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INTRODUÇÃO EXPOSIÇÃO DO PROJECTO DE INVESTIGAÇÃO: considerações teóricas e metodológicas

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Academic year: 2021

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INTRODUÇÃO

EXPOSIÇÃO DO PROJECTO DE INVESTIGAÇÃO: considerações teóricas e metodológicas

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No âmbito deste trabalho pretendemos empreender a análise do processo da constituição do Estado pós-colonial em Cabo Verde. Com este intento recorremos à certos instrumentos teóricos e empíricos com vista ao esboço e concretização do nosso projecto, tendo como ponto de chegada a tentativa de uma melhor compreensão do modo como se processaram determinadas lógicas.

O resultado deste empreendimento deve necessariamente ser encarado como uma proposta sugestiva minimamente documentada e fundamentada, com opções plenamente assumidas, ou seja, uma tese.

O estudo está estruturado em quatro partes. Na primeira apresentamos as vertentes do nosso projecto, e tecemos algumas considerações teóricas e metodológicas. As grandes balizas da nossa análise são o Estado, por um lado, e as classes sociais, por outro, observados num caso específico de um país africano, Cabo Verde.

Mantivemos sempre a preocupação ao longo do desenvolvimento, de tentar balizar, sempre que possível, a nossa análise numa perspectiva mundial, regional ao nível do continente africano e finalmente local, com o olhar centrado no país concreto eleito para o estudo de caso.

O primeiro capítulo é dedicado ao Estado, analisado sobretudo no universo do continente africano; o segundo capítulo é consagrado às classes sociais, e também obedece aos critérios que presidiram ao anterior.

Antes das nossas conclusões apresentamos o último capítulo, que abrange fundamentalmente Cabo Verde como o caso de estudo.

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1. O TEMA

Abordamos ao longo deste trabalho a dinâmica da constituição do Estado em Cabo Verde no período pós-colonial. No tocante à definição do nosso universo temporal o estudo tem como balizas o período que decorre entre 1975, ano da independência do arquipélago, e o ano de 1991, altura em que se processa a transição para o multipartidarismo neste país.

O ano de 1975 fornece-nos, de um ponto de vista formal, a referência ao início da constituição política de um novo Estado. Já o ano de 1991 testemunha a transição do sistema político assente no modelo de partido único para um sistema multipartidário, bem como a mudança de governo, o que por si representa uma alteração significativa do cenário em que se irão processar as relações sociais à partir desta conjuntura.

A escolha destas datas foram concebidas com o intuito de tentarmos homogeneizar, na medida do possível, o nosso objecto de análise, pelo menos durante um certo período de tempo em que é susceptível a observação, com maior acuidade, de determinadas lógicas. No entanto estamos conscientes de que elas não definem fronteiras estanques pois a dinâmica da continuidade dos factos sociais e a sua interpretação não se coadunam com as comodidades temporais.

Pretendemos efectuar uma análise sociológica, isto é, examinar as relações sociais, as interdependências entre os indivíduos e/ou grupos sociais em presença — ao longo do desenrolar da constituição do Estado pós-colonial em Cabo Verde — conscientes de que os diversos intervenientes actuam com desiguais capacidades e recursos, visando objectivos diferenciados e não raras vezes contraditórios.

O Estado e as classes sociais são as duas vertentes que balizam o nosso estudo. De um modo geral, procedemos a análise de algumas relações que se podem estabelecer entre a formação e transformação do Estado pós-colonial e a dinâmica das classes sociais. Estas relações sociais são assumidas como fenómenos sociais, passíveis de investigação e são analisados no contexto de um processo social — o da construção do Estado pós-colonial em Cabo Verde.

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Baseando em Berger e Luckman1 que elaboram o conceito "construção social da realidade" Costa ressalta que a realidade social, tal como os actores a vêm, é socialmente construída. “A sociedade é, simultaneamente, realidade social objectiva e realidade social subjectiva — produto da institucionalização das acções e interpretações levadas a cabo pelos indivíduos, por um lado, e resultado da interiorização pelos actores sociais de padrões culturais e institucionais em que se inserem, por outro. À medida que os seres humanos, à partir do universo cultural e institucional pré-existente, vão construindo, no decurso dos processos sociais, a maneira como vêm a realidade (o conhecimento que têm dela), vão igualmente construindo — ou reconstruindo

— as relações sociais que estabelecem entre si”2.

Ao assumirmos a dinâmica da constituição do Estado pós-colonial em Cabo Verde como sendo um processo, devemos realçar dois aspectos fundamentais: o primeiro é de que estamos perante uma realidade que é construída; o segundo é de que ele resulta da intervenção de actores sociais — que no nosso projecto de investigação são as classes sociais3, como constataremos mais adiante.

O processo de construção do Estado pós-colonial em Cabo Verde sofre influências e constrangimentos vários. Estes decorrem, por um lado, de uma relativa especificidade da formação do tecido social cabo-verdiano4 (pelo menos em relação ao resto dos países continentais africanos), somente comparável à outras realidades insulares como S.Tomé e Príncipe. Com efeito o tecido social precede o próprio território e gerou-se uma Nação plena antes da constituição formal e política de um Estado. Por outro lado, este processo tem que ser inserido em conjunturas mais abrangentes, quer regionais quer

1BERGER, P., e LUKCKMAN, T., 1976.

2 COSTA, A., 1992, pp. 72/73.

3 No capítulo II capítulo abordamos a problemática das classes sociais, com destaque para a sua utilização no continente africano.

4 Contrariamente à realidade da maior parte dos países africanos continentais em que o tecido social estava definido antes do Estado aqui observamos uma formação social do tipo "crioula", onde as dinâmicas de classe vão reger as clivagens sociais como veremos adiante.

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mundiais. De um ponto de vista regional está incluído na dinâmica dos processos que culminaram com as independências das colónias do continente africano, muito particularmente das colónias portuguesas nos princípios dos anos setenta. Numa óptica mundial não podemos descurar a influência do contexto da chamada "Guerra Fria" entre o Leste e o Oeste após a Segunda Grande Guerra mundial, que viria a condicionar os processos independentistas em África.

De um modo mais específico, a nossa análise centra-se nalgumas

"práticas de classe" que consideramos serem estruturantes na constituição do Estado pós-colonial em Cabo Verde no período delimitado, privilegiando os actores sociais envolvidos, que nesse caso são as classes sociais5.

O conceito "prática social" que utilizamos neste trabalho reporta-se ao que os indivíduos fazem em sociedade, com um sentido mais prático do que plenamente consciente. Convém distingui-lo de "acção social" que focaliza o que os indivíduos fazem só que de uma forma intencional e reflexiva. As práticas de classe que são referidas nesta investigação têm a ver com as actividades nas quais os membros de uma determinada classe engajam, nem sempre tendo consciência dos seus interesses e do que está verdadeiramente em jogo6.

As práticas sociais dos indivíduos e dos grupos, que por sua vez incorporam propriedades de classe, é que produzem as estruturas e os processos sociais. Por seu lado as estruturas sociais influenciam as práticas através da formação de sistemas de disposições duráveis, o que é feito ao longo das

5 Almeida afirma que falar de classes sociais é sempre e simultaneamente, falar de protagonistas dos processos sociais que, ao produzirem e reproduzirem a sua própria identidade, modelam do mesmo passo as condições sociais que a definem, e falar das estruturas que delimitam duravelmente o espaço em que esses processos ocorrem. (ALMEIDA, J., 1981, pp. 232).

6 Na perspectiva de Bourdieu a teoria da prática vista como prática relembra, contra o materialismo positivista, que os objectos de conhecimento são construídos, e não passivamente registados, e, contra o idealismo intelectualista, que o princípio desta construção é o sistema de disposições estruturadas e estruturantes que se constitui na prática e que é orientada sempre para funções práticas. (BOURDIEU, P., 1980, pp. 87).

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relações sociais7.

Em síntese queremos visualizar o processo de constituição do Estado em Cabo Verde na perspectiva das classes sociais. Ou seja, a análise do contributo das classes ao logo deste processo, tentar determinar a sua importância relativa, qual o sentido da sua influência, quais os seus limites, em última análise como é que elas vão configurar o Estado.

Neste contexto construímos duas hipóteses explicativas que realçam práticas de classe. Uma delas é de que o Estado foi utilizado, de forma consciente ou não, para a promoção, conservação e reprodução da pequena burguesia. A outra hipótese é de que a reforma agrária traçada pelo Estado, em boa parte com forte cariz ideológico, foi chumbada por uma razão de classe do campesinato. Oportunamente elas serão retomadas.

Adoptamos uma determinada perspectiva de análise, o que implica necessariamente a definição de opções conscientes que condicionam efectivamente todo o desenrolar do trabalho, quer de um ponto de vista teórico quer empírico.

2. PERSPECTIVA DE ANÁLISE

Em ciências sociais ao procurarmos conhecer uma realidade social recorremos à instrumentos de análise que nos proporcionem informações sobre o tema escolhido e modos de a tornar mais inteligível. Na maior parte dos casos é necessário explorar os instrumentos teóricos existentes e tal procedimento passa pela inscrição do projecto de investigação num quadro teórico pré- existente.

A nossa opção neste sentido privilegia a teoria das classes sociais que, como qualquer outra teoria, não é mais do que um conjunto organizado de conceitos e de relações entre estes conceitos sendo que a classe é o conceito

7 Na óptica de Bourdieu os condicionamentos associados à uma classe particular de condições de existência produzem o habitus, sistemas de disposições duráveis e transportáveis, estruturas estruturadas predispostas a funcionar como estruturas estruturantes, quer dizer como princípios geradores e organizadores de práticas e de representações que podem objectivamente ser adaptados aos seus objectivos sem perspectivar o alcance consciente de fins e o domínio expresso das operações necessárias para os atingir. (BOURDIEU, P., 1980, pp. 88)

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central. A teoria de classes permite-nos visualizar determinadas práticas colectivas a um nível estrutural8, relações sociais estruturantes, antagonismos e contradições, relações de dominação — quando elas existem — entre os diversos grupos que compõem a sociedade. Nesta óptica os actores sociais são caracterizados, como é o caso do nosso estudo, essencialmente pelas suas práticas colectivas através de uma análise estrutural que os identifica acima de tudo com propriedades de classe.

Em África, e Cabo Verde não constitui excepção, não se consegue empreender uma análise do Estado sem ter em conta a questão das classes sociais, devido precisamente a natureza do Estado na África ao sul do Saara9.

No caso concreto de Cabo Verde apresentamos argumentos que legitimam a posição assumida. Este país constituiu um dos poucos casos, no universo do continente, em que em se constitui por si uma pequena burguesia ainda no século XIX, isto é, sem ter sido criada pelo Estado. Mais importante ainda é o facto da classe social constituir-se desde o início do historial das ilhas e sobretudo manter-se como o elemento estruturante das clivagens sociais, que determinam em última análise as relações sociais.

Descobertas no século XV pelos navegadores portugueses, o povoamento das ilhas foi feito mediante o que se pode chamar de um

"transplante" do tecido social pois encontravam-se desabitadas, tendo sido introduzido dois grupos humanos, os europeus, minoritários, e os africanos em larga escala, constituindo-se deste modo formações sociais denominadas

"crioulas" sob a hegemonia dos europeus.

É preciso observar que a raça foi um elemento de diferenciação social nos primeiros tempos da colonização, em que a hierarquia estava delineada em função da cor da pele. Com efeito os brancos ocupavam a hierarquia mais alta,

8 Almeida diz que há uma necessária referência estrutural no conceito classe, identificada por lugares e situações, por condições globais e diversos de existência, que constituem o princípio de explicação de práticas específicas. É ela que, ao fim ao cabo, nos permite utilizar idênticas designações (a burguesia, o proletariado, o campesinato) em contextos bem distintos no espaço e no tempo. ((ALMEIDA, J., 1981, pp. 235).

9 Esta natureza do Estado no continente africano associada às classes sociais é desenvolvida à partir da página 34.

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cabendo aos mulatos e aos negros as hierarquias intermédias e baixas respectivamente. No entanto com o evoluir dos acontecimentos este critério vai perder relevância, precisamente a favor das dinâmicas de classes sociais que começam a ser mais determinantes nas relações sociais em Cabo Verde10.

É importante ressaltar que o território acaba por preceder a formação do tecido social e também ter presente uma considerável homogeneidade social, fruto de determinadas conjunturas históricas favoráveis. Elas remontam à forma como se processou o povoamento, foram reforçados por um certo isolamento identificado no tempo, e conjugados com os modelos de exploração adoptados no arquipélago11.

Neste caso concreto não podemos falar de raças ou de etnias e a religião católica é largamente dominante12, ficando também de fora o critério religioso.

Resta-nos o critério insular ou regional, pouco estruturante pois a identidade nacional ultrapassa a dimensão insular e o território espacial constitui-se inclusivamente antes do Estado político.

Finalmente o único critério que resiste, e que estrutura efectivamente as relações sociais em Cabo Verde, é as classes sociais. Desde o início que este critério pode ser aplicado no arquipélago, os dominantes e proprietários de um lado opostos aos dominados e sem propriedade de outro. Se bem que este critério vai coincidir, nos primeiros tempos de existência do arquipélago, com o critério racial. Mais tarde o comércio, centrado sobretudo no tráfego de escravos, vai permitir o florescimento de uma pequena burguesia em Cabo Verde no século XIX.

10 A este propósito Silva sustenta o seguinte: as fracturas étnicas inicialmente coincidiam com as de classe, fazendo do negro, escravo, e do branco, escravocrata, daquele o "gentio" e deste o civilizado, não é menos certo de que a própria dinâmica histórica destas mesmas sociedades, ou seja, a luta entre as classes que as compõem, faz baralhar estes dados. (SILVA, A., 1995, pp. 59/60)

11 Os modelos de exploração agrícola adoptados no arquipélago são descritos no III capítulo à parti da página 99.

12Carreira sustenta que durante todo o período de tráfico, mais de 95% de escravos trazidos para Cabo Verde procediam de grupos étnicos não-islamizados.(…)Os poucos porventura influenciados pelo islame que tivessem entrado não deveriam ter encontrado condições propícias à difusão da doutrina e acabaram por regressar à prática do culto de antepassados ou foram absorvidos pelo cristianismo.

(CARREIRA, A., 1972, pp. 453/454).

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Ao elegermos a dinâmica de classes sociais como sendo estruturante não descartamos de modo algum outras lógicas importantes na sociedade cabo- verdiana como a raça, a religião, as clivagens locais e regionais e a própria identidade nacional. Esta sociedade é atravessada por diversas lógicas e a de classes sociais é uma apenas uma entre outras. O que é pertinente para nós é a constatação da importância relativa que o processo de formação de classes sociais assume no momento histórico delimitado para o objecto de análise pretendido.

Estamos convencidos de que actualmente, ou seja, no momento em que é empreendido o estudo e tendo em conta o período circunscrito e as conjunturas à elas associados, de que as classes sociais constituem o elemento mais determinante na estruturação das relações sociais em Cabo Verde.

Justifica-se pois plenamente, na nossa óptica, o empreendimento de uma análise do Estado em Cabo Verde na perspectiva das classes sociais.

2.1Estado e Classe Social

A relação entre o Estado e as classes sociais é um tema clássico de sociologia descrita em múltiplas abordagens. No caso do continente africano os estudos centrados no Estado intensificaram-se à partir dos anos sessenta deste século. Nos últimos anos os debates têm-se centrado na (re)definição dos actores sociais que intervêm na realidade africana, com destaque para as classes sociais e o Estado. A questão de fundo tem sido a forma como o Estado se relaciona com as diferentes partes da sociedade.

No contexto deste trabalho assumimos que o Estado não é independente e um agente político soberano mas é um instrumento de coerção e administração que pode ser usado para os mais diversos desígnios para quaisquer interesses operados para a sua apropriação. Trata-se efectivamente da aceitação de uma perspectiva marxista, com as devidas ressalvas, na abordagem que é feita do Estado, mais concretamente ao papel que lhe é atribuído no tocante à sua relação com as classes sociais. Julgamos ser uma perspectiva perfeitamente compatível com o tipo de análise levado à cabo ao

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longo deste trabalho.

Neste sentido a base económica determina o balanço das forças políticas na luta do poder estatal bem como a forma institucional do Estado. Assim, a sua forma é o reflexo da base económica da sociedade e as suas intervenções são o reflexo das necessidades da economia e/ou do balanço das forças económicas de classe. O Estado desenvolve-se com a divisão social do trabalho e é a forma no qual a classe dominante assenta os seus interesses comuns.

No entanto convém chamar a atenção para alguns factos. É extremo considerar que o Estado é um puro epicentro da base económica com não reciprocidade efectiva e de que existe uma perfeita correspondência entre base e superestrutura. O que se passa realmente é de que diferentes formas de Estado e intervenções estatais são requeridos em diferentes modos de produção e a natureza do poder do Estado é determinado em necessidades flutuantes da economia e/ou em balanços flutuantes de forças de classe no nível económico.

Esta visão é elaborada em relação a vários estádios de acumulação de capital — com diferentes formas de Estado e intervenções estatais requeridas a diferentes estádios do seu desenvolvimento. Em resumo pode-se dizer que tanto Marx como Engels reconhecem que a correspondência entre base e superestrutura era mais uma regra geral do que global e de que não existe portanto, como o podem fazer crer certas interpretações, um monodeterminismo linear13.

Importa também precisar a forma como se posicionam as classes sociais nesta perspectiva. A classe específica que controla o aparelho do Estado utiliza este controle para manter a sua dominação económica e política. O Estado é assim a forma em que os indivíduos ou a classe dominante afirmam os seus interesses comuns.

No contexto deste trabalho ele terá de ser examinado, sistematicamente, na sua vinculação com a estrutura da sociedade correspondente, e simultaneamente sob o ângulo da inserção do respectivo país no sistema- mundo.

As abordagens que fazemos do Estado pós-colonial em Cabo Verde

13 Ver JESSOP, B, 1982.

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contemplam duas fases interligadas. Por um lado exploramos uma vertente histórica, fazendo referência a alguns acontecimentos importantes que assinalam a constituição formal do Estado em Cabo Verde à partir de 1975. Por outro lado, abordamos algumas práticas de classe estruturantes no processo de constituição do Estado pós-colonial em Cabo Verde. Esta segunda vertente é feita através de duas hipóteses explicativas que enunciamos no estudo e onde vai residir o essencial da nossa proposta de trabalho.

3. METODOLOGIA

O Estado e as classes sociais constituem as duas vertentes fundamentais que balizam o nosso trabalho. Tentamos analisar certas relações que podem ser estabelecidas entre o Estado e as classes sociais num caso concreto — as ilhas de Cabo Verde. A opção foi a de efectuar uma análise na óptica de um processo social — o da construção do Estado em Cabo Verde no período pós-colonial.

Mais precisamente, observamos determinadas práticas de classe estruturantes neste processo.

Optamos e inscrevemos o nosso trabalho na perspectiva teórica de classes sociais, tentando captar, a um nível estrutural, determinadas práticas colectivas e a visualização de relações sociais que são estruturantes bem como os antagonismos, as contradições e eventuais relações de dominação entre os diversos grupos que constituem a sociedade. A teoria de classes, ao nível das ciências sociais, constitui uma das tentativas de captação das diferenciações sociais existentes em qualquer sociedade, as africanas não constituem excepção. Em Cabo Verde a classe social constitui-se e mantêm-se, desde o princípio do seu historial, como o elemento estruturante das clivagens sociais, que determina em última instância as relações sociais. Procuramos identificar essencialmente práticas sociais dos actores através de uma análise estrutural que os identifica sobretudo com propriedades de classe.

Após a definição e circunscrição do tema orientamo-nos através de duas hipóteses explicativas. A realidade social, tal como ela se apresenta, é susceptível de múltiplas leituras, em função dos objectivos definidos e dos

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meios que se utiliza para atingi-los. Para produzir conhecimento científico exige-se, nesta óptica, a observação dos factos e a sua descrição como fenómenos. Cabe ao investigador definir ou optar, de um ponto de vista empírico, quais as melhores formas que permitem captar a "sua realidade social". As nossas hipóteses procuram focalizar práticas de classe que foram, na nossa perspectiva, determinantes na construção do Estado pós-colonial em Cabo Verde.

Elas foram submetidas à apreciação no trabalho empírico de campo em duas deslocações ao país estudado com estadias de dois meses cada aproximadamente. No terreno foi possível conversar com pessoas que viveram as situações compatíveis às definidas e descritas no desenho da nossa investigação, com particular realce para as das nossas hipóteses, através de entrevistas diversificas de forma a garantir múltiplos ângulos das visões dos actores.

Tendo em conta de que se trata de um trabalho essencialmente configurativo as entrevistas foram centradas em determinados tópicos, definidos em função do nosso estudo, sem uma ordem pré-definida e num cenário relativamente flexível. O objectivo consistia no encaminhamento dos entrevistados na reconstituição de processos de acção, de experiências ou de acontecimentos pertinentes na construção do Estado pós-colonial em Cabo Verde. A flexibilidade e a fraca directividade permitidas nestas conversas tinham como pressuposto o respeito dos quadros de referência, a linguagem e as categorias mentais dos entrevistados.

Finalmente, além das entrevistas foi possível no terreno a realização de uma observação directa, assim como a recolha de toda literatura e material por nós classificado de útil e pertinente para a nossa investigação.

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I Capítulo

O ESTADO EM ÁFRICA

I Capítulo 4. O ESTADO

No universo da teoria social inventariamos, de uma forma sumária e

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selectiva, algumas perspectivas do Estado, tendo como preocupação central a observação da sua articulação com o resto do tecido social.

No liberalismo, que tem como referência autores como John Locke e Adam Smith, a concessão do Estado é feita de uma forma distanciada do resto da sociedade. O político deve constituir-se e funcionar de forma separada da esfera económica, local por excelência da acção espontânea dos indivíduos.

Descreve-se toda uma estrutura económica e o seu modo de funcionamento sendo que os Estado não intervêm no sistema produtivo. A actividade económica, sustentada na base das acções dos indivíduos — estes são considerados a sede do valor moral — é deixada uma ampla margem de auto- regulação e equilíbrio garantidos através de mecanismos de mercado. Ao Estado é destinado a função de controlo por meio de processos jurídicos.

O marxismo por seu lado defende uma ligação estreita entre a base económica e o Estado, mediados por classes sociais que se constituem à partir das relações de trabalho. As infra-estruturas económicas estão na base das super-estruturas políticas, entre elas o Estado. Este posiciona-se como um instrumento ao serviço da classe dominante, a burguesia, embora se postula que a sua acção visa o interesse geral da sociedade. Karl Marx prevê no entanto o desaparecimento da instituição Estado, uma vez que ele está intimamente ligado ao capitalismo. Com a abolição da propriedade privada e dos meios de produção que estão na base das conflitualidades sociais de classe, o próprio sistema capitalista tende a ruir e com ele o Estado.

Apesar das suas diferenças, quer no liberalismo como no marxismo o Estado é penetrado pelas classes ou grupos, o que o torna redutível a forças que emanam da sociedade. No entanto existem outras perspectivas que apontam precisamente para um protagonismo maior do Estado. Neste sentido ele é possuidor de uma certa autonomia perante a sociedade e é capaz de actuar de forma mais ou menos intencional no intuito de atingir determinados objectivos.

Nicos Poulantzas14, que pode ser classificado como um neomarxista, salienta o papel do Estado para promover a unidade de uma formação social —

14 Ver POULANTZAS, N., 1973 E 1975.

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atomizando a classe trabalhadora e garantindo os interesses da classe capitalista

— e chama atenção para a necessidade deste ter uma "relativa autonomia"

devido às fracções de classe existentes.

A perspectiva weberiana também pode ser inserida nesta linha de autonomia relativa do Estado face ao resto do tecido social, sendo uma referência praticamente obrigatória, assim como o marxismo, devido a importância que assume nesta temática do Estado em sociologia. Uma das definições bastante utilizada é a de Weber que diz-nos que por Estado deve entender-se um instituto político de actividade continuada, quando e na medida em que o seu quadro administrativo assegure com êxito a pretensão ao monopólio legítimo da coacção física para a manutenção da ordem vigente15.

Desenvolvimentos teóricos recentes como os de Pierre Bourdieu apontam no sentido da autonomia. Na sua perspectiva o Estado é apontado como o resultado da concentração de diversas espécies de capital o que o confere poder sobre outros capitais ou outros detentores. Este processo de concentração é paralelo à construção do campo do poder onde as lutas se processam, nomeadamente no sentido do controle sobre o Estado. Este é o culminar de um processo de concentração das diferentes espécies de capital — capital de força física ou de instrumentos de coacção (exército, polícia), capital económico, capital cultural ou, melhor, informacional, capital simbólico — concentração que, enquanto tal, constitui o Estado como detentor de uma espécie de metacapital, que confere poder sobre as diferentes espécies de capital e sobre os seus detentores.16.

15 Ver WEBER, M., 1983.

16. Para Bourdieu a concentração de diferentes espécies de capital (que acompanha a construção dos diferentes campos correspondentes) conduz com efeito à emergência de um capital específico, propriamente estatal, que permite ao Estado exercer um poder sobre os diferentes campos e sobre as diferentes espécies particulares de capital, nomeadamente sobre as taxas de câmbìo entre umas e outras (e, mesmo acto, sobre as relações de força entre os seus detentores). Segue-se daqui que a construção do Estado caminha a par da construção do campo do poder entendido como o espaço de jogo no interior do qual os detentores de capital (de diferentes espécies) lutam nomeadamente pelo poder sobre o Estado, quer dizer, sobre o capital estatal conferindo poder sobre as diferentes espécies de capital e sobre a sua reprodução (através, nomeadamente, da instituição escolar).( BOURDIEU, P., 1997, pp.

75)

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4.1 ORIGENS DO ESTADO EM ÁFRICA

A história do continente africano no período anterior à colonização europeia do século XIX, por diversos motivos, é pouco conhecida e está mesmo envolta em generalizações e preconceitos. Com efeito, as potência colonizadoras, um pouco na linha da justificação do seu empreendimento, negaram sempre historicidade e organização à estas sociedades, que eram classificadas como sendo primitivas, arcaicas, tradicionais, exóticas e acima de tudo desprovidas de sistemas políticos — ou de qualquer tipo de organização que se assemelhasse ao Estado.

Não é de admirar que no ramo da sociologia política pensadores como Montesquieu, Hegel, Marx ou Weber não tenham consagrado as suas reflexões ao universo do continente africano. No entanto dedicaram alguma atenção à partes da Ásia como o Japão, a Índia e a China. Grande parte do pouco conhecimento então produzido sobre África antes do século XIX foi feita por exploradores, missionários, militares, e administradores. A etnologia numa primeira fase e a antropologia posteriormente, em termos de áreas científicas, assumiram as rédeas da produção de conhecimentos sobre o continente17.

É importante recuarmos no tempo e tentarmos perceber quais eram as lógicas de funcionamento do tecido social no continente africano antes da colonização europeia do século XIX— que vai produzir alterações incisivas e estruturais neste tecido. Basicamente até este período delimitado podemos considerar que existiam duas lógicas estruturantes de coesão social: por um lado uma que classificamos como sendo fundamental, a linhagem, e outra meramente conjuntural, os "Estados", sem possuírem no entanto as características que nós conhecemos dos Estados africanos do século XX.

17 Na óptica de Copans a descoberta intelectual das sociedades "não europeias" coloca, pois, em foco a diversidade das formas sociais de pensamento e de comportamento e a das instituições correspondentes. Mas é difícil, a princípio, separar a abordagem científica da abordagem ideológica ou moral desse fenómeno. A reacção instintiva do Ocidente face a estes povos exóticos é o etnocentrismo que, implícita ou explicitamente, ajuíza das sociedades "não europeias" pelo modelo europeu. (…) Era preciso que o "bom selvagem" fosse considerado diferente e distinto para que se tornasse possível defini-lo como objecto de conhecimento e…de exploração. (COPANS, J.,TOURNAY, S., GODELIER, M., e BLACKÉS-CLÉMENT, C., 1988, pp. 16 e 18).

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Ambas eram estruturas organizadas em função de redes de parentesco e destinadas a garantir a sobrevivência de comunidades localmente circunscritas.

A lógica fundamental destas comunidades era a coesão social e não a produção e/ou acumulação económica. Tratava-se efectivamente de um equilíbrio bastante precário entre condições naturais e factores demográficos. Estas estruturas assentes em redes de parentesco possuíam, como é natural, lógicas e dinâmicas próprias e é neste contexto que devem ser interpretados. Vejamos então alguma literatura correspondente.

Situando-se no período antes de Cristo o historiador africano M’Bokolo refere-se à dois Estados africanos, Koush e Axum localizados no Egipto e Etiópia respectivamente. Estes Estados constituem uma referência importante da historiografia africana pois como sublinha o autor “foram os primeiros Estados africanos em relação aos quais estamos suficientemente bem informados, tanto pela história dos acontecimentos, como pela organização do Estado e a evolução das estruturas políticas. O conhecimento hoje mais rigoroso dos Estados que a África conheceu de seguida permite-nos ler de outra forma a história destes primeiros Estados, os quais durante demasiado tempo foram vistos como o prolongamento de sistemas políticos mediterrânicos e orientais, e que nos aparecem à partir de agora como a primeira expressão indiscutível do génio político africano”18. É preciso realçar dois aspectos importantes aqui: por um lado, o facto de Koush e Axum constituírem os Estados cuja informação e dados que possuímos serem relevantes e quase paradigmáticos não invalida de forma alguma probabilidades de terem existido noutras latitudes do continente, outros Estados que os precederam, eventualmente com estruturas políticas mais complexas. Por outro lado, a percepção, durante algum tempo, destes Estados como tentáculos de sistemas políticos mediterrânicos e orientais não reflecte mais do que o olhar enviesado do exterior, do outro, ou seja, dos primeiros que escreveram sobre a história de África — os europeus e os árabes.

18 M’BOKOLO, E., 1995, PP. 59.

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Avançando no tempo e deslocando a referência bibliográfica para Leste do continente, Mworoha destacar toda a importância e o dinamismo dos Estados monárquicos. Na sua perspectiva a “África dos Grandes Lagos constitui uma região onde o modelo monárquico de governo se afirma e se generaliza entre os séculos XV e XVI. Vários fenómenos, nomeadamente o mito real, a lenda histórica dos heróis fundadores, o universo cultural e religioso dos Imundwa e o dinamismo das dinastias jogaram um papel fundamental na afirmação das monarquias da África interlacustre entre o século XVII e o século XVIII. No século XIX, assistimos a reinos que se afirmam e conhecem uma forte expansão do seu território, é o caso do Burundi, do Ruanda, do Buganda e do Nkare. Há Estados que desaparecem e outros que nascem”19.

Julgamos ser necessário centrar cada vez mais o debate ao nível das dimensões determinantes para que se possa considerar uma estrutura como sendo Estado. Na opinião de Coquery-Vidrovitch “o Estado aparece quando um grupo social determinado — melhor dizendo uma classe — concentra no seu seio o poder e o prestígio que o permitem controlar a produção social, com a ajuda mas também à custa de outros grupos” 20.

Coleman também caminha neste sentido ao afirmar que “todas a sociedades tradicionais dispunham de meios que lhes permitiam executar com autoridade as mais elementares funções de governação, apesar da existência de acentuadas variações tanto no seu grau de complexidade como de transparência” 21.

Subscrevemos plenamente a ideia de que o continente africano, mesmo na altura pré-colonial apresentou determinadas estruturas políticas que tinham

19 Mworoha afirma que a segunda metade do século XIX vê chegar à África interlacustre exploradores, missionários e administradores coloniais que foram postos em contacto com a organização monárquica.

Eles começaram a ler a história e a organização destes Estados através do mito dos Hamitas e dos esquemas da história feudal europeia. (MWOROHA, E., 1991, pp37 e 38.)

20 Ver COQUERY-VIDROVITCH, C.,1985, pp. 72

21 Ver COLEMAN, J., 1960, pp. 355.

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por fim último a gestão do produto social, independentemente de serem ou não considerados o que se pode chamar "Estado".

No século XIX a colonização efectiva do continente africano pela Europa é uma realidade, o que vai produzir alterações estruturais no tecido social africano. A instauração do Estado colonial significou um marco absolutamente fundamental no devir africano e sem a qual torna-se difícil analisar as estruturas políticas africanas pós-coloniais. Com efeito estes Estados foram bem mais incisivos e são provavelmente mais importantes na análise das estruturas actuais do que quaisquer outras formações políticas que tenham existido — as formações políticas tradicionais por exemplo.

Alguns argumentos podem ser apresentados na fundamentação desta posição. Para começar o Estado colonial exerceu soberania sobre um determinado território o que o distingue dos Estados africanos anteriores construídos à volta de um certo poder social.

Em segundo lugar este Estado quebrou a legitimidade política das estruturas linhageiras, impondo-se fundamentalmente por meio do seu aparelho repressivo e militar. A questão de uma possível legitimidade aqui nem sequer se coloca, embora nas últimas décadas de colonização — por questões económicas ou se quisermos enquadrado numa lógica de custo/benefício — tenha sentido alguma necessidade neste sentido. Na verdade atravessava-se uma fase em que já não era possível, ou pelo menos pouco viável, a manutenção da situação colonial exclusivamente mediante a utilização de instrumentos repressivos ou a supremacia tecnológica. A acção no terreno começou a privilegiar então a suposta componente civilizacional e desenvolvimentista do processo da colonização.

Finalmente o Estado colonial foi promotor da dinâmica de formação de classes sociais no continente ao fazer emergir uma pequena burguesia auxiliar do Estado — que na altura da independência detinha os saberes mínimos ao nível do funcionamento da máquina estatal — e que depois vai ser parasitária da sociedade africana, mais concretamente do Estado pós-colonial.

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Já no século XX, sobretudo nos anos sessenta desenvolveram-se a maior parte dos processos de independência política nos territórios africanos. Neste século, no domínio da Antropologia, uma obra paradigmática dos sistemas políticos africanos é da autoria de Fortes e Evans-Pritchard. Estes autores efectuaram um estudo comparativo de alguns sistemas políticos africanos22. As suas conclusões apontam para a existência de duas categorias principais de organização política. Uma delas consiste naquelas sociedades que têm autoridade centralizada, aparelho administrativo e instituições judiciais — em suma um governo — e nas quais as distinções de riqueza, privilégio e status correspondem a distribuição de poder e autoridade. A outra consiste naquelas sociedades a que falta autoridade centralizada, aparelho administrativo e instituições judiciais constituídas — em suma não têm governo — e nas quais não existem divisões agudas de categoria, status ou riqueza23.

4. 2 O CONTEXTO DAS INDEPENDÊNCIAS

Uma boa parte dos países ao sul do Saara acedeu à independência nos anos sessenta deste século. Na realidade coexistiram um conjunto de factores

22 Referindo-se aos objectivos do livro os autores asseguram que “as sociedades descritas são representativas de tipos comuns de sistemas políticos africanos.(…)Os oito sistemas descritos estão largamente difundidos no continente. A maioria das formas descritas são variantes de padrão de organização política encontrada entre sociedades vizinhas ou contíguas; por isso, este livro cobre uma larga parte de África”.

(FORTES, M. e EVANS-PRITCHARD, E., 1940, pp. 25

23IDEM, pp.31/32.

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conjugados, quer do ponto de vista interno quer externo e que permitiram que estes processos tenham-se desenrolado de um determinado modo.

Internamente, um segmento de classe classificado como pequena burguesia, que exercia funções administrativas no aparelho do Estado colonial, vai assumir o poder no momento das independências24. Esta classe vai investir sobretudo em mecanismos de controlo do aparelho de Estado, apropriando-se dos excedentes e bens raros, garantindo assim a sua auto-reprodução social.

Estes novos dirigentes dos recentes Estados africanos herdaram do colonizador um tecido social em vias de formação e não um tecido social acabado, onde vão permanecer, excepto em caso muito raros, lógicas de continuidade. Neste sentido constatamos a manutenção das fronteiras definidas pela colonização, o que contribuiu bastante para que o território, embora

"artificial", viesse a constituir um dos elementos chave de identificação externa e interna para os recentes países. A ideia de Estado contemporâneo em África, na sua génese, vai contar como um dos dados fulcrais de identificação e percepção precisamente a fronteira25.

Estes países adoptaram o modelo de Estado-Nação, copiado da versão europeia que levou séculos a ser consolidado. Na verdade o que nós observamos é a tentativa de legitimação a posteriori de um processo que o colonizador já tinha iniciado26.

Se na altura colonial a luta contra o invasor branco foi utilizado como mecanismo de legitimação dos dirigentes africanos já no período subsequente

24 Esta pequena burguesia africana que internamente vai-se constituir como classe dominante é descapitalizada e mantêm fortes relações com a burguesia internacional, nomeadamente às das antigas metrópoles.

25 Em Cabo Verde no entanto, os factos não se processaram deste modo. Aqui constituiu-se efectivamente uma plena Nação antes da formação do Estado político e o tecido social precedeu o território.

26 CAHEN assinala que fala-se de "lutas de libertação nacional", por analogia com as revoluções nacionais europeias do século XIX. No entanto falar assim subentende que já existiam Nações constituídas; quer dizer que o nacionalismo era a expressão de Nações já constituídas. Ora nada disto aconteceu: as lutas de libertação tiveram um fundamento social, anti-colonial, mas não nacional. Houve nacionalismos na medida em que existiu um projecto de nação apresentado pela elite modernista.. Se a luta social anti-colonial teve uma base de massa, a sua componente nacionalista permaneceu elitista, minoritária. (CAHEN, M., 1995, pp. 88)

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às independências as ideologias vão-se situar sobretudo na modernização, no desenvolvimento e na construção do Estado-Nação27.

Ainda no domínio interno muitos destes países adoptaram ou simplesmente optaram por continuar com as anteriores constituições traçadas pelas antigas metrópoles — o que reforça a lógica da continuidade anteriormente referida — regendo-se de uma forma parlamentar28. Após esta primeira fase, que teve graus variados de consolidação e dificuldade, a maior parte destes Estados vão renunciar aos princípios fundamentais do constitucionalismo originário, adoptando posteriormente regimes monopartidários29.

Estes regimes de partido único caracterizam-se antes de mais pelo monopólio, acordado a um partido, da actividade política legítima. No conjunto da sociedade a vontade é de imprimir a marca da sua ideologia oficial, a confusão ou não separação entre as esferas do Estado e do partido, a sociedade ideal preconizada é uma sociedade sem classes30.

Do ponto de vista da sua actuação interna, evocaram sempre em sua defesa, a desorganização doa actores sociais, a fraqueza dos sindicatos, a corrupção ou a divisão de partidos, em simultâneo com a gravidade das crises económicas ou ameaças de invasão estrangeira, para justificar a sua própria acção31.

27 BENOT garante que o pensamento político africano desenvolve-se à volta dos grandes temas: (…) a unidade africana, a independência, o socialismo (ao que se ligam todos os problemas de desenvolvimento), a política internacional africana, a natureza da sua democracia, e, por fim, a cultura.

(BENOT, Y., 1981, pp. 13).

28 Em Cabo Verde a LOPE (Lei da Organização Política do Estado) como veremos mais adiante, manteve em vigor boa parte da legislação herdada desde que esta não constituísse ameaça aos interesses da soberania nacional, leia-se partido, que então tinha acedido ao poder.

29Ver CONAC, G., 1990.

30 Aron salienta que muitos destes países comportam um elemento revolucionário ou mesmo violento, aliando a fé dos militantes ao medo dos não seguidores pois uma das características decisivas é o facto de não aceitar todas as ideias.( ARON, R., 1965).

31 Ver TOURRAINE, A., 1994, pp. 95.

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No domínio externo é preciso realçar algumas variáveis importantes no momento e nos primeiros períodos que se seguiram às independências. Estes processos devem ser enquadrados num contexto mais abrangente que é este do conflito Leste/Oeste da época, liderado pela União Soviética e Estados Unidos respectivamente. O facto de estar em causa a hegemonia na liderança de influências e o protagonismo em diversas zonas do globo fez com que ambos os blocos tivessem apoiado as lutas de libertação no continente africano e mantivessem o apoio estratégico após as independências. Neste quadro tornam- se mais compreensíveis determinadas opções ideológicas, o posicionamento estratégico e sobretudo as políticas levadas a cabo pelos Estados então independentes, reflectindo em parte apoios recebidos e compromissos bem como expectativas em termos de evolução no futuro.

Não se pode ignorar que estes Estados, cujos regimes na maior parte dos casos era o de partido único, beneficiaram de todo um conjunto favorável de condições internacionais, quer do ponto de vista ideológico quer do ponto de vista do pensamento económico. Certas correntes próximas do marxismo argumentavam que o multipartidarismo não era compatível com uma concepção revolucionária do poder. Algumas teorias económicas de desenvolvimento mais em voga na altura preconizavam que na fase de construção do Estado e de arranque económico, as elites modernistas deveriam estar reunidas à volta de alguns objectivos comuns, as indústrias protegidas da concorrência internacional, as estruturas do país deveriam ser poupadas de uma luta interna entre maioria e oposição. A trilogia uma Nação, um Estado, um Partido encaixava-se portanto.

Nos anos setenta e princípio dos anos oitenta internacionalmente estavam na moda as teorias de dependência e de modernização e foram

"sugeridas" ao continente africano. As teorias de modernização defendem no essencial a transferência pura e simples do nível de vida material e das civilizações europeias mais avançadas para os países africanos ditos atrasados.

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A problemática do desenvolvimento era posta em termos de evolução e progresso. Na ausência de um capitalismo indígena e de uma verdadeira burguesia nacional cabia ao Estado um papel condutor de todo este processo, sendo o seu intervencionismo fortemente apoiado nesta altura. À agricultura era atribuída um papel secundário, os modelos de crescimento eram baseados em elevados ritmos de industrialização e na modernização das estruturas agrárias32. Era este portanto o cenário interno e externo que configurava o ambiente vivido nos primeiros anos da independência de uma boa parte dos países africanos.

Expectativas

Perante este quadro geraram-se uma série de expectativas à volta destes países recém-independentes. Na sequência deste trabalho concentramo-nos acima de tudo naquelas que se formaram à volta do Estado tentando identificar um pouco da sua natureza e conteúdo, mas fundamentalmente a forma como a instituição vai-se relacionar com o resto da sociedade africana e o seu posicionamento face ao exterior.

O modelo Estado-Nação, importado do Ocidente europeu, era então visto como uma instituição de civilização, de modernização e de desenvolvimento face ao restante tecido social percebido como sendo atrasado e exótico. Nesta base ergueram-se mecanismos formais e institucionais reconhecidos internacionalmente. O Estado não era concebido como sendo o produto de formação de uma história específica em harmonia com a sociedade.

Pelo contrário, muitas vezes posicionou-se contra este mesmo corpo social em

32 Ver os seguintes estudos:

— CARDOSO, F., Gestão e desenvolvimento rural: Moçambique no contexto da África sub-sahariana, 1993, Lisboa, Edições Fim de Século.

— CASAL, A., Políticas agrícolas e processos de desenvolvimento rural na África ao Sul do Saara, in Revista Internacional de estudos Africanos, Nº 10 e 11, Janeiro-Dezembro, 1989, 163-178.

— OPPENHEIMER, J., Desenvolvimento rural e preços agrícolas em África: em favor de uma abordagem interdisciplinar, in Revista Internacional de Estudos Africanos, Nº3 Janeiro-Dezembro, 1985.

— SARDAN, J., Afrique: Qui Exploit Qui? in Les Temps Modernes, 346+347, 1506-1551, 1744-1775, pp.1748 a 1750.

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que está inserido. Em múltiplas situações propunha-se mesmo a construção de uma "sociedade nova", e neste sentido instigava-se um forte combate a tudo o que era considerado "tradicional", "étnico". Simultaneamente o argumento, ou melhor, a ideologia do desenvolvimento era visível em vastos programas dirigidos pelo Estado.

Estas expectativas geradas à volta do Estado podem ser analisadas alguns anos mais tarde. Com efeito pelos factos registados até aos anos oitenta e noventa torna-se possível traçar um balanço, provisório convenhamos pois o tempo é manifestamente curto, da performance destes Estados africanos numa perspectiva mundial. É o que passamos a abordar de seguida.

4.3 O POSICIOANAMENTO DOS ESTADOS AFRICANOS NO CONTEXTO DA ECONOMIA-MUNDO

Elegendo o Estado africano como unidade de análise pretendemos averiguar em que medida este continente está integrado e/ou marginalizado no contexto da economia-mundo e em simultâneo constatar se as expectativas de desenvolvimento foram ou não satisfeitas33.

33Fortuna argumenta que o sistema inter-Estados é, por assim dizer, a componente política da economia-mundo capitalista e nela actuam diferentes Estados nacionais em busca contínua da

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Apresentamos alguns argumentos que atestam por um lado formas de integração e por outro de marginalização com o intuito de identificarmos pistas que possam ser usados na avaliação da actuação destes Estados.

4 .3.1 A integração africana na economia-mundo

As tendências da integração internacional e a configuração dos diferentes espaços regionais, bem como o debate sobre o multilaterismo e formação de blocos, ainda são marcados pelo ambiente que caracterizou o término da Segunda Grande Guerra. O advento da Guerra Fria e da bipolaridade estratégica e o papel dominante dos Estados Unidos como superpotência mundial são dados que configuraram e se reflectem ainda hoje nestes processos sendo igualmente válidos para o continente africano.

Mas antes desta conjuntura, no caso de África, um dado estruturante a ter em conta é o advento da colonização europeia do século XIX em que vai ser

"absorvido" pela lógica de mercado do capitalismo. A partir daqui pode-se considerar que o continente passa a fazer parte efectivamente do ambiente da economia-mundo.

a) Integração Regional e Cooperação

Em África, as experiências de cooperação e integração regional, apesar de incipientes do ponto de vista de economia geral, datam do início das independências, nos anos sessenta. Algumas dessas experiências vêm inclusivamente mais de trás, como as uniões aduaneiras da África ocidental e central e a chamada "Zona Franco", que agrupa desde os anos quarenta e cinquenta as ex-colónias francesas; mais ainda antiga é a SACU, união aduaneira da África Austral, que engloba desde 1910 a África do Sul, o

consolidação e melhoria das suas condições estruturais. Desigualmente equipados, em função da sua situação geo-estratégica, poderio militar, alianças privilegiadas, e recursos materiais, os diferentes Estados nacionais têm reproduzido e aprofundado uma relação histórica de dominação/subordinação que se espraia, por exemplo do colonialismo ao exercício da hegemonia mundial .( FORTUNA, C., 1993, pp. 24).

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Botswana, o Lesoto, e a Suazilândia, países que, juntamente com a Namíbia, formavam a Zona do Rand ( transformada depois em Common Monetary Area, com excepção do Botswana).

Os processos de integração regional em África têm vindo a adquirir, desde os anos sessenta, formas institucionais cada vez mais elaboradas. As suas configurações pragmáticas apontam, regra geral, para a constituição sucessiva de zonas de comércio livre, uniões aduaneiras, mercados comuns e uniões económico-monetárias, numa extrapolação evidente da experiência de integração europeia.

No entanto, apesar dos vários projectos de integração regional, ela só existe verdadeiramente no caso da união Aduaneira da África Austral (SACU).

Isto porque as economias da generalidade dos países são pouco diversificadas, as suas principais produções assentam-se em matérias-primas e as exportações revelam uma evidente escassez de bens de indústria transformadora.

b) Organizações Internacionais

Os países africanos são membros de algumas organizações internacionais à escala planetária como a ONU (Organização das Nações Unidas), BM (Banco Mundial), FMI (Fundo Monetário Internacional), OMS (Organização Mundial da Saúde), etc.

Além disto existem uma série de acordos e convenções como o GATT (Acordo Geral Sobre as Tarifas Aduaneiras e o Comércio) e a Convenção de Lomé que assume uma importância significativa para o continente34.

34De acordo com Afonso a Convenção de Lomé é o ex-libris das relações de cooperação estabelecidas entre a União Europeia e os países ACP (que englobam quase 15% da população mundial). Trata-se de acordos assinados entre a U.E. e os países de África Caraíbas e Pacífico, onde são (re) definidas as prioridades e os rumos a seguir pela cooperação. As suas origens remontam a criação da Comunidade Europeia e, em especial, a parte IV do Tratado de Roma. As convenções de Yaundé I e II institucionalizaram a preocupação com o desenvolvimento dos PVD, através da criação de instrumentos de natureza e objectivos relativamente limitados. A primeira Convenção de Lomé foi assinada em 1975, com 46 países ACP, e em 1980 a segunda, com 57 países, para um novo período de 5 anos. Em ambas o sector de trocas comerciais é o mais importante. A Convenção de Lomé III (também de duração quinquenal) começou a vigorar no ano de 1985, envolvendo 66 países ACP e, Lomé IV, assinada em 15 de Dezembro de 1989, com 7 países entrou em vigor no ano seguinte e permanecerá até ao final do século, procurando assegurar uma maior estabilidade ao nível das relações UE-ACP. (AFONSO, M., 1995, pp.126/127).

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Estas organizações e acordos funcionam como modos de integração do continente na economia-mundo, assumindo funções mediadoras ou mesmo de credoras dos países.

c)Os Programas de Estabilização e Ajustamento Estrutural

Os programas de estabilização propostos pelo Fundo Monetário Internacional surgiram precisamente nos finais dos anos 70 e foi na sequência dos graves desequilíbrios das contas externas de vários países africanos. Numa fase posterior, no início dos anos 80, o Banco Mundial também entra no processo, sendo que os programas passam a ser denominados de Ajustamento Estrutural, isto é, passam a englobar não apenas a estabilização mas também a liberalização e o crescimento económico. Os anos 90 assistem a uma generalização destes programas aos países da África ao sul do Saara e o alargar das condicionalidades económicas iniciais para outras de natureza política e do respeito dos direitos humanos.

Como é que surge em termos de conjuntura histórica a dívida externa dos países africanos? No final dos anos 70 e sobretudo no início dos anos 80 os países da África subsaariana viram o montante das suas dívidas aumentar de forma substancial. De uma forma sintética pode-se apontar como causas o segundo choque petrolífero de 1979 e a queda dos termos de troca dos países em desenvolvimento. Outros dados importantes são apontados como o comportamento dos países industrializados face a crise, com destaque para os Estados Unidos, e da própria Banca Internacional bem como certas políticas económicas então adoptadas pelos países africanos35.

35 Dissertando sobre a acumulação da dívida externa nos países do Terceiro Mundo Serra salienta que no tocante ao comportamento dos Estados Unidos contrariamente ao que estes iam aconselhando aos outros países (nomeadamente aos países em desenvolvimento directamente ou através da sua crescente influência nas organizações multilaterais como o FMI e o Banco Mundial) não adoptaram políticas contraccionistas que ajudassem a limitar este déficit. Pelo contrário a política económica prosseguida foi no sentido de, para sustentar aquele crescimento com déficit externo, financiar este com endividamento externo. Os enormes volumes de financiamento necessários e uma política económica que simultaneamente foi relativamente bem sucedida no controlo da inflação, fizeram com que aumentasse não só a cotação do dólar no mercado internacional como também as taxas de juros reais praticadas no mercado internacional de capitais. O resultado não podia ser mais gravoso para países, como a maioria dos do Terceiro Mundo, que vinham endividando com empréstimos em dólares e com taxas de juro flutuantes. O valor real da sua vida nominal cresceu significativamente mesmo sem eles terem qualquer interferência directa no processo. Tinha sido apenas a evolução da situação do mercado internacional de capitais condicionada pela política económica interna dos Estados Unidos que tinha

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d)Transições Políticas

À partir da década de oitenta começamos assistir no continente africano ao início de transições de regimes autoritários para regimes democráticos, se bem que numa primeira fase apontassem para a conversão de regimes militares em regimes civis

Mas vai ser sobretudo à partir do ano de 1989 que observamos vagas de democratização para o multipartidarismo e o Estado de direito, tendo como causas próximas a influência da Perestroika e os Planos de Ajustamento Estrutural36. Podemos ainda acrescentar à estas condicionantes externas outras de cariz interno ao continente, nomeadamente a enorme crise do Estado e a marginalização de sectores económicos e faixas etárias da população, nomeadamente os jovens.

Estes processos de transição foram acompanhados na maior parte das situações, pela adopção de determinadas práticas económicas com vista à liberalização e ao crescimento económico, constituindo-se assim como formas de integração na economia-mundo.

4.3.2 A marginalização de África na economia-mundo

Vejamos agora alguns factores que argumentos que denotam uma marginalização de África:

agravado a sua situação.

Em relação ao comportamento da banca internacional, é de salientar que, tendo-se constituído como depositária de enormes somas provenientes das crescentes receitas petrolíferas dos países do Médio Oriente, ela procurou rentabilizar esses depósitos através do incentivo aos países do Terceiro Mundo para que resolvessem o problema da acrescida factura petrolífera através de uma aumento do seu endividamento.

Estes, por sua vez, face a uma situação internacional caracterizada, quantas vezes, por taxas de juro extremamente baixas senão mesmo negativas em termos reais, preferiram adoptar uma política económica de aumento do seu endividamento externo em vez de tomarem desde logo providências no sentido de procurarem algum ajustamento à nova situação da estrutura dos preços do petróleo e do aumento significativo do seu desequilíbrio externo. Para isso terão contribuído não só o convencimento de que se estava perante uma crise relativamente breve e passageira como também a política da banca internacional de incentivar à contracção de empréstimos — o que não era difícil num período de taxas de juro tão baixas… — e, last but not least, a simples incompetência de muitos dirigentes. (SERRA, A., 1992, pp. 4)

36 CONAC, G., 1990.

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a) Investimento Estrangeiro e Comércio Mundial

A análise do fluxo do investimento estrangeiro em África revela que ele tem diminuído nos últimos anos e as estimativas vão no sentido do acentuar desta mesma tendência. A situação é preocupante pelo facto de ser de capital importância o papel desempenhado pelo investimento estrangeiro na economia destes países 37.

Quadro n.º 1

Parcelas das regiões no comércio mundial de mercadorias em 1990.

(parcelas em percentagens calculadas à partir do valor das exportações e das importações).

Ásia 21,9%

América do Norte 16,5%

América Latina 4%

Médio Oriente 3,3%

África 2,6%

Europa Ocidental 46,5%

Europa Central e Oriental e URSS 5,2%

Fonte: Problème economiques nº 2.285, Jullet 1992.

37 Os investimentos estrangeiros directos são o principal recurso económico dos países em vias de desenvolvimento, tendo representado cerca de 31% dos rendimentos líquidos destes países em 1992 e cerca de 35% em 1993, segundo estimativas do Banco mundial. Numa altura em que os investimentos estrangeiros directos diminuíram mundialmente, os destinados aos países em vias de desenvolvimento aumentaram 28% para 48.000 milhões de dólares em 1992 e deverão atingir 56.000 milhões em 1993.

A China, a Argentina, o México, a Malásia e a Tailândia representam 60% desses investimentos. A Europa de Leste atraiu 8.500 milhões de dólares. A África subsaariana foi a única região do mundo onde os investimentos estrangeiros directos diminuíram em 1992. (Financial Times, 13, de Dezembro de 1993).

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O quadro elucida-nos que o posicionamento de África no fluxo do comércio mundial (volume de exportações e importações) é no mínimo marginal quando comparado com o peso de outros continentes, nomeadamente a Europa e a Ásia. Alguns factores estiveram na origem deste posicionamento:

a instabilidade política do continente, a descida dos preços das matérias primas e as quebras das exportações africanas, canalização de recursos para outras zonas do globo como a Ásia e a Europa de Leste, perda de importância estratégica após a Segunda Guerra Mundial.

b)Ajudas ao desenvolvimento e ONGS

O cenário anteriormente descrito projecta como consequências o facto de muitos países tornarem-se dependentes da ajuda externa. A questão pertinente é o da avaliação da eficácia e utilidade das ajudas38.

A acção das ONGS (organizações não governamentais), cuja natureza e filosofia de acção consiste em privilegiar as populações, não raras vezes no desempenho das suas missões ignoram pura e simplesmente o Estado africano.

Do lado dos países doadores das ajudas privilegiam em muitos casos a cooperação com as ONGS (frequentemente originários dos respectivos países) em detrimento dos Estados, o que tem o efeito de garantir o retorno do investimento da ajuda, marginalizando ao fim ao cabo ainda mais o continente africano.

b)Margem de Decisão

O posicionamento dos países africanos na maior parte dos organismos internacionais em termos de capacidade negocial e de decisão para assuntos que lhes são vitais é fraca. Ou seja, quem decide as questões fundamentais do continente a vários níveis não são os próprios países.

38 Segundo Oppenheimer a História da Ajuda ao Desenvolvimento mostra que foram, sobretudo, interesses de política externa que motivaram a ajuda ao desenvolvimento. O "desenvolvimento" em si não foi o fim da cooperação mas sim um meio para promover a estabilidade política e uma orientação de acordo com os blocos políticos dominantes. Além destes interesses de política externa, surgiram interesses de economia externa,(…)a criação e garantia de mercados de escoamento, de fornecimento de matérias primas e de investimento no estrangeiro . (Oppenheimer, et al., 1990: 21, in AFONSO, M., 1995)

Referências

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