filooofia, do segundo trimestre de 1969, págs. 231 e seguintes.
Os trabalhos a que me refiro nessa resposta - a qual, por sua
atualidade, julgo de bom alvitre apresentar como complemento às considerações anteriores, conforme artigos constantes do mesmo fas··
ciculo da RBF - foram de autoria dos saudosos amigos e colegas
Leonardo Van Acker e Theophilo Cavalcanti Filho, que escreveram, respectivamente, sobre EX'[lfffiência
e
epúitemologüz jurídica e Are-volta contra o
f
ormoJ,ismo jurídico e o -problema da experiência. Osdemais artigos foram escritos por Renato Cirell Czerna -
Dia-lética da experiência jurídica; e Tércio Sampaio Ferraz Jr. - Algu-mas observações em torno da cientificidade do Direito segundo Mi-guel &ale.
Foi esse, sem sombra de dúvida, um momento que veio confir-mar a maturidade dos estudos de Filosofia do Direito no Brasil.
Eis a parte essencial do mencionado texto, atualizada apenas a sua ortografia:
Fundação da Ciência do Direito
"A colocação da científicidade do Direito em termos de expe-riência resultou de exigências intrínsecas ao desenvolvimento da pesquisa, ditadas pela necessidade de atingir um conceito de Ciência Jurídica que seja tão concreto como concreto se me afigura o Di-reito na concretitude da experiência social e histórica.
Não vi razão para, como intróito do livro, relembrar os pressu-postos de minha posição ontognoseológica, preferindo reportar-me a trabalhos anteriores, a fim de concentrar a atenção do leitor no âmbito de sua projeção 'epistemológica'. Eis aqui um ponto, a meu ver, capital, este da Epistemológica como especificação do processo ontognoseológico.
Põe-se uma correlação essencial entre processo ontognoseológico e processo histórico-cultural, sem que, isto não obstante, um se re-duza ao outro. O realismo ontognoseológico é realismo na medida e enquanto a subjetividade transcendental outorga sentido ao real, em função de estruturas imanentes a este; e é ontognoseológico enquan-to o objeenquan-to só o é por sua essencial correlação à consciência mesma. A essa luz, a antinomia entre 'realismo' e 'idealismo' passa, por assim dizer, a um segundo plano, prevalecendo o sentido de unidade do pro-cesso em que a consciência e a realidade concretamente se correlacio-nam. Poder-se-ia mesmo dizer que a funcionalidade entre os dois termos, o sujeito e o objeto, opera como síntese a priori condicio-nante de um processo cognoscitivo e, ao mesmo tempo, prático, mar-cado pelo sentido dialético de complementaridade.
Poder-se-ia dizer que no 'envolvente ontognoseológico' se suce-dem os momentos distintos de objetivação, não se podendo sequer considerar o dado empírico como sendo de todo independente do su-jeito cognoscente: mesmo aquilo que é percebido e captado como 'dado natural', num esforço metódico de despersonalização, não pode, enquanto objeto, deixar de se situar no âmbito ontognológico, o que torna impossível a absolutização da ciência como 'positividade', bem como torna precário todo formalismo 'a se stante'.
É dentro dessa compreensão integrante que o processo