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TÍTULO: A PARTICIPAÇÃO DOS NEGROS E NEGRAS NO 14º. INTERECLESIAL DAS CEBS E O DEBATE DIANTE DOS DESAFIOS DO MUNDO URBANO.

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509 TÍTULO: A PARTICIPAÇÃO DOS NEGROS E NEGRAS NO 14º. INTERECLESIAL

DAS CEBS E O DEBATE DIANTE DOS DESAFIOS DO MUNDO URBANO. Lenir Candida de Assis1 Resumo: Este estudo investiga a participação dos negros e negras no 14º. Intereclesial das Comunidades Eclesiais de Base (CEBs), em Londrina-PR no mês em janeiro/2018, do qual participaram 3114 pessoas do Brasil e países de América Latina. Desses participantes 53,06% eram pardos, pretos e negros, conforme a pesquisa realizada pelo LERR/UEL2. O recorte

étnico-racial ganha relevância ao considerar que os debates em torno do mundo urbano tratavam do acesso a moradia, saúde, saneamento, mobilidade, educação, cultura, lazer, participação política, trabalho, juventudes, ecologia, segurança, comunicação, organizações sociais e diálogo inter-religioso. O estudo mostra o perfil desses participantes e busca perceber a sua capacidade em intervir na linha política das reflexões e nos caminhamentos do 14º. Intereclesial das CEBs.

Palavras-chave: Intereclesial; Cebs; Negros;

INTRODUÇÃO

O 14º. Intereclesial das Comunidades Eclesiais de Base teve como tema “Cebs e os Desafios do Mundo Urbano”. Durante cinco dias, 3114 pessoas de todos os estados brasileiros, também do Uruguai, Paraguai, Argentina, Chile e povos de 25 nações indígenas participaram do encontro. Diante da diversidade e representatividade dos participantes, o estudo teve como objetivo conhecer o perfil desse público sob o recorte étnico racial, tendo como fonte de dados, a pesquisa realizada pelo LERR/UEL, que identificou entre os que responderam o questionário, a presença de 53,06% de negros e negras, quando somados os que se autodeclararam pretos e pardos. O trabalho se justifica uma vez que a vida e as relações sociais dos negros no meio urbano é objeto de pesquisa em várias áreas da sociologia e, neste caso, os resultados obtidos com a pesquisa do LERR/UEL permitiu conhecer o perfil desse público: um grupo expressivo, vindos de todo o território brasileiro e lugares vizinhos, com formação acadêmica e participação ativa na ação política em suas bases.

O estudo trabalhou a hipótese de que a participação dessas pessoas nos debates temáticos, nas falas em plenárias e nas celebrações influenciaria a linha política do tema e as

1 Mestranda em Ciências Sociais do Programa de Pós-Graduação em Sociologia da Universidade Estadual de

Londrina. Email: lenirassis@sercomtel.com.br.

2 LERR/UEL – Laboratório de Estudos sobre Religiões e Religiosidades do Centro de Letras e Ciências

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510 propostas encaminhadas pelas grandes regiões.

Os encontros intereclesiais das CEBs guardam a singularidade de manter organicamente articulada, uma rede de pessoas e comunidades representativas da ala progressista da Igreja Católica, especialmente as vinculadas à linha da Teologia da Libertação3. Os Intereclesiais ocorrem em locais alternados, num intervalo de 5 anos e os

temas, em geral, respondem a apelos da sociedade que busca na religião uma intervenção diante das realidades que violam os direitos das pessoas e as colocam em lugares de exclusão. Ao trazer para a pauta os desafios do mundo urbano, os sujeitos, membros da Igreja Católica, debateram os desafios do mundo urbano relacionados ao acesso a moradia, saúde, saneamento, mobilidade, educação, cultura, lazer, participação política, trabalho, juventudes, ecologia, segurança, comunicação, organizações sociais e diálogo inter-religioso. O estudo buscou compreender o “lugar” da população negra no catolicismo, especialmente no contexto do 14º Intereclesial das CEBs e, ao mesmo tempo, perceber em que medida um evento que reuniu uma diversidade de lideranças da Igreja Católica, entre eles, 66 bispos, contribuiu para a busca de mudanças na realidade urbana nas cidades brasileiras, onde a desigualdade econômica e social, a discriminação racial e de gênero, a violência do Estado contra os afrodescendentes, a perda de direitos dos trabalhadores imperam no cenário político, social e econômico, fazendo pesar sobre as pessoas, especialmente os pobres e a população negra, tratamentos diferenciados que na prática se traduzem em relação de dominação.

O trabalho se desenvolve em três partes. A primeira contempla a metodologia da análise da pesquisa desenvolvida pelo LERR/UEL, numa relação com os dados do IBGE e Oxfam Brasil4. Na segunda parte, o estudo mostra os resultados da pesquisa, identificando o

perfil dos negros e negras presentes no encontro. A terceira parte dialoga com a sociologia urbana e a questão étnico racial, especialmente a contribuição da pesquisadora urbanista Raquel Rolnik, do sociólogo Carlos Hasenbalg, e da historiadora Pietra Diwam.

IDENTIDADE ÉTNICO-RACIAL

A metodologia utilizada na pesquisa feita pelo LERR/UEL durante a realização do 14º. Intereclesial das CEBs possibilitou revelar que 53,06% dos participantes eram negros. A

3 Corrente teológica cristã nascida na América Latina, depois do Concílio Vaticano II e da Conferência de

Medellín, que parte da premissa de que o Evangelho exige a opção preferencial pelos pobres e especifica que a teologia, para concretar essa opção, deve usar também as ciências humanas e sociais.

4 A Oxfam Brasil faz parte de uma confederação global que tem como objetivo combater a pobreza, as

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511 resposta obtida nos questionários aplicados corresponde a 68,62% dos participantes, o que significa dizer que, dos 3114 participantes, 2137 responderam à pesquisa, entre estes, 1.118 se autodeclararam pardos, pretos ou negros, o que permite afirmar que 53,06% dos participantes são negros, considerando a junção das três opções.

O levantamento do IBGE/2016 (SARAIVA, 2017) mostra que a população brasileira atingiu, naquele ano, 205,5 milhões de pessoas e, pela primeira vez, os dados mostraram um país com menos brancos e mais pardos e pretos. O IBGE não utiliza a terminologia negra como opção de cor/raça nas entrevistas, no entanto, considera que estes estão incorporados entre os que se autodeclaram pretos ou pardos. Conforme o IBGE, entre 2012 e 2016, a população brasileira cresceu 3,4%, com redução de 1,8% entre os que se autodeclararam brancos; um aumento de 6,6% entre os que se autodeclararam pardos e um aumento de 14,9% entre a população que se identifica como pretos. Dessa forma, temos 90,9 milhões de brancos; 95,9 milhões de pardos e 16,8 milhões de pretos, o que possibilita afirmar que há, no Brasil, 90,9 milhões de pessoas brancas e 112,7 milhões de pessoas negras, sendo acrescidos a esses os indígenas e amarelos, o que significa dizer que o Brasil tem uma população negra de 54,84%.

O LERR/UEL incluiu a opção “negra” obtendo como resultado: 41,96% brancos, 4,41% pretos, 16,52% negros e 32,13% pardos. Isso permite afirmar que 53,06% do objeto pesquisado eram negros e negras, identificando a inserção dessa população no cotidiano da Igreja Católica.

GRÁFICO 1 - Cor/Etnia

Fonte: LERR/UEL, 2018.

Os dados chamam a atenção e faz interrogar sobre as razões pelas quais as pessoas se autodeclaram negras. Quais as motivações que os fazem se identificar como pardos, pretos ou negros? O fato de constar na pesquisa o termo “negro”, como opção à auto-declaração em relação à cor/raça, mostra que 16,52% dos entrevistados identificaram-se como negros, ao

41,96 % 4,41 % 16,52 % 32,13 % 4,98 %

Cor/Etnia

Brancos Pretos Negros Pardos Outros

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512 passo que, se fossem adotados os critérios do IBGE, a opção seria necessariamente preta ou parda. Uma hipótese seria o Brasil ser um País de muitas misturas biológicas e culturais, resultantes de trocas genéticas de povos e raças diferentes, o que na prática se traduz em diferentes hábitos, costumes, modos de vida e identidades culturais.

No caso dos negros, essa mistura ou mestiçagem tem origem na ancestralidade africana, o que remete ao termo afrodescendente. Ao reconhecer essa história, poder-se-iam identificar-se como pretos pela cor ou pardos pela mistura, mas assumiram a identidade racial negra. O antropólogo Kabengele Munanga (2004)5 conceitua a terminologia “negra”, que

permite melhor identificar o quesito cor/raça.

Os conceitos de negro e de branco têm um fundamento etno-semântico, político e ideológico, mas não um conteúdo biológico. Politicamente, os que atuam nos movimentos negros organizados qualificam como negra qualquer pessoa que tenha essa aparência. É uma qualificação política que se aproxima da definição norte-americana (MUNANGA, 2004, s/p).

É possível, então, trabalhar com a hipótese de que, para os participantes do 14º. Intereclesial das CEBs, a identidade racial está além da cor da pele, passando por uma questão de consciência e luta política.

PERFIL DOS NEGROS E NEGRAS DO 14º. INTERECLESIAL DAS CEBS.

O estudo destaca algumas particularidades importantes a serem analisadas, especialmente no que consiste a renda familiar, vínculo religioso, faixa etária, escolaridade, principais preocupações em relação ao mundo urbano, bem como uma análise sobre as políticas públicas utilizadas por esses participantes, bem como sua participação política conforme os dados apontados na pesquisa.

RENDA FAMILIAR

A Oxfam Brasil (2017) disponibiliza dados que mostram a diferença de renda entre brancos e negros no Brasil que resulta em índices de desigualdade econômica e social expressiva no País. Entre as pessoas que recebem até 1,5 salário mínimo, 67% são negros. Entre os que ganham até dois salários mínimos, 80% são negros. Já nas camadas de salários mais altos, os índices de negros são menores: para cada negro com renda superior a dez

5 Disponível em: http://wphpww.scielo.br/scielo.?script=sci_arttext&pid=S0103-40142004000100005>acesso

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513 salários mínimos, há quatro pessoas brancas. Ao considerar todas as rendas, a Oxfam Brasil afirma que em 2015 os brancos em média ganhavam o dobro do que recebiam os negros. Nesse ritmo, as estimativas em relação à renda impressionam conforme informação dada pela revista:

Em vinte anos, os rendimentos dos negros passaram de 45% do valor dos rendimentos dos brancos para apenas 57%. Se mantido o ritmo de inclusão de negros observado nesse período, a equiparação da renda média com a dos brancos ocorrerá somente em 2089 (OXFAM, 2017).

Seguindo essa disparidade de renda, o País chegaria uma equivalência salarial apenas em 2089, coincidentemente 200 anos após a chamada e propagada abolição da escravidão no Brasil. Esses dados constam do relatório da Oxfam do Brasil, levando em conta os dados extraídos do IPEA e PnaD, em que 67% dos negros no Brasil estão incluídos na parcela dos que recebem até 1,5 salário mínimo. Entre os brancos, o índice fica em 45%. (OLIVEIRA, 2017). Ou seja, a desigualdade racial no Brasil em relação à renda é tão grande que levaria mais de 70 anos para uma equiparação aos níveis do branco, isso, se as mudanças começassem de imediato, o que não acontece.

Na pesquisa realizada pelo LERR/UEL no quesito renda, os estudos mostram um percentual menos desigual que o revelado pela OXFAN, mas, ainda assim, revela um desafio a ser questionado no 14º. Intereclesial das CEBs: entre os que declararam renda familiar acima de 20 salários mínimos, 53% são negros; entre os que declaram renda familiar entre 10 a 20 salários mínimos, 51% são negros; entre os que declararam renda familiar de 02 a 04 salários mínimos, 55% são negros; entre os que possuem 01 a 02 salários mínimos 60% são negros e dos que vivem com menos de um salário mínimo, 57% são negros e entre os que declaram uma renda familiar de 04 a 10 salários mínimos, 44% são negros. Cabe registrar que a renda familiar acima de 10 salários mínimos é conferida a uma pequena parcela (18 pessoas negras) mostrando que 70,39% dos negros e negras presentes no encontro vivem com média salarial de até quatro salários mínimos (787 pessoas), a metade deles, possui renda de até dois salários mínimos.

VÍNCULO RELIGIOSO

O estudo analisou o vínculo religioso dos participantes do encontro. Os dados mostram que, entre os padres e religiosos/as presentes, 41% eram negros. Entre os pastores e lideranças de denominações não católicas, 49% eram negros.

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514 A participação nos Intereclesiais é predominantemente de leigos e leigas, mas a presença de padres e religiosos/as merece destaque, uma vez que estes têm o potencial de levar para suas regiões as reflexões temáticas vividas no encontro, contribuindo dessa forma, na alteração das situações de desigualdade e discriminação dos negros e negras em suas cidades. Destaca-se, também, a presença de 66 bispos, dentre os quais, 10 deles autodeclararam pardos, negros ou pretos.

Um exemplo de luta contra o racismo no episcopado brasileiro é atribuído a Dom Jose Maria Pires, conhecido como Dom Zumbi, falecido em 2017 aos 98 anos. Grande incentivador das CEBs, Dom Zumbi fala aos participantes do 6º Encontro das CEBs, realizado em 1986 em Trindade (GO).

Estamos presenciando hoje e aqui os sinais de uma nova aurora que vem despertar a Igreja de Jesus Cristo. No passado ela não se mostrou suficientemente solidária com a causa dos escravos; não condenou a escravidão do negro; não denunciou as torturas de escravos; não amaldiçoou o pelourinho; não abençoou os quilombos; não excomungou os exércitos que se organizaram para combatê-los e destruí-los. ”(…) Mais longa que a escravidão do Egito, mais dura do que o cativeiro da Babilônia foi a escravidão do negro no Brasil. Houvesse a Igreja da época, marcado presença mais na Senzala do que na Casa Grande, mais nos Quilombos do que nas Cortes, outros teriam sido os rumos da história do Brasil (LOPES, 2017, p. 03).

Há que se destacar, ainda, a importância da presença de religiosos/as, padres e bispos negros no 14º. Intereclesial, justamente por estarem a frente das diretrizes da ação evangelizadora da Igreja Católica, e o fato de participarem dos debates do Intereclesial pode ser um indicativo da possibilidade de mudanças e maior comprometimento da instituição face a desigualdades, discriminação e racismo, visivelmente observados na realidade do mundo urbano em todas as regiões do País.

FAIXA ETÁRIA

Ao observar a faixa etária dos negros e negras participantes do 14º. Intereclesial, nota-se uma boa distribuição entre as idades de 15 a 60 anos, indicando que as CEBs trabalham na perspectiva intergeracional. Há que se destacar, porém entre esses, a presença de 232 jovens negros com idade entre 15 e 35 anos, o que indica a presença da juventude nesse debate em torno do direito à cidade e os seus desafios étnico-raciais.

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515 dados do IPEA 2017 revelam que pessoas do sexo masculino, jovens e de baixa escolaridade foram as principais vítimas naquele ano de mortes violentas no Brasil, no entanto, 71% dos assassinatos são negros, sendo a grande maioria jovens. Os jovens negros do sexo masculino são as principais vítimas da violência em nossas cidades, um desafio para o debate no 14º. Intereclesial. O alto número de jovens atuantes nas comunidades é um indicador de que a juventude quer contribuir para dar visibilidade à estatística do extermínio da juventude negra nas diversas regiões do País.

ESCOLARIDADE

Outro dado estudado na pesquisa é relativo à escolaridade dos participantes negros. Das 1.118 pessoas negras que responderam o questionário, 669 possuem ensino superior completo, incompleto ou pós-graduação, indicando dados acima da média nacional da presença dos negros nas universidades. Esses dados positivos em relação à escolaridade dos participantes negros do 14º. Intereclesial pode estar associado aos resultados obtidos após 2005, com a implantação das ações afirmativas nas universidades que elevou de 5,5% para 12,8% a formação em nível superior dos jovens negros, segundo a pesquisa do IBGE (2016). Apesar dessa alteração, os números, se comparados aos dos jovens brancos são ainda muito desiguais. O acesso dos jovens brancos às universidades chegou, em 2015, à 26,5%, mais que o dobro do acesso da juventude negra.

SOCIOLOGIA URBANA E A QUESTÃO ÉTNICO-RACIAL: A população negra e os desafios do mundo urbano

Ao tratar dos desafios do mundo urbano, os participantes foram provocados a pensar o processo de urbanização no Brasil, especialmente entre os anos 1940 a 1980, quando o êxodo rural constituiu grandes centros urbanos invertendo significativamente o lugar da população brasileira. Se, em 1940, 80% da população vivia no campo, hoje mais de 80% das pessoas estão concentradas nos centros urbanos. A pesquisadora urbanista Raquel Rolnik, ao analisar as condições das cidades no Brasil, afirma:

As pessoas que vieram do campo jamais foram “incluídas” na vida urbana no sentido pleno. Foi um modelo que incluiu sem incluir. Jamais a cidade disponibilizou terra, infraestrutura urbana, moradia, para quem chegou. O seu lugar foi construído pelos próprios chegantes. Os mais pobres, que

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sempre foram a maioria – 70% a 80% das cidades são constituídas de pobres -, autoproduziram seu habitat nas cidades a partir de relações de compadrio, de relações religiosas, sem ter nenhum recurso para isso: sem terra, sem lugar, sem infraestrutura, sem dinheiro (ROLNIK, 2018, p.01).

Em relação à ocupação dos negros e negras nos espaços urbanos, a professora Maria Nilza da Silva pesquisou as condições de moradia em que a população é afastada dos centros das cidades, dificultando o acesso dos pobres, especialmente dos negros e negras, dos bens materiais e simbólicos essenciais para a sobrevivência.

A pesquisa desenvolvida nos projetos anteriormente citados mostra uma população pobre, moradora, em sua maioria, no entorno da cidade, com problemas de infraestrutura e falta de acesso aos direitos básicos, situações que tem se deteriorado. Como em todas as regiões do País, a situação socioeconômica da população negra na cidade apresenta desvantagens quando comparada com outros grupos populacionais. O mapa da cidade de Londrina e da distribuição da população negra mostra a concentração dos negros nas regiões mais pobres e periféricas tanto na zona sul como na zona norte (SILVA, 2014, p. 24).

Um dos principais pensadores do racismo no Brasil, Carlos Hasenbalg, faz uma análise sobre estrutura de classe, estratificação social e raça e tem uma extraordinária contribuição para o debate em torno do negro na cidade, considerando a mobilidade dessa população no território urbano. Em sua obra “Discriminação e Desigualdades Raciais no Brasil” (2005), analisa a população negra em relação à classe social, que está diretamente vinculada ao elemento econômico e é analisada enquanto coletividade. Também observa os negros na perspectiva da estratificação social, que está relacionada à alocação de posições sociais na sociedade, costumes, hábitos, prestígio social, prevalecendo, nesse caso, a ação do indivíduo. Mostra, através de vários contextos, como os negros, de uma forma ou de outra, estão fora dos padrões sociais estabelecidos pelas elites das cidades.

O pesquisador deixa um legado tanto para a produção científica como também para os debates dentro dos movimentos negros, dada a convergência de pensamento e análise entre aqueles que debatem e lutam contra o racismo e pela igualdade racial no Brasil.

o racismo é mais do que um reflexo epifenomenico da estrutura econômica ou um instrumento conspiratório usado pelas classes dominantes para dividir os trabalhadores. Sua persistência histórica não deveria ser explicada como mero legado do passado, mas como grupo racialmente supraordenado no presente (HASENBALG, 2005, p. 124).

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517 como o Brasil aderiu a essa proposta como forma de também “purificar” a raça e “libertar” o Brasil da “feiura” atribuída aos negros.

Os eugenistas surgiram no efervescer desses conflitos e tinham propostas e soluções para curar o Brasil. Muitos eram os caminhos dessa limpeza: o branqueamento pelo cruzamento, o controle de imigração, a regulação dos casamentos, o segregacionismo e a esterilização. É importante ressaltar que a eugenia abraçou todas essas correntes...É muito comum ouvir afirmações de que o eugenismo foi uma corrente de pensamento do inicio do século XX surgida com as correntes sanitaristas e higienistas, que muitas vezes dialogam entre si (DIWAN, 2013, p. 92/93).

Os negros foram submetidos a todas as iniciativas de colocá-los fora do padrão exigido pela sociedade, seja no aspecto da moral, da beleza, da profissionalização, colocando sobre eles o pesado fardo da discriminação e da marginalidade.

O sociólogo Carlos Hasenbalg trabalha com a tese de que a situação de marginalidade social a que os negros são submetidos é o resultado das práticas racistas e discriminatórias que estiveram presentes ao longo de todo o tempo após a abolição da escravatura, seja de forma velada ou explícita, mas critica as teses de que o racismo, o preconceito, as desigualdades entre brancos e não brancos estejam relacionadas apenas ao fato da escravidão no Brasil. Para ele, apesar da escravidão ter deixado marcas profundas, é a ordem capitalista quem dita as regras na sociedade, colocando os negros e as negras no mapa das desigualdades em todos os campos.

No capitalismo, a repartição do produto social sob as formas de renda, lucro, juros e salários pressupõe um conjunto de relações de produção historicamente desenvolvidas. A produção determina, mas também é determinada. Nesse sentido, a determinação não é nem unidirecional nem mecânica. Contudo, é a estrutura de produção que preside a forma de desarticulação entre os diferentes momentos do processo unitário de produção, distribuição e consumo (HASENBALG, 2005, p 104).

Durante o 14º. Intereclesial das CEBs foi denunciado pelos participantes, através de falas, celebrações, moções, as diversas formas de discriminação a que os negros e negras são submetidos, especialmente quando essas são evidenciadas na ausência de políticas públicas ou alteração na legislação de forma a retroceder direitos adquiridos com tanta luta.

PRINCIPAIS PREOCUPAÇÕES DOS PARTICIPANTES

Em relação aos temas propostos para o debate durante o encontro, os participantes foram interrogados sobre as principais preocupações em relação ao mundo urbano, sendo

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518 possível assinalar mais de uma opção. O resultado mostrou que basicamente são as mesmas que as dos brancos, com destaque para os itens desigualdade social e pobreza, em que 54,7% dos que optaram por esses itens são negros.

A expressiva quantidade de pessoas negras que assinalaram a preocupação com saúde e saneamento (68%) chama a atenção e revela a precariedade dessas políticas em muitas regiões do País. Nas regiões Norte e Nordeste, especialmente, a insuficiência do saneamento está associada ao desafio do enfrentamento de doenças provocadas pela falta de estrutura. A pesquisa do IBGE aponta que pessoas pretas e pardas vivem em locais mais precários em relação aos brancos, e grande parte não tem acesso a agua, esgoto e coleta de lixo. Mesmo depois que as condições de moradia melhoraram, o percentual de moradia de negras e negros atendido com saneamento básico saltou de 44,2% para 55,3%, enquanto para os lares dos brancos alterou de 64,8% para 71,9%.

O quesito Formação e Educação ocupou o 4º. lugar entre as preocupações dos participantes negros (34%). A “síntese de Indicadores Sociais - Uma análise das condições de vida da população brasileira”6 revela que a renda está diretamente relacionada à escolaridade,

cujo acesso é dificultado para os negros e as negras.

É importante destacar que, entre os participantes negros e negras do 14º., o índice de escolaridade está bem acima da média nacional: 47,13% dos presentes já concluíram o nível superior e 15,87% estão em curso. Isso valida a preocupação dos encontristas nesses itens, pois fizeram a experiência de passar pelas barreiras estruturais de acesso a educação desde a colonização como enfatiza André Simões do IBGE. Ele também reconhece que a melhoria da vida das pessoas passa, necessariamente, pelas políticas públicas focadas em grupos desfavorecidos.

A população preta ou parda vem ampliando o acesso à educação e saúde, mas há uma herança histórica muito grande, e isso indica que as políticas públicas devem continuar a focar, principalmente, nesse grupo, disse o pesquisador. “Um país como o Brasil necessita de medidas específicas para corrigir essa desigualdade, esse é um ponto que deve ser frisado” (VIEIRA, 2016, p. 02).

A violência, apontada como uma das principais preocupações da população urbana hoje, foi tema de uma das plenárias no 14º. Intereclesial. Ao olhar os dados da violência no Brasil, o IPEA aponta os resultados dos estudos das últimas três décadas como uma tragédia nacional que contabiliza mortes violentas que atingem especialmente os jovens negros e com

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519 baixa escolaridade. A pesquisa também aponta, com base em Cerqueira e Moura (2014) algumas situações que, juntas, contribuem para o homicídio da juventude afrodescendente: A questão social, as políticas e práticas educacionais e a discriminação no mercado de trabalho, considerando esses fatores um racismo que mata.

USUÁRIOS DE POLÍTICA PÚBLICA

Ao serem perguntados se utilizam alguma política pública e quais seriam elas e considerando que a questão era de múltipla escolha, as respostas foram as seguintes: SUS, 843; Educação, 156; Assistência Social, 121; Moradia, 103; Programas Rural, 85 e outras políticas públicas, 172 pessoas.

Percebe-se nessa resposta, um baixo percentual de negros e negras usuários de políticas públicas sugeridas pela pesquisa. Nesse caso, cabe-nos apontar duas hipóteses: o fato de usufruírem de uma renda e uma escolaridade acima da média nacional deu a possibilidade de buscarem outras formas de acesso aos serviços, ou, ao contrário, mesmo estando a população negra do 14º. em condições melhores que a média nacional no Brasil, ainda assim, não tem acesso às políticas apresentadas na pesquisa. Eis aqui um desafio para as regiões avaliarem e buscar interpretá-los.

OS NEGROS/AS E A PARTICIPAÇÃO POLÍTICA

Um dado importante que vai ao encontro da sociologia étnico-racial é a participação política dos negros e negras participantes do Intereclesial. Ao serem interrogados sobre a atuação política, foram os seguintes:

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Fonte: LERR/UEL, 2018.

Considerando que essa questão era de múltipla escolha, temos um dado fundamental ao observar a participação política dos negros e negras no debate sobre as políticas públicas. Apenas 14,57% deles não participam de nenhuma organização política em suas regiões e comunidades. Esse é um dado extremamente relevante, uma vez que são lideranças da Igreja Católica e os dados mostram que, além de sua atuação pastoral, exercem atividades de militância política.

Observando o item a participação política mostrado no gráfico e relacionando-o com as propostas apresentadas nos grupos de trabalhos do 14º. Intereclesial7, nota-se que, as

propostas encaminhadas foram na linha da participação popular, do controle social e da fiscalização das políticas públicas, o que leva a constatar um bom nível de comprometimento e politização do público presente, capaz de intervir nos debates e propor inciativas que vão ao encontro das demandas coletivas que precisam ser pautadas também no campo religioso, no caso, a Igreja Católica, sendo as CEBs a impulsionadora dessas ações, através das deliberações do 14º. Intereclesial.

Vale destacar que aproximadamente 50% dos negros/as entrevistados declararam que participam de alguma organização comunitária ou movimento social, o que possibilita a hipótese de que existe uma possibilidade de execução dos encaminhamentos, em todo o território brasileiro, considerando a representatividade regional já informada anteriormente.

Cabe registrar que, entre os negros e negras presentes no 14º. Intereclesial, estavam também latino-americanos, em menor proporção, mas que também nos seus espaços de debate

7 Disponível no site http://www.cebsdobrasil.com.br/. Acesso em nov./2018.

540 253 252 228 183 163 156 97 0 100 200 300 400 500 600 Participação em organizações comunitárias e movimentos (48,3%) Participação em conselhos de política pública (22,62%) Militância politica na rede social (22,54%) Filiação em partido politico (20,39%) Participação em sindicatos (16,36%) Não participa de nenhuma organização (14,57%) Participa de conselhos ou assoc. escolares (13.95%) Participa em outras organizações (8,67%)

PARTICIPAÇÃO POLÍTICA

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521 pactuaram a importância dos movimentos sociais e organizações populares como forma de não reproduzir a mesma cultura política opressora que na história de suas tradições também reprimiram e deixou à margem os saberes populares indígenas e afrodescendentes do seu povo.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

O estudo realizado com base na pesquisa aqui apresentada trouxe dados que revelam um potencial humano considerável presente em todas as partes do território brasileiro, a quem a Igreja através das Comunidades Eclesiais de Base, pode potencializar. A contribuição desse estudo foi mostrar que o recorte étnico-racial no desenvolvimento da ação pastoral, especialmente da Igreja Católica, nesse caso, é fundamental e possível, haja vista a expressiva participação de negros e negras no encontro Intereclesial das CEBs, incluindo leigos/as e religiosos/e, entre estes bispos e arcebispos.

Não restam dúvidas de que as reflexões feitas e os encaminhamentos dados pelos regionais foram o resultado da presença de um público especialmente qualificado do ponto de vista político. É preciso destacar a presença dos 53, 06% das pessoas negras, que, estando presentes nas treze plenárias com temas diversificados, contribuíram para que os desafios da população negra dentro dos territórios urbanos, visivelmente carregados de conflitos, discriminação, preconceito, racismo nas relações cotidianas, fossem contemplados em forma de debates, momentos celebrativos e denúncia, chamando a atenção de que a invisibilidade do povo negro nas cidades é um crime que deve ser combatido com ações afirmativas, através de políticas públicas, mas também no espaço religioso.

Fica o desafio das Comunidades Eclesiais de Base do Brasil e da América Latina de pautar os encaminhamentos do 14º. Intereclesial pela perspectiva étnico-racial, sabendo identificar e incluir os negros e negras de suas cidades, uma vez que, através da pesquisa, mostrou que são muitos, de todos os lugares e qualificados no sentido acadêmico e na participação política. Dessa forma, pode-se trabalharcom a hipótese da construção de novas relações sociais antirracista no mundo urbano, sendo a Igreja Católica um potencial importante nessa construção. O produto gerado pelos debates e reflexões do 14º. Intereclesial das CEBs, associado aos dados explorados na pesquisa, constitui uma importante contribuição para a construção de novas relações no mundo urbano, objetivo primeiro desse encontro realizado em Londrina em 2018.

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522 REFERÊNCIAS

CERQUEIRA, D. R. C. et al. Atlas da Violência 2016. Nota Técnica IPEA. No 17, Brasília: março de 2016. Disponível em <http://www.ipea.gov.br/portal/images/ stories/PDFs/TDs/td_2267.pdf>acesso em outubro/2018.

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