Dados Básicos
Fonte: 679.456Tipo: Acórdão STJ
Data de Julgamento: 08/06/2011 Data de Aprovação Data não disponível Data de Publicação:16/06/2011
Estado: São Paulo Cidade:
Relator: Sidnei Beneti
Legislação: Art. 3º, III, da Lei nº 8.009/90.
Ementa
DIREITO PROCESSUAL CIVIL. BEM DE FAMÍLIA. OBRIGAÇÃO ALIMENTÍCIA DECORRENTE DE ATO ILÍCITO. EXCEÇÃO À IMPENHORABILIDADE. 1.- A impenhorabilidade do bem de família prevista no artigo 3º, III, da Lei 8.009/90 não pode ser oposta ao credor de pensão alimentícia decorrente de indenização por ato ilícito. Precedentes. 2.- Embargos de Divergência rejeitados.
Íntegra
SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
EMBARGOS DE DIVERGÊNCIA EM RESP Nº 679.456 - SP (2008/0008124-7)
RELATOR: MINISTRO SIDNEI BENETI
EMBARGANTE: NEYDE CARVALHO CAVALHEIRO
EMBARGADO: REINALDO SAVARIEGO
ADVOGADO: ANTÔNIO CARLOS DELGADO LOPES E OUTRO(S)
EMENTA: DIREITO PROCESSUAL CIVIL. BEM DE FAMÍLIA. OBRIGAÇÃO ALIMENTÍCIA
DECORRENTE DE ATO ILÍCITO. EXCEÇÃO À IMPENHORABILIDADE.
1.- A impenhorabilidade do bem de família prevista no artigo 3º, III, da Lei 8.009/90 não pode ser oposta ao credor de pensão alimentícia decorrente de indenização por ato ilícito. Precedentes.
2.- Embargos de Divergência rejeitados.
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos os autos em que são partes as acima indicadas, acordam os Ministros da Segunda Seção do Superior Tribunal de Justiça, por unanimidade, rejeitar os embargos de divergência, nos termos do voto do Sr. Ministro Relator.
Os Srs. Ministros Luis Felipe Salomão, Raul Araújo, Paulo de Tarso Sanseverino, Nancy Andrighi e João Otávio de Noronha votaram com o Sr. Ministro Relator. Ausente, justificadamente, a Sra. Ministra Maria Isabel Gallotti.
Brasília, 08 de junho de 2011 (Data do Julgamento)
Ministro SIDNEI BENETI, Relator
RELATÓRIO
O EXMO. SR. MINISTRO SIDNEI BENETI:
1.- NEYDE CARVALHO CAVALHEIRO interpõe Embargos de Divergência contra Acórdão da Eg. Quarta Turma (Rel. Min. FERNANDO GONÇALVES), que deu provimento a Recurso Especial interposto por REINALDO SAVARIEGO.
2.- No Acórdão embargado afirmou-se a tese de que o bem imóvel do devedor não está amparado pela impenhorabilidade prevista na Lei nº 8.009/90 quando o crédito for de alimentos decorrentes de ato ilícito.
O Acórdão tem a seguinte ementa (e-STJ fl. 183):
PROCESSUAL CIVIL. BEM DE FAMÍLIA. IMPENHORABILIDADE. EXCEÇÃO.
1 - As exceções à impenhorabilidade, previstas nos arts. 3º e 4º da Lei nº 8.009/90, não fazem nenhuma ressalva de se tratar de constrição decorrente ou não de ato ilícito, em virtude de acidente de trânsito. Precedentes das duas Turmas que compõem a Segunda Seção.
2 - Recurso especial conhecido e provido. (fl. 304).
3.- A embargante alega que esse entendimento diverge daquele adotado em Acórdão da Terceira Turma. Cita como paradigma o julgado proferido no Recurso Especial nº 90145, Rel. Min. EDUARDO RIBEIRO, do qual destaca a tese de que a circunstância de o débito originar-se da prática de ilícito civil, absoluto ou relativo, não afasta a impenhorabilidade prevista no artigo 1º da Lei 8.009/90 (fl. 361).
Sustenta que os Acórdãos comparados cuidam de hipótese semelhante, na qual o credor indicou à penhora bem de família do devedor, embora tenham feito interpretações divergentes a respeito das exceções à impenhorabilidade, previstas no art. 3º da Lei 8.009/90.
Entende ser mais acertado o que decidido no paradigma, postulando a prevalência desta tese: por ter o débito origem em ato ilícito, não se afasta a impenhorabilidade prevista no art. 1º. Argumenta que a Quarta Turma, no Acórdão embargado, acabou por criar uma nova exceção à impenhorabilidade, usurpando competência do Congresso Nacional, a quem compete legislar sobre a matéria, já que a pensão alimentícia prevista no inciso III, do artigo 3º, prevê a hipótese de alimentos advindos de relação familiar, e não a advinda de ato ilícito (fl. 365).
Pede, por fim, a reforma do Acórdão embargado para que a jurisprudência desta Corte se consolide em conformidade com o Acórdão paradigma, consagrando-se a tese de que a circunstância de o débito originar-se da prática de ilícito civil não tem o condão de afastar a impenhorabilidade prevista no artigo 1º da Lei 8.009/90 (fl. 369).
4.- O eminente Ministro HUMBERTO GOMES DE BARROS vislumbrou a divergência e recebeu os Embargos (fl. 381).
5.- O embargado apresentou a resposta de fls. 414/423. Pede que os Embargos não sejam admitidos, já que, segundo alega, os casos comparados não são semelhantes. O Acórdão paradigma não faria referência a prestações de natureza alimentar, ao contrário do Acórdão embargado, para o qual o tema da pensão é fundamental. Diz que não há, portanto, parâmetro para se comparar a solução atribuída a cada um dos julgados, devendo ser reconhecida a ausência de similitude fático-jurídica (fl. 418).
Quanto ao mérito, afirma que a tese a prevalecer na uniformização da jurisprudência deve ser aquela do Acórdão embargado. Isso porque a obrigação em causa tem caráter alimentar, não importando à discussão o fato de ser oriunda de ato ilícito ou não, o que afasta a impenhorabilidade pretendida, nos termos da exceção prevista no ar. 3º, inciso III, da Lei 8.009/90. Pondera que o paradigma trazido a confronto é antigo, mas os Acórdãos mais recentes desta Corte seguem o mesmo pensamento do Acórdão embargado, segundo precedentes que cita.
Postula que não sejam admitidos os Embargos e, se o forem, que seja adotada a tese do acórdão embargado.
É o relatório.
VOTO
O EXMO. SR. MINISTRO SIDNEI BENETI (RELATOR):
6.- A divergência refere-se à interpretação que deve ser dada ao art. 3º, III, da Lei 8.009/90. Ou seja, indaga-se se o crédito de pensão alimentícia é exceção à
impenhorabilidade do bem de família também quando decorre de obrigação oriunda de ato ilícito ou apenas quando a obrigação tem origem nas relações familiares.
7.- O art. 3.º, III, da Lei 8.009/90 reza o seguinte:
"Art. 3º. A impenhorabilidade é oponível em qualquer processo de execução civil, fiscal, previdenciária, trabalhista ou de outra natureza, salvo se movido:
III - pelo credor de pensão alimentícia;"
O Acórdão embargado adota o seguinte entendimento: As exceções à impenhorabilidade, previstas nos arts. 3º e 4º da Lei nº 8.009/90, não fazem nenhuma ressalva de se tratar de constrição decorrente ou não de ato ilícito, em virtude de acidente de trânsito.
A Terceira Turma já adotou a mesma solução em seus julgados, conforme exemplificam os seguintes:
RECURSO ESPECIAL - FALTA DE INDICAÇÃO PRECISA DOS DISPOSITIVOS TIDOS POR VIOLADOS RELATIVAMENTE À QUESTÃO DA SUPOSTA EXISTÊNCIA DE NULIDADE ABSOLUTA DO FEITO - SÚMULA Nº 284 DO STF - QUESTÃO DA CULPA PELO SINISTRO E O ART. 4º DA LEI N. 8.009/90 - AUSÊNCIA DE PREQUESTIONAMENTO - APLICAÇÃO DA SÚMULA Nº 211 DO STJ - IMPENHORABILIDADE DO BEM DE FAMÍLIA - FLEXIBILIZAÇÃO PERANTE CRÉDITO DECORRENTE DE PENSÃO MENSAL FIXADA EM AÇÃO DE INDENIZAÇÃO POR ILÍCITO CIVIL - ADMISSIBILIDADE - INCLUSÃO, NO ROL DE EXCEÇÕES À PROTEÇÃO LEGAL, DOS CRÉDITOS ORIUNDOS DA REPARAÇÃO POR DANOS MATERIAIS E MORAIS E DOS HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS DE SUCUMBÊNCIA - IMPOSSIBILIDADE - RECURSO ESPECIAL PARCIALMENTE PROVIDO.
1. A pretensa nulidade absoluta do feito por ausência de intervenção do Parquet foi suscitada sem indicação precisa dos dispositivos infraconstitucionais entendidos por violados, fato esse que inviabiliza o exame da questão na via do recurso especial, consoante incidência, por analogia, da Súmula nº 284/STF.
2. Não é dado a esta Corte Superior pronunciar nulidades absolutas ex officio em sede de recurso especial desprovido dos necessários pressupostos de admissibilidade.
3. Os temas atinentes à culpa pelo sinistro e ao art. 4º da Lei n. 8.009/90 não foram objeto de deliberação, sequer implícita, na Instância a quo, o que convoca o óbice da Súmula n. 211/STJ.
4. A pensão alimentícia está contemplada no art. 3º, III, da Lei n. 8.009/90 como hipótese de exceção à impenhorabilidade do bem de família, com apoio da jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, que preconiza a irrelevância da origem dessa prestação (se decorrente de relação familiar ou de ato ilícito).
5. Não infirma a blindagem do bem de família, todavia, à míngua de previsão legal expressa, o crédito decorrente de honorários advocatícios de sucumbência e de indenização por danos materiais e morais decorrentes de ilícito civil.
6. Recurso especial parcialmente provido.
(REsp 1036376/MG, Rel. Ministro MASSAMI UYEDA, DJe 23/11/2009);
AGRAVO INTERNO - DIREITO PROCESSUAL CIVIL - BEM DE FAMÍLIA - IMPENHORABILIDADE - OBRIGAÇÃO ALIMENTÍCIA - ATO ILÍCITO - EXCEÇÃO.
A exceção ao regime de impenhorabilidade do bem de família prevista no artigo 3º, III, da Lei 8.009/90 em favor do credor de pensão alimentícia compreende o crédito originário de indenização por ato ilícito. Precedentes. Agravo improvido.
(AgRg no Ag 772.614/MS, desta Relatoria, DJe 06/06/2008);
AGRAVO INTERNO - DIREITO PROCESSUAL CIVIL - BEM DE FAMÍLIA - IMPENHORABILIDADE - OBRIGAÇÃO ALIMENTÍCIA - ATO ILÍCITO - EXCEÇÃO.
A exceção ao regime de impenhorabilidade do bem de família prevista no artigo 3º, III, da Lei 8.008/90 em favor do credor de pensão alimentícia compreende o crédito originário de indenização por ato ilícito. Precedentes. Agravo regimental improvido.
(AgRg no Ag 826.778/DF, desta Relatoria, DJe 03/06/2008);
DIREITO CIVIL E PROCESSUAL CIVIL. EXECUÇÃO DE SENTENÇA. AÇÃO REPARATÓRIA POR ATO ILÍCITO. ACIDENTE DE TRÂNSITO. PENSÃO ALIMENTÍCIA. ONOPONIBILIDADE DA IMPENHORABILIDADE DO BEM DE FAMÍLIA.
O comando do artigo 3º, III, da Lei nº 8.009/90, excepcionando a regra geral da impenhorabilidade do bem de família, também se aplica aos casos de pensão alimentícia decorrente de ato ilícito - acidente de trânsito em que veio a falecer o esposo da autora -, e não apenas àquelas obrigações pautadas na solidariedade familiar, solução que mostra mais consentânea com o sentido teleológico da norma, por não se poder admitir a proteção do imóvel do devedor quando, no pólo oposto, o interesse jurídico a ser tutelado for a própria vida da credora, em função da necessidade dos alimentos para a sua subsistência. Recurso especial provido.
(REsp 437.144/RS, Rel. Ministro CASTRO FILHO, DJ 10/11/2003);
IMPENHORABILIDADE - LEI 8.009/90. A CIRCUNSTANCIA DE O DEBITO ORIGINAR-SE DA PRATICA DE ILÍCITO CIVIL, ABSOLUTO OU RELATIVO, NÃO AFASTA A IMPENHORABILIDADE PREVISTA NO ARTIGO 1. DA LEI 8.009/90. (REsp 90145/PR, Rel. Ministro EDUARDO RIBEIRO, DJ 26/08/1996);
No mesmo sentido, a Quarta Turma já se manifestou no seguinte precedente:
CIVIL. BEM DE FAMÍLIA. IMPENHORABILIDADE. LEI 8.009/1990.
AS EXCEÇÕES AOS BENEFICIOS DA LEI 8.009/1990 SÃO AS PREVISTAS NOS SEUS ARTS. 3. E 4., NESTES NÃO CONSTANDO A CIRCUNSTANCIA DE A PENHORA TER SIDO EFETUADA PARA GARANTIA DE DIVIDA ORIGINÁRIA DE AÇÃO DE INDENIZAÇÃO POR ATO ILÍCITO, EM RAZÃO DE VIOLAÇÃO A NORMAS DE TRANSITO QUE GEROU ACIDENTE DE VEÍCULOS. RECURSO PROVIDO.
(REsp 64342/PR, Rel. Ministro CESAR ASFOR ROCHA, DJ 09/03/1998).
Com efeito, a Lei 8.009/90 não faz distinção, como hipótese de exceção à impenhorabilidade, se a pensão alimentícia é fixada em razão de relações de parentesco ou a título de indenização pela prática de ato ilícito.
No caso julgado pelo Acórdão embargado, o credor foi vítima de acidente de trânsito em virtude do qual foi determinado pensionamento mensal, a fim de prover-lhe do suficiente a sua subsistência.
Não se afigura justo, portanto, fazer a distinção e deixar a descoberto quem faz jus a prestação de caráter alimentar de natureza diversa da decorrende do Direito de Família. Tanto quanto este, o credor alimentar de Direito de Família, a vítima de trânsito precisa dos meios para se prover, o que justifica a exceção à regra da impenhorabilidade.
9.- Ademais, em termos de estrita interpretação dos dispositivos legais em causa, vê-se que os arts. 3º e 4º da Lei 8009/90 não distinguem entre as diversas modalidades de débito alimentar, sendo pacífico que entre estes se incluem as pensões decorrentes de indenização por danos à pessoa, vítima de acidente causado pelo devedor.
Na condição de vítima lesionada em acidente, torna-se, o lesado, despojado de parte de seu patrimônio físico-psicológico, reduzindo-se, na proporção da perda corporal recebida, portador de insuficiência laborativa, que o torna dependente do recebimento do pensionamento, tão dependente, para a subsistência própria, quanto os dependentes por titulo de Direito de Família, como os filhos e cônjuge.
A razão fática da proteção jurídica, ou seja, o estado fático de dependência na provisão de meios de subsistência, é a mesma, de maneira que, também aqui, vale a regra de que “ubi eadem ratio ibi eadem dispositio”.
Excluindo-se, por disposição legal, os débitos alimentares, da regra da impenhorabilidade, entre eles situa-se o débito alimentar consistente no pensionamento por dano físico-psicológico – no caso, decorrente de acidente de veículo causado pelo devedor.
Isso é o que foi julgado pelo Acórdão ora Embargado e é o que deve prevalecer no presente julgamento.
10.- Ante o exposto, rejeitam-se os Embargos de Divergência.
Ministro SIDNEI BENETI, Relator
CERTIDÃO DE JULGAMENTO
SEGUNDA SEÇÃO
Número Registro: 2008/0008124-7
PROCESSO ELETRÔNICO EREsp 679.456/SP
Números Origem: 11811568 199300003035 200401101007
PAUTA: 08/06/2011 – JULGADO: 08/06/2011
Relator: Exmo. Sr. Ministro SIDNEI BENETI
Presidente da Sessão: Exmo. Sr. Ministro MASSAMI UYEDA
Subprocurador-Geral da República: Exmo. Sr. Dr. HENRIQUE FAGUNDES FILHO
Secretário: Bel. RICARDO MAFFEIS MARTINS
AUTUAÇÃO
EMBARGANTE: NEYDE CARVALHO CAVALHEIRO
ADVOGADO: GABRIEL MINGRONE AZEVEDO SILVA E OUTRO(S)
EMBARGADO: REINALDO SAVARIEGO
ADVOGADO: ANTÔNIO CARLOS DELGADO LOPES E OUTRO(S)
CERTIDÃO
Certifico que a egrégia SEGUNDA SEÇÃO, ao apreciar o processo em epígrafe na sessão realizada nesta data, proferiu a seguinte decisão:
A Seção, por unanimidade, rejeitou os embargos de divergência, nos termos do voto do Sr. Ministro Relator.
Os Srs. Ministros Luis Felipe Salomão, Raul Araújo, Paulo de Tarso Sanseverino, Nancy Andrighi e João Otávio de Noronha votaram com o Sr. Ministro Relator.
Ausente, justificadamente, a Sra. Ministra Maria Isabel Gallotti.