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Adolescentes negros no ensino fundamental = representações de si e construção de identidades

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Academic year: 2021

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CARMELICE AIRES PAIM DOS SANTOS

DISSERTAÇÃO DE MESTRADO: ADOLESCENTES NEGROS NO ENSINO FUNDAMENTAL: Representações de si e construção de identidades

Campinas 2010

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iii

CARMELICE AIRES PAIM DOS SANTOS

ADOLESCENTES NEGROS NO ENSINO FUNDAMENTAL: Representações de si e construção de identidades

Dissertação apresentada ao Instituto de Estudos da Linguagem, da Universidade Estadual de Campinas, para obtenção do Título de Mestre em Linguística Aplicada.

Orientador(a): Prof.ª Dr.ª Roxane Helena Rodrigues Rojo

Campinas 2010

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iv

Ficha catalográfica elaborada pela Biblioteca do IEL - Unicamp

P159a

Paim, Carmelice Aires.

Adolescentes negros no ensino fundamental: representações de si e construção de identidades / Carmelice Aires Paim dos Santos. -- Campinas, SP : [s.n.], 2010.

Orientadora : Roxane Helena Rodrigues Rojo.

Dissertação (mestrado) - Universidade Estadual de Campinas, Instituto de Estudos da Linguagem.

1. Adolescentes - Identidade (Psicologia). 2. Negros - Brasil. 3. Linguística aplicada - Estudo e ensino. I. Rojo, Roxane Helena Rodrigues, 1952-. II. Universidade Estadual de Campinas. Instituto de Estudos da Linguagem. III. Título.

cqc/iel

Título em inglês: Black teenagers in elementary school: representations of self and identity construction.

Palavras-chave em inglês (Keywords): Teenagers - Identity (Psychology); Blacks – Brazil; Applied linguistics - Study and teaching.

Área de concentração: Língua Materna. Titulação: Mestre em Linguística Aplicada.

Banca examinadora: Profa. Dra. Roxane Helena Rodrigues Rojo (orientadora), Profa. Dra. Terezinha de Jesus Machado Maher e Prof. Dr. Kleber Aparecido da Silva.

Data da defesa: 10/12/2010.

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v

Banca examinadora dos trabalhos de Defesa de Dissertação de Mestrado, em sessão pública realizada em 10 de Dezembro de 2010, considerou o (a) candidato (a) Carmelice Aires Paim dos Santos aprovado(a).

UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMINAS Instituto de Estudos da Linguagem

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vii

À Tereza Aires Paim –

Mãe, Estrela de primeira grandeza - pelas lições de força, coragem e retidão.

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ix Agradecimentos

Gostaria de agradecer imensamente a todas as pessoas que participaram direta ou indiretamente da organização deste trabalho, em especial:

À prof.ª Drª. Roxane Helena Rodrigues Rojo, pela colaboração, confiança e participação ativa neste empreendimento.

Ao meu marido, Ronaldo Gonçalves dos Santos, que tão significativamente mudou minha vida e teve intensa participação no (demasiadamente) longo processo de composição e escrita desta

dissertação; pela incansável colaboração nos procedimentos de formatação e organização. Aos adolescentes que tão responsável e interessadamente participaram como informantes neste

trabalho de pesquisa e aos quais homenageio na página de epígrafes.

Aos pais desses alunos, que não só colaboraram mediante a autorização da participação dos seus filhos neste empreendimento, como enfatizaram a importância deste para o desenvolvimento

pessoal, emocional e social dos seus filhos;

À toda equipe da escola na qual foi realizada a investigação, os quais tão bem me acolheram como profissional e como pesquisadora (Profº Roberto, Clélia, Ana, Maria)

Às minhas ir[Mães], Carmem e Cleonice, pelo apoio, compreensão, respeito, valorização e encorajamento;

A Elias Ribeiro da Silva, amigo de todas as horas, pelo imenso respeito, carinho, força, atenção e colaboração; pelo constante encorajamento, pelas correções e orientações e pelas longas horas de

discussão;

A Claudiomiro Vieira da Silva, pelo carinho e pelos momentos tão agradáveis de conversas de corredor, do cafezinho na cantina e pela troca de experiências.

A todos os meus colegas do grupo de pesquisa, com carinho todo especial ao Heitor Gribl, pela dedicação e atenção e pelo espírito solidário;

À Prof.ª Dr.ª Terezinha de Jesus Maher, pelas observações tão convenientemente organizadas e pelas orientações delas decorrentes.

Ao Profº. Dr.º Kleber Aparecido da Silva e à Prof.ª Dr.ª Claúdia Hilsdorf Rocha, pelas orientações iniciais na escrita do projeto de pesquisa que deu origem a este trabalho.

A toda equipe de funcionários da Biblioteca do IEL e da Secretaria de Pós-Graduação pelos esclarecimentos e colaboração.

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xi

... todo mundo tem uma história assim, né/ todas as nações e tudo mais tem uma história bem forte, marcante/ mas assim.../ o negro, ele tem uma história assim tão triste/ tão...sabe...assim../ e que eu acho que/ passa despercebido e nas mãos de muitos, né?/ muitos...assim.../ cê vê que as pessoas assim...talvez / da minha idade mais ou menos assim.../ ele não sabe direito a história/ […]

(Samantha -13 anos)

Negativo é as ofensas, né?// como eu já havia comentado// não tem como não lembrar...[…]Acho muito ruim isso, né? / diferenciar por causa da cor.../

(Gustavo – 13 anos)

Professores/ rede de ensino/ todos/ acho que eles deveriam buscar muito mais a cultura negra/ precisa de muito mais pra ficar uma coisa bem legal... (Samantha -13 anos)

Porque eu sempre.../eu sempre sofri com isso, sabe? / Né?/ desde pequena, assim.../

(Tainara – 12 anos)

...mas... uma sugestão: / porque sugestões são sempre abertas assim..../ pra...que a escola desse...sabe?/ buscar um pouco mais assim esse lado, sabe? / o aluno negro na escola/ como que ele se sente/ se ele é bem recebido/ se ele não é...

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xiii Resumo:

Na fase atual das suas apresentações, os estudos de cunho etnográfico da Linguística Aplicada revelam-se cada vez mais comprometidos com questões da vida social. Entretanto, tais estudos ainda não foram suficientes para mapear a diversidade de questões envolvendo as identidades no âmbito da globalização, uma vez que, no contexto das transformações globais, os processos que envolvem a identidade e afetam sensivelmente os contextos socioculturais têm levado os sujeitos a problematizarem as delimitações dos seus pertencimentos e sua relação com o outro e consigo mesmos. Inserido neste universo de preocupações, o presente trabalho que apresenta-se como uma estudo de cunho etnográfico, organizou-se a partir da análise os elementos formadores dos discursos identitários dos adolescentes afrodescendentes de uma escola de pequeno porte, no interior paulista, buscando-se observar os referenciais etnorraciais utilizados por tais sujeitos no momento de construir posições de identidades. Vale lembrar que a identidade foi aqui problematizada como uma noção complexa, não essencializada, pluridimensional e que mantém estreita relação, com a história, com a cultura, com a linguagem e com as experiências comuns ocorrentes na vida cotidiana. Parametrizado por tal noção o empreendimento investigativo ora relatado, apoiou-se nos pressupostos que reafirmam o contexto familiar como um locus de manutenção dos elementos culturais dos afrodescendentes investigados, desenvolvendo-se por meio de um estudo de caso, construído a partir de narrativas (história de vida) de tais sujeitos. Orientados nessa metodologia e lançando mão de procedimento dinâmico interacional norteado por entrevistas semidirigidas, as quais foram gravadas e posteriormente transcritas, buscou-se traçar/apreender o modo como esses adolescentes representam a si mesmos ao construir as suas narrativas de vida. A proposta investigativa ora apresentada torna-se relevante para os estudos da Linguística Aplicada, à medida que reafirma a importância desta como disciplina aplicada e trasndisciplinar e favorece a ampliação das discussões em torno das questões sociais que envolvem a linguagem, uma vez que o objeto da pesquisa, constituiu-se como objeto complexo que, dada a sua significativa relevância social, exigiu uma postura dialógica com outras disciplinas.

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xv Resumen:

En la fase actual de su presentación, el estudio de la Lingüística Aplicada están demostrando ser cada vez más comprometidos con las cuestiones de la vida social. Sin embargo, estos estudios no fueron suficiente para conocer la diversidad de temas relacionados con las identidades en el contexto de la globalización, ya que en el contexto de las transformaciones globales, los procesos que involucran a afectar sustancialmente a la identidad y los contextos socio-culturales ha llevado los sujetos a problematizar la demarcación de sus pertenencias y su relación con los demás y consigo mismo. Dentro de este universo de preocupación, el presente trabajo, que se presenta como un estudio etnográfico, se organizó a partir del análisis de los elementos de formación de los discursos sobre la identidad de los adolescentes de ascendencia africana a partir de una pequeña escuela en São Paulo, con el objetivo de observar los puntos de referencia etno-raciales utilizados por estos individuos en el momento de construir posiciones de identidad. Importante recordar que la identidad es problematizado aquí como un concepto complejo, no esencializada, multidimensional y mantiene estrechos vínculos con la historia, con la cultura, con el lenguaje y con las experiencias comunes que se producen en la vida cotidiana. Guiado por este concepto y utilizando una metodología de investigación etnográfica, la investigación que aquí se describen, se basó en los supuestos que reafirman el contexto familiar como lugar para el mantenimiento de los elementos culturales de afrodescedndentes investigados, desarrollo a través de un estudio caso, construido a partir de narraciones (la historia de vida) en estos temas. Apoiados en esta metodología y haciendo uso del procedimiento dinámico de interacción guiada por entrevistas semi-dirigidas, grabadas y transcritas, se intentó delinear / entender cómo estos adolescentes representarse a sí mismos en el momento de construir sus narraciones de la vida. De acuerdo con nuestra visión, el trabajo de investigación presentada aquí es relevante para el estudio de la Lingüística Aplicada, em el que reafirma su importancia como una disciplina aplicada y trasndisciplinar y favorece la expansión de los debates sobre las cuestiones sociales relacionadas con el idioma, ya que el objeto de la investigación, se estableció como un objeto complejo que dada su importancia social significativo, exigió una actitud dialógica con otras disciplinas.

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xvii SUMÁRIO

PERCURSO DE PESQUISA...19

CAPÍTULO 1: A PESQUISA ...27

1.1. Pressupostos epistemológicos e justificativa da pesquisa...27

1.2. Considerações metodológicas sobre a pesquisa...29

1.3. Os sujeitos da pesquisa: critérios de seleção...30

1.4. Metodologia e instrumentos de geração de dados...32

1.5. Procedimento de geração de dados..…...38

CAPÍTULO 2: CONSIDERAÇÕES SOBRE AS IDENTIDADES...43

2.1. Identidades étnicas ou raciais?...43

2.1.1. Identidades raciais...44

2.1.2. Identidades étnicas...49

2.2. Identidades na modernidade...52

2.2.1. Identidade social, identidade pessoal e identidade do ego...55

2.3. Identidade racial e etnicidade na Alta Modernidade – O espaço da globalização...58

2.4. Diáspora do Atlântico Negro: traço constitutivo das identidades negras no Ocidente...64

2.5. O negro no Brasil: o processo de reinvenção das culturas negras e das identidades africanas...67

2.5.1. Percurso histórico das identidades afrodescendentes no Brasil e a relação com a ideologia etnorracial nacional...73

2.5.2. As culturas negras no Brasil na Alta Modernidade...79

CAPÍTULO 3: AFRODESCENDENTES - VOZES DE UMA JOVEM MINORIA ...83

3.1. Claro/escuro: representação do positivo/negativo da identidade etnorracial...84

3.2. O negro como signo ideológico...99

CAPÍTULO 4: RUIM ISSO, NÉ?/ DIFERENCIAR POR CAUSA DA COR...113

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xviii

4.2. Família, música, futebol e arte: de onde vem os referencias identitários?...126

4.3. O “nós” e o “eles” – cada qual no seu quadrado: Afrodescendentes e as questões etnorraciais da Alta Modernidade...139

CONSIDERAÇÕES FINAIS…………...……...145

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ...151

ANEXOS...159

Atividades da pesquisa...159

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19 PERCURSO DE PESQUISA

O interesse pela presente pesquisa nasceu de dois âmbitos, consecutivamente: profissional e acadêmico. Como professora de Língua Portuguesa do Ensino Fundamental da Rede Pública e Particular, sempre tive um tempo de convivência significativo com as classes nas quais ministrava aulas, devido à extensa carga horária que constitui a Disciplina (seis aulas semanais em cada classe), o que me levava consequentemente a estabelecer relações de maior proximidade com o corpo discente: ouvir suas histórias, trocar experiências e, principalmente observá-los mais detidamente.

Partindo desse contexto, pude observar como o adolescente costuma lidar com suas experiências e quais são as situações mais comuns presentes na vida desses sujeitos. Chamou-me atenção, particularmente, o fato dos adolescentes afrodescendentes – ainda que inseridos nesses mesmos grupos (classes) escolares - vivenciarem algumas experiências bastante diferenciadas dos demais alunos, dentro e fora de sala de aula e os efeitos que tais experiências causavam na vida dessas pessoas. Os apelidos; os termos pejorativos sempre associados às características fenotípicas (macaco, saci, etc.); o tratamento excludente manifestado pelos próprios colegas; a ridicularização frente aos seus traços físicos característicos (lábios, nariz, cabelos, etc.) levava a reações que variavam da agressividade ao isolamento.

Após ter observado tais fatos, busquei, através de uma breve análise da literatura sobre o negro no Brasil, verificar como os estudos acadêmicos têm descrito a situação da população negra no país e como os problemas de ordem epidérmico-racial tem sido vivenciados por essa população. Tal procedimento me fez entrever como os

A identidade marca o encontro de nosso passado com as relações ciais, culturais e econômicas nas quais vivemos agora... A identidade é a interseção de nossas vidas cotidianas com as relações econômicas e políticas de subordinação e dominação (RUTHERFORD, 1990; 19-20).

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mecanismos que determinam as relações epidérmico-raciais no Brasil são sustentados e perpetuados no interior das estruturas econômicas e sociais vigentes na atualidade.

Motivado por tais discussões, Clóvis Moura, em a Sociologia do negro brasileiro (1988) faz um panorama das pesquisas sobre o negro no Brasil, pontuando a importância dos estudos patrocinados pela UNESCO, após a Segunda Guerra Mundial. Tais estudos, segundo o autor, teriam tido importância capital na desmistificação das “generalidades otimistas e ufanistas” (MOURA, 1988, p. 28) e do mito da democracia racial no Brasil, uma vez que, através de tais investigações “constatou-se que o Brasil é altamente preconceituoso e o mito da democracia racial é uma ideologia arquitetada para esconder uma realidade social altamente conflitante e discriminatória no nível das relações interétnicas” (MOURA, 1988, p. 30). Como parte integrante do resultado da sua pesquisa, o autor ainda considera o mito da democracia racial como um mecanismo de impedimento a ascensão da comunidade negra aos cargos de liderança e prestigio social.

De acordo com Moura, (1988, p. 34), pesquisas realizadas pelo jornal Folha de S. Paulo, em março de 1984, sobre o preconceito de cor constatou que 73% dos paulistanos consideram o negro marginalizado, no Brasil; 60,9% dizem conhecer pessoas e instituições que discriminam o negro. Somando-se às conclusões de Moura, estudos realizados pelo IBGE, na década seguinte e apresentados pela mídia, sobre perspectiva de emprego e rendimento relativos às diferenças raciais no Brasil apontavam que, em março de 2009, o desemprego

era mais elevado para os pretos ou pardos do que para os brancos. Além disso, o rendimento médio de pretos ou pardos, de acordo com o instituto, era quase a metade do recebido pelos brancos. Os números foram contabilizados a partir de dados da Pesquisa Mensal de Emprego (PME) referente a março de 2009.

A taxa de desocupação dos pretos ou pardos (10,1%) era mais alta que a dos brancos (8,2%). Além disso, entre a população em idade ativa (10 anos de idade ou mais) nas mesmas seis principais regiões metropolitanas do País, os brancos tinham, em média, 9,1 anos de estudo, enquanto os pretos ou pardos tinham 7,6 anos. Já o rendimento médio habitual dos trabalhadores pretos ou pardos (R$ 847,71) é "praticamente a metade" do que recebem os brancos (R$ 1.663,88). (O ESTADÃO – 13/05/ 2009)

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21

A manutenção dos mecanismos de barragem, tal qual apontada por Moura (1988) -assim como a natureza produtiva de tais mecanismos-, ainda são constatados nos estudo mais recentes sobre a diferenciação social com base na classificação epidérmica. Um estudo comparativo realizado, este ano, pelo Observatório da Educação, sobre a situação socioeducativa entre pretos e pardos no Brasil, descreve:

Atualmente, a proporção de jovens entre 15 e 17 anos cursando o ensino médio no Brasil é de 50,4%. No entanto, entre negros e pardos o número cai para 42,2% e entre brancos é de 61%. [...] Já na área rural, apenas 33,3% estão cursando o ensino médio, ante 54,3% nas zonas urbanas. “Também é muito lenta a queda na taxa de analfabetismo, que permanece na casa dos 10% da população brasileira”, destaca Mariângela, novamente ressaltando a diferença entre regiões e entre a área urbana e a rural. Na população preta / parda o número sobe para 13,6% e, na branca, cai para 6,2%. […]

No acesso a creche e educação infantil, também é muito grande a diferença entre crianças brancas e negras. Dentre as pretas e pardas, apenas 15,5% frequentam creche, ante 20,7% das brancas. (CONFERENCIA 4: 27.03.2010)

Estes resultados, que serão considerados no momento de delinear o cenário social sob o qual os adolescentes afrodescendentes constroem suas identidades, apresentam-se como uma projeção da situação da população negra no Brasil e reafirma as concepções de Moura (1988) sobre as relações raciais na nossa sociedade. Segundo o autor, o brasileiro de classe média tem um subconsciente permeado por concepções racista, considerando-se que o conjunto de mecanismos ideológicos – que se organizam basicamente em torno de estereótipos - apresenta-se de forma “inconsciente para a maioria”, uma vez que é “elaborado por uma elite racista” (p.76). Esses mecanismos irão refletir objetivamente no processo de seleção econômica do contingente afrodescendente no Brasil, delineando por meio dessa seleção, uma situação social característica das sociedades segregacionistas.

Relativamente à situação socioeconômica anteriormente descrita, através de constantes conversas com os adolescentes em questão, pude observar que muitos deles já haviam desenvolvido certa percepção de pelo menos uma parte dos problemas pontuados

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22

pelos estudos acadêmicos sobre a questão da discriminação racial no Brasil. Chamava-me atenção à diversidade de formas como esses adolescentes posicionavam-se frente a tais questões e a forma como esses problemas pareciam influenciar na questão da construção de suas identidades.

Paralelamente, mais ou menos no mesmo período, comecei a refletir sobre as leituras e discussões sobre a identidade (mais precisamente sobre a identidade na modernidade recente), realizadas durante o curso de graduação na Universidade Federal da Bahia. Tais discussões, nas quais as questões da Alta Modernidade apresentavam-se com um nível considerável de frequência, eram organizadas em torno da concepção de um sujeito fragmentado, concebido a partir de uma redefinição, realinhamento das fronteiras socioculturais, com traços identitários antagônicos e conflitivos (BHABHA, 1990; HALL, 2006; BIRMAN, 1999).

Norteada por essas concepções e somando minhas inquietações às questões do multiculturalismo no ambiente escolar, levantadas durante os seminários da Prof.ª Dr.ª Roxane Rojo, ao me ver diante de questões, que abrangem tanto o espaço temporal quanto a organização subjetiva, passei a me interrogar a respeito da relação entre esse sujeito pertencente a um grupo étnico1 marcado por estereótipos2

1

O termo grupo étnico será tomado em perspectiva semelhante àquela adotada por (LIMA, 2008, p.38), o qual esclarece que no contexto brasileiro, “as etnias, são demarcadas pelas raízes históricas socioculturais e políticas que marcam a formação populacional brasileira”. No que se refere aos afrodescendentes, o elemento fundamental de tais raízes está na experiência da diáspora, do escravismo e na ancestralidade africana. (Cf. HALL, 1996; SANSONE, 2004)

comuns - o que pressupõe a construção de uma identidade organizada em tornos de uma experiência coletiva- e o sujeito da Alta Modernidade, cuja identidade resulta de uma série de negociações e deslocamentos, “dos excedentes da soma das partes da diferença” (HALL, 2006, p. 20), delineando a partir daí os objetivos da pesquisa, a partir do qual buscaríamos investigar (a) como os adolescentes afrodescendentes participantes deste trabalho têm se posicionado frente às questões etnorraciais que perpassam a Alta Modernidade, no intuito de (b) observar o modo como essas questões têm sido focalizadas e /ou administradas no processo de construção das suas identidades etnorraciais.

2

Conjunto de traços que caracterizam um grupo em seu aspecto físico, mental ou comportamental. (HALL, apud ZARATE, 1986; 63).

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A fim de atingir nossos objetivos e considerando também que as culturas negras têm passado por um processo constante de refacção – um sincretismo cultural (HALL, 1998, p. 92) - a partir da relação de “intercâmbio” entre as populações negras de várias partes do mundo, formulamos as seguintes perguntas de pesquisa:

1. Como o grupo de adolescentes afrodescendentes investigado tem se posicionado frente às questões etnorraciais que envolvem a Alta Modernidade, visto que tais questões apontam tanto para a criação de identidades defensivas quanto para a fragmentação das paisagens culturais relativas à etnicidade?

2. Quais elementos étnicos e socioculturais, presentes nos discursos desses adolescentes, têm sido utilizados no processo de construção de suas identidades?

3. Quais são as posições assumidas por esses adolescentes diante das experiências sociais comumente vivenciadas pelo seu grupo etnorracial3

Diante de tais questões fomos envolvidas por uma série de indagações de ordem teórico-metodológicas a respeito do desenvolvimento da pesquisa: Que enfoque teórico seria mais adequado para problematizar, num mesmo espaço de discussão, questões referentes ao sujeito, à cultura

?

4

Nosso primeiro horizonte de discussão delineou-se em tornos das concepções tecidas na vertente dos Estudos Culturais, uma vez que, a partir das considerações formuladas por esse campo disciplinar, a análise de posições subjetivas implicaria em pontuar as mudanças sociais e culturais observadas a partir do processo de descentramento do sujeito moderno.

e às identidades? Qual a metodologia mais apropriada? A fim de obter possíveis respostas para as indagações que, mais adiante se tornariam a base da nossa investigação, recorremos a duas vertentes teóricas que problematizavam a relação entre modernidade recente e descentramento subjetivo, reafirmando com essa postura, a natureza transdisciplinar do nosso investimento.

3

Esse termo será utilizado em consonância com a perspectiva de Helms (1993, apud FERREIRA, 2000, p. 68), o qual, “ao utilizar o termo “racial” como referência desenvolvida pela pessoa ao compartilhar a herança comum a um grupo particular, ele, na verdade, está se referindo tanto a aspectos raciais quanto a aspectos étnicos compartilhados pelo grupo”.

4

O termo cultura será aqui entendido como: “sistema partilhado de significação” no qual “há entre os membros de uma sociedade, um certo grau de consenso sobre como classificar as coisas a fim de manter alguma ordem social” (WOODWARD, 2000, p. 41-42).

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Considerando-se que tanto a constituição quanto a dispersão desse sujeito se dão no e pelo discurso, e que as tradições culturais exercem importante papel na produção e manutenção desse mesmo discurso, mantendo por isso uma estreita relação com a formação e representação do sujeito, adotamos um enfoque teórico que contemplasse as proposições conceptuais advindas da Linguística Aplicada, da Sociologia (mais especificamente a vertente dos Estudos Culturais), da Geografia e da História, uma vez que a narrativa de si seria a principal via pela qual se daria a observação das posições subjetivas assumidas pelos sujeitos da pesquisa e a própria Linguística Aplicada, por se interessar por outros campos do saber, além do conhecimento linguístico, tem apresentado nos últimos anos um campo teórico que se intersecciona com tais áreas de conhecimento.

A análise do sujeito e de sua relação com a linguagem sob a perspectiva sociocultural - que concebe o discurso como constitutivamente heterogêneo, polifônico, dotado de um sistema de significação política e historicamente constituído -, apresenta-se como um procedimento mais adequado a uma tentativa de recuperação, pela via do discurso, dos traços culturais e dos processos de resistência e negociação recorrentes na construção e na manifestação das identidades dos sujeitos envolvidos neste trabalho de pesquisa.

A importância de articular essas três diferentes áreas está no fato de que, embora discutam a questão do sujeito com ênfase em diferentes perspectivas, todas essas vertentes de pensamento caracterizam o sujeito como descentrado, contraditório, e inacabado: desvinculado da orientação cartesiana que o afirma como fruto da razão e da visão puramente objetiva.

A importância das Teorias Discursivas para o nosso estudo justifica-se pela relação entre o nosso objeto de estudo - representação de si e construção de identidade - e a função que os estudos relacionados à narrativa têm assumido nas últimas décadas, considerando-se que a representação que o sujeito faz dele mesmo (tanto para si como para o outro) se dá primordialmente na/pela linguagem e as investigações que problematizam a constituição subjetiva busca apreender na materialidade linguística do discurso, os movimentos constitutivos da linguagem, da representação e do próprio sujeito.

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25

como uma importante base teórica para as discussões que relacionarão a questão etnorracial e a Alta Modernidade, tendo em vista que ambas serão problematizadas sob a perspectiva dos conflitos sociais que emergem a partir da escala de valores orientada pela classificação cromática epidérmica dos indivíduos.

Orientados pelas concepções dos estudos da Alta Modernidade que têm focalizado a questão do sujeito sob a égide da construção/desconstrução das identidades, sem deixar de pontuar o aspecto imprevisível; incompleto; híbrido e fugidio da identidade desse mesmo sujeito e, mais particularmente, nas reflexões de Hall (1998) que têm apontado para uma volta estratégica das identidades mais defensivas entre as próprias comunidades minoritárias, em resposta à experiência do racismo e da exclusão cultural, partiremos de duas pressuposições fundamentais para a nosso empreendimento: a primeira delineia-se na ideia de que:

1. As tradições culturais presentes na família ainda tem funcionado para os adolescentes em questão, como elementos que subsidiam a constituição de suas identidades etnorraciais e individuais;

e, a segunda orientada pelo noção de que:

2. A relação estabelecida entre a cultura hegemônica e as referidas tradições tem sido significativamente problematizada / questionadas por tais sujeitos.

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27 CAPÍTULO 1

A PESQUISA

Introdução

Este capítulo será dedicado à descrição dos procedimentos metodológicos adotados para desenvolvimento desta pesquisa. Vale ressaltar que tais procedimentos foram descritos de acordo com a sequência a seguir: (1) Pressupostos epistemológicos e justificativa da pesquisa; (2) Contexto da pesquisa (3) O objeto da pesquisa (4) Procedimentos seletivo do corpus; (5) Procedimentos de análise.

1.1. Pressupostos epistemológicos e justificativa da pesquisa

O conjunto de questões que vem sendo colocadas por muitos pesquisadores das Ciências Sociais tem apontado para a necessidade de se implementar novos paradigmas políticos e sociais a partir dos quais se possam gerar novas formas de produção de conhecimento (cf. MOITA-LOPES, 2006). O problema que se apresenta frente a tal questão, diz respeito, então, às formas de entendimento da vida contemporânea e à criação de alternativas sociais que tornem audíveis “as vozes dos que estão à margem: os pobres, os favelados, os negros, os indígenas, homens e mulheres homoeróticos, mulheres e homens em situação de dificuldades sociais (...)” (MOITA-LOPES, 2002, p. 143).

No campo das preocupações pedagógicas, aponta-se para o fato de que “as investigações sobre a maneira como as identidades são desenvolvidas microgeneticamente, construídas localmente em diferentes pontos do discurso parecem constituir uma área de grande importância” (BAMBERG, 1977, p.178). Norteadas por tais concepções, as

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28

pesquisas no campo da educação tem se desenvolvido com foco nas questões relativas à identidade, “sob a perspectiva de intervenção para a solução de problemas estruturais em sociedade cuja dinâmica das relações sociais”, (KLEIMAN, 2002, p. 268) compromete a afirmação das identidades das minorias.

No tocante à Linguística Aplicada (doravante, LA), especialmente em algumas das suas vertentes contemporâneas, o que tem sido proposto pelos estudiosos da área é um modo de produção de conhecimento mais comprometido com questões da vida social, a exemplo das teorias emergentes na Alta Modernidade de ordem críticas, feministas ou antirracistas.

Partindo de tais perspectivas, a proposta de observar, pela via do discurso, quais elementos étnicos, culturais e sociais os adolescentes afrobrasileiros ora investigados têm utilizado para compor suas identidades étnicas, apresenta-se como um objeto de forte relevância para os estudos da LA, uma vez que tende a favorecer a ampliação das discussões em torno das questões sociais que envolvem a linguagem e reafirmar a identidade da LA como disciplina de natureza aplicada. Isso é possível, pois o objeto aqui focalizado, além de constituir-se como objeto complexo, que exige uma postura dialógica com outras disciplinas, (Sociologia, História, Geografia), é também “um problema com relevância social suficiente para exigirem respostas teóricas que tragam ganhos às práticas sociais a seus participantes, no sentido de uma melhor qualidade de vida [...]” (ROJO, 2006, p. 258).

Outro ponto que torna relevante a investigação sobre as posições identitárias de adolescentes afrodescendentes é sua contribuição para o campo pedagógico, considerando-se que as obconsiderando-servações mais apuradas, a respeito das formações dessas posições identitárias, no contexto discursivo, poderão contribuir para a elaboração de estratégias e práticas pedagógicas (a exemplo de uma possível reestruturação curricular, curso de formação de professores, etc.) voltadas para a solução de problemas que envolvem questões étnicas e culturais dentro e fora do contexto escolar.

A complexidade do objeto investigado nos conduziu a uma atitude transdisciplinar, uma vez que este, o objeto, exigiu uma postura teórico-metodológica “capaz de articular, de maneira dialógica e eficaz, os saberes de referência necessários a sua

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29

interpretação e resolução” (ROJO, 2006, p. 259). Sendo assim, através

do apelo às diferentes áreas de conhecimento, foi possível responder à questão de ordem teórico-metodológica, apresentada nas indagações iniciais apresentadas nesta investigação: Qual o enfoque teórico mais adequado para problematizar, num mesmo espaço de discussão, questões referentes ao sujeito, à cultura e às identidades?

1.2. Considerações metodológicas sobre a pesquisa

Nosso objeto de estudo foi constituído a partir de entrevistas com treze alunos afrodescendentes, estudantes do nível fundamental de uma instituição de ensino privada (sem fins lucrativos e de atuação em âmbito nacional), situada na cidade de Valinhos, interior do Estado de São Paulo. Trata-se de uma escola de médio porte, situada num bairro próximo à região central da cidade, na qual são oferecidos diferentes níveis de ensino em períodos assim distribuídos: Ensino Fundamental (5a à 8a séries), no período da manhã; (1a à 4a), no período da tarde; e Educação de Jovens e Adultos, (Nível Fundamental) no período noturno. As turmas dos três períodos são compostas por uma média de 35 a 40 alunos.

O espaço físico da instituição é composto de doze (12) salas de aula; duas quadras de esportes (interna e externa); uma pequena biblioteca (onde acontecem as aulas de leitura); quatro banheiros; uma sala de vídeo; uma sala de artes (para as aulas práticas da disciplina): uma sala de educação física (destinada a guardar os materiais utilizados pelos professores da disciplina); uma sala de orientação pedagógica, onde os alunos são recebidos pela coordenadora (psicopedagoga) para tratar de questões referentes ao comportamento, aprendizagem etc.; e um refeitório, o qual é utilizado tanto para as refeições do corpo discente como para a execução de atividades fora da sala de aula (realização de trabalhos de diversas disciplinas, ensaios de danças, montagem de peças teatrais, etc.). O corpo docente que atua na instituição, no período da manhã (no qual foi realizada a pesquisa) é composto por um grupo de 12 professores de classe média, graduados em Faculdades particulares, com idade entre 30 e 55 anos e residentes, em sua maioria, em cidades da região (Campinas, Sumaré e Paulínia). Vale ressaltar que 95% desses docentes declararam-se

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brancos e os outros 5% declararam-se morenos claros 5

O primeiro contato com os sujeitos participantes desta investigação ocorreu por conta da minha aprovação em concurso (de caráter público) para ministrar aulas em uma das unidades escolares que compõem a rede de ensino em questão. Ministrei aulas para alguns desses adolescentes, numa 6ª série do Ensino Fundamental, durante o ano de 2006, continuando na mesma unidade escolar, ministrando aulas para as turmas de 5ª série, até o mês de abril do ano seguinte (2007), quando, de acordo com as normas do CNPq, precisei pedir a rescisão do meu contrato junto à referida Instituição para dar início à pesquisa descrita nesta dissertação. Durante esse período, já havia comunicado à direção da escola minhas intenções de pesquisa e já havia recebido a aprovação do grupo de gestores.

.

1.3. Os sujeitos da pesquisa – critérios de seleção

Os alunos que participaram deste trabalho foram selecionados entre a totalidade do corpo discente daquele ambiente escolar (aproximadamente, 450 alunos) sendo que esses eram os únicos afrodescendentes existentes na composição das turmas de 5ª a 8ª

séries6. Para tanto foram utilizados os seguintes critérios: (a) tinham idade entre 12 a 15 anos; (b) estavam de acordo em participar do projeto de pesquisa e; (d) apresentaram a concordância (por via documental) dos seus pais ou responsáveis, relativa a tal participação. Tais sujeitos são pessoas pertencentes à classe média baixa, com idade entre 12 a 15 anos, residentes em diferentes pontos (centro, periferia, semiperiferia) das cidades de Campinas ou Valinhos e, quase todos, filhos de profissionais atuantes no setor industrial. O ambiente familiar no qual se inserem esses adolescentes são famílias de pequeno ou médio porte7

5

O percentual de docentes que se declararam “morenos claros” justificam essa autoclassificação com base no fato de que “apesar de serem filhos de negros com brancos” apresentam de forma mais ostensiva (através do tom da pele) os traços fenotípicos destes últimos.

, compostas, em sua maioria, por pais de diferentes características étnicas

6

O período da manhã era composto apenas por turmas de 5ª a 8ª séries. Portanto, todos os alunos vinculados a essa fase de aprendizagem e, consequentemente com idade entre 12 a 15 anos estavam matriculados naquele período.

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31 (famílias mistas).

A escolha de tais indivíduos para atuarem como sujeitos-participantes deste trabalho de pesquisa justifica-se primeiramente por: (a) a inexistência, nos estudos linguísticos e sociais, de trabalhos de pesquisa que focalizem o adolescente negro de classe média, considerando-se que grande parte dos estudos sobre o negro no Brasil, concentra o seu foco de análise nos grupos da classe baixa da periferia, a exemplo dos trabalhos de Vasconcellos (2004) A escola da periferia: escolaridade e segregação nos subúrbios, organizado em torno da noção de "escola da periferia" cujo objetivo é fundamentalmente o de abordar as desigualdades escolares, nos estabelecimentos de ensino público situadas nessas áreas; Silva Júnior; Vasconcelos (2000 a 2003) Autoestima em afrodescendentes: a partir de estudos comparativos, organizado a partir da observação, para fins comparativos do grau de autoestima manifestado por dois grupos de estudantes afrodescendentes do Ensino fundamental do Estado de Alagoas e no qual toma como foco de análise um grupo de crianças 30 (trinta) crianças, de ambos os sexos, com idade com idade entre 7 e 13 anos, dentre as quais metade vivem na periferia da capital e a outra metade é formada por são oriundas de comunidade quilombola, localizada no mesmo estado; ou ainda o estudo desenvolvido por Carvalho (2004) Quem são os meninos que fracassam na escola?, no qual busca-se conhecer as formas cotidianas de produção do fracasso escola, por meio de um estudo realizado entre meninos 1ª a 4ª séries de uma escola pública do Município de São Paulo, buscando “compreender os processos que têm conduzido um maior número de meninos do que meninas, e, dentre eles, uma maioria de meninos negros e/ou provenientes de famílias de baixa renda, a obter conceitos negativos e a ser indicados para atividades de recuperação” (CARVALHO, 2004, p.11)

É importante ressaltar que, de acordo com os procedimentos éticos desta investigação, as identidades dos sujeitos participantes foram preservadas, com a utilização de codinomes, no sentido de evitar que as informações recolhidas durante as entrevistas pudessem causar qualquer tipo de constrangimento, transtorno ou prejuízo para os referidos sujeitos. Da mesma forma, as informações sobre os participantes não foram de forma adotivos) existentes no ambiente familiar desses adolescentes. Assim, foram classificadas como famílias de pequeno porte aquela que são compostas pelo casal com apenas um filho e; famílias de médio porte aquelas que são compostas pelo casal mais dois ou três filhos.

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alguma revelada a terceiros, a fim de evitar o uso de tais informações com fins políticos ou pessoais.

Sendo assim, após o afastamento das salas de aula, passei a tomar as primeiras providências para a coleta de dados. Primeiramente, organizei uma breve reunião com os alunos previamente selecionados8, expliquei a natureza e o propósito da pesquisa e verifiquei quais deles gostariam de participar na qualidade de informantes. Felizmente, para a minha surpresa, dos quinze (15) alunos selecionados, apenas um (01) não concordou em participar do trabalho, sendo que posteriormente um segundo participante também veio a abrir mão da sua participação neste trabalho9

Ao final da reunião, todos receberam um pequeno formulário - elaborado em conjunto com a diretoria da escola - no qual eram descritos a natureza e os objetivos da pesquisa e era solicitada a autorização dos pais ou responsáveis para a participação dos seus filhos ou tutelados no processo de coleta de dados deste empreendimento investigativo. Novamente para minha surpresa, todos os pais e responsáveis autorizaram a participação dos adolescentes no projeto, sendo que alguns deles, além de fornecerem a autorização por escrito, entraram em contato com a escola (por telefone ou e-mail) para elogiar a iniciativa e expressar opiniões sobre a necessidade pesquisas que focalizassem a questão étnica no ambiente escolar.

. Por conta disso o nosso corpus de investigação passou efetivamente a ser composto por 13 adolescentes, dos quais apenas 11 tiveram suas falas transcritas nos excertos a serem apresentados nos capítulos de análise.

1.4. Metodologia e instrumentos de geração de dados

A metodologia de pesquisa é de cunho etnográfico, uma vez que não foi organizada se preocupa em focalizar a ''percepção que os participantes têm da interação linguística e do contexto social em que estão envolvidos'' (MOITA-LOPES, 2003, p. 22).

8

O procedimento seletivo será detalhadamente descrito na próxima seção

9

O segundo participante a desistir do projeto foi uma menina de 14 anos. A participante alegava que suas notas estavam baixas, e que não disponibilizava de tempo para realização das atividades escritas, uma vez que sua rotina de estudos deveria ser intensificada.

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Os dados coletados abrangem um total de seis (06) horas de gravação dos depoimentos dos adolescentes. Como parte integrante dessa metodologia, foram utilizados os seguintes instrumentos de pesquisa: (a) atividades escritas (em anexo); (b) entrevistas semidirigidas e; (c) gravações em áudio.

As atividades escritas10

Orientadas por tais princípios, cada uma dentre as diferentes atividades apresentadas aos entrevistados foi elaborada com o objetivo de alcançar um determinado campo estrutural da vida desses adolescentes. Assim, por meio da realização da Atividade 1. (Representação de si), buscávamos apreender, através da análise das representações

, que foram realizadas gradativamente pelos adolescentes selecionados, por meio de respostas escritas, normalmente seguidas de explicações orais, serviram de base para a estruturação das entrevistas, sendo utilizadas em substituição ao tipo de perguntas fechadas, geralmente apresentadas nas entrevistas formais ou estruturadas. A ideia de utilizarmos um pequeno conjunto de questões, que suscitavam os mais variados tipos de respostas e conduziam à narrativa dos diferentes aspectos da vida dos adolescentes, foi motivada pela intenção de estabelecer um nível significativo de naturalidade na interação com os sujeitos entrevistados. Orientados pela perspectiva etnográfica, buscamos interagir com os participantes da pesquisa de forma natural, excluindo tanto quanto possível o aspecto intrusivo da relação entre investigador e sujeito investigado, pois consideramos que o grau de naturalidade e de profundidade apresentando nos depoimentos dos entrevistados pode estar diretamente vinculado ao nível de naturalidade apresentado pelo pesquisador. Importante ressaltar que as considerações escritas apresentadas em resposta às questões propostas no quadro de atividades eram geralmente muito resumidas, tornando-se muito mais ampla e muito mais claras através das explicações orais elaboradas pelos próprios sujeitos investigados.

10

Conjunto de pequenas atividades que suscitavam respostas relativas a vida cotidiana dos entrevistados, encontra-se na seção de anexos, no final do trabalho. Tais atividades foram organizadas, inicialmente a partir da perspectiva da linha de pesquisa Subjetividade e Identidade, Desconstrução e Psicanálise a qual me encontrava vinculada e cuja proposta era discutir a questão identitária com base numa orientação psicanalítica. Por ocasião da adoção de uma nova vertente investigativa - Ensino-Aprendizagem de

Língua Materna; Letramentos, a qual me encontro atualmente vinculada e que pivilegiava os aspectos

socioculturais das formações identitárias, as atividades 1(Representação de si) e 5(Identificações), apesar de já terem sido realizadas pelos sujeitos da pesquisa, não foram consideradas no momento da análise dos dados, para fins de adequação a essa nova linha de pesquisa.

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gráficas construídas por esse sujeitos, elementos materiais que tem sido utilizados por esses adolescentes para dar sentido, orientar e explicar as suas ações na vida cotidiana; a Atividade 2 (Exemplos) teve como principal objetivo dar vazão às narrativas que explicitassem o tipo e a dimensão das relações sociais e da interações mantidas por esses sujeitos no ambiente escolar. A escolha do ambiente escolar como foco dessa atividade, foi orientada pela “relevância da escola na vida dos indivíduos, ainda que, por nenhuma outra razão, pelo menos em termos da quantidade de tempo que passam/passaram na escola” e pelo fato de que “as práticas discursivas neste contexto desempenham um papel importante no desenvolvimento de sua conscientização sobre suas identidades e a dos outros” (MOITA-LOPES, 2003, p. 310).

A Atividade 3 (Rememoração), teve como principal objetivo o desencadeamento de narrativas que possibilitassem a expressão das experiências, opiniões e das possíveis ações a serem tomadas pelos sujeitos em situações específicas da vida cotidiana que pudessem envolver tanto os próprios sujeitos quanto ao grupo étnico e social ao qual pertencem. A organização dessa atividade foi orientada sob a perspectiva que vê as ações cotidianas como uma forma contundente e sistemática de manifestação das posições identitárias assumidas pelo indivíduo, considerando-se que é através da linguagem que se buscam formas de agir sobre o mundo e sobre si mesmo.

A elaboração da Atividade 4 (Minha história) se deu com o objetivo de perceber a forma como esses adolescentes situam-se, descrevem-se e percebem-se a si mesmos dentro de suas próprias histórias de vida e da vida das suas famílias. Levamos em consideração nessa atividade, a concepção de que “contar uma história fornece um autorretrato: uma lente linguística através da qual se podem descobrir visões (um tanto idealizadas) das pessoas sobre elas mesmas como localizadas em uma situação social”.(SCHIFFRIN, 1996 apud MOITA-LOPES, 2002, p. 65). Os relatos sobre as relações familiares e o conjunto de elementos culturais apresentados e valorizados no cotidiano de tais famílias também foram colocados como foco de investigação dessa atividade, considerando-se a relevância de tais relações na constituição das identidades dos sujeitos da pesquisa. É importante ressaltar que um ponto de extrema significância para os resultados dessa atividade foi a produtividade da narrativa como instrumento norteador do

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processo de construção da identidade e dos sentidos atribuídos à vida do sujeito, uma vez que “as narrativas, como uma forma de organização do discurso, têm portanto um potencial de criar um sentido de nós mesmos ao permitir que negociemos e construamos nossas identidades sociais por meio dos eventos narrados” (MOITA-LOPES, 2002, p. 143).

A elaboração e aplicação Atividade 5 (Identificações) se deu com o intuito de suscitar narrativas que pontuassem o conjunto de características físicas utilizados por esses adolescentes como parâmetro de identificações estéticas. A finalidade dessa atividade era observar, através de uma temática relacionada à expressão dos desejos e aspirações dos entrevistados, o nível de identificação entre os sujeitos da pesquisa e os traços físicos inerentes ao grupo étnico desses mesmos sujeitos. Sendo assim, através da realização dessa atividade, foi possível observar os significados construídos por esses adolescentes sobre as suas próprias características físicas e sobre as questões de apreciação valorativa que são associadas a tais características. Pontuamos, entretanto que as falas decorrentes das Atividades 2 (Exemplos) e 3 (Rememoração) foram as que geraram dados mais significativos para compor as nossas análises, estando presente nos excerto em frequência bem maior do que as falas referentes às demais atividades.

No tocante às entrevistas, é pertinente afirmar que foram os instrumentos capitais na realização do nosso trabalho de pesquisa, tendo em vista que tais instrumentos foram utilizados como base de aprofundamento das falas dos sujeitos, durante os comentários (ou avaliação) das atividades escritas. Tais entrevistas foram orientadas pelas atividades anteriormente relacionadas, e por breves intervenções feitas pela pesquisadora, durante comentários realizados pelos participantes a respeito das respostas que eles haviam escrito.

Em uma dinâmica interacional, buscamos traçar/apreender o modo como esses adolescentes representam a si mesmos por meio dessas entrevistas semidirigidas, as quais podem ser classificadas, de acordo com as considerações de Bogdan (1994), como “entrevistas em profundidade” ou ainda “entrevista de estrutura flexível”. Privilegiamos essa modalidade, orientados por dois importantes aspectos: o primeiro relaciona-se ao fato de que o “caráter flexível desse tipo de abordagem permite aos sujeitos responderem de acordo com a perspectiva pessoal, em vez de terem que se moldar a questões previamente

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elaboradas” (BOGDAN, 1994, p. 17) e o segundo remete-nos à importância da auto narrativa no processo de construção das identidades pessoais. Tínhamos em vista que, “quando os sujeitos narram a si próprios, eles falam de suas experiências historicamente constituídas desde o lugar que ocupam, e são essas histórias que produzem uma identidade particular, diferente, não subsumida na identidade essencialista do sujeito da modernidade” (COSTA, 2002, p. 112)

Seguindo essa perspectiva, a utilização de tal instrumento se deu com o propósito de investigar detalhadamente as concepções que os adolescentes têm sobre os diversos aspectos que envolvem suas vidas e a forma como esses mesmos adolescentes desenvolvem seus quadros de referência identitária. Levamos em conta em nossa análise, que o discurso é um objeto histórico que mantém sempre uma relação com o sujeito, com a cultura e com os sistemas de representações historicamente constituídas acerca desse sujeito. Para tanto consideramos consideramos que

a própria experiência de si não é senão o resultado de um complexo processo histórico de fabricação no qual se entrecruzam os discursos que definem a verdade do sujeito, as práticas que regulam seu comportamento e as formas de subjetividade nas quais se constitui sua própria interioridade. (LARROSA, 1994, p. 43 apud COSTA, 2002, p. 112)

Assim, a narrativa de si foi tomada como instrumento privilegiado das nossas análises, e concebida como um processo que se constitui como uma exploração dos elementos culturais e sociais sobre os quais os adolescentes negros constroem suas identidades, ao passo que, a ênfase metodológica foi direcionada para relação entre o sujeito, discurso e Alta Modernidade.

O primeiro estágio da coleta de dados foi a distribuição das atividades anteriormente expostas, a partir das quais seriam originadas as narrativas dos adolescentes selecionados para participar da pesquisa. Essas atividades seguiram o horário normal das atividades letivas e foi realizada fora da sala de aula, numa sala da própria escola, reservada para tal fim, com o objetivo de resguardar as informações fornecidas pelos sujeitos entrevistados. As questões presentes nessas atividades, as quais serviram de base para a constituição das entrevistas, suscitavam diferentes modalidades de respostas (escritas, orais

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ou por meio de representação gráfica), visando alcançar as diferentes vertentes temáticas (família, relacionamento, identificações, representações) passíveis de serem expressas nas narrativas dos sujeitos entrevistados.

Considerando-se que todos os alunos receberam a primeira atividade escrita durante a reunião de apresentação do projeto de pesquisa, as atividades de entrevista foram realizadas individualmente, em momentos diferenciados, atendendo a seguinte sequência: (a) o aluno era retirado da sala de aula, mediante o consentimento do professor da disciplina, para comentar as respostas que elaborou para a atividade escrita; (b) ao final da entrevista, recebia a atividade do encontro seguinte; (c) realizava a atividade (em casa ou em lugar de sua preferência); e (d) no dia seguinte ou em outro dia da mesma semana, era chamado novamente para fazer os comentários das respostas que elaborou. Esses comentários (narrativas) eram normalmente intercalados com perguntas feitas pela pesquisadora, com o fim de provocar o aprofundamento ou a extensão das narrativas.

O conjunto de atividades foi dividido em cinco fases (uma fase para cada atividade), sendo permitido ao aluno realizar apenas uma fase a cada dia, retomando quando necessário (quando da sua vontade) as falas das atividades anteriores.

Considerando-se que a proposta capital deste trabalho de pesquisa foi gerada a partir do nosso interesse em observar quais são os elementos étnicos, culturais e sociais recorrentes no discurso dos adolescentes negros no processo de formação e afirmação das suas identidades, e que tal proposição é fundamentada nos pressupostos que reafirmam o contexto familiar como um locus de manutenção dos elementos culturais da população afrodescendentes no Brasil, a escolha do corpus analisado no presente trabalho foi, primeiramente, parametrizada pelos trechos das narrativas que ofereciam volume significativo de informações referentes: (a) as estruturas das famílias dos entrevistados; e (b) as relações familiares que permeiam as vidas dos sujeitos da pesquisa. O objetivo dessa primeira seleção foi obter informações que permitissem a realização de um mapeamento dos aspectos etnorraciais (Cf.fig. 6) e afetivos da vida de tais sujeitos (cf. Fig.4). Ressaltamos, entretanto, que o perfil socioeconômico desses adolescentes, foi também (subliminarmente) delineado por conta de tais narrativas no momento em que estes pontuavam o local de moradia, (Cf.fig. 1) o tamanho das suas famílias (cf. Fig. 5) e o setor

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38 ocupacional dos pais ou responsáveis. (Cf.fig. 2).

Numa segunda fase de seleção, a nossa preocupação foi escolher as narrativas cujas temáticas fornecessem dados suficientes para que fossem analisados os aspectos relacionados: (a) às relações sociais mantidas por tais sujeitos dentro e fora do ambiente escolar, (b) às impressões e opiniões desses adolescentes em relação ao seu grupo étnico de referência; (c) as origem dos traços culturais formadores das identidades desses sujeitos; (d) as posições identitárias apresentadas nos discursos dos entrevistados; (e) Posicionamento de tais sujeitos em relação aos fatos sociais inerentes ao grupo etnorracial com o qual se identifica ou/ do qual se declara participante.

1.5. Procedimento de geração de dados

Motivada pela necessidade apontada pela pesquisa de cunho etnográfico de focalizar o contexto social no qual estão envolvidos os participantes da pesquisa, os dados descritivos (abaixo relacionados) referentes às características socioeconômicas do grupo familiar; à situação matrimonial; profissional e das características etnorraciais dos familiares; local de residência, etc. foram gerados a partir das informações fornecidas pelos participantes, durante seus depoimentos.

Com base nesse levantamento, foi possível traçar um breve perfil do contexto socioeconômico e cultural no qual estão inseridos os participantes desta investigação, no intuito de contextualizar a realidade de tais sujeitos. Vale ressaltar que os dados coletados no levantamento foram utilizados apenas como instrumento de contextualização da realidade social dos participantes, não sendo utilizados como critério de seleção do corpus.

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39 Fig. 1- Regiões de moradia

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40 Fig.3: Tamanho das famílias

Fig. 4: Composição familiar

Esse mapeamento nos ajudou a estabelecer uma visão mais elaborada dos sujeitos em estudo, ''mediante um conhecimento mais aprofundado do contexto'' (BOGDAN, 1994, p. 69) e da natureza da vida social desses adolescentes. Tal análise proporcionou um delineamento mais preciso do espaço contextual em que se realizaria a observação do objeto a ser investigado

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A utilização do método interpretativo para analisar as narrativas dos sujeitos da pesquisa, nos conduziu às respostas para a nossa segunda questão de pesquisa: Quais são os elementos étnicos, sociais e culturais presentes nos discursos desses adolescentes no processo de construção discursiva de suas identidades? Tal escolha foi orientada primeiramente pelo grau de importância atribuída à análise da narrativa no âmbito das ciências sociais:

não só por representar um foco de investigação diferente, revelador, portanto, de novas descobertas que não estão ao alcance nas pesquisas positivistas, mas também por avançar um tipo de pesquisa que pode ser mais adequado à natureza subjetiva do objeto das Ciências Sociais (MOITA-LOPES, 1996, p. 22)

Importância semelhante foi atribuída a esse tipo de análise dentro dos procedimentos metodológicos do presente trabalho, uma vez que, situamos como propósito inicial desta pesquisa, a observância, por via do discurso, dos elementos recorrentes no processo de formação das identidades de um grupo de adolescentes afrodescendentes brasileiros. Com base em tais perspectivas, a análise nos permitiu observar a forma como os adolescentes se “baseiam em discursos culturais e se posicionam diante desses discursos em suas afirmações a respeito de quem são, isto é, em seu trabalho de identidade” (BAMBERG, 1977, p. 159).

A escolha da análise discursiva das narrativas como parte fundamental da metodologia desta investigação, se deu com base numa concepção metodológica que vê a narrativa como um instrumento de considerável importância para as pesquisas que focalizam o discurso como elemento norteador da construção dos significados sociais e das identidades. Sendo assim, consideramos que “é por meio desse processo de construção de significados, no qual o interlocutor é crucial, que as pessoas se tornam conscientes de quem são construindo suas identidades sociais ao agir no mundo por intermédio da linguagem” (MOITA-LOPES, 2002, p. 30). Seguindo esse ponto de vista, a narrativa foi tomada como nossa principal unidade de análise tanto para o mapeamento da situação sociocultural dos participantes quanto para a análise qualitativa dos dados gerados a partir dos depoimentos dos sujeitos da pesquisa.

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43 CAPÍTULO 2

CONSIDERAÇÕES SOBRE AS IDENTIDADES

Introdução

No presente capítulo, faremos uma breve exposição das discussões que focalizam o tema central do presente trabalho - as identidades. Sendo assim, abriremos o capítulo com algumas considerações sobre as identidades étnicas e identidades raciais, buscando definir, o quanto possível, os traços distintivos dessas duas concepções de identidade. Ocuparemos-nos em problematizar o contexto de emergência dessa categoria - a modernidade; a distinção entre identidade social, identidade pessoal e identidade do ego, e o papel das relações sociais na formação de tais identidades.

Ainda neste capítulo, implementaremos algumas discussões referentes às Identidades raciais e etnicidade na Alta Modernidade – o espaço da globalização, as quais, serão problematizadas a partir de uma perspectiva que toma a Diáspora do Atlântico Negro como um traço constitutivo das identidades negras do Ocidente. As seções finais focalizarão as identidades negras no contexto nacional a partir das discussões que pontuam: O negro no Brasil: dialógica da reinvenção das culturas e das identidades africanas; o Percurso histórico das identidades afrodescendentes no Brasil e a relação ideologia identitária etnorracial nacional e; as culturas negras no Brasil na Alta Modernidade.

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2.1. Identidades étnicas ou raciais?

Quando falamos em identidades raciais, temos em vista as características físicas predominantes em cada indivíduo ou estamos nos referindo aos traços culturais que este apresenta no seu cotidiano? De que um indivíduo necessita para ser identificado como pertencente uma determinada raça ou etnia? É pertinente falar em raça, relativamente à pessoa humanas, quando as discussões presentes nas ciências biológicas já atestaram cientificamente, que a humanidade pertence ao mesmo grupo biológico na cadeia animal? Sendo assim, como podemos definir os traços de uma identidade racial? E como podemos definir os traços de uma identidade étnica? Esses dois tipos de identidades são intercambiáveis ou excludentes entre si? Como os estudos da Alta Modernidade têm tratado as questões relativas às identidades raciais e a etnicidade?

Esta sessão será dedicada a uma breve discussão acerca das questões aqui enumeradas, pois consideramos que tais esclarecimentos serão fundamentais para o entendimento das proposições que alicerçam nosso trabalho de pesquisa.

2.1.1. Identidades Raciais

Originária do indo-europeu Wrad, o termo raça, na sua acepção mais antiga, significa: ramo; raiz.

Etnologicamente, o conceito de raça veio do italiano razza, que por sua vez veio do latim ratio, que significa sorte, categoria, espécie. Na história das ciências naturais, o conceito de raça foi primeiramente usado na Zoologia e na Botânica para classificar as espécies animais e vegetais. (MUNANGA, 2003, p. 01)

Entretanto, esse sentido original adquiriu novos contornos e passou a ser utilizado em diversas acepções, à medida que se desenvolviam novos e variados campos de

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interesse dentro das relações entre os diversos grupos humanos.

No latim medieval, o conceito de raça passou a designar a descendência, a linhagem, ou seja, um grupo de pessoa que têm um ancestral comum e que, ipso facto, possuem algumas características físicas em comum. Em 1684, o francês François Bernier emprega o termo no sentido moderno da palavra, para classificar a diversidade humana em grupos fisicamente contrastados, denominados raças. Nos séculos XVI-XVII, o conceito de raça passa efetivamente a atuar nas relações entre classes sociais da França da época, pois utilizado pela nobreza local que si identificava com os Francos, de origem germânica em oposição ao Gauleses, população local identificada com a Plebe. Não apenas os Francos se considerava como uma raça distinta dos Gauleses, mais do que isso, eles se consideravam dotados de sangue “puro”, insinuando suas habilidades especiais e aptidões naturais para dirigir, administrar e dominar os Gauleses, que segundo pensavam, podiam até ser escravizados. (MUNANGA, 2003, p. 01)

Na perspectiva de tais relações, o uso do termo “raça” orientou nas mais diversas sociedades, considerações que alicerçaram inúmeras políticas de extermínio e de dominação, as quais se apoiavam, não só nas ideias de pureza de sangue, disseminadas entre os franceses, mas também nas concepções naturalistas que, a partir do século XVIII, passaram a apresentar uma escala de valores na descrição das três raças, utilizando-se de um discurso que relacionava os traços biológicos às características morais e psicológicas.

Assim, os indivíduos da raça “branca”, foram decretados coletivamente superiores aos da raça “negra” e “amarela”, em função de suas características físicas hereditárias, tais como a cor clara da pele, o formato do crânio (dolicocefalia), a forma dos lábios, do nariz, do queixo, etc. que segundo pensavam, os tornam mais bonitos, mais inteligentes, mais honestos, mais inventivos, etc. e consequentemente mais aptos para dirigir e dominar as outras raças, principalmente a negra mais escura de todas e consequentemente considerada como a mais estúpida, mais emocional, menos honesta, menos inteligente e portanto a mais sujeita à escravidão e a todas as formas de dominação. (MUNANGA, 2003, p. 01)

Orientada pelos princípios de tal divisão, surge a raciologia, teoria pseudo-científica que serviu de base para justificar a dominação racial entre as raças humanas e alicerçou as idéias de supremacia racial presentes, até hoje, em diversas regiões do planeta.

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Os nacionalistas na Alemanha acreditavam na existência de raças inferiores. Também consideravam os judeus uma raça e se empenharam na tentativa de exterminá-los. Na África do Sul, em tempos recentes, o domínio político dos brancos era justificado em termos de uma doutrina de superioridade deles sobre os negros. (REX, 1996, p. 637)

No intuito de reconsiderar a amplitude, a ambiguidade e as implicações de tais considerações, em 1950, a UNESCO reuniu especialistas para problematizar o conceito de raça em suas inúmeras acepções e estabelecer o modo como este poderia ser cientificamente utilizado. Orientados por tais proposições, os estudiosos chegaram à inúmeras conclusões, das quais selecionamos apenas as mais relevantes para a sustentar as discussões que envolvem nosso trabalho de pesquisa:

Todos os seres humanos pertencem a mesma espécie. Homo Sapiens; também são provavelmente originários do mesmo tronco. As diferenças que existem entre grupos de seres humanos se devem ao isolamento, à deriva e à fixação aleatória de partículas materiais que controlam a hereditariedade (os genes), à mudança na estrutura dessas partículas, à hibridização e à seleção natural.

O homo sapiens é constituído por certo número de populações, cada uma das quais diferindo das outras na frequência e ocorrência de um ou mais genes.

As maiores populações distinguíveis foram designadas como raças e há razoável concordância entre os antropólogos em que a humanidade pode ser dividida em três grupos principais: (a) o mongoloide, (b) o negróide (c) o caucasóide [...]

Dentro desses grupos podem distinguir-se muitos subgrupos, mas há muito menos concordância entre os antropólogos sobre as suas características específicas.

Com base em tais conclusões, Rex (1996) aponta para a falta de justificativa do uso do termo raça, pelas ciências biológicas, na sua acepção mais popular. Do ponto de vista desse autor, aquilo que a biologia define como raça, no sentido mais usual, nada mais é do que diferentes grupos nacionais, étnicos ou de mesma religião, que compartilham os mesmos valores políticos e culturais.

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Semelhantemente a essa ótica, Munanga (2003), considera que,

A raça, sempre apresentada como categoria biológica, isto é natural, é de fato uma categoria etno-semântica. De outro modo, o campo semântico do conceito de raça é determinado pela estrutura global da sociedade e pelas relações de poder que a governam. (p. 06)

e afirma que

Os conceitos de negro, branco e mestiço não significam a mesma coisa nos Estados Unidos, no Brasil, na África do Sul, na Inglaterra, etc. Por isso que o conteúdo dessas palavras é etno-semântico, político-ideológico e não biológico. (p. 06)

Partindo dessa perspectiva, é possível afirmar que, no contexto brasileiros, as identidades raciais, e mais particularmente as identidades raciais do segmento afrodescendente, podem ser definidas como o tipo de identidade que

são imbricadas na semelhança a si próprio, e na identificação e diferenciação com o outro e se constituem em foco central nas relações sociais, sendo continuamente construídas a partir de repertórios culturais e históricos de matrizes africanas, e das relações que se configuram na vivência em sociedade, sendo que sua existência tem as marcas das relações processadas ao longo dos séculos de exploração do escravismo. Portanto, as identidades têm um caráter histórico e cultural, caráter este que demarca os conceitos de afrodescendência e etnia, imbricados na trajetória histórica dessa população em relação com outros grupos. (LIMA, 2008, p. 39)

Em relação ao seu sentido mais popular e a sua empregabilidade como elemento do imaginário coletivo, ele afirma:

Se na cabeça de um geneticista contemporâneo ou de um biólogo molecular a raça não existe, no imaginário e na representação coletivos de diversas populações contemporâneas existem ainda raças fictícias e outras construídas a partir das diferenças fenotípicas como a cor da pele e outros critérios morfológicos. É a partir dessas raças fictícias ou “raças sociais” que se reproduzem e se mantêm os racismos populares. (MUNANGA, 2003, p. 06)

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Essa discussão apresenta-se como particularmente interessante para a nossa investigação, considerando-se que, é com base nessas acepções que compreendemos o processo das discriminações raciais, como elemento significativo para a construção e reafirmação das identidades dos sujeitos da nossa pesquisa.

Vale lembrar que, ainda nesse contexto, também serão consideradas as proposições sociológicas, segundo as quais, o processo de distinção fenotípica pode ser situado dentro dos processos de conflitos étnicos, pois admitimos que na sua acepção mais popular o termo “raça”, consegue incluir no seu leque de definições, as questões relativas às diferenças culturais.

Tais distinções podem basear-se no reconhecimento de diferenças físicas, mas também ocorrem quando as distinções são culturais, assentes na falsa suposição de que as características mentais e culturais são biologicamente herdadas. (REX, 1996, p. 639)

Norteados por tais proposições, conduziremos nossas reflexões acerca das questões identitárias relativas aos afrodescendentes no Brasil, sob a perspectiva dos cientistas sociais, uma vez observado que ao utilizarmos o termo etnorracial estaremos tomando o termo raça, em sentido semelhante àquele adotado por Munanga (2003), conforme citação acima apresentado, uma vez observado que

Para Sodré (1983,1999)

as identidades negras são concebidas como construções múltiplas, complexas, social e historicamente (re)construídas com base nos dispositivos de matrizes africanas; tais dispositivos são processados nas relações sócio-culturais, políticas e históricas que se deram a partir do seqüestro dos nossos ancestrais africanos para o Brasil. (apud LIMA, 2008, p. 40)

Sendo assim, considerando-se que elas estão

relacionadas, não só ao conhecimento, mas também ao reconhecimento social, caracterizam-se estas identidades como elementos políticos e históricos, constituídas a partir do passado de escravizados e nos dias

Referências

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