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A ECONOMIA MUNDIAL CAPITALISTA E O BRASIL ( ): UM OLHAR A PARTIR DA ECONOMIA POLÍTICA DOS SISTEMAS-MUNDO

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Fábio Pádua dos Santos* Pedro A. Vieira**

Resumo:

O presente artigo tem por objetivo discutir a questão do desenvolvimento econômico do Brasil a partir da perspectiva da Economia Política dos Sistemas-Mundo (EPSM). A obstinação pelos graus de interconexões entre a divisão mundial do trabalho e o sistema interestatal tem sido um dos principais objetivos dos intelectuais desta escola. Sendo assim, pretende-se argumentar que o desenvolvimento da economia brasileira é conseqüência cumulativa de suas conexões particulares em relação à economia-mundo capitalista. Numa perspectiva histórica de longa duração, o argumento central é suportado através do exame da indústria que, por conveniência analítica, compreende o período pós-guerra até a crise da dívida na década de 1980. Para identificar os elementos condicionantes aplicou-se a perspectiva da Economia Política dos Sistemas-Mundo valendo-se do método da história comparada, em particular, da encompassing comparisson. Dentro dos limites espaço-temporais da análise realizada, como resultado, destaca-se a conjuntura mundial favorável aos movimentos de autodeterminação nacional e o fortalecimento do mercado interno estimulados pelos Estados Unidos com a fase de capitalismo industrial estatal no Brasil (1933-55). Além disso, a correlação entre as fases de liberalização de mercadoria e investimentos estrangeiros diretos (1950-70) com o salto nos ingressos de investimentos estrangeiros diretos no Brasil sugere que as transformações no setor industrial podem ter ocorrido, em larga medida, por causa das transformações da economia-mundo capitalista ocorridas no período. Portanto, pode-se observar uma consonância temporal entre os elementos característicos da economia-mundo capitalista e as etapas do progresso econômico brasileiro. Ou, em outros termos, verificaram-se expressões locais de processos mundiais.

Palavras-chave: Economia-mundo capitalista, Brasil, desenvolvimento econômico.

1) Introdução

O presente artigo tem por objetivo discutir a questão do desenvolvimento econômico do Brasil a partir da perspectiva da Economia Política dos Sistemas-Mundo (EPSM). A obstinação pelos graus de interconexões entre a divisão mundial do trabalho e o sistema interestatal tem sido um dos principais objetivos dos intelectuais desta escola (Goldfrank, 2000, p.172). Sendo assim, pretende-se argumentar que o desenvolvimento da economia brasileira é conseqüência cumulativa de suas conexões particulares em relação à economia-mundo capitalista. Numa perspectiva histórica de longa duração, o argumento central é suportado através do exame da indústria que, por conveniência analítica, compreende o período pós-guerra até a crise da dívida na década de 1980.

Para tanto, o artigo procede-se da seguinte forma: na seção 2, coloca-se a problemática do desenvolvimento econômico e delimita-se o nível e a unidade de análise para apreensão do problema; na seção 3 apresenta-se a história comparada como instrumento metodológico para compreender a mudança social; na seção 4, faz-se uma caracterização geral da economia-mundo

* Acadêmico do Curso de Ciências Econômicas da Universidade Federal de Santa Catarina, membro do Grupo de

Pesquisa em Economia Política dos Sistemas-Mundo, bolsista do Programa de Iniciação PIBIC/CNPq, 2004-2005 e 2005-2006. E-mail: fpadua@gmail.com

** Professor do Programa de Pós-Graduação em Economia da Universidade Federal de Santa Catarina. E-mail:

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capitalista na fase de expansão material do ciclo sistêmico de acumulação norte-americano (1930-1973); na seção 5, procura-se verificar as recorrências e as especificidades do Brasil no período observado; na seção 6, por fim, apresentam-se as considerações finais.

2) A problemática do desenvolvimento econômico

A estagnação do PIB industrial brasileiro nas últimas duas décadas (ver Tabela 1) talvez seja um indicador de um possível processo de desindustrialização no Brasil. Diante disto, a questão industrial tem retornado com força ao debate nacional atual. Dois exemplos recentes desse debate são as preocupações de Belluzzo (2005) e o Seminário Internacional Celso Furtado de Política Industrial, promovido pelo SEBRAE recentemente em maio de 2006.

Belluzzo dá destaque ao relatório da UNCTAD – Trade and Development Report 2003: acumulação de capital, crescimento e mudança estrutural – que classifica os países em desenvolvimento em quatro grupos: de industrialização madura; industrialização rápida; industrialização de enclave e em vias de desindustrialização. De acordo com essa classificação, o Brasil bem como a maioria dos países da América Latina encontram-se em via de desindustrialização, ou seja, são países que “alcançaram um certo grau de avanço industrial, ‘mas não foram capazes de sustentar um processo dinâmico de mudança estrutural mediante a rápida acumulação de capital e crescimento do PIB’” (BELUZZO, 2005, p.39).

Tabela 1 – Taxas Médias Anuais de Variação do PIB Industrial – Brasil Período PIB Industrial PIB Industrial per capita

1947-2005 5,85% 3,48%

1947-1980 9,17% 6,27%

1981-2005 1,62% -0,09%

Fonte dos dados para cálculo das médias: IPEADATA.

25 30 35 40 45 50 1970 1975 1980 1985 1990 1995 2000 P o rce n ta g e m d o P IB

World Develop ing econom ies: Am erica Brazil Develop ing econom ies: Africa Develop ing econom ies: Asia

Figura 1 – Atividade indústrial como porcentagem do PIB.

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As esperanças de muitos cientistas sociais latino-americanos na industrialização como meio para superar os problemas das desigualdades sociais na periferia da economia mundial capitalista foi desmistificado por muitos autores e até mesmo por aqueles que compartilhavam de tal idéia. Celso Furtado é um exemplo de autocrítica. Em Formação econômica do Brasil (primeira edição, 1958), Furtado acreditava no desenvolvimento industrial como meio para superar o subdesenvolvimento herdado às áreas latino-americanas, em especial ao Brasil. Não obstante, na década de 1970, o próprio autor reconhece, em O Mito do Desenvolvimento, a incapacidade da indústria para reduzir os níveis de desigualdade no Brasil.

A literatura sobre desenvolvimento econômico do último quarto de século nos dá um exemplo meridiano desse papel diretor dos mitos nas ciências sociais: pelo menos 90 por cento do que aí encontramos se funda na idéia, que se dá por evidente, segundo a qual o desenvolvimento econômico, tal qual vem sendo praticado pelos países que lideram a revolução industrial, pode ser universalizado. Mais precisamente: pretende-se que o standard do consumo da minoria da humanidade, que atualmente vive nos países altamente industrializados, é aceitável às grandes massas de população em rápida expansão que formam o chamado Terceiro Mundo. Essa idéia constitui, seguramente, uma prolongação do mito do progresso, elemento essencial na ideologia direto da revolução burguesa, dentro da qual se criou a atual sociedade industrial (FURTADO, 1974, p. 14 grifo do autor).

Immanuel Wallerstein, em sua obra Impensar las ciencias sociales, também destaca que o conceito “desenvolvimento” foi o conceito chave das ciências sociais do século XIX e que, de certo modo, persiste nos dias atuais. Todavia é um conceito problemático:

No cabe duda de que la palabra “desarrollo” se hizo común a partir de 1945, e inicialmente parecía limitarse a explicar los acontecimientos en el “Tercer Mundo” o las zonas periféricas de la economía-mundo capitalista. No obstante creo que la idea de desarrollo es simplemente una fase del concepto de “revolución industrial” que, a su vez, ha sido eje no sólo de gran parte de la historiografía sino de todo tipo de análisis nomonético. Esta idea de desarrollo ha tenido una gran influencia, ha sido muy confusa (precisamente porque, al ser en parte correcta, ha resultado demasiado evidente) y en consecuencia, ha generado falsas expectativas (tanto a nivel intelectual como político). Y no obstante pocos están dispuesto a impensar este importante concepto

(WALLERSTEIN, 1998, p 4).

Ao observador contemporâneo parece evidente que o projeto de superação do subdesenvolvimento, por meio da industrialização integral, se revelara como “mito”. Entretanto, o contexto econômico-social pelo qual o Brasil passou ao longo da década de 1970 levou inúmeros cientistas sociais a estudarem as origens da industrialização brasileira, pois urgia compreender, naquele momento, como um país agroexportador até a década de 1930 conseguira, desde então, transformar sua estrutura econômica de maneira tão veloz. Neste aspecto, compreender as origens da indústria e do processo de industrialização era e é condição fundamental.

No caso específico do Brasil, entre as diversas análises, as teses de Sérgio Silva (1976) e João Manuel Cardoso de Mello (1990), deram importantes contribuições. Em Expansão cafeeira e industrialização no Brasil, Silva apresenta uma análise consistente do período que compreende

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o desenvolvimento e a crise da economia cafeeira. O objetivo deste autor consistiu em descrever e analisar, a partir do conceito de modo de produção, como a dinâmica da economia cafeeira resultou no surgimento e consolidação do capital industrial no Brasil (1888-1955). De maneira mais detalhada e sob o recurso do conceito de “industrialização retardatária”, Mello, em O Capitalismo Tardio, procurou responder duas perguntas: “por que, concomitantemente, não nasce a indústria de bens de produção?”; e, “por que a industrialização manteve-se restringida até meados da década de 1950?” (MELLO, 1990, p.102). Não longe os inúmeros elementos essenciais que criaram as condições para o surgimento de estabelecimentos industriais no Brasil – como a disponibilidade de terras, a abolição, a imigração, a mecanização, o sistema de transporte ferroviário bem como o próprio excedente monetário acumulado pelo setor cafeeiro ou até mesmo as políticas tímidas de incentivo promovidas pelo Estado – foram restringidos pelo processo de monopolização dos principais mercados industrias decorrentes da Segunda Revolução Industrial, cujo resultado foi uma substancial alteração do padrão de concorrência industrial em escala mundial, de um lado, e pela insuficiência técnica e financeira de manter a capacidade produtiva a um ritmo sustentado, de outro. (MELLO, 1990).

Ambas as análises, em seus respectivos domínios metodológicos estão corretas, entretanto, não dão conta de elucidar os aspectos estruturais, isto é, os processos de longa duração, tanto sistêmicos quanto particulares, que condicionaram o processo de industrialização no Brasil a partir do século XIX. Em outras palavras, do ponto de vista sistêmico, de que maneira o ciclo sistêmico de acumulação norte-americano favoreceu e restringiu o processo de industrialização nas áreas periféricas, em particular no Brasil? Ou ainda como as especificidades brasileiras manifestaram-se no processo de industrialização como elemento estruturalmente condicionante? A distinção básica que se coloca ao problema da industrialização é, portanto, entre os estudos factuais e os estudos das estruturas. Como observou Braudel, se de um lado “os acontecimentos são poeira: atravessam a história como breves clarões; mal nascem regressam logo à escuridão e muitas vezes ao esquecimento. Cada um deles, é certo, por muito breve que seja, é testemunho, esclarecem um canto da paisagem, por vezes um vasto panorama da história” (BRAUDEL, 1984, p.273). De outro, as estruturas representam o lento processo de evolução. Figuram “realidades permanentes”, “sociedades conservadoras”, “economias prisioneiras das impossibilidades”, ou ainda, manifestam-se como “civilizações a prova de séculos”. Conforme defende Braudel, “... todas estas lícitas maneiras de distinguir a história em profundidade dão, na minha opinião, o essencial do passado dos homens, pelo menos aquilo que nos agrada considerar, na época em que vivemos, como o essencial” (Ibid., p.273).

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Se esta distinção for verificável, então, justifica-se a adoção de uma perspectiva capaz de perceber a relativa autonomia dos processos de evolução estruturantes e transformadores. Nesse sentido, o presente texto apóia-se naquilo que vem sendo chamo de Economia Política dos Sistemas-Mundo (EPSM). Esta perspectiva toma como unidade privilegiada de análise os sistemas de estados agrupados por uma única divisão mundial do trabalho e busca generalizações sobre interdependência entre os componentes de um sistema e de princípios de variação entre condições sistêmicas em diferentes espaços e tempos (Arrighi, 2003, p.15). Ao adotar esta perspectiva, atribui-se ao sistema mundial capitalista os adjetivos histórico e complexo, ou seja, que o sistema mundial capitalista é um sistema social histórico complexo. Segundo Wallerstein, três características o fazem ser histórico e complexo: por ser “relativamente autônomos, ou seja, funcionam em essência em termos das conseqüências de seus processos internos; possuem limites temporais, quer dizer, tem principio e fim; têm limites espaciais, embora este espaço possa mudar no decorre de sua vida” (Wallerstein, 1998, p.249). Nesta direção, o conceito que apreende estas características e que permite delinear uma unidade de análise capaz de absorver a complexidade da mudança social, no tempo e no espaço, é o conceito de economia-mundo. Braudel o definiu da seguinte forma:

... uma economia-mundo é uma soma de espaços individualizados, econômicos e não econômicos, agrupados por ela; que a economia-mundo representa uma enorme superfície (em principio, é a mais vasta zona de coerência, em determinada época, em uma região determinada do globo); que, habitualmente, ela transcende os limites dos outros grupos maciços da história (BRAUDEL, 1998, p.14).

Doravante, assumir o conceito de economia-mundo, leva-nos em direção ao terreno das ciências sociais historicamente fundamentadas, em particular, ao nível macro-histórico de análise, ou seja, ao estudo das grandes estruturas e dos largos processos dentro de um sistema mundial particular.1 Como destaca Charles Tilly:

With macrohistorical analyses, we enter the ground of history as historians ordinarily treat it. Within a given world system, we can reasonably begin to make state, regional modes of production, associations, firms, manors, armies, and a wide variety of categories, networks, and catnets our units of analysis. At this level, such large processes as proletarianization, urbanization, capital accumulation, statemaking, and bureaucratization lend themselves to effective analyses (TILLY,

1984, p.63-64 grifo do autor).

Sendo assim, estabelecidas as distinções entre evento e estrutura e determinada a natureza da análise macrohistórica ao nível das grandes estruturas e largos processos, adota-se a

1 Para Charles Tilly (1984, p. 60-65), a análises de estruturas e processos operam em quatro níveis históricos, todos envolvendo

comparação. No nível histórico-mundial, o esforço caminha na direção de identificar propriedades especiais de uma era e colocar estas propriedades no ir e vir da história humana. No nível sistêmico-mundial, tenta-se discernir as conexões essenciais e as variações dentro de largas configurações de estruturas sociais interdependentes. No nível macrohistórico, procura-se ater às grandes estruturas e largos processos e mapear suas formas alternativas. Por fim, no nível microhistórico, traça-se o encontro entre os indivíduos e grupos com suas estruturas e processos, com a esperança de explicar como as pessoas experimentam atualmente isto.

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economia-mundo capitalista como sistema mundial, isto é, como unidade de análise. Dado o caráter autocontido desta economia-mundo, assumir uma única divisão mundial do trabalho implica em que: falar do desenvolvimento econômico argentino, brasileiro ou até mesmo japonês é falar do longo processo de desenvolvimento do próprio sistema histórico, isto é, a economia-mundo capitalista. O problema que se coloca ao nível macro-histórico, portanto, quanto à industrialização no Brasil, é a necessidade de não delimitá-lo nas fronteiras do setor exportador. Em outras palavras, compreender o desenvolvimento economico brasileiro requer, nesse nível de análise, entender as mudanças estruturais sistêmicas e particulares que, de certo modo, dão pulso e condicionaram este processo. Este esforço requer responder a seguinte pergunta: O que é recorrente na história econômica do Brasil e no capitalismo histórico que permite apontar aspectos particulares dessa economia no terceiro quartel do século XX? Para tanto, compreender as diferenças e as semelhanças das particularidades dos diferentes processos de desenvolvimento da economia-mundo capitalista exige a operacionalização de estratégias de estudos comparativos. A comparação é uma estratégia fundamental na apreensão da problemática proposta.

3) História comparada como instrumento metodológico às ciências sociais.

As ciências sociais contemporâneas têm mantido em seu estatuto teórico um conjunto de pressupostos que originaram-se no século XIX. O problema do “como conhecemos” tem sido abordado por vários autores entre os quais destacam-se Immanuel Wallerstein e Charles Tilly. O primeiro discute a questão da justificação do conhecimento nas ciências sociais, destacando: o problema das várias disciplinas (sociologia, economia, antropologia) e as implicações decorrentes da divisão dos temas essencialmente humanos; o conceito de sociedade e seu reconhecimento com o Estado; o ser “livre” no sistema capitalista; e o caráter progressivo da vida humana (Wallerstein, 1998). O segundo, empenha-se para refutar: a noção de sociedade como coisa a parte; o comportamento social com produto dos eventos mentais individuais; a crença de que a “mudança social” é um fenômeno coerente; e o processo de mudança visto como estágios de sucessão (Tilly, 1984). A solução comum propostas por ambos (e outros) a estes problemas tem sido o desenvolvimento de métodos comparativos de cunho interpretativo. Como destaca McMichel (1990, p.385), “Wallerstein e Tilly querem empregar a comparação para questionar as categorias positivistas herdadas da teoria social do século XIX”. A questão central para ambos os autores é que, a comparação, quando revela interconexões do fenômeno social, pode avançar na causa de uma teoria social historicamente fundamentada (McMICHAEL, 1990).

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A comparação é fundamental para todas as macrociências históricas (...) nas quais os objetos de estudo são estruturas complexas, altamente diferenciadas e em evolução que apresentam tanto traços compartilhados como aspectos singulares. Nessas ciências, toda estrutura, para ser compreendida, precisa ser comparada a categorias e modelos classificatórios típicos e ideais, ou diretamente a outros casos. A comparação pode ser de ampla abrangência e múltipla, ou apenas entre pares. Deve haver uma comparação de casos, categorias, e modelos para se alcançar uma explicação adequada de qualquer caso. As comparações podem basear-se em analogias, similitudes e mesmo metáforas, como também em simples descrição. Não existem dois casos exatamente iguais, e nenhum caso corresponde exatamente a um modelo, de modo que qualquer tentativa de explicação dedutiva a partir de uma lei ou principio geral está fadada a ser enganosa. Não obstante, conceitos, categorias, hipóteses, analogias e modelos gerais ainda são necessários em todas as ciências para que se possa pensar, classificar e comparar estruturas e tipo de entidades e, assim, começar a explicar estruturas, funções e história (Llyod, 1995, p.72).

Além disso, como afirma Burke (2002, p.40), “é apenas graças à comparação que conseguimos ver o que não está lá; em outras palavras, entender a importância de uma ausência específica”. Kocka (2003, p.40), também desta que a comparação num sentido heurístico é onipresente e ainda faz um papel no trabalho histórico que não poderia ser classificado como comparativo na compreensão completa do trabalho. A isto poderia ser adicionado que a comparação não somente ajuda a suportar noções de particularidades, mas é também indispensável para desafiar e modificar noções. Kocka ainda lembra que, do ponto de vista analítico, a comparação pode jogar o papel de um experimento indireto, facilitando o teste de hipóteses para perguntas causais. Portanto, a comparação tem emergido como importante instrumento metodológico que permite os cientistas sociais contemporâneos impensar as ciências sociais.

Se por um lado a comparação é um valioso instrumento enquanto recurso metodológico, por outro ela ainda apresenta algumas questões em aberto. Dois problemas, do ponto de vista do trabalho histórico, parecem ser fundamentais e têm dificultado a comparação. Para Kocka (2003, p.41), a comparação quebra a continuidade, corta o enredo e interrompe o fluxo da narração e também implica seleção, abstração e descontextualização em algum grau. Estes são, sem dúvida, grandes problemas que merecem atenção. Entretanto, como o próprio Kocka (2003, p.44) destaca, o ato de comparar propõe a separação analítica dos casos para serem comparados. Mas isto não significa ignorar e negligenciar as interações entre os casos. Conseqüentemente, apresentar a estrutura lógica da estratégia de comparação é fundamental para reconhecer as possibilidades e os limites da análise.

3.1) Enconpassing Comparisson

O que comparar com o que? Como decidir o que é realmente análogo? São dois problemas ressaltados por Burke (2002, p.45). Tilly (1984) diz que a escolha entre as muitas possibilidades de unidades de análise é uma responsabilidade teórica que recai diretamente ao responsável por esta escolha: o teórico. Segundo este autor, “only when theorists of big structures specify to

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which units their statements apply can we hope to organize the evidence efficiently and to determine how well their statements hold up to theoretical scrutiny” (TILLY, 1984, p.81).

A proposta é estabelecer interconcexões entre o processo de expansão da economia-mundo capitalista após 1946 e processos de desenvolvimento econômico do Brasil. Todavia é necessário estabelecer categorias essenciais desses processos históricos quer permitam verificar os determinantes estruturais, e não as simples manifestações concretas (os fatos), pois estas só se tornam inteligíveis quando estruturalmente definidos.2 Ao assumir a priori a economia-mundo capitalista como unidade de análise, a estratégia de comparação que parece mais adequada ao objeto proposto é a enconpassing comparisson. Esta estratégia, destaca McMichael (1990), procura através da justaposição dos casos, no tempo e no espaço, revelar propriedades sistêmicas. Nesse sentido, pode-se defini-la nos seguintes termos: “a encompassing comparison começa com um longo processo ou estrutura. Ela seleciona locais dentro de um processo ou estrutura e explica similaridades ou diferenças entre estes locais com conseqüência de duas relações com o todo” (TILLY, 1984, p.125). Portanto, esta estratégia de pesquisa permite identificar diferentes casos em diversos locais dentro de um mesmo sistema, de maneira a explicar as características de cada caso como função das diferentes/variadas relações estabelecidas com o sistema como um todo (TILLY, 1984, p.83).

Esta perspectiva metodológica exige duas definições: a totalidade e o caso particular. Como totalidade, toma-se a economia-mundo capitalista (já definida anteriormente) e como caso individualizado adota-se aquelas atividades econômicas, em especial a indústria, que se desenrolam nos limites do Estado brasileiro, isto é, a economia-local brasileira. Isto significa dizer, metodologicamente, que o Brasil deixa de ser unidade de análise para ser objeto de análise. A princípio parece um simples alargamento do escopo da pesquisa, e de fato é. Porém é mais do que isto. Estudar a economia-local brasileira como parte do sistema mundial moderno é aceitar a “economia-mundo capitalista como fonte da mudança social” (McMICHEL, 1990, p.390).

Neste ensaio, emprega-se a enconpassing comparisson no esforço de especificar as estruturas da história que condicionaram o desenvolvimento econômico do Brasil após a Segunda Guerra Mundial. Supondo-se que o processo de industrialização dos diferentes Estados nada mais é que o próprio processo de industrialização da economia-mundo capitalista, a idéia central é explicar o desenvolvimento da economia brasileira como conseqüência cumulativa de suas conexões particulares em relação à economia-mundo capitalista. A partir desse método, justapõe-se a evolução econômica observada no Brasil a partir da meados do século XX com a

2 Fernando Novais expõe, em Aproximações: estudos de história e historiografia, uma interessante discussão sobre conceitos e

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fase de expansão material do ciclo sistêmico de acumulação norte-americano (1930-1973). Ao se fazer isso, pretende-se verificar o grau das interconexões entre a divisão mundial do trabalho e o sistema interestatal e o Brasil.

4) Economia-mundo capitalista, 1945-1973.

Os desafios postos ao Brasil nas duas últimas décadas do século XX e neste princípio de século XXI revelam, antes de tudo, não apenas aspectos contingentes do nosso tempo, mas aspectos recorrentes de mais de dois séculos. A estagnação do produto nacional bruto (PNB) per capita no Brasil, como mostra a Figura 2, desde da década de 1980, é o corolário dos efeitos do esgotamento do regime de acumulação capitalista introduzido e liderado pelos norte-americanos no pós-guerra. O fim da Segunda Guerra Mundial e as conseqüências por ela deixada na economia-mundo capitalista permitiu a conformação de uma nova via de desenvolvimento bem como a ascensão de uma nova hegemonia capaz de estabelecer os princípios do regime de acumulação que vieram a configurar a segunda metade do século XX. Esta seção tem por objetivo destacar as principais características da economia-mundo capitalista no período pós-guerra até a crise da dívida das economias latino-americanas na década de 1980.

0,0 1,0 2,0 3,0 4,0 5,0 6,0 7,0 8,0 9,0 10,0 1947 1954 1961 1968 1975 1982 1989 1996 2003 R e a is m il -10% -5% 0% 5% 10% 15% Ta x a d e V a ri a çã o d o P N B p e r c a p it a

PN B p er cap ita Taxa Real d e Variação Poly. (Taxa Real d e Variação)

Figura 2 – Evolução do Produto Nacional Bruto (PNB) per capita, 1947-2003.

Fonte: os dados para o cálculo da série foram obtidos no IPEADA.

O século XX foi um século rico na história do capitalismo como sistema histórico. Para abranger o que ocorreu de mais importante neste período, sobretudo na segunda metade do século XX, adotou-se a perspectiva histórico-estruturista desenvolvida por Giovanni Arrighi na obra O longo século XX. Nesta obra o autor desenvolve o conceito de ciclos sistêmicos de acumulação (CSA’s), cuja finalidade é mostrar a formação, consolidação e desintegração das principais vias de desenvolvimento criadas e legitimadas ao longo da história que permitiram ao capital a sua auto-reprodução. Os CSA’s equivalem a uma conjuntura longa, se observado da

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ótica braudeliana da história. Estes podem ser divididos em duas fases: um período de expansão material (DM) e um de expansão financeira (MD’). As fases DM, “constituem em fases de mudanças contínuas durante as quais a economia cresce por uma única via de desenvolvimento” (ARRIGHI, 1996, p.9). Estas fases iniciam-se quando um novo bloco dominante, isto é, um Estado nacional é capaz de concentrar poder e dinheiro suficiente para indicar um novo modelo de desenvolvimento, ou seja, definir padrões de produção e consumo e métodos de regulamentação em escala global. Posterior a fase DM, segue-se à fase MD’ que “constituem em fases de mudanças descontínuas, durantes as quais o crescimento pela via estabelecida já atingiu ou está atingindo seus limites e economia capitalista mundial ‘se desloca’, através de reestruturações e reorganizações radicas, para outra via” (Ibid, p.9). Esse conceito permitiu Arrighi observar quatro CSA’s ao longo do capitalismo histórico: o genovês, o holandês, o inglês e o norte americano. A presente análise está restrita ao CSA norte-americano que tem início na década de 1930 e que se consolida hegemonicamente após a Segunda Guerra Mundial.

Os Estados Unidos ascenderam na economia mundial capitalista como potência capitalista a partir da Primeira Guerra Mundial, pois a guerra permitiu-lhes incorporar grande parte da renda mundial, o que não só permitiu solucionar os déficits da balança comercial, como também, converteu-se num expressivo excedente líquido em conta corrente, transformando o dólar em uma moeda madura (ARRIGHI, 1996. p.279). Já a Segunda Guerra Mundial veio definitivamente por fim às formas assumidas pelas estruturas da economia-mundo capitalista durante a hegemonia britânica. Uma nova ordem político-econômica mundial foi empreendida pelo Estado norte-americano. Do ponto de vista da produção pôde ser observado a expansão pelo mundo das empresas capitalistas verticalmente integradas (ver Tabela 1.1). Por outro lado, fomentando essa nova forma de acumulação, novos mecanismos de regulação foram criados e legitimados pelo Estados Unidos perante o sistema interestatal de maneira a promover a expansão das empresas capitalistas norte-americanas.

Entre os acontecimentos que revelam ou confirmam o coroamento dos Estados Unidos como potência hegemônica, pode-se destacar: as bombas de Hiroshima e Nagasaki, no qual foram estabelecidos os novos meios de coerção; o acordo de Bretton Woods (1945) onde se estabeleceu o novo sistema monetário internacional dólar-ouro que durou até a década de 1970; e, por fim, a Carta das Nações Unidas que estabeleceu os novos princípios de gestão do Estado e da Guerra (ARRIGHI, 1996, p. 283-84).

Todavia, o binômio, mecanismos regulação e padrão de produção, para ser compreendido, deve ser recortado em dois períodos que seguem ou coincidem com as duas fases do ciclo sistêmico de acumulação norte-americano. Para Satoshi Iekeda (1998), no período

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1945-1967/73, fase de expansão material, o poder da economia norte-americana foi representado por dois fatores: o uso intenso da tecnologia e pela força institucional das empresas norte-americanas. No período 1967/73-1990, fase de expansão financeira, a produção norte-americana declinou em relação à produção mundial devido à intensificação da concorrência intercapitalista promovida pelas empresas européias e asiáticas. Nestas duas fases, a atuação do Estado como agente regulador difere claramente. Enquanto no primeiro período configurou-se o Welfare State, onde a presença do Estado foi uma condição necessária à reestruturação da economia-mundo capitalista, entretanto, no segundo momento, tendo como base formas não definidas de produção (flexível), a atuação do Estado foi minimizada.

Tabela 1.1 – Sedes Transnacional: Distribuição das Subsidiárias 1962-1998

1962 1998

País Domésticas* Estrangeiras** País Domésticas* Estrangeiras**

Estados Unidos 1040 22 Estados Unidos 2901 1479

Países Baixos 115 17 Japão 2296 302

Reino Unido 57 132 Alemanha 1764 445

Alemanha 27 56 Suíça 1441 184

Itália 21 25 Países Baixos 441 342

França 0 52 Suécia 354 159

Japão 0 18 França 329 451

Austrália 0 46 Reino Unido 176 827

Suíça 0 35 Itália 100 311 Bélgica 0 19 Coréia 78 83 Suécia 0 16 Canadá 43 323 Canadá 0 169 Espanha 29 288 Brasil 0 45 Venezuela 16 103 Espanha 0 18 Brasil 9 254 Venezuela 0 33 Bélgica 0 190 Áustria 0 14 Finlândia 0 61 Coréia 0 0 Áustria 0 167 México 0 42 Austrália 0 337 Noruega 0 8 México 0 273 Luxemburgo 0 5 Noruega 0 104 Taiwan 0 0 Luxemburgo 0 30 Finlândia 0 8 Taiwan 0 0 China 0 1 China 0 171

* Subsidiárias estrangeiras de um determinado país localizadas em outros países. ** Subsidiárias estrangeiras de outros países localizadas dentro do próprio país.

Fonte: KENTOR (2005, p.270-71)

Portanto, na fase de expansão material do ciclo sistêmico de acumulação norte-americano (1930-1968/73), no plano interestatal prevaleceu o sistema Bretton Woods de regulação enquanto, no plano econômico, verificou-se a ascensão das empresas transnacionais (ETC’s) verticalmente integradas como modelo de empresa capitalista dominante.

As regras de mercado, como destaca McMichel (2000, p.673-74), ampliam o espaço para o circuito de dinheiro e mercadoria. O acordo Bretton Woods teve por objetivo estabelecer os princípios de organização do mercado mundial embutido/fragmentado num sistema de Estados

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nacionais consolidado em quase todo o mundo. Sua característica essencial foi instaurar um sistema nacional monetário e de relações salariais via um sistema de cambio fixo. Nesse sentido, o autor observa que o capitalismo foi estabilizado em formas nacionais de acumulação. O padrão monetário dólar-ouro imposto pelo acordo, sob o sigma das taxas de cambio fixas em relação ao dólar subordinou a maior parte das relações monetárias mundiais às políticas doméstica e estrangeira dos Estados Unidos. (McMICHEL, 2000, p.679).

Na estreita relação com os mecanismos de regulação empreendidos pelos Estados Unidos durante o pós-guerra, as ETC’s apresentaram-se como principal agente de acumulação na economia-mundo capitalista. Ikeda (1998), ao tentar compreender o papel das corporações transnacionais na economia mundial capitalista, destaca alguns aspectos importantes: elas foram, em larga medida, responsáveis pela produção de bens, diferentemente de outros modelos de empresa capitalista anteriores cujo predomínio se dava na esfera comercial, e a formação de capital dessas empresas teve localizado em seus países de origem. O sucesso das ETC’s na economia-mundo capitalista esteve associado, portanto, a dois fatores: à capacidade organizacional das próprias empresas e ao conjunto de medidas empreendidas pelo Estado norte-americano.

Do ponto de vista da organização, a integração vertical permitiu as empresas capitalistas minimizarem os riscos associados ao fornecimento de matérias-primas necessárias às indústrias do centro hegemônico de forma a assegurar a produção das mercadorias tecnologicamente mais desenvolvidas e assim garantirem suas taxas de lucro. (ARRIGHI, 1996, p.298). Arrighi (1996, p.303-304) observa ainda que, “como um conjunto nacional, as empresas norte-americanas combinaram as vantagens da extensa divisão ‘técnica’ do trabalho (economias internas) com as vantagens da extensa divisão ‘social’ do trabalho (economias externas)...”, e conclui “que o espaço abarcado pelos Estados Unidos permitiu que as empresas norte-americanas realizassem uma síntese extremamente eficaz das vantagens do planejamento e da regulação mercantil”.

Estabelecidos os mecanismos de regulação de mercado, o papel dos Estados centrais foi estabelecer acordos bilaterais e multilaterais durante todo o período do pós-guerra. Como destaca Ikeda (1998, p. 64), o pilar da ordem econômica nesse período foi a procura da liberalização dos movimentos de bens, serviços e capital. Os efeitos liberalizantes criaram um ambiente favorável para os empreendimentos norte-americanos. O exemplo clássico dessa política internacional foi o Plano Marshall (1947), que facilitou as exportações dos Estados Unidos para a Europa, devastada pela Segunda Grande Guerra nesse período.

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1. 1950-60 – liberalização das trocas de mercadorias;

2. 1960-70 – liberalização dos investimentos estrangeiros diretos; 3. 1970-80 – liberdade das atividades financeiras internacionais;

4. 1980-90 – liberalização das trocas de serviços, informações e agricultura.

Não obstante o esforço do Estado norte-americano em “abrir as portas” do mundo às empresas estadunidenses, o efeito dessa política acarretou num acirramento da disputa capitalista nas áreas centrais da economia mundial capitalista. O processo de intensificação da competição capitalista a nível global acarretou às empresas norte-americanas uma perda relativa na disputa mundial.

Conforme a Tabela 1 mostra, o número de subsidiárias pelo mundo expandiu fortemente durante a segunda metade do século XX o que pode ser traduzido como uma intensificação das pressões competitivas. Para Arrighi, a essência desse fenômeno ocorrido a partir de 1950 não foi um aspecto contingente no capitalismo histórico nem tão pouco afetou apenas a esfera empresarial:

seja como for, pela perspectiva adotada neste estudo, as décadas de 1950 e 1960, como as de 1850 e 1860, constituem outra fase de expansão material (DM) da economia mundial capitalista – ou seja, um período durante o qual o capital excedente foi reinvestido no comércio e na produção de mercadorias, em escala suficientemente maciça para criar as condições de uma cooperação e uma divisão do trabalho renovadas, dentro e entre as distintas organizações governamentais e empresariais da economia mundial capitalista. Sem dúvida, a velocidade, a escala e o alcance da conversão do capital excedente em mercadorias forma maiores no ciclo norte-americano do que em qualquer ciclo anterior. No entanto a fase de expansão material das décadas de 1950 e 1960 assemelhou-se a todas as outras num aspecto fundamental: seu próprio desdobramento resultou numa grande intensificação das pressões competitivas sobre toda e qualquer organização governamental e empresarial da economia mundial capitalista, e numa conseqüente retirada maciça do capital monetário do comércio e da produção (ARRIGHI, 1996, p.308).

As mudanças fundamentais ocorridas na economia mundial sucederam-se no período entre 1968-73, momento este de inversão da fase do ciclo sistêmico de acumulação. Em meados da década de 1970 “o volume das transações puramente monetárias realizadas nos mercados monetários offshore já ultrapassa em muitas vezes o valor do comércio mundial. A partir daí, tornou-se impossível deter a expansão financeira” (ARRIGHI, 1996, p.309).

Com esta breve exposição, procurou-se destacar as principais características que marcaram a economia-mundo capitalista durante a primeira fase do ciclo sistêmico de acumulação norte-americano. Para o período observado, algumas perguntas podem ser feitas. Qual o efeito da ascensão da hegemonia norte-americana para o Brasil? Em que medida o desenvolvimento nacional foi estimulado pela própria economia-mundo capitalista?

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5) Economia-mundo capitalista e o Brasil

Dadas as complexidades da mudança social no século XX, encontrar respostas as mudanças ocorridas no Brasil durante esse período não é uma tarefa simples. As metodologias tradicionais da história econômica, em geral centradas na economia nacional, parecem inadequadas e precisam ser transcendidas. Através da metodologia da Economia Política dos Sistemas-Mundo (EPSM), o presente texto é um esforço nessa direção.

Esta seção tem por objetivo determinar a natureza e estabelecer algumas relações do Brasil com a economia-mundo capitalista. Para tanto, faz-se necessário inicialmente, identificar as consonâncias temporais, mesmo que de foram rudimentar, entre os estágios de desenvolvimento do capitalismo histórico e o Brasil (este enquanto parte daquele sistema).

Estabelecer períodos ou ciclos históricos que descrevam o comportamento Brasileiro como função da economia mundial é uma tarefa extremamente desafiadora. Diversos autores indicam períodos distintos da história econômica brasileira, dada as variações dos modelos teóricos de cada autor. Uma periodização da vida econômica brasileira à luz da análise dos sistemas mundiais encontra sua forma elementar se observada a Figura 3. A periodização com base na economia-mundo capitalista tem por príncipio privilegiar períodos longos, ou seja, dá ênfase nas estruturas. Como já foi mencionado, o escopo temporal a ser observado por esta pesquisa corresponde ao momento histórico do sistema mundial moderno transcorrido sob a hegemonia norte-americana, em específico, à fase de expansão material da economia-mundo capitalista ocorrida entre 1930-1973.

Ao postular como palco central do desenvolvimento econômico do Brasil a economia-mundo capitalista, observou-se harmonia entre os processos sócio-históricos ocorridos nesta região e as propriedades sistêmicas da economia mundial capitalista durante a fase de expansão material do ciclo sistêmico de acumulação norte-americano. Esta harmonia se verifica na ocorrência simultânea de políticas voltadas ao desenvolvimento nacional empreendidas fortemente a partir da década de 1930 e reforçada pela conjuntura mundial favorável a movimentos de autodeterminação nacional.

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1500 1600 1700 1800 1900 2000 Estrutura -Economia-mundo capitalista

C - CSAGV C - CSAHL C - CSAGB C - CSAEUA

F-EM F-EF

Estrutura -Brasil – Economia primário-exportadora

C - EI C – Ind.

F-CIE F-CIE F-VDI

1930 196019731985

1500 1600 1700 1800 1900 2000

Estrutura -Economia-mundo capitalista

C - CSAGV C - CSAHL C - CSAGB C - CSAEUA

F-EM F-EF

Estrutura -Brasil – Economia primário-exportadora

C - EI C – Ind.

F-CIE F-CIE F-VDI

1930 196019731985

Figura 3 – Evolução da história econômica do Brasil à luz do sistema-mundo. Legenda:

C-CSANA – Conjuntura longa: ciclo sistêmico de acumulação norte-americano; F-EM – Fase: expansão material;

F-EF – Fase: expansão financeira;

C-EI – Conjuntura longa: esforço industrializante; C-I – Conjuntura longa: economia brasileira industrializada F-CIE – Fase: capitalismo industrial estatal;

F-CICE – Fase: capitalismo industrial sob a édge do capital estrangeiro; F-VDI – Fase: vias de desindustrialização.

Fonte: elaboração dos autores.

As bases do desenvolvimento da economia brasileira a partir da década de 1930 residem fundamentalmente: i) no o surgimento, durante o período de gestão da econômica cafeeira (1860-90) de uma classe de capitalistas mercantis cônscios da importância de um governo favorável a seus interesses3; ii) na crise terminal da hegemonia britânica, cujo principal impacto sobre a economia-mundo foi a “Crise de 1929”. Neste momento, iniciou-se efetivamente a experiência brasileira de utilização do poder do governo para promover a acumulação de capital. Como observa Mello (1990, p.109), “a recuperação da economia, promovida objetivamente pela política econômica do Estado fez com que a capacidade ociosa criada pelo desfalecimento da demanda e mesmo, em certos casos, a anterior à crise, fosse preenchida”. Isso quer dizer que, no período 1931-1937, a lucratividade corrente das empresas foi recuperada e o forte protecionismo governamental favoreceu a indústria leve de bens de produção (MELLO, 1990, p.109). Em síntese, pode-se dizer que a intervenção do Estado brasileiro simbolizou o início de uma nova

3 “A economia cafeeira formou-se em condições distintas. Desde o começo, sua vanguarda este formada por homens

com experiência comercial. Em toda a etapa da gestão os interesses da produção e do comércio estiveram entrelaçados. A nova classe dirigente formou-se numa luta que se estende em uma frente ampla: aquisição de terras, recrutamento de mão-de-obra, organização e direção da produção, transporte interno, comercialização nos portos, contatos oficiais, interferência na política financeira e econômica. A proximidade da capital do país constituía, evidentemente, uma grande vantagem para os dirigentes da economia cafeeira. Desde cedo eles compreenderam a

enorme importância que poria ter o governo como instrumento de ação econômica. Essa tendência à subordinação

do instrumento político aos interesses de um grupo econômico alcançará sua plenitude com a conquista da autonomia estadual, ao proclamar-se à República” (FURTADO, 2003, p.122 grifo nosso).

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fase e um novo modo de crescimento econômico. Para Furtado (2003) e Mello (1990) esta nova fase se caracteriza pelainternalização de alguns processos industriais.

Esta mudança na orientação do estado foi o resultado da ascensão de novas forças na direção do aparelho estatal.Bresser Pereira (1985) vê no Pacto Populista (1930) o surgimento de um novo período que livrou o Estado da burguesia agrário-exportadora e permitiu um cenário político local favorável à industrialização. Deste modo, a década de 1930 marca o início de uma nova era tanto para o Brasil, que se observado numa perspectiva ampla, também representa novos tempos à economia-mundo capitalista com a ascensão do sistema de livre iniciativa4.

O sistema de livre iniciativa ancorada nas empresas multinacionais verticalmente integradas obteve sucesso no período entre e pós-guerra, pois a capacidade organizações desse modelo de empresa capitalista levou essas a superarem os problemas de mercado. A vantagem da variante norte-americana sob a variante alemã, modelo de integração horizontal, num período histórico recessivo, se deu ao fato de que

(...)as empresas seletas moveram-se no sentido de trazer para dentro de si os subprocessos de produção e comercialização que vinculam a obtenção de insumos primários à colocação dos produtos finais. Assim, os custos de transação, os ricos e as incertezas envolvidas na movimentação de insumos e produtos ao longo da seqüência desses subprocessos foram internalizados em empresas formadas por várias unidades separadas, sendo submetidas à lógica econômica de ação administrativa e do planejamento empresarial ao longo prazo (ARRIGHI, 1996, p.296).

As transformações qualitativas no sistema histórico como um todo acarretas por essa nova forma de organização da empresa capitalista ocorreu devido à implementação de mecanismos de regulação e suspensão de mercando assegurados pelo Estado norte-americano a nível mundial, já mencionados na seção 3.

Na perspectiva estado-empresa, “o Estado garante um preço suficiente, com uma margem adequada, para cobrir custos. E se compromete a comprar o que for produzido ou a dar plena compensação em caso de cancelamento dos contratos, falha técnica ou ausência de demanda. Assim, ele efetivamente suspende o mercado, com toda a incerteza que está associada a este” (GALBRAITH, 1985, p.31-2 apud ARRIGHI, 1996, p.297).

Já na perspectiva estado-sistema interestatal, o Estado norte-americano teve a função de assegura a proteção necessária da economia nacional estadunidense bem como ampliar o campo de possibilidades de atuação das empresas residentes em todo o mundo através de acordos multi ou bilaterais. Nesse sentido a atuação do Estado norte-americano consistiu na criação de um sistema monetário mundial capaz de estabilizar e dar paridade às moedas nacionais. Com isso foi

4 “A emergência do sistema de livre iniciativa – livre, bem entendido, das restrições impostas pelo exclusivismo

territorial dos Estados aos processos de acumulação de capital em escala mundial – foi o resultado mais característico da hegemonia norte-americana” (ARRIGHI, 1996, p.74).

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criado um sistema de taxas de cambio fixas ancorado no padrão dólar-ouro5. (ARRIGHI, 1996, p.287).

Em resumo, essa convergência de interesses entre o capital e o estado norte-americano foi fundamental para ascensão dos Estados Unidos como potência hegemônica, conseguindo estabelecer legitimamente uma nova ordem mundial através da disseminação mundial, mesmo que desigual, dos princípios do New Deal (1933-1937). Segundo Schurmann,

a essência do New Deal era a idéia de que os grandes governos deviam gastar com liberalidade para conquistar a segurança e o progresso. Assim, a segurança do após-guerra exigiria uma certa liberdade de desembolso por parte dos Estados Unidos, a fim de superar o caos criado pela Guerra. (...) A ajuda dentro dos Estados Unidos – dar-lhes-ia segurança para superar os caos e impediria que eles se transformassem em revolucionários violentos. Enquanto isso, eles seriam inextricavelmente atraídos para o renascido sistema de mercado mundial (SCHURMANN, 1974, p.67 apud ARRIGHI, 1996, p. 285-86).

No Brasil, essa nova ideologia toma corpo a partir da década de 1950. Sem embargo, a experiência histórica de desenvolvimento capitalista industrial predominante no Brasil pode ser verifica em dois períodos conforme aponta Singer (1995). Entre 1933 e 1955 uma fase de capitalismo industrial monopolista estatal nacional e, entre 1956 e 1967, uma expansão da indústria de caráter monopolista sob o comando do capital multinacional. Ianni (2000), propõe que o modelo de desenvolvimento transnacional ocorre a partir de 1964.

Apesar dessas distinções, as conseqüências impostas pelas duas guerras mundiais, como a desvalorização do preço do café e uma redução do fluxo de comércio internacional, associadas a uma forte intervenção do Estado no intuito de maximizar a renda nacional via política cambial foram fundamentais para o desenvolvimento capitalista industrial ocorrido ao longo do século XX. É preciso lembrar também que, nas décadas de 1930 e 1940, na América Latina havia se difundido entre cientistas sociais e governantes uma verdadeira crença na capacidade da indústria como plataforma para superar o subdesenvolvimento, o que levou a um consenso social em torno da industrialização como prioridade nacional. Sendo assim, o Brasil vivenciou no período entre 1930-1950 um maior grau de liberdade de ação, devido às disputas no sistema interestatal, o que permitiu a esta zona semiperiférica buscar uma melhor inserção na economia-mundo capitalista.

A construção de Volta Redonda (Companhia Siderúrgica Nacional), a Fábrica Nacional de Motores, a Petrobrás e a hidrelétrica Paulo Afonso, são exemplos de empresas nacionais que marcam a atuação do Estado como agente capitalista neste período. “Surge assim o setor monopolista do capitalismo industrial brasileiro, que opera significativa substituição de

5 “Neste contexto, convém frisar que o sistema monetário mundial criado em Bretton Woods foi mais que um

conjunto de acordos técnicos com vistas estabilizar a paridades entre algumas moedas nacionais seletas, (...) [No fundo] (...) houve uma grande revolução no modo de produzir o dinheiro mundial” (ARRIGHI, 1996, p.287).

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importações que a partir do período seguinte, viabilizando a continuidade da industrialização, apesar do estrangulamento externo” (SINGER, 1995, p.224). Como se verá mais adiante, o desenvolvimento excitado pelo Estado, apesar de permitir um crescimento da atividade econômica no Brasil, acabou por incorrer em alguns custos.

Entretanto, esse avanço do Estado brasileiro na economia local, após constituir uma base mínima capaz de estimular o desenvolvimento, passa a ser atacado pelo governo dos Estados Unidos, ou seja, passa a sofrer reações por parte do Estado hegemônico que viu no Brasil um concorrente potencial. Guimarães (2002), ao tratar da estratégia americana para a América Latina destaca que, no plano econômico, os Estados Unidos procuravam “manter os mercados latino-americanos abertos a suas exportações, em especial industriais – e seus investimentos – através da defesa infatigável das teorias econômicas liberais, em especial das idéias de vantagens comparativas, de especialização agrícola e de livre comércio”. Conseqüentemente, o desenvolvimento econômico no Brasil via agente industrial local, a partir da década de 1930 até o início da década de 1950, vai de encontro com a estratégia norte-americana. Com isso, o autor destaca uma estratégia particular ao Brasil: “reduzir o papel do estado como investidor, regulamentador e fiscalizador da atividade econômica” (GUIMARÃES, 2002, p.100-102). O ataque persiste até hoje. Entretanto, a partir do governo Juscelino Kubitschek, (1956-60) a força do capital multinacional passa a agir mais intensamente sobre o Estado brasileiro.

Como já foi mencionado na seção 3, o pilar da ordem econômica no período do pós-guerra foi à procura da liberalização na circulação de bens, serviços e capital. (IKEDA, 1998, p.64) Nesse período, os investimentos estrangeiros diretos realizados pelas empresas norte-americanas apresentaram-se como meio de neutralizar e reverter em benefícios o protecionismo dos Estados capitalistas fechados as suas economias nacionais, como era o Brasil (ARRIGHI, 1996, p.304). No Brasil, o fluxo de investimentos estrangeiros diretos pode ser observado pela Figura 5. A noção de taxa de crescimento indicada pela escala logarítmica permite afirmar que ocorrem dois surtos de ingressos. O primeiro entre 1967 até 1979, e o segundo, mais recentemente, entre 1994 e 2000. O primeiro surto apresenta clara consonância com o movimento da economia-mundo capitalistas que entre 1960-70 incorpora a sua lógica a liberalização dos investimentos estrangeiros diretos. Contrapondo a Figura 4 na Figura 5 é possível visualizar um reflexo das inversões de investimentos ocorridos na fase A da Figura 4 e a resposta no crescimento da participação da indústria no PIB, fase B da Figura 5.

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10 100 1.000 10.000 100.000 1947 1952 1957 1962 1967 1972 1977 1982 1987 1992 1997 2002 U S $ (m il h õ es ) Fase A (1967-1979) Fase B (1994-2000)

Figura 4 - Investimentos Estrangeiros Diretos, ingressos (escala logarítmica). Fonte: IPEADATA. 20 25 30 35 40 45 50 1947 1952 1957 1962 1967 1972 1977 1982 1987 1992 1997 2002 P o rc en ta g em Fase A (1952-1959) Fase B (1967-1975)

Figura 5 - PIB da indústria (% do PIB).

Fonte: IPEADATA.

Entretanto, os efeitos acarretados ao Brasil, tanto pela primeira fase de consolidação da indústria de base (1933-1955) quanto pela liberalização das trocas de mercadorias e nos investimentos estrangeiros diretos, verificaram-se nos desequilíbrios no balanço de pagamentos e na inflação. Vianna (1992a p.105-122), destaca que durante o governo Dutra (1946-51), as políticas econômicas externas, tanto cambiais quanto de comércio exterior como também as de industrialização, articularam-se de forma a conter essas dificuldades, porém promovendo o processo de industrialização. Com isso foi implementada uma política cambial sobrevalorizada, cujo objetivo era manter a capacidade de importação de bens de capital para a indústria e atrair capitais estrangeiros através de um controle frouxo dos capitais. Entretanto essas políticas não surtiram efeitos.

No período seguinte (1951-1954), mesmo como o retorno de Getúlio Vargas ao governo permaneceram os desequilíbrios tanto do balanço de pagamento quanto das contas públicas retornando processo inflacionário. Contudo alterou-se a atitude do governo norte-americano em relação aos financiamentos do programas de desenvolvimento, o que se expressou na constituição da Comissão Mista Brasil-Estados Unidos (CMBEU). (VIANNA, 1992, p. 123-169)

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A partir deste momento começa a ser revivida a idéia, que não é nova na história econômica do Brasil, de recorrer ao capital estrangeiro como forma de solucionar as dificuldades e limitações da poupança interna.

Em conformidade com conjuntura protecionista e estatista da expansão material do CSA norte-americano, o governo JK (1956-1960) realizou o segundo grande movimento (considerando que o primeiro foi Getúlio Vargas) no sentido de planejar o desenvolvimento econômico. “O desenvolvimento transformou-se em bandeira política, incentivando-se a industrialização a qualquer custo, escudada em fortíssima proteção aduaneira e em polpudos subsídios cambiais, e promovendo-se uma grande série de obras públicas de vasto impacto publicitário” (SIMONSEN & CAMPOS, 1976, p.5). A implantação da indústria automobilística, naval e a construção de Brasília e inúmeras rodovias expressam esse período.

Em resumo, o período 1930-1964 marcou uma fase de transformação da economia brasileira elevando o Brasil na hierarquia das atividades produtivas mundiais, saindo de uma estrutura primário-exportadora para uma estrutura industrial (ver Figura 6). Porém os custos incorridos (inflação acelerada, balanço de pagamentos deficitário e dificuldade de expansão da indústria) dessa transformação levaram o Brasil a sofrer um salto nos investimentos estrangeiros diretos durante a década de 1970 como forma de reestruturação e recuperação da economia brasileira. 0 % 1 0 % 2 0 % 3 0 % 4 0 % 5 0 % 6 0 % 7 0 % 8 0 % 9 0 % 1 0 0 % 1 9 7 4 1 9 7 9 1 9 8 4 1 9 8 9 1 9 9 4 1 9 9 9 2 0 0 4 Bá s icos S em i-m a n u fa t u r a d os Ma n u fa t u r a d os

Figura 6 - Participação relativa por classe de produto no total das exportações.

Fonte: IPEADATA.

Não longe, cabe destacar que à luz da economia-mundo capitalista a abertura da econômica brasileira aos investimentos estrangeiros não se trata de um movimento nacional exclusivo. Desde meado da década de 1960 a disputa intercapitalista no centro é acirrada após a reconstrução das economias européia e japonesa. A tentativa de reduzir essa pressão competitiva engendradas na zona central da economia-mundo capitalista, as empresas transnacionais

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passaram a buscar externalidades (mão de obra barata e não sindicalizada, recursos naturais, etc.) como forma de reduzir custos. Este processo competitivo se verificou na dispersão pelo mundo (zonas semiperiféricas e periféricas) de alguns processos produtivos, cuja capacidade de agregação de valor estavam comprometidos. Esse movimento mundial pode ser verificado na Figura 7.

No Brasil esse movimento, em principio, expressa-se no nível de investimentos estrangeiros diretos que sofreram um salto 580,57% na década de 1970 em relação a década de 1960. (Ver Tabela 2).

Tabela 2 - Investimentos e Reinvestimentos estrangeiros no Brasil

Período US$ mil

até 1950 307.117

1951 a 1960 956.331

1961 a 1970 2.127.820

1971 a 1979 12.353.641

Fonte: BACEN.

Figura 7 – Tendência ao grau de industrialização.

Fonte: ARRIGHI, 1996, p.348.

Se na esfera da economia a década de 1970 dá sinais concretos de uma nova fase ao Brasil, no Estado as articulações que permitiram esse novo estágio começaram alguns anos antes. Para Simonsen e Campos (1976), o Golpe Militar de 1964 abre uma nova fase da história econômica do Brasil. Ianni (2002) concorda e diz que o período deu início ao modelo de capitalismo

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transnacionalizado. Simonsen destaca neste período, que confunde com o milagre econômico, três características: o desenvolvimento econômico como objetivo nacional principal, porém sustentado por um modelo produtivista6, ou seja, crescimento acelerado e real do produto sem se preocupar com a questão da distribuição da renda; combate a inflação para sustentar as altas taxas de crescimento do produto real da economia; e uma imaginação reformista que criou instituições a como correção monetária, da taxa flexível de cambio, da formulação de política salarial, do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço e do Programa de Integração Social.

É possível derivar dessas três características que marcam o período pós-1964, movimentos harmônicos com a economia-mundo capitalista. Para isso, algumas perguntas precisariam ser respondidas como: por que somente a partir da década de 1970, conforme mostra a tabela 2, o Brasil eleva consideravelmente o nível de investimentos estrangeiros diretos? Por que durante esse mesmo período a economia cresceu substancialmente elevando o nível de renda per capita? De que forma a reestruturação e criação das instituições brasileiras favoreceram esse processo? As respostas a essas perguntas surgem como novas possibilidades de pesquisa.

Por fim, o que deve ser destacado desta seção é que, de acordo com a organização da economia mundial capitalista sob a hegemonia norte-americana, a corporação transnacional emergiu como principal agente de acumulação. No Brasil, este agente passa a ter maior destaque e influência somente a partir da década de 1970, pois entre 1930-64 as relações estabelecidas entre os Estados centrais da economia-mundo (reconstrução da Europa) permitiram espaços para o desenvolvimento das zonas semiperiféricas. Entretanto, esse movimento ocorrido no Brasil à luz da análise do sistema-mundo, sugere ter sido uma etapa para a consolidação no Brasil de uma base de desenvolvimento capitalista capaz de colocar o Estado brasileiro em condições de disputa pelo capital circulante mundial.

6) Considerações Finais

Em resumo, o artigo procurou delimitar o problema do desenvolvimento econômico à luz da análise dos sistemas mundiais. Primeiramente desmistificou-se o ideário do desenvolvimento econômico como desenvolvimento da indústria. Com rompimento deste dogma, que predominou nos três primeiros quartos do século XX, buscou-se mostrar como as estruturas da economia-mundo capitalista foram condicionando o desenvolvimento econômico do Brasil entre 1945 e 1973. Para identificar os elementos condicionantes aplicou-se a perspectiva da Economia Política dos Sistemas-Mundo valendo-se do método da história comparada, em particular, da

6 Simonsen e Campos (1976) referem-se a duas alternativas filosóficas de desenvolvimentistas: uma produtivista,

cujo crescimento acelerado e real do produto ocorre sem se preocupar com a questão distributiva; e uma redistributivista, onde o foco é uma melhoria da distribuição da renda e dos níveis de bem-estar.

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encompassing comparisson. Ao propor considerações em termos sistêmicos e históricos, a contribuição da perspectiva adotada reside essencialmente na compreensão do desenvolvimento econômico brasileiro enquanto processo da própria economia-mundo capitalista. As particularidades e semelhanças de cada processo são expressões constitutivas deste sistema, sendo o espaço e o tempo fatores de diferenciação entre o que é específico e o que é geral.

Dentro dos limites espaço-temporais da análise realizada, destaca-se a conjuntura mundial favorável aos movimentos de autodeterminação nacional e o fortalecimento do mercado interno empreendidos pelos Estados Unidos com a fase de capitalismo industrial estatal no Brasil (1933-55). Além disso, a associação entre as fases de liberalização de mercadoria e investimentos estrangeiros diretos (1950-70) com o salto nos ingressos de investimentos estrangeiros diretos no Brasil. Isto sugere que as transformações no setor industrial podem ter ocorrido, em larga medida, por casa das transformações da economia-mundo capitalista ocorridas no período. Portanto, pode-se observar uma consonância temporal entre os elementos característicos da economia-mundo capitalista e as etapas do progresso econômico brasileiro. Ou em outros termos, verificaram-se expressões locais de processos mundiais.

Por fim, vale destacar que o presente artigo é uma primeira aproximação da temática do desenvolvimento econômico brasileiro a partir da Economia Política dos Sistemas-Mundo. Muitas questões ainda precisam ser respondidas. Portanto, para delimitar o Brasil enquanto um subsistema particular dentro da economia-mundo capitalista é necessário contrapô-lo a outros casos, pois é através da comparação que pode-se distinguir o que é particular e o que é sistêmico, o que é recorrente ou contingente no tempo.

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Referências

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