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Atos de improbidade administrativa e conceitos jurídicos indeterminados

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LUDMILA PREVOT DE SOUZA

ATOS DE IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA E CONCEITOS JURÍDICOS INDETERMINADOS

NITERÓI, RJ 2013

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LUDMILA PREVOT DE SOUZA

ATOS DE IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA E CONCEITOS JURÍDICOS INDETERMINADOS

Monografia apresentada ao Programa de Graduação em Direito da Universidade Federal Fluminense, como requisito parcial à obtenção do título de Bacharel em Direito. Campo de Confluência: Direito Administrativo.

Orientadora:

Professora HELENA ELIAS PINTO.

NITERÓI, RJ 2013

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LUDMILA PREVOT DE SOUZA

ATOS DE IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA E CONCEITOS JURÍDICOS INDETERMINADOS

Monografia apresentada ao Programa de Graduação em Direito da Universidade Federal Fluminense, como requisito parcial à obtenção do título de Bacharel em Direito. Campo de Confluência: Direito Administrativo.

Monografia aprovada em ____/____/____ para obtenção do título de Bacharel em Direito.

BANCA EXAMINADORA

Profa. Dra. HELENA ELIAS PINTO – Orientadora UFF

Prof. Dr. ANDRÉ FONTES UFF

Prof. JOSÉ LUIS TAVARES UFF

NITERÓI, RJ 2013

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Dedicado aos meus pais e às minhas amadas irmãs.

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AGRADECIMENTOS

A minha família, pelo amor indescritível e total apoio a minha vida acadêmica e pessoal. Em especial às minhas irmãs, sempre preocupadas com o meu crescimento pessoal e que sempre buscaram facilitar as etapas da minha vida.

Ao Victor Hugo, meu amor, por todo apoio recebido em todos os momentos de dificuldade vividos e por ter compartilhado comigo alegrias inestimáveis.

À minha orientadora Helena Elias Pinto por acreditar em meu trabalho e por me ajudar, com suas sábias palavras, a superar os obstáculos do dia a dia.

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RESUMO

O presente trabalho analisa o uso de conceitos jurídicos indeterminados na Lei de Improbidade Administrativa, especialmente compreendidos nas normas tipificadoras das condutas improbadas. Indaga-se em que medida o uso da referida técnica legislativa poderia influenciar em decisões judiciais, fazendo-as oscilar entre a arbitrariedade e a impunidade. Centra-se na apreciação doutrinária das obras do Direito que discorrem sobre a improbidade administrativa e os conceitos jurídicos indeterminados enquanto elementos integradores da norma jurídica. Por outro lado, o examina a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, a fim determinar os parâmetros por estes utilizados para fixar os limites existentes entre a conduta ímproba e as de mera irregularidade.

PALAVRAS-CHAVE: ATOS DE IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA, CONCEITOS

JURÍDICOS INDETERMINADOS, DISCRICIONARIEDADE, ANÁLISE

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ABSTRACT

This paper analyzes the use of imprecise legal concepts in the Law of Administrative Misconduct, especially typifying included in the standards of misconducts. One wonders to what extent the use of this legislative technique could influence judicial decisions, making them oscillate between arbitrariness and impunity. Focuses on doctrinal appreciation of the works of the law who talk about administrative misconduct and indeterminate legal concepts while integrating elements of the legal norm. On the other hand examines the jurisprudence of the Superior Court of Justice in order to determine the parameters used by consumers to fix the existing boundaries between the misconduct ant a simple irregularity.

KEYWORDS:, ACTS IMPROPER CONDUCT, IMPRECISE LEGAL CONCEPTS, DISCRETION, JUDICIAL ANALYSIS

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO... 1 Conceitos jurídicos e a Lei de Improbidade Administrativa...

1.1 Enriquecimento Ilícito... 1.2

1.3 1.4

Vantagem Patrimonial Indevida ... Atos Lesivos ao Patrimônio Público... Patrimônio Público... 2 2.1 2.2 2.3 3 4 5 6

Consequências do uso dos conceitos indeterminados no enquadramento das condutas de improbidade administrativa...

ADI nº 4295... A Meta 18 do Conselho Nacional de Justiça (CNJ)... As Manifestações de Junho e Julho de 2013...

Alguns parâmetros utilizados pelo STJ para integralização do conteúdo dos Conceitos Jurídicos Indeterminados no enquadramento dos atos de improbidade administrativa ...

CONCLUSÃO

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ANEXO

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INTRODUÇÃO

Os atos de gestão emanados de agentes de Poder Público sempre estiveram na pauta das maiores inquietações da sociedade. Esta mesma sociedade, por sua vez, tomando posição contra os contínuos danos praticados durante anos seguidos, contra o patrimônio público, dos constantes vilipêndios que sofria a ética na Administração Pública, exigiu do legislador a ruptura com atos ímprobos cometidos por quem teria a obrigação de zelar pela res publica, de sorte que a improbidade administrativa foi matéria tratada expressamente pelo legislador constituinte de 1988.

O legislador, por sua vez, erigiu um conjunto de princípios e de regras capazes de dificultar os ataques ao erário público e coibir a prática de atitudes desonestas. Neste sentido, em prol da sanção aos desvios à moralidade na administração pública, impende realçar um instrumento posto à disposição dos aplicadores do direito, qual seja, a Lei nº 8.429, de 03 de junho de 1992, também conhecida como Lei de Improbidade Administrativa, que veio a dar vida à nova ordem estabelecida por meio da Constituição de 1988, especificamente ao estatuído no § 4º do seu artigo 37.

Tal diploma normativo tipifica as condutas e prevê três espécies de atos de improbidade: a) os que importam em enriquecimento ilícito (art. 9º); b) os que causam prejuízo ao erário (art. 10); c) os que atentam contra os princípios da Administração Pública (art.11).

Ocorre que, a terceira modalidade de atos de improbidade, conforme o art. 11, caput, da Lei 8.429, é definida por qualquer ação ou omissão que viole os deveres de honestidade, imparcialidade, legalidade e lealdade das instituições. Tais princípios, por sua vez, portam-se enquanto campo de ação não limitada, conceitos jurídicos indeterminados destinados à flexibilizar a legislação, com vistas a atender a uma equidade cíclica, a qual será informada pelos valores que complementam a norma no momento de sua aplicação.

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O uso da referida técnica na tipologia dos atos de improbidade implica em diversas consequências, dentre as quais destacam-se: evitar que se engesse o âmbito de abrangência da norma na definição das condutas, tornando-se defasada com o tempo, e apresentar-se enquanto meio eficaz de combate aos incontáveis atos de improbidade.

É de se ressaltar, entretanto, que o enunciado da lei é por demais aberto e pode gerar perplexidade. Por exemplo, atente-se ao fato de que nem todo ato ilegal é ímprobo: há atos ilegais que não ferem a probidade.

A indefinição legal de tais atos, deixando-os à íntima convicção do julgador que, pautado por critérios extralegais irá proferir sua decisão, cria a possibilidade de um eficaz combate à criatividade dos desonestos e, ao mesmo tempo, um risco de premente violação do Princípio da Confiança, corolário da Legalidade, possibilitando que se perpetrem ofensas ao ordenamento jurídico, podendo levar à interpretação equivocada e à aplicação indevida, exagerada, com graves consequências para o sujeito passivo da ação de improbidade ao punir condutas meramente irregulares com sanções próprias às condutas desonestas.

Neste ínterim, o presente trabalho busca depreender o papel da doutrina e dos tribunais superiores enquanto abalizadores e limitadores do excessivo caráter aberto do retro mencionado dispositivo, identificando os seus parâmetros para a definição do ato de improbidade. No primeiro capítulo, foram definidas as bases doutrinárias para o reconhecimento dos conceitos jurídicos indeterminados no bojo da Lei de Improbidade Administrativa. A seguir, no segundo capítulo, buscou-se identificar as principais consequências do uso dos conceitos jurídicos indeterminados, sociais e jurídicas. Por fim, no terceiro capítulo, foram selecionados julgados do Superior Tribunal de Justiça, formadores de jurisprudência auxiliar na fixação de parâmetros para a integração dos conceitos.

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1. Conceitos jurídicos e a Lei de Improbidade Administrativa

Com a Constituição de 1988, a moralidade administrativa foi, pela primeira vez, erigida a princípio constitucional, localizado no caput do seu artigo 37. Deste modo, novos contornos foram dados à probidade administrativa, tema posto em evidência, pois deixou de ser tratado apenas no tópico dos crimes de responsabilidade do Presidente da República e passou a ser expressamente destinado a todos os agentes públicos. Com efeito, a Lei 8.429/92 veio a disciplinar a matéria, tipificando condutas e aplicando sanções, bem como explicitando enquanto sujeitos ativos do ato de improbidade, inclusive, terceiros que participem, incentivem ou de qualquer modo contribuam para a prática do ato ou que dele se beneficiem.

Simultaneamente aos avanços sociais e políticos representados pela exposta evolução normativa, surgiram novas questões e novos debates. Neste ínterim, destaca-se enquanto tema de especial atenção a dificuldade em conferir contornos claros aos conceitos de moralidade ou probidade administrativa, bem como em se estabelecer critérios objetivos aptos a identificar, no cotidiano da atividade administrativa, as condutas neles calcadas. Isso ocorre em virtude de se tratarem de termos vagos e indeterminados, carentes de limites precisos, que, quando submetidos a uma operação de integração normativa, ensejam certa dose de apreciação subjetiva, fato que dá origem a diversas controvérsias judiciais.

É de se registrar que o próprio dispositivo infraconstitucional regulador de tais princípios, na definição dos atos a eles lesivos, utiliza-se, também, de conceitos amplos. O ato de improbidade, de acordo com a Lei de Improbidade Administrativa, abrange três modalidades: o que causa enriquecimento ilícito (art. 9º), o que causa prejuízo ao erário (art. 10º) e o que atenta contra os princípios da Administração Pública (art. 11); restando a própria lesão à moralidade absorvida pelo conceito de ato de improbidade, já que inserida na última modalidade prevista em lei.

“Da leitura dos referidos dispositivos legais, depreende-se a coexistência de duas técnicas legislativas” (GARCIA, 2013, p. 349-350): no caput dos artigos destinados a tipificar

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as condutas tidas como ímprobas encontram-se os conceitos jurídicos indeterminados, ao passo que as situações tidas enquanto mais frequentes e habituais encontram-se especificadas nos incisos, sendo passíveis de integração e possuindo natureza meramente exemplificativa, de forma a facilitar a interpretação dos conceitos jurídicos. Tem-se, portanto, a utilização de técnica não casuística de legislar, criando-se uma vagueza semântica proposital na redação do texto.

Apesar de, neste sentido, posicionarem-se diversos autores1, levando em conta o próprio termo “notadamente” utilizado ao fim de cada artigo da mencionada lei, há quem sustente que os atos de improbidade administrativa possuem natureza taxativa, de forma que outros fatos ali não previstos não poderão ser classificados como ímprobos tão-somente pelo caput, sob pena de violação ao art. 5º, incisos XX e XXIX, da Constituição Federal, que estabelece o Princípio da Reserva Legal. Apresenta, Emerson García, os partidários de tal entendimento e suas razões:

Francisco Octavio de Almeida Prado (Improbidade Administrativa, pp. 33-35), não obstante a letra expressa da lei, sustenta que os atos de improbidade relacionados nos diversos incisos dos arts. 9º, 10 e 11 da Lei nº 8.429/92 têm natureza taxativa. Em abono da tese que formulou, aduz que o direito administrativo sancionador deve render obediência ao princípio da legalidade, ao qual encontra-se estritamente vinculado o princípio da tipicidade. Assim, ainda que o princípio sofra alguma atenuação no campo extrapenal, a segurança jurídica que dele deflui é imprescindível à preservação do devido processo legal, sendo que esta somente será atingida caso se entenda que a nebulosidade do caput dos referidos preceitos será aclarada em sendo aplicadas, unicamente, as hipóteses específicas enunciadas nos diferentes incisos. No mesmo sentido: José Nilo de Castro, Improbidade Administrativa Municipal, in Revista Interesse Público nº 8/79, 2000.

A respeito da definição de conceito, tem-se que se trata da “representação de uma ideia universal que, quando intencionada, conduz à formulação de uma imagem no pensamento do intérprete” (GRAU, 2009, p. 217-221). Os conceitos jurídicos, por sua vez, de acordo com Emerson Garcia, descrevem determinadas situações fáticas ou jurídicas que desencadeiam consequências previstas no plano normativo. Tais situações, de acordo com o autor, devem ser valoradas a partir de um esforço interpretativo e ter como resultado uma ideia difundida na concepção uniforme de determinado grupamento, de forma a conjugar certeza e segurança jurídica (GARCIA, 2013, p. 345).

1 FIGUEIREDO, Marcelo. Ob. cit., p. 69; PAZZAGLINI FILHO, Marino; ROSA, Marcio Fernando Elias;

FÁZZIO JÚNIOR, Waldo. Improbidade Administrativa, 3ª ed. São Paulo: Atlas, 1998, p. 60; MARTINS JÚNIOR, Wallace Paiva. Probidade Administrativa. São Paulo: Saraiva, 2001, p. 181; SANTOS, Carlos Frederico Brito. Improbidade Administrativa. Rio de Janeiro: Forense, 2002, p. 22.

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Quando positivados, os conceitos adquirem a forma legal e, consequentemente, são dotados de permanência. Tendo em vista que, de acordo com a Teoria Geral do Direito, uma lei permanece em vigor até que seja por outra lei revogada, para que seja possível a consecução dos efeitos jurídicos almejados pelo uso dos conceitos jurídicos, tornou-se necessário, em certas hipóteses, o estabelecimento de mecanismos que conferissem maior mobilidade ao ordenamento jurídico, de forma a permitir a célere adequação do padrão normativo aos valores subjacentes a determinado agrupamento no momento de sua aplicação, diante da impossibilidade de simultânea produção normativa.

Nesta esteira, foram concebidas estruturas normativas que pudessem acompanhar a constante mutação do pensamento social, quais sejam: as cláusulas gerais e os conceitos jurídicos indeterminados.

É de se ressaltar que, ainda que indeterminados, possuem, também, limitações, caso contrário sequer poderiam ser chamados de conceitos. Neste sentido e, em relação à sua estrutura, invoca-se a doutrina de Philipp Heck, segundo a qual eles possuiriam um núcleo fixo ou zona de certeza – positiva e negativa – e um halo conceitual ou zona de dúvida. O núcleo fixo é constituído de premissas seguras de que dada situação certamente se encaixa ou não no conceito, de forma a apresentar um significado mínimo indubitável que permite a definição de situações em que o conceito é aplicável. Seu halo conceitual, por sua vez, permite a extensão destas ideias, uma vez que as situações em que as qualidades que constituem um significado mínimo do conceito estão apenas parcialmente presentes, desencadeando, uma liberdade para se estabelecer uma definição, podendo gerar dúvida para se precisar a solução justa para o caso concreto (HECK apud GARCIA, 2013, p. 346-347).

Nesta esteira colaciona-se o ensinamento dos doutrinadores espanhóis Eduardo García de Enterría e Tomás Ramon Fernandez:

Por lo pronto hay que notar que em la estrutura de todo concepto indeterminado es identificable um núcleo fijo (Begriffkem) o ‘zona de certeza’, configurado por datos pévios y seguros, uma zona intermedia o de incertidumbre o ‘halo del concepto’ (Begriffhof), más o menos precisa, y, finalmente, uma ‘zona de certeza negativa’ también segura em cuanto a la exclusión del concepto. Por ejemplo: la zona de certeza del justo precio de esta casa puede situarse em diez millones de pesetas, precio absolutamente mínimo sgún lãs estimaciones comunes; la zona de imprecisión puede estar entre diez y quince; la zona de certeza negativa, de quince hacia arriba. Igualmente para el concepto de ‘transtorno de orden público’: el núcleo es claro, el halo puede ser más difuminado, la zona de certeza negativa es el orden mismo, o com mínimas e irrelevantes alteraciones, etc. Supuesta esta estrucutura del concepto jurídico indeterminado, la dificultad de precisar la solución justa se concreta em la zona de imprecisión o ‘halo’ concepcutal, pero tal

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dificultad desaparece em las dos zonas de certeza, positiva o negativa, lo cual no es baladí, precisamente, em via de principio (ENTERRÍA; FERNANDEZ, 1991, p. 452)2.

A interpretação dos conceitos jurídicos indeterminados dá-se na fixação do preceito primário da norma que, registre-se, possui alcance restrito a sua própria literalidade. Eles, normalmente, apresentam-se na imprecisão conceitual linguística causadora de uma incerteza que exigirá avaliação da situação concreta subjacente a norma. Isto é necessário para que haja uma ponderação valorativa de interesses ou um juízo de prognose, ou seja, “a avaliação de uma situação atual com ulterior projeção de uma situação futura, sendo o ponto nuclear da atividade de planificação” (GARCIA, 2013, p.348), de forma a possibilitar que sejam alcançadas situações diversas desde que congêneres. Não haverá, portanto, subsunção, mas imediação entre a disposição normativa e o fato, causando uma tensão entre os vetores de: densificação dos conteúdos normativos à luz da realidade subjacente à sua aplicação e preservação da segurança jurídica.

De acordo com Celso de Mello (2010), o intérprete não pode atribuir às palavras legais que sejam conceitos jurídicos indeterminados um conteúdo que seja divergente do usual em dado tempo e lugar, de forma que a intelecção desarrazoada da norma não pode se sobrepor ao entendimento comum existente na sociedade.

Ressalte-se que, conforme leciona Judith Martins-Costa, os conceitos jurídicos indeterminados são distintos das cláusulas gerais, apesar de ambos consubstanciarem padrões de equidade que ultrapassam o plano do direito estrito (MARTINS-COSTA, 1998, p.50 apud GARCIA, 2013, p.254-296). Aqueles são termos e expressões que o legislador insere na lei que conferem discricionariedade ao intérprete, geralmente polissêmicos e podem ser integrados por fato ou determinado valor, os quais sempre compõem o núcleo factual que a norma pretende abranger. Estas, por sua vez, também são normas intencionalmente editadas de forma aberta, mas, ainda, possuem maior grau de abstração e generalidade, permitindo uma multiplicidade semântica que visam permitir que os valores sedimentados na sociedade

2 “Agora, há que notar que na estrutura de todo o conceito indeterminado é identificável um núcleo fixo (Bergriffkem) ou ‘zona de certeza’, configurado por dados prévios e seguros, uma zona intermediária ou de incerteza, o ‘halo do conceito’ (Begriffhof), mais ou menos precisa e finalmente, uma ‘zona de certeza negativa’ também segura quanto a exclusão do conceito. Por exemplo: a zona de certeza do preço justo desta casa pode situar-se em dez milhões de reais, preço absolutamente mínimo de acordo com as estimativas comuns; a zona de imprecisão pode estar entre dez e quinze; a zona de certeza negativa, de quinze para cima. Igualmente para o conceito de ‘transtorno de ordem público’: o núcleo é claro, o halo pode ser mais embaçado, a zona de certeza negativa é a mesma, ou com mínimas e irrelevantes alterações. Superada esta estrutura do conceito jurídico indeterminado, a dificuldade de precisar a solução justa se baseia na zona de imprecisão ou ‘halo’ conceitual, mas tal dificuldade desaparece nas zonas de certeza, positiva ou negativa, em via de princípio” (tradução nossa).

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possam penetrar o Direito de forma que o ordenamento jurídico mantenha sua eficácia social (ROSENVALD, CHAVES, 2013, p. 45). Haverá concisão em palavras e amplitude em significado. Para Gustavo Tepedino, “cuidam-se de normas que não prescrevem uma certa conduta, mas, simultaneamente, definem valores e parâmetros hermenêuticos. Servem, assim, como ponto de referência interpretativa e oferecem ao intérprete os critérios axiológicos e os limites para a aplicação das demais disposições normativas” (TEPEDINO, apud ROSENVALD, CHAVES, 2013, p. 46). Neste sentido, tais cláusulas podem ser integradas tanto na formação do preceito primário e, principalmente, na própria concreção do preceito secundário. Seriam, conforme Judith Martins-Costa, standing points, ou pontos de apoio.

Nesta esteira, citam-se os apontamentos feitos por Emerson García às lições de Judith Martins-Costa:

À guisa de ilustração, Judith Martins-Costa menciona o art. 395, III, do Código Civil pátrio e o § 826 do Código Civil alemão, onde a expressão "bons costumes" gera diferentes efeitos: Art. 395. Perderá o pátrio poder o pai ou a mãe: ... III - que praticar atos contrários à moral e aos bons costumes. § 826. Aquele que objetivou prejudicar alguém por meio de atitudes contrárias aos bons costumes é obrigado a reparar o dano. Na primeira hipótese, identificados os valores vigentes em determinado grupamento, integrará o órgão jurisdicional o preceito primário da norma, do qual a consequência é a perda do pátrio poder. No segundo caso, além da primeira operação, da qual surgirá o dever reparatório, deve ser delimitada a noção de prejuízo; o que faz com que os conceitos indeterminados utilizados no § 826 do CC alemão formem uma cláusula geralde reparação de danos, cujo maior grau de abrangência.

Registre-se que majoritariamente entende-se que conceitos jurídicos indeterminados se distinguem da função discricionária. Emerson García, invocando a doutrina alemã de Hartmut Maurer, afirma que o poder discricionário diz respeito aos aspectos da decisão, enquanto o conceito jurídico indeterminado reflete uma situação objetiva condicionante dessa decisão: embora a interpretação da norma esteja sujeita a uma ampla sindicação judicial, o conceito indeterminado cria uma margem de livre apreciação para a Administração, limitando o controle judicial.

Por outro lado, entende Sérgio Guerra (2013, p. 40-43) que se trata de espécie de escolha administrativa que atribui discricionariedade ao intérprete em sua tarefa de integração da norma. No mesmo sentido posiciona-se Celso Mello (2010, p. 13) ao afirmar que a atuação discricionária nasce da forma que o direito regulou a atuação administrativa, deixando ao administrador um campo de liberdade em cujo interior cabe interferência de uma apreciação subjetiva quanto a sua maneira de proceder. Portanto, o poder discricionário, que jamais poderia resultar da ausência de lei que dispusesse sobre determinado assunto em virtude do

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Princípio da Legalidade Estrita, nestes casos decorre do modo pelo qual a lei haja regulado determinado assunto, logo, apesar de conceitos jurídicos indeterminados e discricionariedade serem realidades distintas, não implicarão em resultados distintos no âmbito do Direito.

Para Celso de Mello, o uso dos conceitos fluidos evita que se mencione uma situação de fato (2010, p. 23), no caso específico da Lei de Improbidade Administrativa, das ações que importariam em ato de improbidade, deixando a determinação e reconhecimento das mesmas a certos limites da hipótese em concreto.

Todavia, para Emerson García, embora o conceito jurídico indeterminado confira liberdade ao intérprete, não há de se falar propriamente em discricionariedade, uma vez que haverá para o caso, apenas uma única solução justa, prevista no preceito secundário da norma. Ou seja, a imprecisão do conceito só existiria em abstrato, nunca em concreto.

Este posicionamento, cabe ressaltar, é considerado excessivo conforme os ensinamentos de Celso de Mello. Para o mesmo, não se pode garantir que as expressões legais venham a aglutinar a densidade necessária com os fatos concretos para dissipar quaisquer dúvidas, de forma que, em alguns casos isso acontecerá, mas em outros não. Ou seja, em determinados casos, entendimentos divergentes acerca do enquadramento de condutas em atos que importam em improbidade administrativa não estarão necessariamente incorretos.

Com efeito, se em determinada situação real o administrador reputar, em entendimento razoável (isto é, comportado pela situação, ainda que outra opinião divergente fosse igualmente sustentável), que se lhe aplica o conceito normativo vago e agir nesta conformidade, não se poderá dizer que violou a lei, que transgrediu o direito. E se não violou a lei, se não lhe traiu a finalidade, é claro que terá procedido na conformidade do direito. Em assim sendo, evidentemente terá procedido dentro de uma liberdade intelectiva que, in concreto, o direito lhe facultava. Logo, não haveria título jurídico para realidades lógicas ou substanciais distintas, assim como de nada serviria designar por nomes jurídicos iguais situações que fossem diferentes perante o Direito, ainda que se parificassem sob prisma extrajurídico.

Certo é que tais conceitos abrem ao intérprete um espaço para alguma escolha administrativa em virtude de serem fluidos e abertos, proporcionando a célere adequação do padrão normativo aos novos valores permitindo o surgimento de uma “equidade cíclica” (GARCIA, 2013, p. 346), entendendo-se esta como a contínua mutação dos padrões de justiça a partir da constante modificação de valores implementada no grupamento pelos influxos sociais. A norma, cabe ressaltar, não é determinativa por total incapacidade de se prever todas as situações, de forma que esta imprecisão permite identificar o seu sentido diante do fato real, casuisticamente.

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Com esta técnica, Legislativo e Judiciário contribuem para a criação do Direito através do monopólio da redação da norma e de sua interpretação construtiva, respectivamente. Na medida em que as normas abertas são concretizadas por uma interativa jurisprudência, convertem-se em precedentes que se aplicarão a hipóteses de incidência análogas.

O magistrado, portanto, constrói e reconstrói a norma segundo o valor Justiça. Quando uma norma utiliza-se de conceito indeterminado, as consequências nela previstas somente serão justas quando detectado o preenchimento de sua hipótese de incidência e este, por sua vez exigirá do intérprete uma atitude responsável a fim de permitir a consecução de resultados dotados de aceitabilidade. A displicência, nestes casos, acaba por consagrar os conceitos jurídicos indeterminados enquanto fórmulas ou justificativas para todo e qualquer enquadramento ou atuação do intérprete, de modo que os tais termos acabam por produzir arbitrariedades e uma grande sensação de inutilidade.

Para autores como Emerson Garcia, longe de representar elemento deflagrador do arbítrio ou enfraquecer a certeza jurídica, eles são necessários a impedir o engessamento da legislação. Para tanto, é de se ressaltar, que não só na Lei de Improbidade são utilizados conceitos indeterminados, mas em toda ordem jurídica, o que faz com que a operação de integração da norma seja realizada constantemente, inclusive no texto constitucional.

Seriam conceitos jurídicos indeterminados cuja violação importa em ato de improbidade administrativa: enriquecimento ilícito, vantagem patrimonial indevida, atos lesivos ao patrimônio público, atos atentatórios aos princípios regentes da atividade estatal, honestidade, lealdade às instituições.

1.1 Enriquecimento Ilícito

De acordo com a Lei 8.429/92, o enriquecimento ilícito consiste em o agente ou terceiro auferir qualquer tipo de vantagem patrimonial indevida em razão do exercício de cargo, mandato, função, emprego ou atividade nas entidades mencionadas no art. 1º da retro mencionada lei, evidenciando que, para fins de caracterização do enriquecimento ilícito ao qual a lei se refere o “comércio das atribuições administrativas tituladas pelo agente público” (FAZZIO JUNIOR, 2008) e seria resultado de qualquer ação ou omissão que possibilite ao agente público auferir uma vantagem não prevista em lei.

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Trata-se de instituto decorrente do não enriquecimento sem causa, verdadeiro princípio geral do direito, agregado à ideia de injustiça, a qual acarreta o dever moral de indenizar aquele que empobreceu.

Neste ínterim, são identificados quatro requisitos essenciais para verificação do enriquecimento indevido, lineamentos básicos sob o prisma do direito privado: a) locupletamento de uma parte; b) empobrecimento de outra; c) falta de justa causa; d) nexo de causalidade.

Ainda, o autor adapta tais preceitos à sistemática da LIA, propondo os seguintes requisitos:

a) o enriquecimento do agente; b) que se trate de agente que ocupe cargo, mandato, função, emprego ou atividade nas entidades elencadas no art. 1º, ou mesmo o extraneus que concorra para a prática do ato ou dele se beneficie (arts. 3º e 6º); c) a ausência de justa causa, devendo se tratar de vantagem indevida, sem qualquer correspondência com os subsídios ou vencimentos recebidos pelo agente público; d) relação de causalidade entre a vantagem indevida e o exercício do cargo, pois a lei não deixa margem a dúvidas ao falar em "vantagem patrimonial indevida em razão do exercício de cargo ...’

Registre-se, para além do já explicitado, que também caracterizaria o enriquecimento ilícito a “mera potencialidade de que venha a amparar interesse de terceiro ou simples fato de o agente público possuir patrimônio incompatível com a evolução de sua renda” (MARTINS JÚNIOR, 2009, p. 227), sendo necessário, em ambos os casos, que a vantagem seja obtida em razão do vínculo com a Administração Pública.

É de se apontar divergência entre os doutrinadores acerca da necessidade ou não de ilicitude para configuração do ato de improbidade que importe em enriquecimento ilícito. Para Emerson García, o enriquecimento será sempre fruto de uma ilicitude, uma vez que ao agente público, no exercício de suas funções, somente é permitido auferir vantagens previstas em lei de forma que, inexistindo previsão legal, o enriquecimento será ilícito. Para Wallace Paiva Martins Júnior, por sua vez, é irrelevante, para os fins da lei, que o agente pratique ato lícito ou ilícito, vez que seria da mesma forma intolerável o uso anormal e antiético da função pública, mesmo que abarcado pelo ordenamento jurídico.

Cumpre apontar, ainda, de forma isolada, o entendimento de Marcelo Figueiredo (2004, p 66), segundo o qual o enriquecimento ilícito também pode se configurar com a ocorrência de dano moral causado ao sujeito passivo do ato de improbidade, trazendo prejuízo de ordem imaterial reflexo à Administração Pública, conforme explicitado:

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(...) enriquecimento ilícito é o acréscimo de bens ou valores que ocorre no patrimônio do agente público ou de terceiros a ele vinculados, por ação ou omissão, mediante condutas ilícitas, em detrimento da Administração Pública nas suas mais variadas manifestações. Manifesta-se preponderantemente através do acréscimo (proveito) patrimonial. Contudo, pratica ainda ato de enriquecimento ilícito o agente que causa dano moral à administração.

1.2 Vantagem Patrimonial Indevida

Intimamente ligado ao enriquecimento ilícito, o conceito da expressão vantagem patrimonial indevida abarca, de acordo com a doutrina, prestações positivas ou negativas, recebidas direta ou indiretamente pelo agente público.

São positivas as prestações que ensejam um acréscimo de patrimônio ao agente e negativas as que evitam o decréscimo, lhe garantindo a poupança de recursos próprios. A vantagem poderá, ainda, ser recebida de forma direta, quando auferida pelo próprio agente público, e, indireta, quando recebida por terceira pessoa, com ulterior reversão para o agente público.

Para Marcelo Figueiredo (2004, p. 21), contudo, a ocorrência da vantagem patrimonial independe do valor econômico das prestações, sendo possível que as mesmas sejam, inclusive, dele despidas, desde que constituam um interesse que afronte o padrão jurídico da probidade administrativa, em rol abrangente e exemplificativo.

1.3 Atos Lesivos ao PatrimônioPúblico

A tipologia dos atos lesivos ao patrimônio público está prevista no art. 10 da Lei 8.429/92, tendo como diretriz geral para sua caracterização ser qualquer ação ou omissão, dolosa ou culposa, que enseje perda patrimonial, desvio apropriação, malbaratamento ou dilapidação dos bens ou haveres das entidades referidas no art. 1º da mencionada lei.

É digno de registro que a modalidade exige comportamento doloso ou culposo do agente público. Neste sentido, esclarece Wallace Paiva Martins Júnior (MARTINS JÚNIOR, 2009, p 248-249):

Exige-se comportamento doloso ou culposo do agente público, compreendidos esses conceitos, no âmbito civil, como a vontade de causar prejuízo agindo contra a lei e o influxo da negligência, da imprudência e da imperícia no tato dos negócios públicos.

No que tange especificamente ao dano ao patrimônio, de forma geral, pode-se partir da premissa de que o mesmo pode ser fruto de atos dissonantes do ordenamento jurídico, ou de

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condutas em que os princípios regentes da atividade estatal tenham sido estritamente observados, devendo-se atentar aos riscos naturais e intrínsecos à atividade.

Nesse sentido, observa, Emerson Garcia, que o dano ou prejuízo ao erário não pode, por si só, caracterizar ato de improbidade administrativa, sendo indispensável e primordial que a conduta que o gerou tenha sido praticada com inobservância dos princípios que informam os atos dos agentes públicos.

Frise-se que, de acordo com o autor, que a noção de dano não se encontra adstrita à demonstração da diminuição patrimonial, sendo inúmeras as hipóteses de lesividade presumida previstas na legislação, dentre as quais, os incisos do art. 10 da Lei 8.429/92.

1.4 Patrimônio Público

As noções de erário e patrimônio público são diferentes, havendo, entre estas expressões, uma relação de contingência. O erário é o conjunto de bens e interesses de natureza econômico-financeira pertencentes ao poder público. O patrimônio público, mais amplo, por sua vez, refere-se, além do erário, aos bens e interesses de natureza estética, artística, histórica, ambiental, conforme o art. 1º da Lei 4.717/65 (Lei da Ação Popular), acrescidos de interesses de natureza moral, de acordo com a dogmática contemporânea.

Da interpretação literal dos dispositivos da Lei de Improbidade Administrativa, inicialmente, ter-se-ia que os atos enquadrados no art. 10º da mesma somente seriam os causadores de prejuízo econômico, vez que é utilizada a expressão “lesão ao erário”.

Todavia, Emerson Garcia vai de encontro a esse entendimento ao afirmar que esta interpretação deve ser preterida ao argumento de que faltou rigor ao legislador infraconstitucional no uso das expressões erário e patrimônio público em toda extensão da Lei de Improbidade Administrativa. Dessa forma, uma interpretação sistemático-teleológica levaria a crer que o objetivo da norma não é, unicamente, preservar a parcela econômico-financeira do patrimônio público, bem como às seguintes conclusões:

a) ao vocábulo erário, constante do art. 10, caput, da Lei nº 8.429/92, deve-se atribuir a função de elemento designativo dos entes elencados no art. 1º, vale dizer, dos sujeitos passivos dos atos de improbidade; b) a expressão perda patrimonial, também constante do referido dispositivo, alcança qualquer lesão causada ao patrimônio público, concebido este em sua inteireza.

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1.5 Atos Atentatórios aos Princípios Regentes da Atividade Estatal, Honestidade e Lealdade às Instituições

Presente no constitucionalismo contemporâneo, o chamado “direito dos princípios”, opondo-se ao “direito das regras”, consolida-se enquanto mecanismo de melhor adaptação às mudanças sociais. Todavia, por outro lado, em virtude de maior grau de generalidade, apresenta menor previsibilidade e maior incerteza quanto ao alcance da norma, o que o difere das regras.

Neste contexto, é previsto, no art. 4º da Lei de Improbidade Administrativa, o dever jurídico de observância dos princípios vetores da atividade estatal, segundo o qual os agentes públicos de qualquer nível ou hierarquia devem estrita observância aos princípios da legalidade, impessoalidade, moralidade e publicidade no trato dos assuntos que lhe são afetos.

Por outro lado, o art. 11 da LIA prevê que a improbidade poderá ocorrer com a violação da legalidade, imparcialidade e dos valores de honestidade e lealdade, instituições derivadas da moralidade. Trata-se, conforme entendimento doutrinário, de rol exemplificativo de princípios, considerando o fato de que o legislador infraconstitucional não poder restringir o alcance dos princípios previstos constitucionalmente e de ter sido, o princípio da efetividade, incluído no rol de princípios constitucionais regentes da atividade administrativa em momento ulterior à edição do dispositivo infraconstitucional.

É de destaque a posição de Emerson Garcia, segundo a qual a impossibilidade de se legislar minuciosamente acerca de todos os ilícitos que possam ser perpetrados pelos agentes públicos não pode significar barreira à observância dos vetores básicos da atividade estatal. Assevera, o autor, que, a par da maleabilidade de tais institutos, a insegurança por eles causada é afastada no caso concreto, uma vez que cabe ao Judiciário, em virtude da inafastabilidade do controle jurisdicional, a última palavra acerca da adequação ou não da conduta ao dispositivo. Outrossim, considera essencial a eficácia negativa dos princípios enquanto barreira de contenção dos atos que a eles se oponham. Conclui, portanto, pela necessidade do uso de tal técnica, ainda que a violação aos princípios regentes não resulte em prejuízo ao erário.

Por fim, particularmente no que diz respeito aos princípios da legalidade e moralidade, entende, o mencionado autor acerca da inexistência de hierarquia entre os mesmos, de forma que, em tendo sido descumprida a lei, haverá, necessariamente, configuração de ato de

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improbidade. Isso decorre do fato de que, de acordo com a dogmática, não há na Constituição Federal qualquer referencia da qual possa se inferir que exista necessária sobreposição de um princípio ao outro, não cabendo ao intérprete uma exegese que com essa seja desconforme.

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2. Consequências do uso dos conceitos indeterminados no enquadramento das condutas de improbidade administrativa

A partir das considerações já feitas acerca da compatibilização dos conceitos jurídicos indeterminados da Lei de Improbidade Administrativa com os atos que possam vir a ser considerados ímprobos, tem-se a conclusão de que existem dificuldades no sentido de se fixar com certeza o que seria um ato ímprobo. Estes obstáculos de índole hermenêutica, unidos a outros tantos decorrentes do sistema processual, acabam por afastar uma aplicação ideal da lei, evitando que se operacionalize o combate à improbidade administrativa.

Para Fábio Medina Osório (2005, p. 175), o déficit conceitual da LIA é causador de diversas discussões e defende que uma conceituação mais completa do ato de improbidade poderia vir a gerar uma jurisprudência mais segura e menos arbitrária sobre o tema:

Uma conceituação da improbidade que abarcasse todos seus complexos elementos, denunciando sua natureza jurídica, talvez permitisse construções jurisprudenciais mais seguras e menos arbitrárias, a começar por aquilo que podemos designar como a “formatação processual da conduta ímproba”, é dizer, as razões que permitem identificar, numa petição inicial ou numa sentença, o ato ímprobo. (...)Várias discussões estão ligadas ao déficit conceitual da LGIA. O debate sobre a admissibilidade, ou não, da improbidade culposa, é um dos sintomas. Confunde-se o histórico da improbidade com o histórico da corrupção, quando, em realidade, esta última é espécie daquela. Confundem-se, também, os graus de desonestidades ou ineficiências, chegando-se à conclusão no sentido de que a LGIA é iníqua ou ‘draconiana’, por apanhar todos os comportamentos ilícitos, quando, em verdade, não o é, visto como seus limites existem e deveriam ser reconhecidos pelos intérpretes, fora de um marco casuísta e a partir de critérios gerais.

Registre-se que um dos temas de fundamental importância para interpretação e aplicação dos dispositivos da Lei de Improbidade Administrativa é a que aborda a sua natureza jurídica. Neste contexto, existem defensores tanto de que a lei ostenta natureza cível quanto penal. Por se tratar de ponto medular na análise da norma, a ausência de um consenso enseja problemas na aplicação da mesma, posto que, a depender da corrente escolhida, a própria utilização da técnica legislativa de conceitos jurídicos indeterminados restaria prejudicada.

Diante de tantos empecilhos postos aos intérpretes, a ausência de elementos essenciais como a caracterização dos direitos fundamentais concretamente violados e a menção às normas de cultura político-administrativa violadas conduz “à insegurança jurídica, às

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arbitrariedades e aos litígios desnecessários, quando alternativas diversas poderiam e deveriam ser exploradas” (OSÓRIO, 2005, p. 177).

A exemplificar tal situação de dificuldade em virtude da aplicação da LIA aos casos concretos são reveladas três efeitos da insuficiência dos conceitos atualmente utilizados, quais sejam: a ADI nº 4295, proposta pelo Partido da Mobilização Nacional (PMN) em face dos dispositivos que apresentam amplitude tamanha a ensejar a inconstitucionalidade material da norma; a Meta 18 estabelecida pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ), com o objetivo de acelerar o julgamento dos processos contra a Administração Pública e de Improbidade Administrativa distribuídos ao Superior Tribunal de Justiça e Justiça Federal até 31 de dezembro de 2011; e os Movimentos de Julho e Junho de 2013 que possuíam, dentre outras bandeiras, uma ampla indignação com a corrupção política em geral.

2.1 ADI nº 4395

Ajuizada no Supremo Tribunal Federal (STF) em 24 de agosto de 2001 pelo Partido da Mobilização nacional (PMN), a ADI nº 4295 questiona treze artigos da Lei de Improbidade Administrativa, iniciando uma discussão em torno de seu aspecto material, ou seja, em seu conteúdo essencialmente jurídico, no que tange às criações de relações jurídicas que imputam responsabilidade aos seus infratores.

O argumento central expendido na ADI para a declaração de inconstitucionalidade dos artigos impugnados é a extrema vagueza e abrangência consequência da sua técnica legislativa, a utilização de conceitos indeterminados. Para os impetrantes, a aplicação de conceitos tão amplos atentaria contra os direitos fundamentais concernentes á segurança jurídica, à liberdade e ao devido processo legal.

A premissa que conduz a tal raciocínio é a Overbreadht Doctrine, amparada na ideia da incompatibilidade dos conceitos jurídicos indeterminados com a ideia de Estado Democrático de Direito. De acordo com o PMN, “quanto mais uma norma for capaz de gerar fundadas consequências sobre direitos políticos, civis e patrimoniais dos indivíduos, tanto mais deve ser nítida, bem delineada nos pressupostos das punições que comina e na descrição dos poderes que entrega aos agentes que exercem a perseguição em nome do Estado”, sob pena de abusos. Neste contexto, utiliza-se como base da teoria da nulidade da lei por excessiva abertura nos seus termos (overbreadth doctrine), desenvolvida nos Estados Unidos. Segundo o PMN, essa teoria se aplica quando a excessiva abrangência da norma põe em risco

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o pleno e seguro gozo de direitos fundamentais, gerando afetações sobre direitos políticos, civis e patrimoniais dos indivíduos, o que pode dar margem a abusos quando da sua aplicação. Nestes casos as leis são declaradas inconstitucionais on it’s face.

Enxergou-se que a medida utilizada pelo legislador extrapola um instrumento razoável na medida correta à proteção dos interesses apregoados pelo Estado Democrático de Direito. Isso ocorre porque, o Estado Democrático de Direito, calcado no Princípio da Legalidade e no respeito ao ordenamento jurídico, não admite que as leis assumam teor de forma a facilitar fraudes contra o objetivo de limitar o poder público. Neste sentido, os destinatários da norma devem saber o que lhes é exigido, isto é, o modo de agir e as consequências da sua ação, com razoável clareza, para que efetivamente contenham o poder público. Desta premissa decorre a conveniência de não se submeter o poder de punir do Estado a termos a termos exacerbadamente vagos e hiperinclusivos.

Diante da gravidade das penalidades impostas aos que praticam atos de improbidade, a imprecisão deturpa a função de controle do poder, dando ensejo a “arbitrariedades, explorações espúrias, a perseguições messiânicas, ideológicas ou oportunistas, tudo em detrimento das vigas mestres do sistema de proteção de direitos básicos, que insufla atentado ao sistema democrático-constitucional”. Neste contexto, ressaltam que leis que possuam consequências mais graves sobre direitos políticos, civis e patrimoniais dos indivíduos devem ter maior atenção, sendo melhor definidos e menos maleáveis.

Por fim, na análise dos dispositivos, ressaltando-se os que tipificam os atos de improbidade, ressalta que a técnica legislativa produz efeito inibitório sobre o processo normal de tomada de decisões dentro da Administração Pública, em detrimento potencial, também, do Princípio da Eficiência, atingindo, portanto, a práxis administrativa por colocar em cheque, inclusive, fatos de menor relevo.

2.2 A Meta 18 do Conselho Nacional de Justiça (CNJ)

Estabelecida no VI Encontro Nacional do Poder Judiciário, promovido pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ) em novembro de 2012, em Aracaju/SE, a Meta 18 tem como objetivo julgar, até o fim de 2013, as ações penais de crimes contra a administração pública e ações de improbidade administrativa distribuídas ao Superior Tribunal de Justiça (STJ), à Justiça Federal e aos estados até 31 de dezembro de 2011.

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As metas de nivelamento do Poder Judiciário, definidas pela primeira vez no 2º Encontro Nacional do Judiciário em 2009, possuem como finalidade precípua o alinhamento do Poder Judiciário com o direito constitucional de todos os cidadãos brasileiros, estabelecendo a duração razoável do processo na Justiça, prevista no art. 5º LXXVIII da CRFB/88, além de um melhor planejamento estratégico dos tribunais, informatização em seus vários aspectos, capacitação gerencial de magistrados e à generalização do controle interno dos tribunais. Com as metas traçadas pelo CNJ, busca, o Poder Judiciário, acabar com o estoque de processos causadores de altas taxas de congestionamento nos tribunais e por fim à contendas que se estendem por anos.

Sobre o tema, ressalte-se a opinião de Ives Gandra Martins Filho:

Se, por um lado, a fixação e perseguição cronometrada da meta foi de importância capital para dar mais credibilidade ao Poder Judiciário, ressuscitando verdadeiros cadáveres processuais que jaziam mortos pelo tempo, sem perspectivas de solução à vista, o que encheu de alento a tantos e tantos que tinham suas demandas paradas há anos em todas as instâncias, por outro, não deixou de gerar alguns efeitos colaterais perversos, comprometedores da confiabilidade na Justiça, tais como a priorização da quantidade em detrimento da qualidade das decisões, com adoção, por vezes, de procedimentos menos ortodoxos para a redução das pilhas de processos que enfeitavam varas e gabinetes. (MARTINS FILHO, 2009)

Nos termos acima utilizados, a priorização da quantidade em detrimento da qualidade das decisões possui, por óbvio, efeitos ainda mais nocivos em temas que carecem de pacificação jurisprudencial e doutrinária. Neste sentido, cabíveis todas as preocupações exaradas tanto pelos doutrinadores no sentido de se buscar conceitos mais sólidos à Lei de Improbidade Administrativa, quanto à dos partidários políticos em se resguardar por eventuais decisões deslocadas da realidade, sem a devida profundidade, que aplicam restrições graves aos direitos fundamentais.

Diante, portanto, de tais problemas ainda sem solução, a Meta 18 não cumpriu com as expectativas, e, de acordo com o próprio CNJ, até o dia 23 de dezembro, quando o Poder Judiciário entrou em recesso, apenas 61.672 dessas ações o equivalente a 53,95% do total -haviam sido concluídas.

Ainda, é digno de registro que o julgamento de tais processos é decisivo para a aplicação da “Lei da Ficha Limpa”. Isso porque, de acordo com a Lei Complementar nº 64/90, alterada pela Lei 135/10, não poderá disputar as eleições de outubro de 2014 o candidato que tiver suas contas relativas ao exercício de cargos ou funções públicas rejeitadas por irregularidade insanável que configure ato doloso de improbidade administrativa por decisão

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irrecorrível do órgão competente e os que forem condenados à suspensão dos direitos políticos por ato doloso de improbidade administrativa que importe lesão ao patrimônio público e enriquecimento ilícito, em decisão transitada em julgado ou proferida por órgão judicial colegiado.

2.3 As Manifestações de Junho e Julho de 2013

Incumbe sistematizar as considerações já feitas. Os conceitos jurídicos indeterminados tendem a gerar uma jurisprudência pouco segura, que oscila entre a arbitrariedade e a ineficiência em aplicar a lei. Aliado a outros obstáculos, o pouco embasamento para proferir decisões faz com que as ações de improbidade se estendam por muitos anos, ensejando um grande acúmulo, prejudicial tanto aos réus quanto à sociedade. Ações afirmativas no sentido de se melhorar o desempenho do Poder Judiciário no julgamento de tais ações, por não levarem em conta toda complexidade do tema, não surtem os efeitos desejados.

Diante de tal cenário, a sociedade tende a ser cada vez mais prejudicada e, em momentos críticos surgem as manifestações populares, como as de Junho e Julho de 2013, que possuíam, dentre tantas bandeiras, a contra a corrupção no sistema político e a passividade do Judiciário em punir as condutas lesivas da moralidade administrativa.

Os protestos de 2013, inicialmente, surgiram para contestar os aumentos nas tarifas de transporte público, alcançando grande apoio popular após a forte repressão policial contra as passeatas. Atos semelhantes rapidamente começaram a se proliferar em diversas cidades do Brasil em apoio aos manifestantes, passando a abranger uma grande variedade de temas, como os gastos públicos em grandes eventos esportivos internacionais, a má qualidade dos serviços públicos e a indignação com a corrupção política em geral.

Foram as maiores mobilizações no país desde as manifestações pelo impeachment do então presidente Fernando Collor de Mello em 1992. Em resposta, o governo brasileiro anunciou várias medidas para tentar atender às reivindicações dos manifestantes e o Congresso Nacional implantou a chamada "agenda positiva". Nesse período fora apreciado projeto de lei que visava a tonar a corrupção um crime hediondo, a chamada PEC 37 fora arquivada e proibido o voto secreto em votações para cassar o mandato de legisladores acusados de irregularidades. Houve também a revogação dos então recentes aumentos das tarifas nos transportes em várias cidades do país, com a volta aos preços anteriores ao movimento.

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As manifestações no Brasil seguiram o mesmo processo de "propagação viral" de protestos em outros países, como a Primavera Árabe, no mundo árabe, Occupy Wall St, nos Estados Unidos, e Los Indignados, na Espanha.

Cabe ressaltar a importância da Tese dos Momentos Constitucionais, de Bruce Ackerman, para a análise dos referidos protestos. Partindo da análise da experiência constitucional americana, entende, o doutrinador, que o Estado americano já sofreu pelo menos duas mudanças fundamentais de seu paradigma, sendo desfeita a ideia que o exercício do poder constituinte está vinculado à edição de uma constituição formal. Estes momentos foram: a Guerra Civil norte-americana ao alterar radicalmente o Estado com o fim da escravidão, refletindo nas relações sociais e na economia; a política do new deal de Franklin Roosvelt, que implementou medidas sociais para combater a crise que se abateu em 1929, inaugurando naquele Estado o constitucionalismo social, vez que ele passa de mínimo a interventor (welfare state) (ACKERMAN, 1991).

Para o Ackerman, os momentos constitucionais são identificados a partir de dois fatores, quais sejam: a excepcional mobilização do povo que, normalmente não se envolve em questões políticas, mas em situações extremas se engaja e promove grandes debates públicos; o fato da mobilização popular intensa e direta implicar em uma substancial mudança no perfil do Estado.

Tais fatos são parcialmente identificados nas manifestações brasileiras. Apesar da grande mobilização popular enquanto reação às suas insatisfações, a substancial mudança no Estado ainda está em trânsito, sendo paulatinamente delineada pelos atuais gestores da coisa pública e dos representantes do Congresso Nacional.

Outrossim, para além do que já foi dito, é preciso identificar as manifestações enquanto exercício do controle social sobre, inclusive, os atos de improbidade administrativa. Sobre este tipo de controle da Administração Pública, colaciona-se o entendimento de Leonardo da Costa Barreto:

(...) é necessário controlar a Administração Pública, prevenindo a ocorrência dos atos de improbidade administrativa e corrupção, bem como, punindo os culpados e ressarcindo o Estado, pelos valores desviados ou desperdiçados. Estamos falando do exercício da cidadania. A sociedade não pode deixar toda responsabilidade para o Estado. Por outro lado, é preciso despertar para cobrar do Estado ações efetivas nas áreas de sua competência, pois não podemos mais coadunar com uma democracia que não funcione em sua plenitude política, econômica e social. Não podemos aceitar que a participação popular do povo brasileiro se resuma em votar

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e ser votado. É necessário algo mais. É necessário ampliar a participação política do cidadão no controle dos atos da administração pública. É necessário uma efetiva e constante participação política do cidadão no âmbito da administração pública, em todos os níveis e poderes, para influenciar nas tomadas de decisões políticas, garantindo até mesmo recursos financeiros, que possibilitem, a implementação de fato, dos direitos sociais. (BARRETO, 2005, p. 247-248).

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3. Alguns parâmetros utilizados pelo STJ para integralização do conteúdo dos Conceitos Jurídicos Indeterminados no enquadramento dos atos de improbidade administrativa

Concebido o Princípio da Legalidade enquanto pedra angular do sistema jurídico brasileiro, torna-se indispensável a compatibilização do fato com a norma para que seja possível a consecução dos efeitos jurídicos almejados, devendo ser sopesados mecanismos capazes de conferir maior mobilidade ao ordenamento jurídico sem que os mesmos representem elementos deflagradores de arbítrio.

Neste sentido, a existência de conceitos jurídicos indeterminados no bojo da Lei de Improbidade Administrativa suscita a tarefa exegética, que não se limita apenas à reprodução literal do dispositivo, mas a aplicação do mesmo a diversas hipóteses de incidência, ensejando divergências que são paulatinamente pacificadas através de uma interativa jurisprudência. Com isto, a posteriores casos análogos serão aplicados parâmetros similares.

Diante de tal situação, foram selecionados diversos julgados do Superior Tribunal de Justiça que empreendessem definições de termos ou limites à textura aberta da norma, conforme o ordenamento jurídico e os fins a que ela se destina, de forma a estabelecer à mesma um sentido específico à luz do caso concreto.

Para tanto, foram considerados enquanto termos genéricos passíveis de delimitação o próprio conceito de improbidade administrativa, os princípios informativos da Administração Pública – Legalidade, Impessoalidade, Moralidade e Eficiência -, bem como as noções de erário, enriquecimento ilícito e vantagem patrimonial indevida.

É de se ressaltar que, nem sempre os casos apresentados trazem a linear definição dos conceitos apresentados. Por conseguinte, alguns termos possuirão uma análise entrelaçada a outros, sendo tratados em um mesmo caso ou possuindo apenas uma vaga delimitação de seu alcance em virtude de critério estabelecido pela própria lei para sua incidência (como necessidade ou não de elemento subjetivo para caracterização dos atos de improbidade administrativa).

Acerca do conceito de improbidade administrativa, é comum, nos julgados pesquisados no banco de jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, a invocação do conceito elaborado por José Afonso da Silva, segundo o qual “cuida-se de uma imoralidade administrativa qualificada. A improbidade administrativa é uma imoralidade qualificada pelo

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dano ao erário e correspondente vantagem ao ímprobo ou a outrem” (SILVA, 2005, p. 669). Todavia, tal conceito não abrange a totalidade dos atos de improbidade previstos em lei, sendo omisso quanto à violação de princípios da Administração Pública.

Ainda, no que tange a aspectos aplicáveis a todos os tipos de atos de improbidade e, portanto, em uma noção ampla de tal conceito, são de incontestável importância os julgados que delimitam a incidência da norma em comento, mais especificamente os casos em que se infirma a necessidade de elemento subjetivo para caracterização do ato, rechaçando qualquer possibilidade de responsabilidade objetiva para as hipóteses.

Neste sentido, enfatiza, o STJ, que a prática do ato de improbidade pressupõe a existência de dolo ou culpa, sendo a modalidade culposa admitida somente na hipótese de prejuízo ao erário ao passo que, nas demais modalidades, exige-se a presença do dolo. Assevera, ainda, que a observância deste entender se faz mais importante para a ocorrência de improbidade em virtude de lesão aos princípios (art. 11 da Lei 8.429/92) que é residual em relação às demais. A respeito do tema, ressalta-se a consideração feita pela Ministra Denise Arruda, no julgamento do Recurso Especial nº 875.163 – RS (2006/0171901-7), de relatoria da mesma, julgado em 19/05/2009, segundo a qual:

Efetivamente, a configuração de qualquer ato de improbidade administrativa exige a presença do elemento subjetivo na conduta do agente público, pois não é admitida a responsabilidade objetiva em face do atual sistema jurídico brasileiro, principalmente considerando a gravidade das sanções contidas na Lei de Improbidade Administrativa.

Registre-se que, no caso em tela, fora, no Tribunal a quo, imputado, ao agente público, dolo eventual como forma de restar caracterizado o elemento subjetivo necessário para a tipificação de sua conduta de improbidade por violação aos princípios. Neste ínterim, apesar de afastada a possibilidade de existir algo além da mera desídia do agente, não houve pronunciamento expresso do Superior Tribunal de Justiça acerca da impossibilidade de consideração do dolo eventual, além do dolo direto, enquanto elemento subjetivo da conduta, de forma que, da exegese perfunctória dos argumentos apresentados, entendeu-se que haveria a possibilidade de prática de ato de improbidade na modalidade dolosa, em virtude de dolo eventual.

Por fim, enquanto parâmetro aplicável genericamente a todas as modalidades de ato de improbidade previstos em lei, apresenta, o STJ, a necessidade do cotejo da realidade socioeconômica brasileira para a configuração do ato de improbidade de forma a evitar que

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situações em que a rígida aplicação da norma poderia culminar na condenação de práticas socialmente aceitas, usuais e não absolutamente imorais. Este foi o posicionamento adotado no julgamento do Recurso Especial nº 403.599 - PR (2001/0194236-8), ocorrido em 12/05/2003, devendo ser notabilizado o seguinte fragmento do voto da Relatora Ministra Eliana Calmon:

Entendo, como o Tribunal, que não se pode examinar os atos de improbidade sem ter presente a realidade sócio-política em que vivemos - em um país de fantástica exclusão social, situação que favorece o clientelismo, o favoritismo e a necessidade de adotarem os políticos, seja no Executivo, seja no Legislativo, as arraigadas práticas, sob pena de não sobreviverem como políticos. Não adianta querer ser mais realista do que o rei e pretender que só o Executivo pratique a política de assistência social, quando, até nós, integrantes do Judiciário, somos chamados a praticá-la em demandas, cuja controvérsia nada tem de jurídica, mas sim de carência social e econômica. Dentro do contexto da política social atual, não posso aceitar como ato de improbidade a distribuição de passagens a pessoas carentes, quando, em nenhum passo, alegou-se a não-destinação das mesmas aos carentes. Afastando assim a tipicidade, não se reconhece a vulneração dos arts. 9º, 10, 11 e 12 da Lei 8.429/92.

Acerca do Princípio da Legalidade, breves contornos foram dados à sua incidência, a partir de uma interpretação teleológica, por ocasião do julgamento do Recurso Especial nº 924.439 - RJ (2007/0020069-2), julgado em 19/08/2009, de Relatoria da Ministra Eliana Calmon, segundo a qual, “a Lei 8.429/1992 objetiva coibir, punir e afastar da atividade pública todos os agentes que demonstraram pouco apreço pelo princípio da juridicidade, denotando uma degeneração de caráter incompatível com a natureza da atividade desenvolvida”.

No que tange à prática de ato de improbidade por violação aos princípios da Administração Pública, como já afirmado anteriormente, é pacífico o entendimento do Superior Tribunal de Justiça no sentido da necessidade da presença de dolo para que o mesmo ocorra.

Neste contexto, mais especificamente quando a violação ocorre por desrespeito ao Princípio da Legalidade, já se pronunciou o Tribunal pela necessidade de ocorrência de má-fé do imputado, ressaltando, inclusive, que o ato de improbidade por violação ao Princípio da Legalidade não ocorreria em situações de mera irregularidade, quando possível a correção administrativa. Portanto, a má-fé é premissa do ato ilegal e ímprobo, de modo que a ilegalidade só adquirirá o status de improbidade quando presente a má-intenção do administrador.

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Registre-se que em outras ocasiões já se manifestou o Tribunal acerca da definição do que seriam meras irregularidades em contraposição aos atos definidos enquanto ímprobos. De acordo com o juízo do STJ, para caracterização de ato de improbidade, far-se-ia necessária a presença de voluntariedade na transgressão de preceitos obrigatórios qualificado por um desvio ético, a desonestidade, não precisando, entretanto, referências aos limites de uma mera irregularidade.

Acerca do exposto, exemplifica-se com o seguinte fragmento contido nos votos do Relator dos Recursos Especiais de nº 999.800 - SC (2007/0249948-1) e 831.178 - MG (2006/0059673-2), Ministro Luiz Fux, julgados em 01/07/2009 e 14/05/2008, respectivamente:

A exegese das regras insertas no art. 11 da Lei 8.429/92, considerada a gravidade das sanções e restrições impostas ao agente público, deve se realizada cum granu salis, máxime porque uma interpretação ampliativa poderá acoimar de ímprobas condutas meramente irregulares, suscetíveis de correção administrativa, posto ausente a má-fé do administrador público, preservada a moralidade administrativa e, a fortiori, ir além de que o legislador pretendeu. A má-fé, consoante cediço, é premissa do ato ilegal e ímprobo e a ilegalidade só adquire o status de improbidade quando a conduta antijurídica fere os princípios constitucionais da Administração Pública coadjuvados pela má-intenção do administrador.

Tal entendimento encontra-se abalizado, também, pelo Recurso Especial nº 1.129.277 - RS (2009/0141978-8), com julgamento datado de 21/06/2010, tendo o Relator, o Ministro Herman Benjamin, feito as seguintes e importantes observações:

Eventual ilegalidade na formalização do ato questionado não é suficiente a configurar improbidade administrativa, porquanto a situação delineada no acórdão recorrido afasta a existência de imoralidade, desvio ético e desonestidade na conduta. Convém destacar o esclarecimento de Wallace Paiva Martins Júnior, de que ‘a probidade atente, portanto, a honestidade de meios e fins empregados pela Administração Pública e seus agentes, sublinhando valores convergentes à idéia de boa administração, de cumprimento das regras da ética interna da Administração Pública’ (in Probidade Administrativa, 3ª ed., São Paulo: Saraiva, 2006, pp. 112-112).

Ainda no âmbito de se evidenciar uma maior cautela na aplicação da Lei 8.429/92, afastando-se a imposição de sanções em face de erros toleráveis e meras irregularidades, quando inexistentes desvios éticos, fora negado provimento ao Recurso Especial nº 1.245.622 - RS (2011/0046726-8), de relatoria do Ministro Humberto Martins, julgado em 09/05/2011, repelindo a aplicação das sanções cominadas aos atos de improbidade à hipótese de acumulação de dois cargos de públicos, a despeito da vedação constitucional existente.

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