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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC-SP MARIA ANDRÉA ANGELOTTI CARMO

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Academic year: 2021

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MARIA ANDRÉA ANGELOTTI CARMO

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Trabalhadores rurais do sertão da Bahia à lavoura cafeeira do cerrado mineiro 1990-2008.

DOUTORADO EM HISTÓRIA

SÃO PAULO 2009

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MARIA ANDRÉA ANGELOTTI CARMO

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Trabalhadores rurais do sertão da Bahia à lavoura cafeeira do cerrado mineiro 1990-2008.

DOUTORADO EM HISTÓRIA

Tese apresentada à Banca Examinadora como exigência parcial para obtenção do título de Doutora em História Social pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, sob orientação da Profa. Doutora Heloisa de Faria Cruz.

SÃO PAULO 2009

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BANCA EXAMINADORA ________________________________________ ________________________________________ ________________________________________ ________________________________________ ________________________________________

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Ao Luiz Carlos, com amor. À Ana Luiza Regia,

Pelo partilhar da experiência de ser/estar “de fora”; o desafio da partida e a alegria do retorno.

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Ao finalizar o trabalho muitas pessoas são lembradas pela sua participação efetiva ou pela simples torcida no processo de desenvolvimento do trabalho. Faço meus sinceros agradecimentos às pessoas abaixo mencionadas e a todos aqueles que contribuíram para que pudesse encerrar mais esta etapa de minha formação.

À professosa Heloisa de Faria Cruz, orientadora e amiga, agradeço a confiança depositada de longa data, o respeito às minhas limitações e a cobrança, a oportunidade do contato com a profissional engajada e envolvida com as questões sociais que me ensinou a observar a sociedade, analisá-la mas também agir.

Ao Professor Afrânio Garcia agradeço a acolhida no Estágio Sanduíche junto ao Centre de Recherches sur le Brésil Contemporaine, na Ècole des Hautes Études en Sciences Sociales em Paris, bem como suas valiosas contribuições, indicações de leituras e possibilidades de abordagem neste trabalho, que, certamente, lhe deve muito, sem responsabilizá-lo pelas questões que não foram suficientemente exploradas ou tratadas.

Às professoras Yara Khoury e Maria do Rosário do Programa de Estudos Pós-graduados em História pela PUC/SP agradeço o comprometimento e o cuidado no exame de qualificação sem, com isso, serem responsáveis pelos problemas que possam existir no trabalho. Aos demais professores do Programa de Estudos Pós-graduados em História da PUC/SP as discussões calorosas e indicações durante este período de formação.

Aos profissionais e colegas de trabalho cujo contato contribuiu para o meu aperfeiçoamento profissional.

Aos meus pais, Vitório e Conceição, camponeses-migrantes, o amor, o carinho, o apoio e a formação que me permitiu olhar para as pessoas com alguma sensibilidade.

Ao senhor João e senhora Benedita, os muitos ensinamentos dados com seu exemplo, o apoio e o carinho.

Ao Florisvaldo agradeço suas contribuições, leituras e indicações que muito auxiliaram a pensar as problemáticas deste trabalho. À Vilma pela torcida e carinho.

Ao Amailton e à Egle, presentes desde há muito, pela acolhida despojada, pela amizade e torcida, pela solidariedade em momentos difíceis, por tornarem as passagens pos São Paulo mais prazerosas, calorosas e alegres.

Ao José Campaner e à Ana Paula, a amizade, o apoio, o companheirismo ao longo desta jornada, pela presença constante e o compartilhar de grandes alegrias e também dos desafios sempre com muito carinho.

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Nayara, Lourdinha, Wendel e Luciene, Reinaldo e Nilza, Diarone e Rosyane, pelo encorajamento, pela presença muitas vezes à distância, manifestada através do apoio e da afeição. Às crianças que me ensinam a ter esperança a cada dia e, o quanto é bom vê-los crescer: Inaê, Gabriel, Andressa, João Vitor, Eliza, Bárbara, Tiago, Vitória, Izadora, Carla Gabriela, Diego e Mariana.

Ao Luiz Carlos a paciência, o companheirismo e a dedicação em se esforçar para compreender as problemáticas do trabalho de pesquisa e minha ansiedade em buscar novas possibilidades para pensar algumas questões que nos mantiveram distantes por um semestre; as contribuições que ofereceu como historiador envolvendo-se com a mulher-pesquisadora que muitas vezes fez do almoço ou jantar conferências e momentos de socialização de experiências de pesquisa. À Ana Luiza Regia, sua alegria e seu entusiasmo que tornaram o processo de pesquisa e de escrita muito mais prazeroso com a sua presença e vibração, pela sua forma doce de enfrentar grandes desafios e dificuldades tornando-os alegres lembranças.

À família de Carminha, Nicolau e Fabrícia agradeço a acolhida e o compartilhar não somente de um teto mas de um modo de vida que muito contribuiu para este trabalho e a todos os demais entrevistados no Povoado de Horizonte Novo e região, cujas experiências de vida foram relatadas com grande entusiasmo a uma desconhecida.

À Noemi Campos Freitas Vieira, agradeço a paciência e dedicação na correção e formatação final do texto. Ao Antônio Santiago agradeço as contribuições nas adaptações dos mapas.

Ao CNPq agradeço o suporte financeiro através do qual foi possível a realização da pesquisa e desenvolvimento do trabalho. À CAPES a oportunidade de intensificar algumas problemáticas e discussões no Estágio-Sanduíche desenvolvido junto à École des Hautes Études en Sciences Sociales, Paris, França.

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Trabalhadores rurais do sertão da Bahia à lavoura cafeeira do Cerrado Mineiro 1990-2008.

Maria Andréa Angelotti Carmo RESUMO

Este trabalho problematiza as experiências de um amplo grupo de trabalhadores e as múltiplas relações que estabelecem, a partir da inserção no universo do trabalho nas lavouras de café das regiões do Triângulo Mineiro e do Alto Paranaíba. Articula-se a reflexão acerca das novas formas de relações de trabalho emergentes no campo brasileiro nas três últimas décadas, e que são tributárias das transformações sociais em geral, que impactam os modos de trabalhar e de viver de enormes contingentes de homens e mulheres na vida rural deste país. O estudo teve como foco a história de grupos de homens e mulheres residentes na região de Monte Santo-BA que se deslocam, há pelo menos quinze anos, para os trabalhos na safra de café na região do cerrado mineiro entre os meses de maio e setembro. A pesquisa levou a desvendar as formas como são recrutados, como se organizam em grupos, como vivem nos precários alojamentos, quais redes estabelecem no sentido de comporem os grupos observados. Compreendeu-se elementos da região produtora de café, as estratégias elaboradas pelos produtores/empregadores para recrutarem esta mão-de-obra, dentre outros. Metodologicamente, a partir da análise das narrativas e depoimentos dos trabalhadores, para além da relação trabalhista nas lavouras, inúmeras outras questões referentes aos valores e aos modos de viver dos indivíduos em sua região de origem surgiram. Fez-se então necessário empreender o movimento de conhecer o local de onde partiam os sujeitos entrevistados. Entrevistar parentes, amigos, e os próprios trabalhadores já conhecidos nas lavouras de café e analisar suas narrativas exigiu novo esforço de compreensão da lógica que regia a vida daqueles sujeitos, de suas opções, de seus diálogos, de suas motivações e de sua inserção nestas realidades. Aos poucos deparei-me com um conjunto cultural, com aspectos de suas histórias que não se iniciam com o deslocamento, mas que permeiam as suas estratégias e compreensões de mundo, no qual o movimento de deslocar-se de um lugar para outro é apenas mais um de seus momentos e de suas lutas. Esta trajetória da pesquisa permitiu problematizar algumas noções de migração ou movimentos de deslocamento populacional. Conhecendo a região de Monte Santo, na Bahia, compreendi parte desta história e das disputas nas quais se inserem como homens e mulheres, pequenos agricultores, moradores dos sítios e povoados, que avaliam, analisam possibilidades em busca de melhores condições de vida sem ter que partir em definitivo de seu local de origem.

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This work problematizes the experiences of a large number of workers, and the multiple relations they establish when inserted in coffee farm work in the region of Triângulo Mineiro and Alto Paranaíba. Furthermore, the work seeks reflective thinking about the new work relations which have been emerging from the Brazilian rural area in the last three decades, and which are due to general social transformations which impact the ways of working and living of a huge number of men and women from the rural areas of this country. This study focused on the history of groups of men and women who dwell in the region of Monte Santo – Bahia – and who have been traveling to work on the coffee farms in the region of Cerrado Mineiro for at least fifteen years between the months of May and September. The research has led us to reveal how they are recruited, how they organize themselves in groups, how they live in precarious housing, as well as which networks they establish in order to compose their groups. The study has allowed a better understanding of the region which grows coffee, the strategies elaborated by the producers/employers in order to recruit the workers, among others. Methodologically, several other questions regarding the values and the ways of living of the individuals have aroused not only in their work relations in the farms, but also in their region of origin. This was possible due to the analysis of workers’ narratives, and their statements. Hence, it was necessary to understand the area where the subjects originally came from. When interviewing the relatives, friends and the coffee farm workers themselves, as well analyzing their narratives, demanded new effort in order to understand the logic which guides the lives of these subjects, their options, their dialogues, their motivation, and their insertion in this reality. In time, I came to observe a culture set with aspects of their histories which do not start with their moving, but permeate their strategies and understandings of the world, in which the movement of going from one place to another is only another of their moments and struggles. This line of research has allowed us to problematize some notions of migration, or the movement of groups of individuals from one place to another. When I visited the region of Monte Santo, in Bahia, I understood part of this history and the dispute among men, women, small farmers, dwellers from small properties in the country and small towns in the countryside, who evaluate and analyze possibilities in the search for a better life which does not mean leaving their hometowns.

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LISTA DE FIGURAS

Figura 1 - Mapa dos municípios do Triângulo Mineiro e Alto Paranaíba, Minas

Gerais... 43

Figura 2 - Percurso dos trabalhadores da Bahia para a região cafeeira no Triângulo Mineiro e Alto Paranaíba, Minas Gerais... 65

Figura 3 - Mapa do município de Monte Santo-BA... 165

Figura 4 - Mapa da distribuição e número das Associações de Fundo e Fecho de Pasto identificadas no estado da Bahia, 2005... 213

Figura 5 - Carta da ACARPA aos cafeicultores... 242

Figura 6 - Mapa: Região demarcada do Café do Cerrado... 248

LISTA DE FOTOS Foto 1 - Ensacamento da medida de grãos de café... 84

Foto 2 - Derriça do cafeeiro com utilização de escada... 86

Foto 3 - Abanação do café………... 88

Foto 4 - Relações comerciais e sociais na feira em Monte Santo-BA... 192

Foto 5 Vista aérea da Praça Monsenhor Berenguer onde são realizadas as feiras em Monte Santo-BA 193 Foto 6 Mulheres aguardam para retirar água... 203

Foto 7 Açude que serve como reserva de água para a família do Sr. Valdir e os vizinhos da comunidade do Sítio do Geraldo 206 LISTA DE QUADROS Quadro 1 - Implementação das principais obras públicas em Horizonte Novo-BA... 169

Quadro 2 - Produção Agrícola do município de Monte Santo no ano de 2007... 188

Quadro 3 - Efetivo de animais – Monte Santo, no ano de 2007... 190

Quadro 4 - Número de estabelecimentos educacionais municipais e estaduais no município de Monte Santo... 196

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Quadro 7 - Associações e Comunidades de Fundos de Pastos no município de Monte

Santo-BA... 215

Quadro 8 - Crescimento da área cultivada (ha) – Triângulo Mineiro/Alto Paranaíba... 224 Quadro 9 - Crescimento da mão-de-obra temporária em alguns municípios do Triângulo

Mineiro e Alto Paranaíba... 229

Quadro 10 - Produção de café no Brasil... 247

Quadro 11 - Distribuição geográfica de “Prêmios Brasil de qualidade do café expresso

Illy” - 1991-2007... 249 Quadro 12 - Número de casos atendidos no NINTER – 1994-2006….…………..…….. 263

LISTA DE TABELAS

Tabela 1 - Valores e encargos a serem pagos aos trabalhadores nas lavouras de café,

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ABAG - Associação Brasileira do Agribusiness ACA - Associação dos Cafeicultores de Araguari

ACARPA - Associação dos Cafeicultores da Região de Patrocínio AMOCA - Associação dos Cafeicultores de Monte Carmelo

CACCER - Conselho das Cooperativas de Cafeicultores do Cerrado CLT - Consolidação das Leis do Trabalho

COOCACERS - Cooperativas dos Cafeicultores do Cerrado

COOPERSETRA - Cooperativa de Serviços dos Trabalhadores Rurais e Urbanos Autônomos Ltda.

CPR - Cédula do Produtor Rural ET - Estatuto da Terra

ETR - Estatuto do Trabalhador Rural FENICAFÉ - Feira Nacional de Café

FUNDACCER - Fundação de Desenvolvimento do Café do Cerrado IBGE - Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística IGAM - Instituto Mineiro de Gestão de Águas

NINTER - Núcleo Intersindical de Conciliação Trabalhista Rural PADAP - Programa de Assentamento Dirigido do Alto Paranaíba POLOCENTRO - Programa de Desenvolvimento do Cerrado

PRODECER - Programa de Cooperação Nipo-brasileira para o Desenvolvimento dos Cerrados

STRA - Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Araguari STRP - Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Patrocínio

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Considerações iniciais... 13

PRIMEIRA PARTE CAPÍTULO 1 Trabalhadores rurais: ser/estar “de fora”... 40

1.1 Perspectivas sobre os trabalhadores... 41

1.2 Significados do trabalho na lavoura de café... 62

CAPÍTULO 2 Colher café: espaços do trabalho e da sociabilidade... 75

2.1 Experiências cotidianas: construindo saberes... 76

2.2 As relações sociais e os alojamentos... 99

2.3 As relações sociais e a venda... 118

SEGUNDA PARTE CAPÍTULO 3 As viagens para Minas: percepções sobre o processo... 129

3.1 Depois de Minas... 130

3.2 Representações de Minas e das viagens... 146

CAPÍTULO 4 Horizonte Novo: perspectivas e horizontes de seus moradores... 162

4.1 Ser da terra, do lugar ... 163

4.2 A pequena produção... 181

4.3 A Escola ... 194

4.4 As comunidades rurais ... 203

TERCEIRA PARTE CAPÍTULO 5 Ser trabalhador na lavoura de café: enfrentamentos e organizações... 220

5.1 A cultura do café no Triângulo Mineiro e Alto Paranaíba... 221

5.2 Organizações e mediações das relações de trabalho... 231

5.3 Enfrentamentos das relações de trabalho: a organização dos produtores... 241

5.4 “Conciliações” das relações de trabalho... 259

CONSIDERAÇÕES FINAIS... 267

FONTES... 274

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Esta pesquisa é o estudo de um amplo grupo de homens e algumas mulheres e as múltiplas relações que estabelecem, a partir da inserção como trabalhadores temporários no universo do trabalho nas lavouras de café no Cerrado Mineiro. Interessa a esta análise alguns dos elementos que compõem a discussão acerca das novas formas de relações de trabalho emergentes no campo brasileiro nas três últimas décadas, e que são tributárias das transformações sociais em geral, que impactam os modos de trabalhar e de viver de enormes contingentes de homens e mulheres na vida rural deste país. Importa ainda, analisar a experiência social de homens e mulheres das regiões do norte da Bahia que se deslocam para as regiões do Triângulo Mineiro e partes do Alto Paranaíba em Minas Gerais em busca de trabalho nas lavouras de café a partir dos anos de 1990.

A presença de grupos de pessoas que se deslocam de algumas regiões brasileiras para as lavouras de cana de açúcar, a colheita da batata, para o desenvolvimento de alguns tratos culturais de diversos gêneros alimentícios e de matéria prima para a indústria tem sido uma constante na história brasileira. Respeitando as peculiaridades de cada momento histórico pode-se pensar nos processos de produção de gêneros agrícolas que, a partir da utilização de grande mão-de-obra, foi responsável por intensos movimentos migratórios e de deslocamento da população, entre estes pode se listar a presença dos soldados da borracha, em que o deslocamento de populações de trabalhadores recebera conotações de patriotismo, dentre outras. Ainda, de maneira indireta, a construção de um grande número de cidades brasileiras, das regiões sudeste e sul, que contaram com deslocamentos de grupos distintos, e também com o deslocamento de um grande percentual de pessoas, num processo que, longe de ser linear, possui peculiaridades singulares a cada momento histórico, mas que em alguns, parece invisível à medida que grandes grupos encontram-se em movimentos contínuos de uma região para outra em constantes idas e vindas.

Diante desse quadro, tem-se que na recente história social do Brasil, o deslocamento de populações tem sido elemento constitutivo do processo produtivo de setores diversos, não apenas dos relacionados à agricultura, mas também à indústria, à construção civil e ao setor de serviços.

A compreensão destas questões leva a observar que em outros locais do país, onde a produção agrícola também assume características de atendimento rápido de mercados, a mão-de-obra sazonal é ocupada em diferentes momentos e é mais comum do que parece. Enquanto

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nos estudos sobre a agricultura brasileira estes movimentos aparecem muito ligados aos trabalhos no corte da cana-de-açúcar, na colheita da laranja, na colheita do café – mais recentemente em países da América Latina como o México, Argentina e Chile, e também em alguns países europeus como a França e a Bélgica –, este tipo de trabalho temporário e sazonal é muito freqüente e marca, entre outras possibilidades, algumas formas de pensar a presença de alguns grupos na sociedade e determinadas formas de se produzir que passam pelo processo da agricultura intensiva, assim como pela produção destinada aos grandes mercados.

No caso do México tem-se um grande número de trabalhadores em constante movimento nas atividades temporárias da produção do tabaco e na horticultura, principalmente a partir dos anos 1980. Na Argentina observam-se estes movimentos de trabalhadores especialmente nas colheitas de frutas e legumes desde a década de 19901, assim como no trabalho de embalagem destes produtos, cujas indústrias se localizam nas periferias das grandes cidades com o objetivo de empregar não somente os trabalhadores temporários do campo, mas também do meio urbano. Em geral, o que se observa nestas regiões de agricultura intensiva é o aumento dos empregos temporários e sazonais, a urbanização dos trabalhadores rurais, o aumento da pluriatividade entre os trabalhos agrícolas e a precarização do trabalho rural, significando, em muitos casos, o cruzamento de circuitos de migrações interna e também internacional2.

Na França, intensas discussões são travadas acerca da presença dos trabalhadores sazonais nas lavouras de frutas e legumes, as suas condições salariais e de trabalho, assim como a própria condição de temporário que é, de algum modo, condicionada pela natureza na maturação dos frutos, observando-se que este tipo de trabalho é tido como a última opção do trabalhador que o faz após ter explorado todas as demais possibilidades de inserção no mercado de trabalho3.

Nesta direção, é crescente a importância dos estudos sobre os movimentos de migração e de constante movimentação dos grupos sociais de um lugar para outro, de lugares os mais variados para regiões que sugerem maiores possibilidades de emprego e de manutenção da vida. Estes, no entanto, não são movimentos novos na sociedade brasileira e

1 Para melhor compreender estes movimentos, ver: Migrations Société: agriculture et migrations en Amérique

Latine. Paris, CIEMI, v. 20, n. 115, janv./févr. 2008.

2

Conforme apresenta FLORES, Sara María Lara. Le mouvement migratoire et les enclaves de l’agriculture intensive en Amérique Latine. Migrations Société. Paris, CIEMI, v. 20, n. 115, p. 39-56, janv./févr. 2008.

3 O Ministério da Agricultura e da Pesca francês publicou em 2001 um estudo sobre os trabalhadores sazonais

apontando para os problemas enfrentados por estes trabalhadores e o nível de exploração a que estão submetidos (cf. Étude sur le travail saisonnier et ses salariés dans les secterus des fruits et legumes. Publication de le Ministère de l’agriculture et de la pêche, Paris, 2001).

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compõem o cenário produtivo no país, que somam e perfazem um conjunto importante de relações sociais.

Desse amplo quadro de movimentação de grupos da população e do conjunto de relações que estabelecem em cada região, em cada inserção de trabalho, interessa neste trabalho, a construção histórica que marca a forma como um grupo de pessoas advindas do interior do estado da Bahia tem, de forma continuada, construído vínculos, disputado possibilidades, encaminhado demandas, imprimido marcas e significados, dentre outros pontos da relação construída por meio dos anos consecutivos de trabalho nas colheitas de café nas fazendas da região denominada Cerrado Mineiro.

Esse conjunto de relações insere-se num universo mais amplo, que dentre outras formas de se concebê-los, têm sido compreendidos como sujeitos integrantes dos fluxos dos movimentos populacionais nos quais os sujeitos passaram a ser denominados trabalhadores temporários interregionais. Em linhas gerais, pode-se afirmar que aproxima-se desta noção por possuírem um conjunto de elementos característicos, como o fato de que se afastam de sua região de origem por alguns meses para a busca de recursos e outros meios de manutenção de suas vidas, retornando ao final dos trabalhos em algumas atividades agrícolas sazonais.

No tocante à produção acadêmica, tais movimentos aparecem tratados em diferentes momentos da história do país, assim como aparecem diferenciados em sua forma podendo se apresentar como definitivos ou temporários para aqueles que se deslocam. Nesse sentido, o enfoque de análise parece apontar para o movimento da saída de um lugar rumo a outro, para ali se estabelecer definitivamente e iniciar uma nova dinâmica de vida; e também, para a saída temporária de uma região para outra, com o retorno já previsto em função de um aspecto da relação de trabalho; há ainda o grupo das mobilidades mais imediatas, com o deslocamento do local de moradia para o local de trabalho, como é o caso dos trabalhadores rurais bóias-frias, que se deslocam diariamente da cidade para o campo. Dessa forma, a mobilidade assume o lugar privilegiado e/ou da entrada da investigação proposta pelas análises, na busca por compreender as relações, o diálogo com a condição e a situação desses trabalhadores, num processo em que as pessoas ponderam suas escolhas, tecem estratégias e avaliações diversas; externam e/ou silenciam compreensões sociais elaboradas após anos de experiências vividas.

É difícil negar que a mobilidade espacial, que compõe a sociedade atual, aparecendo em diferentes países e apresentando-se com características cada vez mais peculiares como, por exemplo, a intensa migração vivenciada pelos argelinos em direção à França nas duas últimas décadas, pelos mexicanos em direção aos Estados Unidos ao longo dos últimos anos,

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e outros tantos que buscam outras regiões, países e continentes, não somente com a perspectiva de melhorar sua condição de vida, mas também à procura de asilo e de refúgio4.

No tocante às lavouras de café, em que as pessoas ali encontradas como “trabalhadores” vindos do norte da Bahia inserem-se nas últimas três décadas, as fazendas cafeicultoras da região do Triângulo Mineiro e Alto Paranaíba, no estado de Minas Gerais, despontam no cenário agrícola brasileiro e também internacional como produtoras de um café de excelente qualidade, algumas agraciadas com o reconhecimento na forma de prêmios de excelência, normalmente disputados com os demais produtores das diversas regiões em nível nacional5. Há que se considerar que estes prêmios vêm normalmente, associados às qualidades técnicas da produção local e às características produtivas da região do cerrado6. Em contraste a toda a propaganda do produto colhido na região, dos holofotes das premiações, feiras, mostras de produtos, dentre outros espaços midiáticos onde são lançados; aos louros do empreendedorismo, os seus produtores, em que destacam parcelas dos processos de mecanização de diversas etapas dos tratos culturais; das últimas gerações de equipamentos que imprimem um aspecto de modernização disponível para esse tipo de produção; pouco se menciona sobre aqueles que efetivamente trabalham nas lavouras, pouco se tem acerca do grande número de trabalhadores recrutados em outras regiões do país para os trabalhos da safra, quase nada se diz sobre as relações de trabalho que são articuladas nas presentes formas de produção na região.

Parte deste panorama é vivenciado por um grande número de pessoas em uma movimentação diária da cidade para as lavouras de café como os da região de Araguari, no Triângulo Mineiro, e que se tornaram objeto de estudo em minhas pesquisas de mestrado do Programa de Pós-Graduação em História da PUC/SP, publicada sob o título Lavradores de

Sonhos: Saberes e (Des)caminhos de trabalhadores volantes, 1980-20007. Nesse estudo,

busquei compreender o cotidiano de homens e mulheres expropriados de uma condição de trabalhador assalariado no campo – pequeno produtor, arrendatário ou parceiro, entre outras relações estabelecidas naquele espaço –, que haviam sido impelidos a sair da zona rural em direção às cidades, onde passaram a morar nas periferias e a ocupar postos de trabalhos na

4 Entre os diversos estudos que tratam esta temática ver: SAYAD, Abdemalk. La double absence. Paris: Seuil,

1999.

5 Ao longo da década de 1990 a região recebeu a maior parte dos prêmios Brasil de Qualidade de Café Expresso,

patrocinados pela empresa italiana Illy Caffè.

6 Nesse sentido ver: Revista Época, 20/07/1998, com matéria intitulada “A Nobreza do Cerrado”, em que se

destaca o sucesso de alguns produtores na região de Patrocínio e de Monte Carmelo, bem como se enaltece a qualidade do café colhido na região.

7

A dissertação foi defendida em 2001 sob o título “Trabalhadores bóias-frias”: experiências rurais e urbanas em Araguari-MG, 1980-2000 e publicada no ano de 2006 pela EDUC, editora da PUC/SP.

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construção civil, em empregos domésticos, de faxina, entre outras e, voltaram ao campo na condição de trabalhador rural volante e temporário. A pesquisa, com base nos relatos e depoimentos dos trabalhadores, possibilitou conhecer as formas como estes indivíduos e suas famílias, expropriados da condição de morador e trabalhador do campo, passaram a residir nas periferias das cidades da região e voltaram ao trabalho no campo, assim como conviviam com essa nova relação.

A pouca ou quase nenhuma visibilidade desses sujeitos presentes nas lavouras de café, a ausência de informações, seja sobre a grande movimentação destes trabalhadores e o que eles enfrentavam em seu cotidiano para trabalhar, seja sobre a natureza de sua inserção naqueles processos produtivos, ou ainda, sobre possíveis disputas e resistências ali emergentes, era algo instigante. As referências dos diversos documentos relacionavam-se basicamente à qualidade da produção do Cerrado, ao avanço da mecanização e ao aumento da produtividade. Nos poucos registros públicos, como os da imprensa local, os trabalhadores apareciam meramente como um fator de produção, subsumido ou derivado das transformações da agricultura na região, o que pode ser exemplificado no trecho da matéria que aponta que, nessa área, a “intensa mecanização libera muita mão-de-obra. Mas o desemprego não é problema sério porque ela [a lavoura de café] é importadora de trabalhadores na época da colheita”8.

A presença da expressiva produção cafeeira em algumas cidades do Triângulo Mineiro e Alto Paranaíba, sua importância para a economia local e a ausência de valorização dos homens e mulheres trabalhadores nessas mesmas lavouras tornava-se foco para o olhar de quem, de alguma forma, havia se envolvido com o conhecimento da região e da atividade agrícola ali praticada. Este conhecimento se ampliou com as pesquisas desenvolvidas no mestrado, no qual foi possível conhecer os grupos de trabalhadores que se empenhavam na atividade temporária como trabalhador bóia-fria e a partir dos quais tive as primeiras impressões sobre os trabalhadores “de fora” que pareciam ocupar os postos de trabalho locais. Na ocasião, investiguei a natureza e os significados sociais da presença desses trabalhadores volantes nas lavouras de café e seu cotidiano, assim como compreendi a dinâmica na qual se encontravam inseridos e apontavam para as disputas com os trabalhadores “de fora”.

Foi a partir desta pesquisa sobre o cotidiano e sobre os modos de viver de homens e mulheres, trabalhadores rurais volantes residentes na região, que deparei com outros grupos de trabalhadores, em sua grande maioria homens – adolescentes, jovens, casados, solteiros –

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muitos dos quais provenientes da região nordeste da Bahia, bem como de outras regiões do país como Ceará, Paraná e São Paulo para também trabalhar nas lavouras de café nos períodos de colheita. Os grupos de trabalhadores sazonais com os quais iniciei um processo de conhecimento são os da região rural do município de Monte Santo-BA, situado na porção nordeste do estado da Bahia, e que se localiza a 352km de Salvador, estando a 170km de Juazeiro e 100km de Canudos. Pensar como esses grupos acabaram conhecendo a região em Minas Gerais, onde se produzia café e onde era possível realizar a atividade temporária, era algo que instigava. Este tipo de movimento de alguns grupos da população aparece em diferentes estudos e sob categorias também diferentes.

Ao procurar tratar sobre este trabalhador que aparece em momentos específicos em determinadas áreas produtivas, observei que estes sujeitos estavam sempre associados ou retratados como trabalhador volante cujo salário está diretamente vinculado à sua produção e à forma como são contratados: o contrato de trabalho quase sempre é verbal e por tempo limitado, podendo durar dias, semanas ou meses, mas nunca o ano inteiro. Os vínculos empregatícios são instáveis e ele pode ser substituído a qualquer momento, caso não realize o trabalho a contento. E esta instabilidade, de acordo com Ianni, “instaura-se no seu espírito, no seu modo de ser, na sua maneira de dedicar-se ao trabalho, induzindo-o a trabalhar bastante, intensamente, para realizar o máximo de tarefas e não perder o lugar”9. A presença destes trabalhadores na agricultura brasileira quase sempre é relacionada às questões da legislação do trabalho rural principalmente com o Estatuto da Terra e o Estatuto do Trabalhador Rural durante a década de 1960, a partir dos quais as relações de trabalho no campo teriam se modificado.

De acordo com o Estatuto do Trabalhador Rural (ETR), promulgado pela Lei n. 4.214/63 e revogado na década seguinte, entende-se como trabalhador rural toda pessoa física que presta serviço de caráter não eventual em propriedade rural ou prédio rústico sob a dependência e mediante salário. Essa compreensão excluía da categoria os parceiros, meeiros, arrendatários, empreiteiros, entre outros, que recebiam seus salários em espécie, assim como aqueles que realizavam atividades eventuais, como os volantes/bóias-frias.

A observação de que o conceito de trabalhador rural, como entendido pelo Estatuto do Trabalhador Rural, deixava fora de sua abrangência os trabalhadores rurais volantes levou à compreensão do processo de marginalização e discriminação em que estes trabalhadores estavam inseridos. Sua presença na agricultura brasileira data da década de 1960,

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concomitante à intensa corrente de êxodo rural que marcou a sociedade brasileira nesse período. De acordo com Rezende, o ETR pode ser considerado um dos principais fatores que alteraram as relações de trabalho no campo:

[...] os proprietários rurais, assustados com as obrigações que o Estatuto do Trabalhador Rural lhes impusera, foram levados a dispensar empregados, que passaram – mão-de-obra desqualificada – uns a engrossar o número de favelados dos grandes centros urbanos e outros a gravitar em torno das próprias fazendas, residindo em cidades ou vilarejos próximos.10

O ETR tinha como objetivo regulamentar as relações trabalhistas no campo, oferecendo ao trabalhador rural, que era fixo nas fazendas e atuava como assalariado, algumas normas que já haviam sido implementadas e adotadas para os trabalhadores urbanos desde 1943, como o direito a salário mínimo, a férias anuais remuneradas e a aviso prévio, entre outros. Contudo, um grande número de fazendeiros, por acreditar não ser possível manter os trabalhadores fixos no campo e pagar pelos direitos conquistados, preferiu desfazer-se deste tipo de mão-de-obra. Essa quebra de vínculos modificou, nas regiões onde ele ocorreu em grande número, as relações de dominação que até então se impusera, com os fazendeiros possuindo grande controle sobre a vida dos trabalhadores, relações estas que extrapolavam as relações de trabalho, chegando até mesmo ao interior das famílias destes trabalhadores. Assim, de acordo com Garcia e Palmério pode-se entender que

A instauração do direito do trabalho modificou radicalmente as formas de construção da dominação pessoalizada até então prevalecente, já que ela introduziu um sistema de equivalências monetárias para tudo o que antes era objeto de trocas mediante contradons.11

O Estatuto do Trabalhador Rural, portanto, é apontado em estudos como de Bassani (1999), Gonzales e Bastos (1982), Silva (1999) e Garcia (2001) como um forte elemento no processo de expulsão do trabalhador rural do campo na medida em que dificultava a permanência daquela população no campo, uma vez que estabelecia novas regras as quais os empregadores não estavam dispostos a cumprir. Associado ao Estatuto do Trabalhador Rural, o Estatuto da Terra, promulgado em 1964, restringiu ainda mais as possibilidades a pequenos produtores, arrendatários, meeiros entre outros trabalhadores, uma vez que o acesso à terra,

10REZENDE, Nilza Perez de. Obrigações trabalhistas do empregador rural: previdência social rural. São Paulo:

LTr, 1982, p. 13.

11 GARCIA, Afrânio; PALMÉRIO, Moacir. Rastros de Casas-Grandes e de Senzalas: transformações sociais no

mundo rural brasileiro. In: SACHS, Ignacy; WILHEIM, Jorge; PINHEIRO, Sérgio Paulo (Org.). Brasil: um século de transformações. São Paulo: Companhia das Letras, 2001. p. 63.

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tornou-se mais difícil, pois a propriedade rural passou a ser compreendida como uma empresa rural que deveria responder ao processo de desenvolvimento econômico e de crescimento industrial para o qual a agricultura, da forma como se organizava até então, era considerada um entrave12. Nesse aspecto, Coletti aponta que o Estatuto da Terra estava

[...] subordinado ao projeto de desenvolvimento econômico do regime ditatorial militar, que privilegiava a constituição de grandes empresas rurais e favorecia, de um lado, a concentração de terras e de capital, de outro, a expropriação e expulsão dos trabalhadores do campo.13

Tem-se estabelecida uma forte relação entre a legislação da década de 1960 acerca do trabalho rural e do acesso a terra e o aparecimento dos trabalhadores volantes na agricultura brasileira. De acordo com Coletti, o assalariamento temporário na agricultura pode ser atribuído a fatores que podem ser particulares, uma vez que variam de acordo com a conjuntura de uma ou outra região num certo momento histórico. Pode, ainda, ser aliado a fatores gerais como aqueles de ordem política e/ou econômica e também a fatores específicos como aqueles relacionados à mecanização do processo produtivo em uma região mais que em outras, à expansão da pecuária, à queda ou ao fim de atividades como a produção de algumas lavouras como a do café, e pode ainda estar ligado a elementos relacionados à legislação trabalhista marcante em algumas regiões14. A presença e a atuação do trabalhador assalariado rural temporário estão vinculadas, portanto, a uma série de variáveis e condições, mas o que é comum, em qualquer destas situações, é a precariedade das relações de trabalho, sua condição de pobreza e superexploração, suas resistências e lutas por melhores dias.

De acordo com Bassani estes trabalhadores são chamados de assalariado rural temporário que:

[...] em muitas épocas do ano, parte em busca de trabalho, sujeita-se a viajar para municípios, estados e regiões distantes, permanecendo lá por alguns meses, vivendo em condições precárias e recebendo baixos ganhos, geralmente próximos ao salário mínimo. Nessa condição, a família continua morando no local onde possui sua habitação,

12

De acordo com o estudo de Gonçalves Neto, havia o argumento de que alguns aspectos da agricultura brasileira naquele período prejudicavam o desenvolvimento econômico, uma vez que a estrutura agrária estava centrada no latifúndio, as formas de produção centradas na parceria, meação, afastavam a população rural do mercado, prendiam grande contingente de mão-de-obra no campo e, ainda, a manutenção dessas formas de produção não tornava viável o desenvolvimento do setor industrial voltado para a produção de máquinas e equipamentos agrícolas (GONÇALVES NETO, Wenceslau. Estado e agricultura no Brasil: política agrícola e modernização econômica brasileira – 1960-1980. São Paulo: Hucitec, 1997, p. 53-54).

13 COLETTI, Claudinei. A estrutura sindical no campo: a propósito da organização dos assalariados rurais na

região de Ribeirão Preto. Campinas: Ed. UNICAMP, 1998. p. 62.

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normalmente um pequeno barraco, sem nenhum conforto, apenas com o pouco dinheiro que consegue enviar.15

Compreende-se que os sujeitos que se inserem neste processo são pessoas que vivem em precárias condições, tanto no local de origem quanto na região onde trabalham temporariamente e os recursos ganhos são destinados à manutenção da vida. Esta condição, contudo, pode não ser uma regra para os grupos que se colocam em movimento, principalmente, no deslocamento temporário para o trabalho sazonal.

Nos estudos de Silva, estes sujeitos são denominados migrantes sazonais, pois constituem grupos de homens, “mulheres e crianças que se deslocam todos os anos de várias regiões do país para outras em busca de trabalho no corte da cana, colheita do café, do algodão, da laranja e do amendoim”16. Assim, há grandes grupos de trabalhadores em constante movimento de uma região para outra, ora em direção à cana-de-açúcar, ora apostando em outras atividades, como forma de garantir o acesso a uma condição de vida melhor, mas também como possibilidade de aumentar sua renda e adquirir bens para a família na perspectiva de se alcançar um grau maior de conforto em sua região de moradia.

O processo de deslocamento para a região produtora de café tornou-se alvo de atenção, diferenciando-se do movimento populacional ocorrido na região na década de 1980 quando da chegada de grandes grupos populacionais advindos do sul do país para ocupar as áreas destinadas à produção de café e nas quais estava inserida a grande maioria dos trabalhadores volantes bóias-frias estudados anteriormente. Parte destes homens e mulheres era advinda dos estados do Paraná, de São Paulo, de outras regiões de Minas Gerais e tinha sido atraída para se fixar na região. No entanto, nesse novo movimento agora pesquisado, a busca pela região ocorre em momentos específicos e temporalmente marcados, ocorrendo apenas durante os meses do ano em que se realiza o trabalho da safra, tal como ocorre em outras áreas agrícolas, em que se tem a sazonalidade de algumas atividades, como no caso da cana-de-açúcar, da laranja, do amendoim, dentre outras em que a presença dos inúmeros grupos de homens e mulheres acompanha o ritmo determinado pela atividade com que se relaciona.

No plano da produção acadêmica, na aproximação com alguns elementos da história social do trabalho, esta pesquisa busca contribuir para o alargamento da compreensão sobre os processos que delineiam o deslocamento de grande número de pessoas e que marcam fortemente a dinâmica rural brasileira na atualidade, notadamente dos que se relacionam com

15 BASSANI, Paulo. Núcleos de assalariados rurais temporários – Lugar de resistência e descoberta. Tese

(Doutorado) – Programa de Pós-Graduação em Ciências Sociais, PUC/SP, São Paulo, 1999, p. 29.

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as produções do café da região do cerrado em Minas Gerais. O estudo privilegia a experiência social dos grupos originários do município de Monte Santo e região próxima no estado da Bahia17 e de suas relações sociais com a atividade da colheita de café nas fazendas do Triângulo Mineiro e Alto Paranaíba. A inicial intenção de se compreender as razões do deslocamento desse grupo de sujeitos extrapola-se, ao perceber que as pessoas não se deslocam do nada; assim, os possíveis fatores do deslocamento cedem lugar para se pensar as experiências sociais desses sujeitos, para compreendê-los enquanto agentes do processo, que constroem suas opções, que planejam, que avaliam e se inserem nesta ou naquela atividade. Desse modo, pensar o movimento de deslocamento é pensar o sujeito em seu movimento de ida e volta de um local para o outro, considerando-se que a sua experiência dialoga com outros contextos e com as suas necessidades, sejam elas econômicas ou não.

A princípio, imaginava-se grupos de trabalhadores cuja opção pelo deslocamento estava diretamente relacionada a fatores que os pressionavam ou que eram eleitos como importantes e decisivos para o deslocamento; assim, buscava-se entendê-los nas lavouras de café, mas a preocupação em compreender como estes trabalhadores constroem e experimentam sua vida cotidiana levou a deslocar também o olhar para pensar um sujeito inserido em um processo social mais amplo, onde a lavoura de café se constitui em apenas um momento dentre os muitos da sua experiência. Então, tornou-se importante analisar a maneira como viviam em suas localidades de origem e compreender os valores e os sentidos que os organizavam nos meses em que não estavam inseridos nas lavouras cafeeiras.

De alguma forma, com os passos iniciais da pesquisa, ficava cada vez mais convencida que havia nas relações de trabalho nas lavouras de café, nos momentos em que esses trabalhadores aportavam nas atividades da safra, elementos que somente poderiam ser mais bem compreendidos se analisados alguns aspectos de sua vivência nos locais com os quais se identificam e consideram sua origem. A expressão local ou região de origem é utilizada, neste trabalho, para tratar do lugar eleito pelos sujeitos desta pesquisa para partir e retornar. Alguns deles ou suas famílias não são originários daquela localidade, mas ali escolheram para se estabelecer, consideram-na como seu local de pertencimento, com ela se identificam e é para ela que retornam ao final dos trabalhos na lavoura de café. Nesse sentido, pode-se pensar que o lugar de nascimento e a nacionalidade são informações recorrentes em pesquisas, mas insuficientes para descrever a complexidade que determina a relação de um

17 Vale mencionar que Monte Santo é um município composto por dezesseis povoados que se dispersam por sua

região rural e, o povoado visitado durante a pesquisa, Horizonte Novo, faz divisa com o município vizinho de Andorinha e, alguns trabalhadores deste município, assim como de outros da região, também foram encontrados nos trabalhos nas lavouras de café.

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indivíduo e o seu pertencimento ao território. Pode-se ainda mencionar que um dos elementos essenciais de compreensão do sentimento de pertencimento e do comportamento individual se dá através dos sentidos dados aos lugares, passados ou presentes, vividos, praticados ou mesmo imaginários, de cada sujeito ao longo das suas decisões nos seus variados percursos geográficos18.

As pesquisas realizadas a partir das viagens às cidades de Monte Santo, Andorinha, Senhor do Bonfim e pequenos povoados próximos permitiu aproximar-me das lógicas e dos valores do grupo de trabalhadores das lavouras de café no Triângulo Mineiro e em seus locais de origem; a intenção era refletir sobre estas relações de trabalho sob a ótica dos trabalhadores. Dessa forma pude compreendê-los como pequenos produtores, jornaleiros, diaristas, músicos, maridos, namorados, avós, descasados, com problemas com a polícia, entusiasmados com as festas de São João, com medo da seca, dentre outros. Tratava-se de um esforço de procurar conhecer elementos dos modos de viver, das opções, das escolhas feitas e ações desses sujeitos no movimento de relacionamentos diversos em que se encontra o deslocamento para o trabalho nas lavouras cafeeiras que se dá desde meados dos anos de 1990. Enfim, foi um esforço de compreender como esse movimento também é pensado e se reflete ou não em sua região de origem.

Um dos objetivos, com isso, foi propor uma estratégia de pesquisa e problematização que coloque ênfase na experiência social destes sujeitos de forma mais abrangente, indagando sobre suas vivências como trabalhador temporário nas lavouras de café do Triângulo Mineiro e do Alto Paranaíba, mas também como moradores, pessoas que integram um conjunto de outras comunidades rurais nos lugares onde habitam. Buscou-se ainda perceber, a partir também da presença destes trabalhadores nas lavouras de café, os seus modos de viver, nos quais parecem inserir o trabalho temporário, mas que não se resume a tal. Objetiva-se compreender a atuação destes trabalhadores numa dupla dinâmica, em dois momentos e lugares diferentes, em seu universo na Bahia e nas lavouras de café do Cerrado Mineiro.

A perspectiva de observar e compreender estes grupos de cidadãos que experimentam tal movimento não implica em dizer exatamente que se constituem em grupos de trabalhadores migrantes, trabalhadores sazonais ou dar-lhes uma outra nomenclatura ou aplicar-lhes uma outra categoria, mas implica em pensar em sujeitos que se constituem no decorrer do processo, ora como “os do lugar”, ora como “os de fora”, ora como trabalhadores

18 Sobre uma noção de pertencimento determinada pela experiência da espacialidade, dos lugares vividos, da

mudanças de lugares geográficos ver: GUÉRIN-PACE, France. “Sentiment d’appartenance et territoires identitaires». L’Espace Géographique. Paris: Belin-Reclus, nº 4, 2006.

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assalariados ora como pequenos agricultores, mas cujas diferenciações que lhes são impostas, e mesmo aquelas que são incorporadas ou pensadas por eles, possibilitam pensar apenas uma parte do processo. Assim, é possível refletir que estas pessoas são portadoras de experiências múltiplas cujas categorias ou conceitos estão impossibilitados de garantir o conhecimento ou a compreensão dos modos de viver destes grupos, embora auxiliem nesse processo, mas talvez mais ocultem do que revelam.

Dizer que são trabalhadores migrantes, por exemplo, pode indicar que estão em movimento, mas não estão em um processo de migração onde há a expectativa da permanência definitiva. Denominá-los migrantes temporários parece não considerar as suas experiências e mesmo expectativas em seus locais de origem, como se o local para o qual se dirigem ocupasse papel de tamanha importância que desconsiderasse a região da saída. Trabalhadores migrantes temporários ou trabalhadores sazonais, uma vez mais, em algumas formulações, são categorias que parecem ater-se à condição encontrada no local para o qual se dirigem, pois na região de origem destes sujeitos nem um, nem outro conceito é capaz de atender ou de explicar o processo no qual estão inseridos19. Nesse sentido, pode-se dizer que estes sujeitos encontram-se em um processo no qual as suas “experiências comuns (herdadas ou partilhadas)” lhes permite um sentimento e articulação de seus interesses em detrimento e contra interesses de outros homens e outros grupos. Constituem-se em sujeitos em um constante fazer-se, cujas reações ou experiências, ainda que parecidas com as de outros grupos humanos, não permite que se estabeleça uma lei sobre eles20.

A utilização de conceitos como experiência, cultura e cotidiano exprimem um modo de pensar os sujeitos históricos inseridos no processo de deslocamento de modo que, como afirma Almeida, permita pensar uma noção de classe, ou grupos identitários

[...] como uma instância constitutiva do sujeito social que engloba componentes presentes simultaneamente no plano da materialidade e no plano simbólico. Isto é, as experiências vivenciadas social e historicamente pelos homens, são sempre permeadas por relações de

19 A expressão migrante, de acordo com a perspectiva dos estudos de Ely Souza Estrela, não é “expressão com a

qual os sujeitos envolvidos no processo de deslocamento se identificam por não fazerem parte do seu vocabulário. Ou porque essas pessoas vislumbram as implicações sociais do termo e, sabiamente, não usam o epíteto com o intuito de se preservarem dos sofrimentos e das humilhações sofridas quando do seu deslocamento.” (ESTRELA, Ely Souza. Os sampauleiros: cotidiano e representações. São Paulo: Humanitas FFLCH/USP: FAPESP: EDUC, 2003). Essa revisão acerca de categorias utilizadas leva a pensar, nesse caso, em uma história em que os sujeitos elaboram suas práticas, suas opções, fazem suas escolhas e se vêem enquanto atuantes em sua própria história. Daí a perspectiva de discutir os deslocamentos a partir dos olhares daqueles que o experimentam, buscando não “enquadrá-los” em categorias ou nomenclaturas, mas a partir deles pensar outras noções e contextos.

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exploração e resistência e se expressam nos conflitos, nas lutas e também nas acomodações.21

Pensar a dinâmica de vida destes grupos a partir das experiências e do cotidiano dos próprios indivíduos possibilita, então, analisar quais são as referências destes trabalhadores no sentido da construção de sua identidade coletiva, na compreensão de suas escolhas e decisões.

A discussão da temática proposta não é recente e marca alguns grupos da população em diferentes momentos da história. Nesse sentido, os trabalhos de Silva22 em muito contribuíram para compreender os processos de deslocamento de grupos populacionais para os trabalhos no corte da cana na região de Ribeirão Preto, onde se acentua a cada ano a presença de trabalhadores dos estados nordestinos, bem como de regiões empobrecidas como o norte de Minas Gerais, entre outras. Estes trabalhos possibilitaram acompanhar não somente a experiência da mobilidade, mas também as questões referentes às relações de trabalho, a crescente precarização e exploração da mão-de-obra, os enfrentamentos e lutas destes grupos nas cidades e região receptora, bem como as suas condições de vida durante o período em que permanecem no trabalho temporário.

Ainda nesta perspectiva, o estudo de Menezes23 apresenta as experiências de famílias camponesas no estado de Pernambuco que nas últimas décadas do século XX passaram por diferentes movimentos migratórios, indo viver por algum tempo na cidade do Rio de Janeiro, ou temporariamente dos trabalhos na lavoura de cana-de-açúcar em Pernambuco, enfrentando todos os tipos de problemas quanto ao recrutamento, aos salários, alojamentos, as redes de sociabilidade entre outras questões, como a atuação sindical.

Ainda entre os estudos que discutem a problemática da migração e possibilitaram novo olhar sobre a temática está o de Green ao propor que a migração não pode ser apreendida apenas do ponto de chegada, após o movimento que a definiu, mas sim, que se deve recuar do ponto de chegada ao ponto de partida, para em seguida, avançar com o migrante, da região de origem em direção ao local adotado para, a partir daí, compreender as escolhas do sentido migratório. Esta perspectiva esteve proposta neste trabalho e tal possibilidade de investigação é tratada pela autora principalmente no que se refere aos processos migratórios em direção aos

21 ALMEIDA, Antônio de. Os trabalhadores e seus espaços: cultura, experiência e cotidiano nos estudos

históricos sobre identidade coletiva. In: MACHADO, Maria Clara Tomaz; PATRIOTA, Rosângela (Org.).

Política, cultura e movimentos sociais: contemporaneidades historiográficas. Uberlândia: EDUFU, 2001. p.

34-35.

22 SILVA, Maria Aparecida de Moraes. Errantes do fim do século. São Paulo: Ed. UNESP, 1999; Idem.Migrants

temporaires dans les usines de canne à sucre de l’état brésilien de São Paulo. Migrations Société. Paris, CIEMI, n. 115, jan./fev. 2008.

23

MENEZES, Maria Aparecida. Redes e enredos na trilha dos migrantes: um estudo de famílias de camponeses-migrantes. Rio de Janeiro: Relumé Dumará; João Pessoa, PB: EDUFPB, 2002.

(26)

Estados Unidos da América, mas possibilitam pensar outros movimentos em outras realidades históricas24. Um novo olhar sobre a questão das migrações também pode ser observado nos estudos de Noiriel, nos quais avança na forma como se percebe e se pensa o sujeito (i)migrante, especialmente na sociedade francesa, não apenas como categoria jurídica ou administrativa, mas como aquele que participa de um intenso processo que muitas vezes, ao se prolongar por anos ou décadas, como os observados na França, é entendido como “integração” à sociedade e não um simples “problema da imigração que inquieta a opinião pública25.

De acordo com Sayad, outra referência para este trabalho, todo estudo dos fenômenos migratórios que negligencia as condições de origem dos migrantes se condena a dar apenas uma visão parcial e etnocêntrica sobre o processo, como se sua existência tivesse início no momento da chegada26. Em seus estudos tem-se ainda as análises de parte das implicações que sofrem tanto aqueles que partem quanto aqueles que ficam, buscando adaptar-se cada um a seu local, seja sofrendo a ausência do ente querido, seja enfrentando todos os limites impostos pela sociedade de “recepção” especialmente nos processos que se iniciam de forma provisória mas que se estendem por longos períodos27.

Estes estudos possibilitaram refletir sobre as experiências dos indivíduos pesquisados procurando compreendê-los inseridos em um processo e no qual fazem suas leituras, interpretações e decidem sobre como devem e podem agir, numa dinâmica que vai além das forças de expulsão ou de atração de grupos populacionais.

Os trabalhadores pesquisados não são visíveis nas cidades da região28, mas sua constância é notória em locais estratégicos da zona rural, como em pequenas vendas, onde se reúnem e onde adquirem os mantimentos necessários para a semana e, geralmente, restritos à alimentação; bem como nas áreas afastadas das sedes das fazendas, onde estão localizados os alojamentos. É possível, mas não é comum, encontrar esses sujeitos em alguns eventos religiosos e/ou festivos nos arredores de centros comunitários rurais, igrejas e escolas, onde se

24 GREEN, Nancy L. Repenser les migrations. Paris: Presses Universitaires de France, 2002. p. 3.

25 NOIRIEL, Gérard. Le creusete français: histoire de l’immigration XIXe - XXe siècle. Paris: Éditions du Seil,

1988.

26 SAYAD, Abdelmalek La double absence: des illusions de l’émigré aux souffrances de l’immigré. Paris: Seuil,

1999, p. 56.

27 SAYAD, Abdelmalek. L’immigration ou les paradoxes de l’alterité: l’illusion du provisoire. Paris: Éditions

Raisons d’Agir, 2006.

28 A invisibilidade destes grupos presentes na região nos remete, conforme aponta Bauman, à questão de tornar

invisível ao olhar público a imagem daqueles que parecem incorporar os valores e o credo do liberalismo e da economia capitalista, ao se buscar o progresso e a prosperidade, assumindo-se os riscos e assumindo individualmente a responsabilidade por tal situação (BAUMAN, Zigmunt. Vidas desperdiçadas. Rio de Janeiro: J. Zahar, 2005. p. 74).

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realizam diversas atividades festivas, como comemorações juninas, homenagens a santos e outras devoções presentes na região, durante os meses da colheita de café; ou ainda, pode-se encontrá-los esporadicamente nas cidades aos finais de semana, especialmente, próximo do final da colheita, em que buscam por produtos como aparelhos de som, aparelho televisor ou roupas e calçados ou mesmo motocicletas que são adquiridos e levados nos ônibus para a região de origem.

De modo geral, esses grupos de trabalhadores não compõem os dados populacionais da região produtora de café, a movimentação desses grupos, na verdade, não impacta a rede de ensino, a hospitalar, dentre outras que poderiam servir de pano de fundo para a composição de um quadro de sua percepção nos diversos municípios em que se instalam. Por sua vez, pode-se obter algumas poucas referências sobre a presença desses grupos de trabalhadores à medida que se analisam os poucos números relacionados aos trabalhadores bóias-frias locais, que de tempos em tempos são veiculados na imprensa, na forma de estimativas, como no caso da cidade de Araguari que “possui mais de 2000 (dois mil) bóias-frias, permanentemente, nas fazendas colhendo, plantando, somados a outros, mais de 15 mil, que, na época da colheita se associam a eles”29. De acordo com esses dados, a presença e o fluxo desses trabalhadores, já

no ano de 1988, faziam-se expressivos apontando para o grande contingente presente na região, embora não seja possível precisar o número que representam30.

De outra maneira, a questão referente ao que representam os números de trabalhadores, pode-se pensar, a partir do artigo de Xico Graziano31, quando menciona que alguns números relativos à quantidade de pessoas que vivem ou dependem da produção do café:

Minas Gerais produz, hoje, metade do café nacional. Nesta região tradicional, cerca de 28 mil produtores dedicam-se à cafeicultura. [...] Apenas no Sul de Minas, estima-se que 1,5 milhão de pessoas dependam do café para viver. Os empregos fixos somam 150 mil trabalhadores; na época da colheita, 230 mil postos temporários são gerados.32

A partir dos números dispostos acima, tem-se a compreensão do grande fluxo de trabalhadores que se deslocam em duas situações distintas: da cidade para o campo, nos períodos de colheita, como trabalhadores volantes ou bóias-frias e/ou de regiões mais

29 ARAGUARI: cem anos de dados e fatos. Prefeitura Municipal, Araguari, 1988, p. 127. A seção de

atendimento ao migrante seria uma outra possibilidade de acesso ao número de pessoas que vieram tentar a sorte e não obtiveram êxito. Entretanto, esta repartição, em praticamente todas as cidades observadas, não conta com dados a respeito do auxílio disponibilizado aos migrantes.

30 Parte da falta de registro sobre esses trabalhadores também está vinculada às formas precárias de como se dão

as relações de trabalho: sem registros de contrato de trabalho, sem terem acesso aos direitos trabalhistas.

31

Engenheiro Agrônomo e ex-secretário da Agricultura de São Paulo entre os anos de 1996-1998.

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distantes para as regiões produtoras de café. Ambos os movimentos estão marcados pelo deslocamento das pessoas em uma busca constante de condição de manutenção da vida. Os números apontados remetem ainda, de algum modo, a quão invisível parecem ser esses processos em que um grande contingente de trabalhadores se vê envolvido, que gera empregos temporários e, onde os trabalhadores são mencionados somente nos períodos da oferta do trabalho. O que fazem depois? Onde estão esses trabalhadores? Onde se empregam em outros momentos? Como vivem essas pessoas?

A constatação da presença de diversos grupos de diferentes origens na região, a pouca expressividade dada a esses trabalhadores em várias instâncias, nas instituições ligadas aos trabalhadores rurais como os sindicatos, nos organismos a que se vinculam os produtores de café, além disso, a pouca expressividade de estudos sobre a temática na região, assim como a não abordagem acerca destes grupos de trabalhadores em matérias de jornais e revistas da/sobre a região impulsionaram a busca por conhecer esses sujeitos, por que e como vêm para a região produtora de café.

As complexas relações que os materiais e os depoimentos colhidos nas pesquisas anteriores sobre os trabalhadores locais apresentavam, desafiavam e impulsionavam a investigação acerca da presença dos demais grupos de trabalhadores nas lavouras cafeeiras da região, uma vez que estes eram quase sempre mencionados como concorrentes, como ameaça aos trabalhadores locais. Nesse sentido, a princípio, o que se tinha sobre esses grupos de trabalhadores eram as formulações dos trabalhadores locais, suas impressões, suas percepções acerca da presença destes grupos, assim como, as idéias veiculadas pelos Sindicatos dos Trabalhadores Rurais em diferentes cidades. A perspectiva que se tinha, no início da pesquisa acerca da contratação destes grupos de trabalhadores na região, apresentava uma série de questionamentos que impulsionavam a indagar sobre quem eram esses sujeitos e a pensá-los a partir de sua própria formulação e entendimento. Assim, constituiu-se em objetivo focar a rearticulação dos modos de vida e de trabalho, tanto em seu local de origem como nas lavouras de café, indagar sobre os movimentos que articulam suas experiências enquanto sujeitos atuantes e participantes em seu universo na Bahia e nos trabalhos no Cerrado Mineiro, sem com isso deixar de analisar o grupo e também suas representações para os trabalhadores locais.

Ao mesmo tempo em que as problemáticas se apresentavam numerosas em relação ao grupo estudado, a delimitação da região onde se inserem esses trabalhadores parecia ampliar-se ao ritmo da pesquisa. Nesampliar-se aspecto, a região delimitada para a pesquisa não é, de forma alguma, homogênea, trata-se de uma parte do Triângulo Mineiro e do Alto Paranaíba, que é

(29)

composta por diferentes e distintos municípios possuidores de especificidades culturais e sociais: no trato da terra, nas formas e relações de trabalho, no tipo de mão-de-obra que se emprega, e, ainda, nas marcas culturais que lhes são próprias. Contudo, ainda que seja uma área extensa, esta será tratada não como apenas o local onde se desenvolve a lavoura cafeeira, mas a partir, principalmente, da compreensão da movimentação dos trabalhadores e, especialmente, nos municípios de Araguari, Estrela do Sul, Monte Carmelo, Iraí de Minas, Indianópolis, Patrocínio, nos quais parte dos trabalhadores entrevistados manifestou compor suas experiências no trabalho da safra, formando-se, assim, um certo percurso por onde passaram e passam estes grupos. Se para estes o espaço compõe suas diferentes experiências nas atividades da safra, para as entidades ligadas aos produtores de café, essa área integra uma região maior denominada Cerrado Mineiro, conforme se discutirá.

Na perspectiva de conhecer estas experiências, compreender o universo de trabalho no qual estavam envolvidos, um elemento determinante foi o contato e conhecimento de entidades ligadas aos trabalhadores, como os Sindicatos de Trabalhadores Rurais, em especial os das cidades de Araguari, Monte Carmelo e Patrocínio, na medida em que se voltam para o pequeno produtor, remetendo-se poucas vezes ao trabalhador rural bóia-fria da cidade e, apenas mencionando a presença dos trabalhadores “de fora” nas lavouras da região sem demonstrar conhecer de fato a realidade desses grupos específicos e oferecendo uma certa resistência à presença deles nas atividades da região. Além destas, outra instituição que chama a atenção é o Núcleo Intersindical de Conciliação Trabalhista33 (NINTER), uma entidade pioneira no país, a partir da qual outras foram criadas, como a de Contagem e a de Araguari. Como será discutido nos capítulos que se seguem, há uma estruturação recente da agricultura e formas de organização dos produtores nessa região que giram em torno da produção cafeeira e que se dá de maneira aprimorada na medida em que parecem disputar espaço político e econômico com os Sindicatos Rurais.

Diante desse quadro, quais são as perspectivas dos trabalhadores em questão? Como compreendem a atividade que realizam nesse movimento de transformação? Quais são as percepções sobre o trabalho desde o período em que iniciaram, nos anos 1990, as viagens para a colheita de café até os dias atuais? Quais motivações os levam a permanecer um período fora de casa? Quais valores trazem consigo, quais as condições e conflitos que experimentam na situação de trabalhador que se destaca temporariamente na lavoura do café e o retorno para

33

Esta entidade sediada na cidade de Patrocínio iniciou suas atividades em 1998, conforme dados da própria instituição.

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