EDUCAÇÃO BÁSICA AO “CUIDADO” NAS SUAS PRÁTICAS PROFISSIONAIS
Rachel Pinheiro de Oliveira Souza Barbosa - UNESA/RJ
Este estudo de doutorado propõe analisar as Representações Sociais de cuidado por profissionais de enfermagem e de educação básica no seu trabalho. Utiliza-se da Teoria das Representações Sociais, proposta por Serge Moscovici, na busca de expressões e significados desenvolvidos no senso comum. Tal abordagem das Representações Sociais trata, em termos amplos, da construção social de um saber comum elaborado através dos valores e crenças compartilhadas por um grupo social. Parte-se da hipótese de que na educação os significados atribuídos ao cuidado aparecem de forma subliminar e que sua representação varia de acordo com o nível de ensino (Infantil, Fundamental e Médio) e na enfermagem é explícito, devido à especificidade da profissão voltada à assistência ao outro. Para testar tal hipótese, será realizada análise retórica de documentos diversos oriundos das duas áreas destacadas e de entrevistas individuais com sujeitos que atuam em escolas e posto de saúde da rede municipal de Fortaleza. Pretende-se empreender uma análise aprofundada dos processos formadores da representação social de “cuidado”: a objetivação, que é a transformação da representação em uma imagem real ou esquemas figurativos, e a ancoragem, que diz respeito ao enraizamento social da representação e de seu objeto. Estes processos explicam a interdependência entre a atividade cognitiva e suas condições sociais de exercício. Serão também discutidos os processos identitários concernentes à profissão da enfermeira e da professora. Enfim, espera-se ampliar a compreensão de fatos que tem permeado o trabalho dessas profissionais, mediante o que circula no senso comum, e contribuir sobre as práticas profissionais associadas à realidade estudada.
Palavras-chaves: Representações Sociais; Cuidado; Análise Retórica.
Introdução
Este estudo integra uma pesquisa de doutorado em andamento, associado à Linha de Pesquisa Representações Sociais e Práticas Educativas, do Programa de Pós-graduação em Educação da Universidade Estácio de Sá, Rio de Janeiro. Busca-se apreender as representações sociais de cuidado atribuídos por profissionais de enfermagem e de educação básica ao seu trabalho.
Acerca dos significados de cuidado, interessa identificar opiniões, conhecimentos e crenças que modulam e orientam a comunicação social, produzindo condutas e comportamentos. Nesse aspecto, revela-se a necessidade de investigar as representações sociais de cuidado elaboradas por enfermeiras e profissionais da educação básica e compará-las.
habilidade técnica, atenção, reflexão, contato e componente emocional, carinho, atenção ao outro (KRAMER, 2005). O cuidado nas profissões de enfermeira e de professora oscila entre o técnico/ instrumental e o emocional na rotina e no cotidiano de suas atividades. Ambas têm sido desafiadas a se afirmarem como profissões que buscam valorizar em suas práticas as relações de reciprocidade entre os indivíduos, de cooperação e de confrontos entre si, articulados por diversos cotidianos (DE ANGELO, 2013).
Quando profissionais da área da educação e enfermagem constroem representações sociais sobre o cuidado, trata-se de uma construção mental do sujeito, que o faz dentro de uma perspectiva de interações sociais, que inclui o grupo de pertença, os outros grupos e o contexto. Uma representação construída no ambiente social e compartilhada por um grupo vem carregada de crenças, ligadas às vivências do sujeito.
Esta pesquisa parte da hipótese de que as duas profissões são femininas, entendidas como “profissões do cuidado” e relacionadas à vocação maternal: na educação os significados de cuidado aparecem de forma subliminar no trabalho do professor e a representação social deste cuidado é diferente e de acordo com o nível de ensino (Infantil, Fundamental e Médio); na enfermagem os significados são explícitos, devido à especificidade da profissão, voltada à assistência ao outro.
A pesquisa à luz da Teoria das Representações Sociais
Conhecer as representações sociais de cuidado elaboradas por professores e enfermeiras que atuam em escolas interligadas a postos de saúde da rede municipal de Fortaleza, ganha relevância porque estabelecem significados ao cuidado e orientam a prática desses profissionais em sua atividade laboral.
O presente estudo se utilizará da teoria moscoviciana que postula que todos os significados atribuídos aos objetos são construções de sujeitos históricos.
Moscovici (1978) definiu dois processos responsáveis pela gênese de uma representação social: objetivação e ancoragem. No primeiro, liga-se um conceito a uma imagem, tornando concretas noções abstratas. Para Moscovici (1984, p. 38-40), "objetivar é reproduzir um conceito numa imagem" até que "essa imagem se converta num elemento da realidade em vez de só ser um elemento do pensamento".
A coleta de dados será feita a partir de documentos diversos oriundos das duas áreas destacadas e de entrevistas individuais com sujeitos que atuam em escolas e postos de saúde da rede municipal de Fortaleza.
Os dados coletados serão analisados conforme a Análise Retórica. A análise retórica apresenta as contribuições de elementos da Teoria da Argumentação, conforme nos convida Chaïm Perelman e Luise Olbrechts-Tyteca (2002). Por meio da análise empreendida, pretende-se também identificar os processos formadores da representação social de “cuidado” de professoras e enfermeiras e discutir os processos identitários concernentes à sua profissão marcadas por uma relação de troca e ajuda mútua.
O discurso desses profissionais, assim como os recursos argumentativos empregados por elas facilitam à apreensão da construção de novos sentidos e significados aos objetos sociais, no caso, as representações sociais sobre o cuidado. Isso significa dizer que os debates devem ser um ponto de partida para estimular o diálogo reflexivo, coletivo e compartilhado. Portanto, conforme Mazzotti (2007, p.12), “essa análise busca apreender o persuasivo em um discurso, em um conjunto de argumentos, considerando a relação integral entre o orador/escritor e o auditório/leitores”.
Considerações Preliminares
Na pesquisa ora em andamento constatou-se que a Teoria das Representações Sociais tem sido empregada para investigar objetos psicossociais relacionados ao cotidiano do cuidar de forma explícita na enfermagem. Porém, na educação o cuidado é expresso tanto em documentos oficiais quando na literatura ao referir-se à creche e pré- escola. Nos demais níveis de ensino, o cuidado está implícito na atividade do professor.
O termo cuidado, no campo da Enfermagem, está voltado ao outro. “Consiste na essência da profissão e pertence a duas esferas distintas: uma objetiva, que se refere ao desenvolvimento de técnicas e procedimentos, e uma subjetiva, que se baseia em sensibilidade, criatividade e intuição para cuidar do outro ser” (SOUZA et al, 2005, p. 269). A enfermagem é entendida como profissão de ajuda, constituída por ampla variedade de elementos em sua composição e em sua prática, incorporou o cuidar. A identidade da enfermeira continua sendo um alvo a ser alcançado, após mais de um século de profissionalização (COLLIÉRE, 2003). A falta de clareza sobre o significado do cuidado é influenciada por muitos fatores, dentre os quais se destacam a caracterização da carreira da enfermeira como feminina, assim como acontece no trabalho da professora primária (LUZ, 2004).
Na educação infantil, o binômio cuidar-educar é evidenciado e a relação entre esse elemento indissociável e diversos estudos têm se preocupado em apresentar propostas para superar tal separação. (AZEVEDO; SCHNETZLER, 2005). Uma dificuldade que está subjacente ao trabalho dessas profissionais, pela sua formação inadequada, o que inclui a uma decorrência da tentativa de superação do caráter assistencial. (ALMEIDA, 1994)
O cuidado no trabalho de enfermeiras e professoras entendido como um processo de construção histórico-social leva os sujeitos a tornarem-se cada vez mais capazes de responder às solicitações e as mudanças do seu tempo, numa prática com visão da totalidade dos atores envolvidos. A partir dessa concepção, falar em cuidado implica olhar o ser humano como uma totalidade, no caso, as professoras e enfermeiras, em todas as suas condições de vida. Uma visão da subjetividade e do conhecimento prático dessas trabalhadoras, pois como afirma Fontana (1998, p.198): “[...] tecendo e destencendo, constituimo-nos como profissionais”.
Referências
ALMEIDA, A.C. Currículo da pré-escola e formação do educador em serviço. Anais da 17ª Reunião Anual da ANPED: Caxambu,1994.
AZEVEDO, H. H. O.; SCHNETZLER, R. P. O binômio cuidar-educar na educação infantil e a formação inicial de seus profissionais. 2005. Disponível em www.anped.org.br. Acesso em 23/02/13.
COLLIÉRE, M. F. Cuidar: a primeira arte da vida. 2ª ed. Loures: Lusociência; 2003. DE ANGELO, A. O espaço-tempo da fala na educação infantil: a roda de conversa como dispositivo pedagógico. In: KRAMER, S.; ROCHA, E.A.C. (Org.). Educação infantil: enfoques em diálogo. 3. ed. Campinas, SP: Papirus, 2013, p. 53-65.
KRAMER, S. Profissionais de Educação Infantil: gestão e formação. São Paulo: Ática, 2005.
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PERELMAN, C.; OLBRETCHS-TYTECA, L. Tratado da argumentação: a nova retórica, São Paulo: Martins Fontes, 2002.
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