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Aplicação do princípio da função social da empresa em face do direito falimentar: uma análise jurisprudencial acerca da aplicabilidade do princípio no processo falimentar

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RODRIGO KRÜGER

APLICAÇÃO DO PRINCÍPIO DA FUNÇÃO SOCIAL DA EMPRESA EM FACE DO DIREITO FALIMENTAR: UMA ANÁLISE JURISPRUDENCIAL ACERCA DA

APLICABILIDADE DO PRINCÍPIO NO PROCESSO FALIMENTAR

Araranguá 2020

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APLICAÇÃO DO PRINCÍPIO DA FUNÇÃO SOCIAL DA EMPRESA EM FACE DO DIREITO FALIMENTAR: UMA ANÁLISE JURISPRUDENCIAL ACERCA DA

APLICABILIDADE DO PRINCÍPIO NO PROCESSO FALIMENTAR

Projeto de Trabalho de Conclusão de Curso apresentado ao Curso de Direito da Universidade do Sul de Santa Catarina, como requisito parcial à obtenção do título de Bacharel em Direito.

Professor Orientador: Prof. Fábio Mattos, Especialista em Recuperação Judicial e Falências.

Araranguá 2020

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RODRIGO KRÜGER

APLICAÇÃO DO PRINCÍPIO DA FUNÇÃO SOCIAL DA EMPRESA EM FACE DO DIREITO FALIMENTAR: UMA ANÁLISE JURISPRUDENCIAL ACERCA DA

APLICABILIDADE DO PRINCÍPIO NO PROCESSO FALIMENTAR

Este Trabalho de Conclusão de Curso foi julgado adequado à obtenção do título de Bacharel em Direito e aprovado em sua forma final pelo Curso de Graduação em Direito da Universidade do Sul de Santa Catarina.

Araranguá, 11 de dezembro de 2020.

______________________________________________________ Professor e orientador Fábio Mattos, Esp.

Universidade do Sul de Santa Catarina

______________________________________________________ Prof. Arnildo Steckert Jr., Esp.

Universidade do Sul de Santa Catarina

______________________________________________________ Prof. Geraldo Cota Jr., Esp.

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RESUMO

Trata-se o presente de um estudo acerca da aplicação do princípio da função social da empresa em face do direito falimentar, trazendo de início uma análise doutrinária para elucidar o perpasse histórico e após, uma amostragem jurisprudencial para trazer à baila como o Superior Tribunal de Justiça vem se posicionando quanto aos principais temas que envolvem a matéria. O objetivo principal é mostrar como gravitam os princípios norteadores do processo falimentar em face dos direitos de credores. No que toca aos objetivos específicos, analisa-se as principais discussões da temática que rumaram ao Tribunal Superior Brasileiro. Para tanto, baseia-se na pesquisa bibliográfica e documental, como metodologia empregada. Uma das principais conclusões é a de que houve grande evolução, quando de um mundo onde o devedor falido pagava com a própria vida, para uma legislação solidificada e enraizada na preservação de empregos, renda, giro de moeda e manutenção da atividade empresarial.

Palavras-chave: Função social da empresa. Preservação da empresa. Recuperação judicial. Processo falimentar. Falências.

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SUMMARY

This is a study about the application of the principle of the social function of the company in the face of bankruptcy law, bringing at first a doctrinal analysis to elucidate the historical perpasse and then a sample of jurisprudence to bring up how the Superior Court of Justice has been positioning itself on the main issues involving the matter. The main objective is to show how the guiding principles of the bankruptcy process are applied to the rights of creditors. As for the specific objectives, the main discussions on the subject that went to the Brazilian Superior Court are analyzed. For this purpose, it is based on bibliographical and documentary research, as a methodology employed. One of the main conclusions is that there has been a great evolution, from a world where the bankrupt debtor paid with his or her own life, to a solidified legislation rooted in the preservation of jobs, income, currency turnover and maintenance of business activity.

Keywords: Social function of the company. Preservation of the company. Judicial recovery. Bankruptcy process. Bankruptcy.

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SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO... 6

2 PANORAMA HISTÓRICO DO INSTITUTO FALIMENTAR ... 8

2.1 EVOLUÇÃO HISTÓRICA ... 8

2.2 DIREITO FALIMENTAR NO BRASIL ... 10

3 ATIVIDADE EMPRESARIAL ... 14

3.1 EVOLUÇÃO DA ATIVIDADE EMPRESARIAL E A TEORIA DOS ATOS DO COMÉRCIO (CÓDIGO NAPOLEÔNICO) ... 14

3.2 TEORIA DA EMPRESA ... 15

3.3 FUNÇÃO SOCIAL DA EMPRESA ... 17

3.4 PRESERVAÇÃO DA EMPRESA ... 19

3.5 PRINCÍPIOS GERAIS DA ATIVIDADE ECONÔMICA ... 21

4 LEI N. 11.101/2005 ... 24

4.1 A CRISE NA EMPRESA ... 24

4.2 FUNÇÃO SOCIAL, PRESERVAÇÃO, RECUPERAÇÃO JUDICIAL E FALÊNCIA 28 5 CONCLUSÃO ... 44

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1 INTRODUÇÃO

De plano, pode-se afirmar que, atualmente, a função social da empresa ganhou mais robustez, sendo direito positivado na Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, tornando-se, a partir de 1988, um dos princípios constitucionais da nossa legislação.

Com isso, visto que a empresa possui uma função social, tem-se que essa função abrange de forma direta a comunidade que a atividade econômica realizada pela empresa está inserida, ensejando, assim, como salutar a medida de preservação e manutenção da empresa em face de uma possível falência.

Isso porque se tem que as sociedades empresariais dispõem de vultosa função social ao gerar empregos, tributos e riqueza, bem como contribuem de maneira contundente para o desenvolvimento social, econômico e cultural da comunidade em que está inserida.

Além de possuir interferências internas, a atividade empresarial se sujeita às interferências político-econômicas inerentes a atividade. Dentre essas incidências econômicas, encontra-se a crise.

Por derradeiro, muitas vezes rendida a uma crise econômica, a empresa vê na incidência dos institutos do direito falimentar uma saída para a preservação de créditos públicos e o equilíbrio socioeconômico no lugar em que se encontra inserida.

Dentro desse contexto, como gravitam os direitos de credores em face de conflito aparente com os princípios norteadores do processo falimentar? Com os impactos sociais de uma crise econômica, a solução empresarial trazida com o direito falimentar tem como objetivo proteger os interesses metaindividuais no que tange à continuidade da atividade econômica exercida pela empresa?

Para tanto, busca-se através do presente trabalho, por meio da doutrina, elucidar de forma concisa o perpasse histórico advindo das relações falimentares nas épocas passadas, sobretudo os avanços através da teoria da empresa e da teoria dos atos do comércio.

Ato contínuo, mediante uma discussão acerca do avanço do tema, aborda-se as inovações legislativas, cominando para que esteja positivado o princípio da preservação da empresa no atual ordenamento jurídico brasileiro. Registre-se que o referido princípio é o norteador do processo falimentar, isto é, tudo que se faz e que se busca é com o escopo de manter a empresa no mercado.

A partir da função social, analisa-se a importância do processo da recuperação judicial como mecanismo de preservação da empresa, trazendo à baila como o Superior

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Tribunal de Justiça tem se posicionado em face de temas importantes e relevantes sobre a temática.

E, por fim, como jurisprudência se comporta no âmbito recuperacional, oportunidade em que se discorre acerca das as principais discussões em conflito com o princípio da preservação da empresa e a aplicação do princípio da função social no âmbito do Superior Tribunal de Justiça.

Caso a recuperação judicial não seja medida suficiente e, por via de consequência, seja decretada a falência de uma empresa, aborda-se como os dispositivos da lei falimentar e doutrina vêm a manutenção da empresa quando esta já tem sua falência decretada, mostrando que, porventura, não obstante um quadro onde a falência é medida imperativa, há possibilidades para a função social ser exercida e a manutenção da atividade empresarial ser imposta para que esta atinja a função social.

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2 PANORAMA HISTÓRICO DO INSTITUTO FALIMENTAR

2.1 EVOLUÇÃO HISTÓRICA

Inicialmente, para trazer um panorama histórico acerca do instituto, cumpre trazer à baila a definição de falência.

Sobre o tema, colhe-se da etimologia da palavra que falência vem do latim fallentia, que, por sua vez, significa “coisas que faltam ou as coisas que enganam” (SABORIDO, 2019). No português, define-se falência como a condição do comerciante cuja cessação dos pagamentos foi constatada pelos tribunais e que não tem condições de saldar seus débitos; como o ato ou efeito de falir, de suspender o pagamento aos credores, de ir à bancarrota; quebra (FALÊNCIA, 2020).

Registre-se no que tange ao termo bancarrota, cuja nomenclatura não se é de costume ouvir, tem-se que esta vem originada do italiano, onde seu significado paira um pouco sob um prisma peculiar, isso porque, naquela época, os credores costumavam quebrar o banco pelo qual o devedor negociava, geralmente na praça pública (LACERDA, 1982, p. 18).

Nesse diapasão, por falência, pode-se concluir que se trata da quebra ou da suspensão de um pagamento ou algo que foi prometido ao credor, por falta de subsídios, oriundo de uma relação da qual restou pactuado algum negócio jurídico.

Se queremos trazer o instituto falimentar para os dias de hoje e discorrermos acerca desta temática, faz-se mister olharmos para traz e ver como tudo fora construído, ou, pelo menos, buscar um referencial histórico para a compreensão.

Sobre o panorama histórica, Roberto de Ruggiero ensina que “não é possível compreender grande parte das normas atuais sem o subsídio dos precedentes romanos. Isto não quer dizer que a matéria não tenha sofrido modificações por influência do direito intermédio [...]” (1999, p. 35).

E não destoa das lições de Bertoldi e Ribeiro, os quais afirmam que é “da antiguidade romana que a doutrina extrai a origem dos regimes falimentares” (2015, p. 496).

Quando estuda-se o passado do instituto falimentar, tem-se que as culturas dos povos antigos eram de alguma maneira um tanto hostis no trato com os falidos/devedores, isso porque, naquela época, o insolvente sofria diversos tipos de humilhações, gize-se, neste ponto, que o falido/devedor respondia até mesmo com a própria vida ou tinha parte de seu corpo cortado, devido as suas obrigações assumidas e inadimplidas (ALMEIDA, 2009).

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Do mesmo modo, pontua Bertoldi e Ribeiro que “naquele tempo, a insolvência era punida com a morte real ou civil do devedor, que poderia inclusive ser considerado escravo do credor, em razão do não cumprimento de suas obrigações” (2015, p. 496).

Barros pontua muito bem a temática do direito falimentar daquela época. A referida autora mui acertadamente traz em seu referido trabalho as leis em face do que era aplicado no que tange ao direito falimentar. Pode-se citar a retaliação do corpo do devedor/falido, inserida através da Lei das XII Tábuas (BARROS, 2014, p. 11).

Sobre a temática, também se faz pertinente as ponderações de Dória:

Semelhante poder de vida e morte sobre o devedor é, no entanto, contestado por muitos romanistas que não viam na faculdade senão o caráter místico de que se revestia. Outros, porém, entenderiam que o poder traduzido em lei era para ser aplicado em toda a sua amplitude. Mas tanto um quanto outro asseverariam que a história não registra caso de incidência de tão cruel norma (1991, p. 156).

Após esse período, pontua Barros que a Lex Poetellia, veda a prática supramencionada, bem como a morte do devedor/falido (2014, p. 11), o que, frise-se, uma cirúrgica revolução no direito falimentar, abolindo toda e qualquer forma da dívida do falido recair sobre a pessoa.

De acordo com Wilson de Souza Campos Batalha e Silvia Marina Labate Batalha a “Lex Poetelia (428 ou 441 de Roma) teve por objetivo retirar ao procedimento das XII Tábuas o seu caráter penal, mitigando as conseqüências [sic] exorbitantes da manus injectio e limitar o caráter privado do processo, aumentando a ingerência do magistrado” (1991, p. 39).

Colhe-se dos ensinamentos de Dinamarco:

[...] com a Lex Poetelia do ano 326 a.C (ou 441 a.u.c), a qual ditou várias normas atenuadoras do sistema então vigente, a saber: a)proibiu a morte e o acorrentamento do devedor; b) institucionalizou o que antes era simples alternativa oferecida ao credor, ou seja, a satisfação do crédito mediante a prestação de trabalhos forçados; c) permitiu que o executado se livrasse da manus injectio, repelindo a mão que o prendia ( manum sibi depellere) mediante o juramento de que tinha bens suficientes para satisfazer o crédito (bonam copiam jurare); e, acima de tudo isso, (d) extinguiu o nexum, passando então o devedor a responder por suas obrigações com o patrimônio que tivesse, não mais com o próprio corpo (pecuniae creditae bona debitoris, non corpus obnoxium esset). Estava aberto o caminho para eliminar a execução corporal. (1997, p. 43/44).

Após a Lex Poetellia, tem-se a Lex Julia, outro avanço do direito falimentar naquela época. Vejamos o pertinente estudo feito por Barros, no que diz respeito às leis que tratavam acerca do assunto no direito romano:

1. Lei das XII Tábuas - previa que após o prazo da escravidão, caso não houvesse parentes do devedor ou qualquer outra pessoa que saldasse sua dívida, e em caso de pluralidade de credores, o corpo do devedor poderia ser retalhado para entrega das partes aos credores. 2. Lex Poetellia - determinou-se a proibição do encarceramento, da venda como escravo e da morte do devedor. 3. Lex Julia - institui que o devedor

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poderia optar por beneficiar-se da cessio bonorum, que lhe dava o direito de fazer a cessão de seus bens ao credor, que por sua vez podia vendê-los separadamente por intermédio do curator, com a finalidade de pagar os demais credores em rateio. (2014, p. 11).

Desse modo, nem um pouco forçoso concluir que, nos primórdios, a pena para quem porventura se encontrava em estado de falência era de certo modo cruel com o devedor, fazendo a dívida do falido não só recair sobre este, mas também fazer com que pagasse com sua própria vida.

Com pesar é raciocinar que, caso o indivíduo, por motivos de uma má gestão, porventura se via em meio à uma crise em seu negócio que, via de consequência, colocava-lhe em total grau de falência, não podendo com seus bens saldar a dívida, este falido poderia se ver encarcerado, vendido como escravo ou, o absurdo dos absurdos, ser morto.

Graças ao avanço legislativo no mundo, forçoso é nos depararmos hoje com um direito positivado igual àquela época.

2.2 DIREITO FALIMENTAR NO BRASIL

No Brasil, após a Proclamação da República, no período imperial, foi instituído o Código Comercial Brasileiro de 1850. Pouco tempo depois, após os ânimos da Proclamação da República, o governo não mediu esforços para a instituição de leis compatíveis com o sistema brasileiro. A partir de então, mediante o Decreto n.º 917, de 24.10.1890, o Código Comercial teve sua parte III derrogada.

Sobre esse ponto, comenta Arnoldi que:

Um dos pontos mais importantes da reforma foi a caracterização da falência como a falta de pagamento de uma obrigação líquida e certa no seu vencimento (impontualidade). Também instituiu a concordata por abandono, que consistia na adjudicação parcial dos bens da massa aos credores, para pagamento do passivo. (1999, p. 65).

Requião, por sua vez, explica que “sem dúvida o Decreto nº. 917 foi um passo à frente na modernização do instituto falimentar na época, embora graves críticas contra ele se levantassem” (1998, p. 23).

O referido Decreto fora revogado pela antiga Lei n.º 859, que não trouxe um bom grado à época, visto que determinava que os administradores da massa falida fossem escolhidos dentre uma lista de quarenta nomes. Essa disposição legislativa ficou conhecida como “40 ladrões e o síndico de Ali-Babá”, conforme descreve Roque (2005, p. 86).

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De lá para cá, foram instituídos Decretos e Leis, todavia, foi o Decreto-Lei n.º 7.661 de 21 de junho de 1945 a significativa mudança em nosso ordenamento jurídico.

Apesar de revolucionário e escrito por juristas renomados à época, com o passar dos anos, o Decreto-Lei n.º 7.661 de 1945 ficou defasado, já não mais correspondia à atual ordem econômica e à própria realidade do país.

Sobre o Decreto-Lei n.º 7.661 de 1945, pertinentes são as lições de Claro (2009, p. 87), que assim expõe:

O Decreto – Lei nº 7.661 de 1945 vigorou no Brasil por quase 60 (sessenta) anos, e seu objetivo era apenas e tão-somente evitar maiores prejuízos aos credores [...]. Interessava a solução das pendências perante o credor, especialmente quando se tratava do processo falimentar. O devedor, por sua vez, colocava nas mãos do Estado – juiz a responsabilidade pelos atos de alienação do eventual conjunto de bens existentes e arrecadados. Esse mesmo Estado acabava assumindo a responsabilidade pela tentativa de pagamento dos débitos, ficando o devedor na qualidade de espectador.

Por outro lado, pontuam Bertoldi e Ribeiro:

Um dos grandes defeitos da legislação então vigente estava na morosidade, presente em todas as fases do processo falimentar em decorrência do grande acúmulo de trabalho do poder Judiciário, responsável, em última análise pela aplicação do excesso de formalismo de que se reveste o procedimento, além do fato de tal morosidade ser útil ao devedor desonesto, uma vez que permitia naturalmente, a incidência da prescrição da punibilidade de eventuais crimes falimentares que pudessem ser configurados na prática. (2015, p. 499).

O Decreto-Lei n.º 7.661 de 1945 não reunia quaisquer alternativas jurídicas ou econômicas buscando a recuperação judicial da empresa que se encontrava à beira da falência, muito pelo contrário, conceituava como ato de falência qualquer ação do devedor/falido com o escopo de ajuntar seus respectivos credores com margem para uma renegociação global das dívidas (COELHO, 2011, p. 404).

Por outro lado, com o advento da Lei n.º 11.101 de 2005, o ordenamento jurídico brasileiro ganhou uma legislação falimentar com uma visão mais moderna e atual, escrita conforme a atual ordem econômica e a própria realidade do país, buscando alternativas e soluções para não declarar a empresa falida, mas com vistas para sua recuperação judicial, descaracterizando uma certa presunção de insolvência do empresário e, via de consequência, solidificando os princípios já esculpidos desde 1985 na Constituição Federal da República, dentre eles, o princípio da função social da empresa.

Tínhamos, antes da Lei n.º 11.101 de 2005, o Decreto-Lei n.º 7.661 de 1945, que regulamentava a temática das falências. Pode-se afirmar que o referido Decreto-Lei estava completamente defasado, a uma, em relação à ordem econômica aquela época, e a outra, em relação à própria realidade do país daquela época.

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No ordenamento jurídico brasileiro, enquanto vigorava o Decreto-Lei n.º 7.661 de 1945, o que se tinha era a concordata preventiva e suspensiva, podendo-se salientar, desse modo, de maneira breve, que no Brasil a recuperação judicial é uma evolução da concordata.

Ato contínuo, com uma visão mais moderna e atual, com relação à atual ordem econômica e à própria realidade do país, a Lei n.º 11.101 de 2005 veio reformar o direito falimentar brasileiro, mormente com o escopo de buscar a recuperação da empresa que está em crise e não mais retirar do mercado.

Coelho traça um paralelo entre as principais discrepâncias dos institutos do Decreto-Lei n.º 7.661 de 1945 e a Lei n.º 11.101/2005, nos seguintes termos:

a) a concordata é um direito a que tinha acesso todo empresário que preenchesse as condições da lei, independentemente de viabilidade de sua recuperação econômica, mas à recuperação judicial só tem acesso o empresário cuja atividade econômica possa ser reorganizada; b) enquanto a concordata possui efeitos somente em relação aos credores quirografários, a recuperação judicial sujeita todos os credores, inclusive os que titularizam privilégio ou preferência (a única limitação legal é o pagamento das dívidas trabalhistas em no máximo 1 ano), excetos fiscais (que devem ser pagos ou parcelados antes da concessão do benefício); c) o sacrifício imposto aos credores, na concordata, já vem definido na lei (dividendo mínimo) e é da unilateral escolha do devedor, ao passo que na recuperação judicial, o sacrifício, se houver, deve ser delimitado no plano de recuperação, sem qualquer limitação legal, e deve ser aprovado por todas as classes de credores. (2009, p. 39).

Frise-se, nesse ínterim, que a referida Lei n.º 11.101/2005 traz em seus dispositivos o instituto da falência como a última solução jurídica para a empresa, sendo a recuperação judicial o seu principal instituto, visando sempre a reinserção da empresa no mercado econômico, sendo este um dos princípios basilares da nova Lei.

Acerca dos princípios que norteiam a Lei n.º 11.101/05, aduz Tzirulnik:

Os princípios fundamentais que nortearam a elaboração da Lei 11.101/2005 incluem a preservação da empresa; a separação dos conceitos de empresários e empresas recuperáveis; a retirada do mercado de empresas ou empresários não recuperáveis; a proteção aos trabalhadores; a redução do custo do crédito no Brasil; a eficiência dos processos judiciais; a segurança jurídica; a participação ativa dos credores; a maximização do valor dos ativos do falido; a desburocratização da recuperação de micro e pequenas empresas; e o rigor na punição de crimes relacionados à falência e a recuperação judicial. (2007, p. 31).

Tem-se, contudo, que a referida legislação, apesar de ser recente no ordenamento jurídico brasileiro, vem se destacando como uma solução jurídica para alcançar o princípio da função social da empresa, bem como, de igual modo, alcançar o princípio da preservação da empresa.

Em nosso ordenamento jurídico atual, o direito falimentar está positivado na Lei maior do país, qual seja: a Constituição Federal da República Federativa do Brasil de 1988,

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sendo que a Lei n.º 11.101 de 9 de fevereiro de 2005 regula a recuperação judicial, a extrajudicial, e a falência do empresário e da sociedade empresária.

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3 ATIVIDADE EMPRESARIAL

3.1 EVOLUÇÃO DA ATIVIDADE EMPRESARIAL E A TEORIA DOS ATOS DO COMÉRCIO (CÓDIGO NAPOLEÔNICO)

Rotineiramente colaboramos com o funcionamento de diversas atividades comerciais, nas quais movimentam diferentes produtos, sejam eles de vestuário, alimentação, saúde, educação, lazer etc., que giram através de compra, venda ou troca de mercadorias.

Segundo Coelho (2011, p. 21), essa atividade está relacionada à um fim, qual seja, o lucro, no qual, está associado à figura do empresário, que é responsável por articular os fatores de produção (capital, mão de obra, insumo e tecnologia).

Ainda segundo o autor, tudo que gira em torno dessa atividade necessita de uma organização, daí que vem o Direito Comercial, com a função de cuidar do exercício dessa atividade econômica organizada de fornecimento de bens, denominada empresa (COELHO, 2011, p. 22).

Nos tempos antigos, notório que o seio familiar não era composto apenas da família (pai, mãe, filhos etc.), porquanto composto também por escravos, gize-se que a moradia não era apenas com a finalidade de convívio íntimo entre os familiares, mas também um ambiente de produção de alimentos, vestimentas e utensílios domésticos, sendo estes fabricados para venda (COELHO, 2011, p. 23).

A título de adminículo, por exemplo, tem-se que se João produzia vasos, José, que era marceneiro e produzia quadros, vendia para o primeiro e vice-versa, dando-se como efetuada ali uma atividade econômica.

Nesse diapasão, destaca-se que o comércio, nas palavras de Tomazette, é a atividade econômica mais importante, daí porque tem-se que o direito comercial surgiu de uma necessidade, mais precisamente na Idade Média, para fins de regulamentação das atividades destes para com outros comerciantes (2017, p. 30).

Ato contínuo, uma nova fase do direito comercial estava para se iniciar em 1808 com o popularmente chamado Código Napoleônico, isso porque foi no século XIX, na França, que Napoleão, com o escopo de regular essas relações sociais patrocina a edição de dois diplomas legais, os Códigos Civil e Comercial, os quais, gize-se, foram revolucionários (COELHO, 2011, p. 25).

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No início do século XIX, em França, Napoleão, com a ambição de regular a totalidade das relações sociais, patrocina a edição de dois monumentais diplomas jurídicos: o Código Civil (1804) e o Comercial (1808). Inaugura-se, então, um sistema para disciplinar as atividades dos cidadãos, que repercutirá em todos os países de tradição romana, inclusive o Brasil. De acordo com este sistema, classificavam- -se as relações que hoje em dia são chamadas de direito privado em civis e comerciais. Para cada regime, estabeleceram-se regras diferentes sobre contratos, obrigações, prescrição, prerrogativas, prova judiciária e foros. A delimitação do campo de incidência do Código Comercial era feita, no sistema francês, pela teoria dos atos de comércio. Sempre que alguém explorava atividade econômica que o direito considera ato de comércio (mercancia), submetia-se às obrigações do Código Comercial (escrituração de livros, por exemplo) e passava a usufruir da proteção por ele liberada (direito à prorrogação dos prazos de vencimento das obrigações em caso de necessidade, instituto denominado concordata). (2011, p. 25).

Na dinâmica dos códex supramencionado, submetia-se aos direitos e deveres do diploma legal sempre que um sujeito na relação jurídica explorava atividade econômica que o direito àquela época considerava ato de comércio (mercancia). Isso porque várias eram as atividades que àquela época não se encontravam no rol de atos do comércio, podendo-se listar, dentre elas, bancos, seguros, indústria, negociação de imóveis, atividade de agricultura ou extrativismo.

Nesse ínterim, o Direito Comercial avança na história e se tem uma evolução também desta teoria, que deixou de ser apenas para os sujeitos denominados comerciantes e passou a disciplinar determinados atos de comércio propriamente ditos, após uma grande luta de classes contra o feudalismo estendendo a jurisdição comercial a quaisquer pessoas que praticassem os atos do comércio, independentemente de sua qualificação pessoal (COELHO, 2011, p. 26).

A teoria dos atos do comércio foi adotada e adaptada no Brasil pelo Código Comercial promulgado pela Lei n.º 556 de 26 de junho de 1850. Essa teoria, mostrou-se insuficiente para delimitar o objeto do Direito Comercial em vários países, passando-se, assim, por ajustes (COELHO, 2011, p. 26). Forçando o aparecimento de um outro critério, senão vejamos:

3.2 TEORIA DA EMPRESA

Surge um novíssimo sistema para regulamentar as atividades econômicas dos particulares. A teoria da empresa ganha forma na Itália, no século XX, precisamente no ano de 1942 (COELHO, 2011, p. 26).

Desse modo, enquanto na teoria dos atos do comércio a agricultura não entrava no rol de atos regulamentados, a teoria da empresa cuidou de tratá-los e discipliná-los como atividade de comércio (COELHO, 2011, p. 26).

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Nesse ínterim, além da agricultura, submeteram-se à essas normas os bancos, seguros e indústrias, além das atividades mercantis (comerciais) que já eram regulamentadas pela teoria dos atos do comércio (COELHO, 2011, p. 26).

Registre-se que, o Brasil, como supramencionado, adotou a teoria dos atos do comércio no Código Comercial de 1850. No entanto, em face da discrepância que lidava essa teoria com as prestações de serviços e as atividades do campo (agricultura), o legislador passou a adotar no Projeto do Código Civil de 1975 a teoria da empresa, algo que os doutrinadores naquela época já faziam seus devidos apontamentos sobre essa nova teoria, no ano de 1960 (COELHO, 2011, p. 28).

Acerca da teoria da empresa, são os ensinamentos do doutrinador Fábio Ulhoa Coelho no sentido de que a referida teoria “tem o sentido prático de ampliar o campo de incidência do direito comercial, introduzindo neste, precisamente, a prestação de serviços. A empresa, assim, é entendida como a exploração econômica da produção ou circulação de bens ou serviços” (1995, p. 8).

Arnoldi explica, ainda, que:

“Com suporte na Teoria da Empresa, os autores, fazem a dissociação entre a sorte da empresa e do empresário, mostrando que por atos impensado, por decisões mal tomadas, por situações de política econômica, a empresa não pode, pura e simplesmente, ser liquidada, com o encerramento de suas atividades, posto que traz sensíveis prejuízos à economia do País, o desemprego dos operários, com repercussão no campo social. Prejuízo aos sócios e acionistas que não tomaram nenhuma decisão e o não recolhimento dos tributos por parte do Estado, sendo mais uma unidade produtora a deixar de produzir seus produtos e, acrescentamos nós, às vezes, até sem similares no mercado” (1999, p. 432).

Certo é que antes mesmo de estar positivada em nosso ordenamento jurídico brasileiro, a teoria da empresa já era aplicada por magistrados, doutrinadores, conforme bem pontua Coelho:

Em suma, pode-se dizer que o direito brasileiro já incorporara — nas lições da doutrina, na jurisprudência e em leis esparsas — a teoria da empresa, mesmo antes da entrada em vigor do Código Civil. Quando esta se verifica, conclui-se a demorada transição. (2011, p. 29).

Tudo isso devido à morosidade legislativa naquela época, isto é, devido a morosidade da tramitação do projeto do Código Civil de 1975, juízes já aplicavam a teoria da empresa em seus julgamentos, mesmo diante da falta de um direito positivado desta teoria, o que, gize-se, decretando falência de negociantes que a teoria da empresa defende e que a teoria dos atos do comércio não os defendiam (COELHO, 2011, p. 29).

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3.3 FUNÇÃO SOCIAL DA EMPRESA

Enquanto a teoria da empresa começava a ser adotada no sistema brasileiro, por outro lado, a função social da propriedade começou a criar forma.

Tem-se que a função social “surgiu” na constituição de 1934, passando por reformas na constituição de 1946, dando margem para a regulamentação da Lei n.º 4.132, de 10 de setembro de 1962, que define os casos de desapropriação por interesse social e dispõe sobre sua aplicação.

Tal princípio se torna mais robusto, fazendo parte, inclusive, do direito positivo no que tange aos imóveis rurais, com o advento da Lei n.º 4.504, de 30 de novembro de 1964. O Estatuto da Terra definia a função social da propriedade rural a partir de princípios próprios, positivados no artigo 2º.

Já entranhado no direito brasileiro, com a promulgação da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, referido princípio foi transcrito no rol das cláusulas pétreas do artigo 5º, bem como sendo citado na redação do artigo 170, inciso III, artigo 182, § 2º e artigo 186.

Desse modo, tem-se que, com fundamento na constituição de 1988, toda e qualquer propriedade privada, seja ela material ou imaterial, seja ela individual ou coletiva, urbana ou ainda que seja uma propriedade rural, sendo móvel ou imóvel, deve atender sua devida função social.

Tal princípio não pode ser aplicado de modo genérico, atuando, para tanto, de diferentes formas no que diz respeito a cada tipo de propriedade, conforme a destinação reservada aos respectivos bens.

No tocante a aplicação desse princípio na empresa, insta destacar que não há expressa literalidade no texto constitucional ao princípio da função social da empresa, todavia, este princípio decorre justamente do já disposto no artigo 170, inciso III, da Constituição Federal de 1988. Ora, o princípio da função social da empresa diz respeito a um instrumento para o exercício da atividade econômica.

Dispõe o artigo 170, inciso III, da Constituição Federal de 1988, in verbis:

Art. 170. A ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, tem por fim assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social, observados os seguintes princípios:

III - função social da propriedade; (BRASIL, CONSTITUIÇÃO FEDERAL, 2020). Nessa toada, mister entendimento de Carneiro (2013, p. 1):

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Esta [função social] se relaciona a idéia [sic] de que a empresa, juntamente com o Estado, também é responsável pelo bem estar social. De forma especifica [sic], por meio de seus trabalhadores, propiciando boas condições de trabalho e preocupando-se com preocupando-seu bem estar; de forma geral, com a preocupação que os efeitos que a atividade empresarial traz a sociedade.

Nesse viés, no que tange ao princípio da função social da empresa, há quem associada este ao lucro, conforme palavras do professor Castro (2007, p. 139):

Não se pode olvidar, também, que ‘há quem argumente que a função social da empresa é gerar lucros’, como é o pensamento de Alfredo Assis Gonçalves Neto, que escrevendo sobre a sociedade por ações, aduz que ‘não é constituída para atender o interesse público, mas para buscar o lucro no exercício de uma atividade econômica de interesse do conjunto de seus acionistas’. Ora, essa opinião, se de um lado exige respeito, de outro obriga-nos a complementá-la, no sentido de que o lucro não é proibido, podendo até ser o objetivo principal da atividade, o que, no entanto, não afasta a obrigatoriedade de sua distribuição ser compatibilizada com a satisfação dos acionistas e investidores e o imperativo de solidariedade constante na Constituição Federal, propiciando, assim, benefícios concomitantes aos trabalhadores e à comunidade em geral.

Nones (2002, p. 123) conceitua de forma didática que:

[...] a função social da empresa deriva da teoria da função social da propriedade; as obrigações decorrentes dos direitos do consumidor, do meio ambiente e do trabalho, representam três pontos basilares da função social da empresa; a redução das desigualdades regionais e sociais e o tratamento favorecido às pequenas empresas podem integrar ou integram o conjunto de tarefas e ações da empresa.

O princípio da função social da empresa pode ser conceituado de forma simples, todavia, o núcleo da quaestio traz que, com o referido princípio sendo um dos basilares do direito empresarial, toda uma estrutura de processo de recuperação tem que permear o princípio da função social, isto porque uma empresa não é feita tão somente de lucro ou em prol de um interesse individual, uma empresa envolve outras esferas da sociedade, assim como a econômica e social.

Tamanha importância tem esse princípio, que nas palavras de Tomazette (2017, p. 96):

Na recuperação judicial, tal princípio servirá de base para a tomada de decisões e para a interpretação da vontade dos credores e do devedor. Em outras palavras, ao se trabalhar em uma recuperação judicial deve-se sempre ter em mente a sua função social. Se a empresa puder exercer muito bem sua função social, há uma justificativa para mais esforços no sentido da sua recuperação. Reitere-se que a recuperação é da atividade e não do seu titular.

Ou seja, além de um olhar social, é um elo entre o (s) empresário (os) e a ordem econômica, isso porque, a atividade desenvolvida pelo empresário acarreta impactos na comunidade em que está inserida, ao passo que as sociedades empresariais dispõem de vultosa função social ao gerar empregos, tributos e riqueza, bem como contribuem de maneira

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contundente para o desenvolvimento social, econômico e cultural da comunidade em que está inserida.

A empresa está totalmente entrelaçada no meio socioeconômico, seja por gerar empregos, seja por fazer girar a economia etc. Sobre isso, importante texto de Gomes, traçando um paralelo entre empresa, Constituição Federal e função social:

Com efeito, a Lei Maior proclama, no art. 1º, inc. IV, o valor do trabalho como fundamento da República Federativa do Brasil, e, no art. 170 caput, estabelece que a ordem econômica deve ser fundada na valorização do trabalho humano. Assim, ao ser também elencada como um dos fundamentos da República, a livre iniciativa é tomada singelamente, ao passo que o trabalho é visto de modo valorizado, como irradiação da própria dignidade humana. Nesse contexto, a empresa deve ser considerada efetivamente como organização de pessoas para um fim comum. Com essa percepção, torna-se mais viável o pleno exercício da Democracia, no âmbito dessas organizações produtivas, cujo apelo advém das forças mais profundas a modelarem a sociedade global, em busca da autonomia individual e da emergência de uma cidadania mais reflexiva. As empresas assim estruturadas podem muito bem agir em parceria com o Estado, fomentando e fortalecendo diferentes formas de solidariedade. (2005, p. 145). O atual ordenamento jurídico brasileiro traz como um dos princípios constitucionais o da função social da empresa, isso porque se tem que as sociedades empresariais dispõem de vultosa função social ao gerar empregos, tributos e riqueza, bem como contribuem de maneira contundente para o desenvolvimento social, econômico e cultural da comunidade em que está inserida.

O princípio da função social da empresa e seu avanço histórico amparou a legislação e se mostra como um dos princípios norteadores da atividade empresarial.

3.4 PRESERVAÇÃO DA EMPRESA

Por derradeiro, salutar que a empresa tenha mecanismos judiciais como saídas para a preservação de créditos públicos e o equilíbrio socioeconômico no lugar em que se encontra inserida.

Como já exposto, o direito empresarial, bem como o instituto falimentar sofreu inúmeras mudanças, gize-se, importantes mudanças. Transpassamos o estigma de que o falido/devedor “paga” com seu corpo ou sua vida em decorrência de uma dívida contraída pela atividade empresarial, para não só separar a pessoa do falido e a sua empresa, como também buscar sua recuperação e reinserção no mercado, acompanhando o processo da era da globalização.

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Diante disso, faz-se mister que a legislação ampare todos os sujeitos envolvidos com a atividade econômica, no tocante aos empresários, obreiros e do grupo de indivíduos que são atingidos de maneira indireta com a atividade empresarial.

Daí decorre a redação do artigo 47 da Lei n.º 11.101/05, senão vejamos:

Art. 47. A recuperação judicial tem por objetivo viabilizar a superação da situação de crise econômico-financeira do devedor, a fim de permitir a manutenção da fonte produtora, do emprego dos trabalhadores e dos interesses dos credores, promovendo, assim, a preservação da empresa, sua função social e o estímulo à atividade econômica. (BRASIL, Lei n.º 11.101, 2020).

Via de consequência da função social da empresa escorre o princípio da preservação da empresa que, após todo um perpasse histórico de certas inviabilidades jurídicas para a reinserção da atividade empresarial no mercado, surge com o escopo efetivar tal função social que a empresa exerce.

Curioso destacar que antes da Lei n.º 11.101/05 entrar em vigor, o princípio da preservação da empresa já era usado nos tribunais superiores da República Federativa do Brasil. É o que demonstra os seguintes precedentes do Superior Tribunal de Justiça: Agravo Regimental no Recurso Especial n.º 914.371/SP, de Relatoria da Ministra Nancy Andrighi, terceira turma, julgado em 05/05/2009; Recurso Especial n.º 959.695/SP, de Relatoria da Ministra Nancy Andrighi, terceira turma, julgado em 17/02/2009; e, por fim, o Agravo Interno no Recurso Especial n.º 1.116.912/SP, de Relatoria do Ministro Raul Araújo, quarta turma, julgado em 22/11/2016.

Conquanto comprovado o entendimento pacífico do Egrégio Superior Tribunal de Justiça, para uma melhor elucidação do assunto, colhe-se ementa do entendimento jurisprudencial citado, nos seguintes termos:

COMERCIAL. RECURSO ESPECIAL. FALÊNCIA. DECRETO-LEI 7.661/45. TÍTULOS DE VALOR INSIGNIFICANTE FRENTE AO PRINCÍPIO DA PRESERVAÇÃO DA EMPRESA. DECRETO DE QUEBRA. DESCABIMENTO. PRECEDENTES.

I. Nos termos da jurisprudência do STJ, “Apesar de o art. 1º do Decreto-lei nº 7.661/45 ser omisso quanto ao valor do pedido, não é razoável, nem se coaduna com a sistemática do próprio Decreto, que valores insignificantes provoquem a quebra de uma empresa. Nessas circunstâncias, há de prevalecer o princípio, também

implícito naquele diploma, de preservação da empresa.” (REsp 959695/SP,

Relatora Ministra Nancy Andrighi, DJe 10/03/2009). PRECEDENTES. II. Recurso especial não conhecido.

(BRASIL, STJ, 2009, grifo nosso).

Gize-se que a referida proteção legislativa é conferida a empresa (atividade) e não ao empresário que a explora. Nesse ínterim, tem-se a empresa como uma atividade econômica

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organizada voltada a produção de bens e serviços e, dentro dela, insere-se o papel do empresário, o qual exerce a atividade empresarial de forma profissional e organizada.

Com isso, visto que a empresa possui uma função social, sabe-se que essa função abrange de forma direta a comunidade que a atividade econômica realizada pela empresa está inserida e, por conseguinte, fazendo-se salutar positivar o princípio da preservação da empresa e torná-lo a primeira ratio no direito falimentar.

Pacheco explica que:

Tendo em vista a multiplicidade de interesse na permanência, continuidade e preservação da empresa, na aplicação da lei que venha incidir, na hipótese de estar o empresário ou sociedade empresária em crise econômico-financeira, deve-se atender aos fins sociais a que ela se dirige e às exigências do bem comum, nos precisos termos do art. 5º da Lei de Introdução. O fim social da lei, no caso, consiste: a) em viabilizar a superação da situação de crise, a fim de preservar a empresa, como é do interesse de todos os envolvidos, em benefício do bem comum; b) não sendo viável a recuperação judicial ou extrajudicial, promover o afastamento do devedor de suas atividades, a fim de preservar e otimizar a utilização dos bens, ativos e recursos produtivos, em processo rápido, para pagamento dos credores. (2007, p. 2).

Consoante bem pontua Derzi, o artigo 47 da Lei 11.101/05, “dissocia claramente o interesse do sócio, do interesse social e, finalmente, adota mecanismos e formas de organização tendentes a facilitar a convivência dos segmentos internos que nela se contrapõem: o dos trabalhadores, o dos credores e o dos sócios - majoritários e minoritários” (2006, p. 336).

Coelho pondera de maneira pertinente, elucidando que “no princípio da preservação da empresa, construído pelo moderno Direito Comercial, o valor básico prestigiado é o da conservação da atividade (e não do empresário, do estabelecimento ou de uma sociedade), em virtude da imensa gama de interesses que transcendem os dos donos do negócio e gravitam em torno da continuidade deste;” (2008, p. 13).

Por fim, para concluir a temática, tem-se pertinentes ensinamentos de Mamede, nos seguintes termos:

A proteção da empresa, portanto, não é mera proteção do empresário, nem da sociedade empresária, mas também proteção da comunidade e do Estado que se beneficiam – no mínimo indiretamente – com a produção de riquezas. Aliás, não apenas o empreendedor, o empresário, mas também terceiros que mantenham relações negociais com a empresa e cujos direitos e interesses possam ser também afetados pela função social da empresa [...]. (2010, p.54).

3.5 PRINCÍPIOS GERAIS DA ATIVIDADE ECONÔMICA

Além dos já citados, a atividade econômica é cercada por outros princípios, os quais se encontram positivados em nosso ordenamento jurídico.

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Além da função social da empresa, bem como a preservação desta visando sua reintegração no mercado econômico, o artigo 170 da Constituição Federal de 1985 traz expressamente alguns princípios gerais da atividade econômica, mister para o direito empresarial, comercial e a análise da preservação da empresa.

São os termos da Constituição Federal de 1988:

Art. 170. A ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, tem por fim assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social, observados os seguintes princípios:

I - soberania nacional; II - propriedade privada;

III - função social da propriedade; IV - livre concorrência;

V - defesa do consumidor;

VI - defesa do meio ambiente, inclusive mediante tratamento diferenciado conforme o impacto ambiental dos produtos e serviços e de seus processos de elaboração e prestação; (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 42, de 19.12.2003) VII - redução das desigualdades regionais e sociais;

VIII - busca do pleno emprego;

IX - tratamento favorecido para as empresas de pequeno porte constituídas sob as leis brasileiras e que tenham sua sede e administração no País. (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 6, de 1995)

Parágrafo único. É assegurado a todos o livre exercício de qualquer atividade econômica, independentemente de autorização de órgãos públicos, salvo nos casos previstos em lei. (BRASIL, CONSTITUIÇÃO FEDERAL, 2020).

O inciso I traz expressamente o princípio da soberania nacional, ao passo que a “formação de um capitalismo nacional autônomo” (BULLOS, 2015, p. 1524) é a principal vertente deste princípio.

O princípio da propriedade privada vem expresso no inciso II, sendo que no que toca o referido princípio, Bagnoli elucida que se trata de um “princípio típico das economias capitalistas, sem o qual não existiria segurança jurídica para os agentes econômicos atuarem nos mercados” (2008, p. 74).

E não é só, consoante exposto a íntegra do artigo em comento, a livre concorrência e defesa do consumidor são outros princípios da atividade econômica também expressos na Constituição Federal de 1985.

Acerca do primeiro, o artigo 174, §4º, da CF/88, é categórico ao prever que a “lei reprimirá o abuso do poder econômico que vise à dominação dos mercados, à eliminação da concorrência e ao aumento arbitrário dos lucros” (BRASIL, CONSTITUIÇÃO FEDERAL, 2020).

No que tange ao segundo, traz Bagnoli que “garantir a livre concorrência no mercado significa, numa perspectiva de análise, defender o bem estar econômico do consumidor” (2008, p. 75).

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Ademais, uma simplória leitura do artigo em comento nos remete à ideia de que o legislador constituinte se preocupou em trazer ao direito positivo ainda mais robusta a concepção de que a empresa possui uma função social, ao passo que defesa do meio ambiente, redução de desigualdades e busca do pleno emprego são expressamente previstos em lei.

Por fim, no que diz respeito à redação do inciso IX, Bagnoli explica que se trata de uma “forma do Estado nivelar o campo de jogo (the nível playing field), para assegurar condições mínimas do pequeno estabelecimento empresarial competir no mercado com concorrentes maiores aptos à disputa” (2008, p. 77).

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4 LEI N. 11.101/2005

4.1 A CRISE NA EMPRESA

O relevante destaque que as instituições privadas alcançaram no mundo contemporâneo representa não só uma mudança quantitativa, mas, nas palavras de Arnoldo Wald (2005, p. 9 e 10), também uma mudança qualitativa.

O referido autor explica que:

A evolução da empresa constitui, na realidade, um elemento básico para a compreensão do mundo contemporâneo. Do mesmo modo que, no passado, tivemos a família patriarcal, a paróquia, o Município e as corporações profissionais, que caracterizaram um determinado tipo de sociedade, a empresa é, hoje, a célula fundamental da economia de mercado. Já se disse, aliás, que a criação da empresa moderna representa, na história da humanidade, uma mudança de civilização tão importante quanto o fim do estado paleolítico, ou seja, o momento em que o homem deixou de viver exclusivamente da caça para se dedicar à agricultura, abandonando o nomadismo para se fixar na terra.

Na realidade, a grande empresa contemporânea representa uma mudança não só quantitativa, mas qualitativa, quando comparada ao artesanato ou às pequenas sociedades familiares do passado. A nova dimensão que, a partir dos meados do século passado, adquiriram as multinacionais ,as empresas públicas e as sociedades de economia mista importou criar uma nova unidade no sistema político, econômico e social. Trata-se de entidades que, pelo seu tamanho, pelo seu faturamento e pela diversificação de suas atividades, atingiram e chegaram, em alguns casos, a ultrapassar a importância dos próprios estados soberanos,, como bem salientou o jornalista Anthony Sampson (2005, p. 09 e 10)

O artigo 966 do Código Civil de 2002 conceitua empresário da seguinte forma:

Art. 966. Considera-se empresário quem exerce profissionalmente atividade econômica organizada para a produção ou a circulação de bens ou de serviços. Parágrafo único. Não se considera empresário quem exerce profissão intelectual, de natureza científica, literária ou artística, ainda com o concurso de auxiliares ou colaboradores, salvo se o exercício da profissão constituir elemento de empresa. (BRASIL, Lei n.º 10.406, 2020).

Tem-se que não se considera empresário quem realiza tarefas de modo esporádico ou exerça profissão intelectual, de natureza científica, literária ou artística, exceto nos casos em que o exercício da profissão constituir elemento de empresa.

Salienta-se que o empresário pode ser pessoa física, denominando-se, desse modo, como empresário individual. Por outro lado, o empresário pode ser pessoa jurídica, neste caso, denominando-se como sociedade empresária.

De outra banda, empresa, segundo lições de Bulgarelli (1998, p. 23) é a “organização de capital e de trabalho destinada à produção ou mediação de bens ou serviços para o mercado”.

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Destarte, se o empresário é o exercente profissional de uma atividade econômica organizada, a empresa é a organização de capital e de trabalho que produz ou circula bens ou serviços.

Atualmente, a atividade empresarial, além de possuir interferências internas, sujeita-se ainda mais às interferências político-econômicas inerentes a atividade, pois, consabido que, com a globalização, as práticas mercantis realizadas dentre inúmeros países impactam a economia local.

Uma crise no Brasil pode se manifestar em uma inflação econômica, alta do dólar americano (que muito liga as atividades de importação, mormente para as empresas que tem por fim este objeto social), recessão econômica, desemprego etc.

Uma crise na empresa pode ser, nas palavras do renomado jurista Fábio Ulhoa Coelho (2002, p. 216), econômica, financeira ou, até mesmo, ser uma crise patrimonial, esta última quando o ativo da empresa é inferior ao passivo. Nas palavras do referido autor:

A crise da empresa pode manifestar-se de formas variadas. Ela é econômica quando as vendas de produtos ou serviços não se realizam na quantidade necessária à manutenção do negócio. É financeira quando falta à sociedade empresária dinheiro em caixa para pagar suas obrigações. Finalmente, a crise é patrimonial se o ativo é inferior ao passivo, se as dívidas superam os bens da sociedade empresária” (2002, p. 216).

Por vez rendida à uma crise, a empresa tem em suas mãos meios para, se possível, alcançar seu soerguimento. Nesse passo, um dos meios oferecidos pela legislação é a recuperação da empresa de modo judicial, a qual é processada integralmente no âmbito do Poder Judiciário, através da ação judicial com rito processual próprio.

No dia 5 de abril de 2017, uma matéria da Revista Exame (Bertão, 2017, p. 1) trouxe o tema em destaque, discorrendo acerca de empresas que, através de um processo jurídico (recuperação judicial), tiveram suas atividades reerguidas, sobrevivendo-se à crise, encerrando o processo recuperacional, voltando a funcionar de uma forma saudável, sobretudo recuperadas financeiramente.

A referida matéria (Bertão, 2017, p. 1) traz ainda um interessante dado: no Brasil, apenas 6% (seis por cento) das atividades empresariais que postulam o pedido de recuperação judicial, desta conseguem sair formalmente.

Dentre esses 6% (seis por cento), está a empresa Mangels (foco da matéria). Ainda segundo a matéria (Bertão, 2017, p. 1), a referida empresa se via em uma crise financeira e patrimonial, com uma dívida de mais de 2 (dois) bilhões de reais e apenas 70 (setenta) milhões em caixa.

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A par disso, consabido que nem sempre a recuperação é viável, podendo acontecer situações em que a empresa se encontra totalmente à mercê, impossibilitando, dessa maneira, o cumprimento do plano recupecional.

Sobre a temática, pertinente trazer à baila, a título de adminículo, o exemplo da 4ª (quarta) maior companhia aérea do Brasil, a Oceanair Linhas Aéreas S.A., conhecida como Avianca, a qual, no dia 14 de julho de 2020, teve decretada sua falência nos autos do processo digital n.º 1125658-81.2018.8.26.0100, na 1ª Vara de Falências e Recuperação Judicial da Comarca de São Paulo/SP, no Foro Central Cível de São Paulo/SP.

Naquela ocasião, o Excelentíssimo Doutor Juiz de Direito Doutor Tiago Henriques Papaterra Limongi salientou no relatório da sentença que Oceanair Linhas Aéreas S.A. (Avianca) e AVB Holding S.A. (AVB), em litisconsórcio ativo (isso porque as empresas alegaram possuir grupo econômico) ajuizaram pleito de recuperação judicial no dia 10 de dezembro de 2008, com supedâneo na recessão econômica enfrentada pelo Brasil naquela época, gerando, por via de consequência, uma crise econômico-financeira na administração das recuperandas, em virtude da diminuição do poder aquisitivo dos passageiros (SÃO PAULO, 1ª Vara de Falências e Recuperação Judicial, 2020).

Aduziram como causa, ademais, o “aumento do combustível e à [sic] variação do câmbio, assim como a greve dos caminhoneiros de maio de 2018, que impactaram drasticamente no seu fluxo de caixa” (SÃO PAULO, 1ª Vara de Falências e Recuperação Judicial, 2020).

Como bem salientou o juízo naquela oportunidade, as empresas “apontaram a existência de três ações de reintegração de posse, em que foram proferidas decisões visando a reintegração de um total de 14 (quatorze) aeronaves, o que representaria 30% da frota, inviabilizando o atendimento de aproximadamente 77.000 (setenta e sete mil) passageiros, adquirentes de passagens aéreas no período de 10.12.2018 e 31.12.2018” (SÃO PAULO, 1ª Vara de Falências e Recuperação Judicial, 2020).

Após a aprovação do plano de recuperação judicial, houve o julgamento do agravo de instrumento que determinou o processamento da recuperação apenas em face da Avianca, uma vez que para o egrégio Tribunal de Justiça de São Paulo “a estratégia de indistinta unificação da recuperação em relação a todas as empresas integrantes do polo ativo desnatura o escopo da lei recuperacional-falimentar” (SÃO PAULO, TJSP, 2019).

Com base nisso, a título de adminículo, tem-se que a obscuridade de unificação de recuperação no que diz respeito a todas as empresas que integram um determinado grupo econômico é vista como desvirtuante do objetivo da Lei. É que todos os passivos de um

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determinado grupo econômico não devem ser convalidados em um único plano recuperacional, isto é, “a autonomia das personalidades jurídicas impede sejam igualados os riscos contratados por cada um dos credores” (SÃO PAULO, TJSP, 2019). Observa-se, no ponto, que a recuperação seguiu seu curso normal em face da Oceanair Linhas Aéreas S.A. (Avianca).

Ato contínuo, mesmo diante de um plano deferido em favor da empresa, esta, por meio do administrador judicial, aduziu a impossibilidade de cumpri-lo, conforme constou no relatório da sentença, “considerando as ordens judicias que redundaram na retomada de todas as aeronaves da companhia, além da redistribuição administrativas dos slots que constituiriam as UPIs pela ANAC” (SÃO PAULO, 1ª Vara de Falências e Recuperação Judicial, 2020).

Em virtude disso, “confessada a inexequibilidade do plano de recuperação homologado, à míngua de qualquer atividade empresarial por parte da recuperanda, conforme constatado pelo administrador judicial e reconhecido pela própria empresa em seu pedido de autofalência” (SÃO PAULO, 1ª Vara de Falências e Recuperação Judicial, 2020), o Excelentíssimo Juiz da 1ª Vara de Falências e Recuperação Judicial da Comarca de São Paulo/SP decretou a falência da Oceanair Linhas Aéreas S.A. (Avianca).

Ora, toda e qualquer atividade econômica, seja por interferências internas, como por exemplo uma má gestão, seja por interferências externas, como por exemplo recessão econômica etc., está sujeita a necessitar de um supedâneo jurídico para, se possível, recuperar-se e voltar a ter plenas condições de recuperar-se gerir sozinha, ao passo que, evidenciada tal impossibilidade de soerguimento, faz-se mister um amparo jurídico que defenda a função social da empresa.

Recentemente, assistíamos atônicos o avanço do que seria a maior crise pandêmica deste século. No dia 10 de outubro de 2020 o site TradingView (2020, p.1) mostrava, no Brasil, impressionantes 5.055.888 (cinco milhões e cinquenta e cinco mil e oitocentos e oitenta e oito) casos confirmados da Covid-191.

Ocorre que, a pandemia da Covid-19 gerou no país, além de uma crise sanitária, profunda crise econômica. Em matéria vinculada ao site de notícias Consultor Jurídico (Angelo, 2020, p. 1), o repórter Tiago Angelo trouxe um dado interessante: em junho de 2020, os pleitos de falência subiram 87,1% comparado com o mesmo período do ano antecedente. Por sua vez, as solicitações de recuperação subiram 44,6%, levando em conta o mesmo período (Angelo, 2020, p. 1).

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Com isso, visto que a empresa possui uma função social, sabe-se que essa função abrange de forma direta a comunidade que a atividade econômica realizada pela empresa está inserida.

Por vezes, rendida a uma crise (econômica, financeira ou patrimonial), alternativa não resta a empresa, a qual encontrará no processo recuperacional ou falimentar uma saída definitiva para a preservação de créditos públicos e a manutenção do equilíbrio socioeconômico no lugar em que se encontra inserida.

Diante disso, faz-se mister que a legislação ampare todos os sujeitos envolvidos com a atividade econômica, no tocante aos empresários, obreiros e do grupo de indivíduos que são atingidos de maneira indireta com a atividade empresarial, bem como leve em consideração a manutenção da empresa com o escopo de amparar os sujeitos sobreditos.

O princípio da função social da empresa e seu avanço histórico amparou a legislação e se mostrou como um dos princípios norteadores da atividade empresarial. O atual ordenamento jurídico brasileiro traz como um dos princípios constitucionais o da função social da empresa e, também, contempla, dentre outros princípios inerentes, o de sua preservação, isso porque se tem que as sociedades empresariais dispõem de vultosa função social ao gerar empregos, tributos e riqueza, bem como contribuem de maneira contundente para o desenvolvimento social, econômico e cultural da comunidade em que está inserida.

Gize-se que a referida proteção legislativa é conferida a empresa (atividade) e não ao empresário que a explora. Nesse ínterim, tem-se a empresa como uma atividade econômica organizada voltada a produção de bens e serviços e, dentro dela, insere-se o papel do empresário, o qual exerce a atividade empresarial de forma profissional e organizada.

Saber como esse princípio se aplica em face dos direitos de credores no processo falimentar se mostra cada vez mais necessário no cenário de crise econômica, mormente com o escopo nos impactos econômicos que a atividade empresarial exercida gera na comunidade inserida.

4.2 FUNÇÃO SOCIAL, PRESERVAÇÃO, RECUPERAÇÃO JUDICIAL E FALÊNCIA

A recuperação da empresa é uma tentativa de solução para quando a crise atinge a atividade econômica exercida pelo empresário. Tem-se na recuperação o objetivo principal de proteger a atividade empresarial (TEIXEIRA, 2017, p. 431).

Imperioso destacar os postulados doutrinários de Coelho (2010, p.13), que, ao discorrer sobre tema, pontua:

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No princípio da preservação da empresa, construído pelo moderno Direito Comercial, o valor básico prestigiado é o da conservação da atividade (e não do empresário, do estabelecimento ou de uma sociedade), em virtude da imensa gama de interesses que transcendem os dos donos do negócio e gravitam em torno da continuidade deste; assim os interesses de empregados quanto aos seus postos de trabalho, de consumidores em relação aos bens ou serviços de que necessitam, do Fisco voltado à arrecadação e outros.

Salienta-se que a recuperação judicial é um instituto de grande valia no ordenamento jurídico atual, podendo-se concluir que traz para o legislado a possibilidade de reorganizar sua atividade comercial, a qual está em crise, para assim, evitar-se a falência, sendo este último, o instituto ômega no processo falimentar.

Em nosso ordenamento jurídico atual, o direito falimentar está positivado na Lei maior do país, qual seja: a Constituição Federal da República Federativa do Brasil de 1988, sendo que a Lei n.º 11.101 de 9 de fevereiro de 2005 (Lei de Falências) regula a recuperação judicial, a extrajudicial, e a falência do empresário e da sociedade empresária.

No ordenamento jurídico brasileiro, enquanto vigorava o Decreto-Lei n.º 7.661 de 1945, o que se tinha era a concordata preventiva e suspensiva.

Gize-se que a norma revogada visava, antes de tudo, a liquidação do patrimônio do devedor para, posteriormente, promover a satisfação dos credores. Por outro lado, com uma visão mais moderna e atual, com relação à atual ordem econômica e à própria realidade do país, a Lei n.º 11.101 de 2005 veio reformar o direito falimentar brasileiro, mormente com o escopo de buscar a recuperação da empresa que está em crise e não tirar ela do mercado.

Frise-se que a referida Lei traz em seus dispositivos o instituto da falência como a última solução jurídica para a empresa, sendo a recuperação judicial o seu principal instituto, visando sempre a reinserção da empresa no mercado econômico.

Apesar de ser recente no ordenamento jurídico brasileiro, a Lei n.º 11.101 de 2005 se destaca pelo fato de priorizar uma solução jurídica com o escopo de buscar a materialização da função social da empresa, bem como, de igual modo, alcançar o princípio da preservação da empresa.

Mister frisar o rico processo judicial com o escopo de se evitar uma falência. A empresa submetida a uma crise que, por ora, vê-se na incapacidade de se auto soerguer, tem-se na legislação falimentar um meio sob a qual a possibilita o reingresso no mercado econômico através de um processo de recuperação. Nesse processo, salienta-se: o fim é recuperar a empresa falida, para possibilitá-la o reingresso na economia e fazê-la sair do estado de crise.

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Assim, o legislador forneceu através da Lei n.º 11.101 de 2005, condições para alcançar a recuperação da empresa falida. Se, e somente se, a recuperação não for possível, a norma dispõe do instituto da falência.

Gize-se que mesmo na hipótese de decretação da falência, a manutenção da empresa é situação que pode ocorrer, fazendo assim, que esta mantenha sua atividade e atinja os fins da Lei falimentar, baseada no princípio da função social da empresa e da preservação da empresa.

Não raras vezes se observa na nova Lei de Falências (Lei n.º 11.101 de 2005) a necessidade de primar pela tentativa de sanar a crise (econômica, financeira ou patrimonial) que se submete uma empresa, fornecendo mecanismos e meios ao empresário. Apenas, e, somente, em segundo plano é que está a extinção da empresa mediante processo de falência (TEIXEIRA, 2017, p. 431), ou, melhor, sua convalidação.

Gize-se a utilização da expressão “segundo plano” para o instituto da falência, em consonância com o ora explanado, mostrando-se mais uma vez que o escopo da Lei em debate é sobretudo a recuperação da empresa e não sua falência.

O ordenamento jurídico como um todo, seja no ramo civilista ou criminalista, seja no ramo empresarial ou notarial, processual ou material, é embasado em princípios norteadores da lide.

Expressos na Constituição e na Lei em debate, o processo de recuperação judicial prima, de igual modo, pela influência de princípios, frise-se os princípio norteadores: o princípio da preservação da empresa e o princípio da função social da empresa, esse último, disposto constitucionalmente nos artigos 5°, incisos XIII e XXIII, 170, incisos II a IX e parágrafo único.

Essa visão do legislador em recuperar e não apenas “tirar” a empresa do meio econômico escoa do princípio da preservação da empresa, para que esta, por via de consequência, possa cumprir sua função social no meio em que está inserida.

Assim concluído como o princípio que busca recuperar a atividade empresarial de uma crise, seja ela econômica, financeira ou patrimonial, a preservação vem possibilitar a continuidade da atividade, mormente diante da manutenção de empregos e interesses de terceiros, ligados à atividade por uma relação jurídica, especialmente os credores.

O Ministro Moura Ribeiro, em julgamento dos embargos declaratórios no agravo regimental no conflito de competência n.º 138.936/RJ, de sua relatoria, aduziu que “a recuperação judicial visa criar condições de negociação para a superação da crise econômica da empresa, a fim de permitir a manutenção da fonte produtora, do emprego dos trabalhadores

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e dos interesses dos credores, promovendo, assim, a preservação da empresa, sua função social e o estímulo à atividade econômica” (BRASIL, STJ, 2019).

Visão extraída da leitura literal do artigo 47 da Lei n.º 11.101 de 2005 (Lei de Falências), in verbis:

Art. 47. A recuperação judicial tem por objetivo viabilizar a superação da situação de crise econômico-financeira do devedor, a fim de permitir a manutenção da fonte produtora, do emprego dos trabalhadores e dos interesses dos credores, promovendo, assim, a preservação da empresa, sua função social e o estímulo à atividade econômica. (BRASIL, Lei n.º 11.101, 2020).

A exegese do artigo 47 nos permite concluir que essa solução de recuperação permite a reorganização da empresa, primando pelo cumprimento da função social, sem, contudo, deixar de observar os interesses dos credores, que devem dispor de normas precisas e sem obscuridade, com segurança jurídica, tendo sempre a observância dos preceitos legais e fundamentais, para fim de que se estabeleça um equilíbrio entre recuperação judicial e direito à satisfação do crédito.

Essa segurança jurídica e normas precisas é corroborada com a leitura do artigo 50 da Lei n.º 11.101 de 2005, a qual dispõe sobre alternativas de saneamento da crise, seja econômica, financeira ou patrimonial. Veja-se na íntegra a redação do artigo 50 da Lei supramencionada:

Art. 50. Constituem meios de recuperação judicial, observada a legislação pertinente a cada caso, dentre outros:

I – concessão de prazos e condições especiais para pagamento das obrigações vencidas ou vincendas;

II – cisão, incorporação, fusão ou transformação de sociedade, constituição de subsidiária integral, ou cessão de cotas ou ações, respeitados os direitos dos sócios, nos termos da legislação vigente;

III – alteração do controle societário;

IV – substituição total ou parcial dos administradores do devedor ou modificação de seus órgãos administrativos;

V – concessão aos credores de direito de eleição em separado de administradores e de poder de veto em relação às matérias que o plano especificar;

VI – aumento de capital social;

VII – trespasse ou arrendamento de estabelecimento, inclusive à sociedade constituída pelos próprios empregados;

VIII – redução salarial, compensação de horários e redução da jornada, mediante acordo ou convenção coletiva;

IX – dação em pagamento ou novação de dívidas do passivo, com ou sem constituição de garantia própria ou de terceiro;

X – constituição de sociedade de credores; XI – venda parcial dos bens;

XII – equalização de encargos financeiros relativos a débitos de qualquer natureza, tendo como termo inicial a data da distribuição do pedido de recuperação judicial, aplicando-se inclusive aos contratos de crédito rural, sem prejuízo do disposto em legislação específica;

XIII – usufruto da empresa;

XIV – administração compartilhada; XV – emissão de valores mobiliários;

Referências

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