• Nenhum resultado encontrado

PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC-SP Sérgio Augusto Moreira

N/A
N/A
Protected

Academic year: 2019

Share "PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC-SP Sérgio Augusto Moreira"

Copied!
115
0
0

Texto

(1)

PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO

PUC-SP

Sérgio Augusto Moreira

“O entrelaçamento dialético entre Mito e Aufklärung no primeiro

capítulo da Dialética do Esclarecimento de Adorno e Horkheimer”

MESTRADO EM FILOSOFIA

São Paulo – SP

(2)

PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO

PUC-SP

Sérgio Augusto Moreira

“O entrelaçamento dialético entre Mito e Aufklärung no primeiro

capítulo da Dialética do Esclarecimento de Adorno e Horkheimer”

MESTRADO EM FILOSOFIA

Dissertação apresentada à Banca Examinadora como exigência parcial para obtenção do título de MESTRE em Filosofia pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, sob a orientação da Professora Doutora Jeanne Marie Gagnebin.

(3)

MOREIRA, Sérgio A. “O entrelaçamento dialético entre Mito e Aufklärung no primeiro capítulo da Dialética do Esclarecimento de Adorno e Horkheimer”. 106 p. Dissertação

(Mestrado em Filosofia). Pontifícia Universidade Católica, São Paulo – São Paulo.

Dissertação apresentada à Banca Examinadora da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, como exigência parcial para obtenção do título de Mestre em Filosofia, sob a orientação da Professora Doutora Jeanne Marie Gagnebin.

Data: 02 /10/2012

Resultado: __________________________________

Banca Examinadora

(4)

DEDICATÓRIA

(5)

AGRADECIMENTOS

(6)

“Die Lüge, einmal ein liberales Mittel der Kommunikation, ist heute zu einer der Techniken der Unverschämtheit geworden, mit deren Hilfe jeder Einzelne die Kälte um sich verbreitet, in deren Schutz er gedeihen kann.“

“A mentira, que foi outrora um meio liberal de comunicação, transformou-se hoje numa das técnicas da insolência, graças à qual cada indivíduo estende à sua volta a frieza, e sob cuja proteção pode prosperar.”

(7)

RESUMO

“O entrelaçamento dialético entre Mito e Aufklärung no primeiro capítulo da Dialética

do Esclarecimento de Adorno e Horkheimer” (Sérgio Augusto Moreira). O tema desta pesquisa mostra os meandros dialéticos que são opostos e complementares entre Mito e Aufklärung, na qual aponta para a dimensão da dominação da natureza no contexto histórico da razão ocidental desde epopeia homérica até o Iluminismo. Entretanto, uma outra dimensão perpassa esta problemática da dominação da natureza: o resgate da emancipação do sujeito contemporâneo e, dentro desta dimensão a urgência de emancipar o sujeito, de resgatar o sujeito quebrado em si. A emancipação do sujeito quebrado só acontece com o reconhecimento da teia sistemática de dominação existente na vida social, buscando por meio da abstração, sobressair dos intermitentes sofrimentos da realidade vigente, sentindo assim sopro da autonomia crescendo gradualmente na consciência do sujeito.

Palavras-chave: Esclarecimento, Mito, Entrelaçamento, Dialética, Aufklärung, Dominação,

(8)

ABSTRACT

"Interweaving the dialectic between myth and Aufklärung in the first chapter of the dialectics of Enlightenment, Adorno and Horkheimer" (Sérgio Augusto Moreira). The theme of this research shows the meanders dialectic that are opposite and complementary between myth and Aufklärung, in which points to the dimension of domination of nature in the historical context of western reason since epic Penelope's tapestry until the Enlightenment. Meanwhile, another dimension permeates within this issue of domination of nature: the salvage of emancipation of subject contemporary and, within this dimension that is born the urgency of emancipating the subject, to rescue the broken subject in itself. The emancipation of the subject broken only happens with the recognition of the warp systematic domination existing in social life, searching for means of abstraction, protrude of intermittent sufferings of current reality, feeling the blow of autonomy gradually growing in awareness of the subject.

Keywords: Enlightenment, Myth, Interweaving, Dialectic, Aufklärung, Domination,

(9)

SUMÁRIO

INTRODUÇÃO ... 01

1 Uma introdução á partir do prefácio da Dialética do Esclarecimento... 05

1.1– Como surgiu a Dialética do Esclarecimento?... 07 1.2– A proposta configurada no prefácio da DE... 09 2 O entrelaçamento dialético entre Mito e Aufklärung ... 15

2.1- Contexto Geral da DE... 16

2.2-Paradoxo Dialético: “Esclarecimento ou Mito, Mito ou Esclarecimento”.... 19

2.3- Crítica do Esclarecimento ao Mito... 36

3 Elementos temáticos contidos no entrelaçamento dialético entre Mito e Aufklärung... 43

3.1 -“A transformação do mito em esclarecimento”... 45

3.2 - “O poder da repetição”... 53

3.3 - “A linguagem deve resignar-se ao cálculo”... 63

3.4 - “A mimese tem função identificatória”... 72

3.5 - “Ulisses - representa o astuto protoburguês”... 77

CONSIDERAÇÕES FINAIS... 90

(10)

1

INTRODUÇÃO

Mediante toda densidade e complexidade desta obra clássica da contemporaneidade, “Dialética do Esclarecimento” de Adorno e Horkheimer,o foco da pesquisa se depara na questão da dominação e no resgate da emancipação, visando trazer à tona tais elementos, ao mostrar sua relevância dentro da discussão sobre a gênese histórica da razão ocidental. Já na epopeia homérica “Odisséia”, cujo personagem heróico é Ulisses, desbravador dos mitos “Μύθος” no seu retorno sofrido à

Ítaca, surge um novo jeito de pensar por meio do “λόγος” (razão discursiva), com base na sua inteligência astuciosa vencia os monstros mitológicos inaugurando assim a civilização ocidental.

A Dialética do Esclarecimento remete, justamente, a esse título, devido à dialética como herança hegeliana-marxista da Escola de Frankfurt, para realizar um retorno à mitologia e, ao mesmo tempo, ter o esclarecimento como nova mitologia. No entanto, de certa maneira, apresenta tanto o mito como o esclarecimento não só como contraface inseparável um do outro, mas também denuncia o esclarecimento como promotor da nova espécie de barbárie por meio da ideia totalitária de dominação, conforme Adorno e Horkheimer (1985, p.22) afirmam: “O esclarecimento é totalitário”. O primeiro capítulo, “Uma introdução a partir do Prefácio da Dialética do Esclarecimento”, é justamente uma preparação para os próximos capítulos tendo como base o prefácio de 69 e lembrando também o prefácio de 44; explicito um breve histórico do surgimento da DE1 para entender melhor os motivos primordiais da mesma; explicito a proposta do prefácio de 69. O objetivo deste capítulo é preparar e contextualizar o leitor para o enfrentamento do primeiro capítulo da DE – “O Conceito de Esclarecimento” de acordo com o tema proposto da pesquisa.

No segundo capítulo, discuto sobre: “O entrelaçamento dialético entre Mito e Aufklärung”, explicito a complexidade da DE no desdenhar do entrelaçamento dialético entre Mito e Aufklärung a respeito da amplitude evidente desta complexidade. Segundo Adorno e Horkheimer apresentam especialmente no primeiro capítulo a sua tese central da DE: “O mito converte-se em esclarecimento.” (ADORNO e HORKHEIMER, 1985, p.24) Esta tese é a novidade que os autores trazem nesta discussão sobre a gênese da

(11)

2

racionalidade ocidental, na qual revela a importância da dialética como instrumental teórico de pesquisa para perscrutar sobre o “Conceito de Esclarecimento” em sua complexidade.

Entretanto, é necessário contextualizar esta complexidade juntamente com os comentadores de Adorno e Horkheimer, explicitando os movimentos dialéticos do texto e suas oscilações: ora o mito, ora o esclarecimento. Então, aparece o paradoxo dialético: “Esclarecimento ou Mito, Mito ou Esclarecimento”, que perpassa pela temática: “A questão da dominação e o resgate da emancipação”.

Ainda no contexto geral da DE, é relevante discutir a questão da dominação tanto no mito como no esclarecimento perante a perspectiva mitológica e no que a dominação se transforma na perspectiva do esclarecimento. Eis uma das questões presentes nesta pesquisa: Como se dá esta transformação da dominação tanto no mito como no esclarecimento? E é possível resgatar a emancipação do sujeito?

Outra questãoapresentada nesta pesquisa tão relevante quanto à outra, de acordo com o tema proposto, seria: Qual é a relação entre a questão da dominação e a questão da emancipação do sujeito? Em hipótese, há elementos temáticos contidos no entrelaçamento dialético entre Mito e Aufklärung que reforçam a questão da dominação, mas também há outros elementos que apontam para uma possível solução: o resgate do processo emancipatório do sujeito contemporâneo. Esta é a proposta desta pesquisa, no entanto, para fazer esta relação aproximativa em torno do tema, é preciso delinear melhor a partir da escolha de alguns parágrafos relevantes para acrescentar e aprofundar mais esta pesquisa.

Por isso, no terceiro capítulo, enumero os parágrafos do “Conceito de Esclarecimento” e, de acordo com o tema, escolho os cinco principais - §6, §7, §10, §11 e §17. Comentoresumidamente cada parágrafo.

No parágrafo §6 é explicitada a questão dialética da “transformação do mito em esclarecimento” (Cf. ADORNO e HORKHEIMER, op. cit., p.24); o entrelaçamento entre a dialética do mito e do esclarecimento, na qual se torna uma mão dupla de forma estrutural do pensamento (do esclarecimento ao mito e vice-versa), cuja dominação na magia tem seu poder mítico específico, assim como a dominação no esclarecimento aparece na linguagem matematizada nos moldes científicos.

(12)

3

esclarecimento. Subdividimos em cinco tópicos encontrados: 1 – o princípio da necessidade fatal; 2 – o princípio da imanência (a insossa sabedoria e o poder da repetição); 3 – o preço da identidade de tudo com tudo (eliminar o incomensurável); 4 – a unidade da coletividade manipulada (triunfo da igualdade repressiva – Juventude Hitlerista); 5 – a abstração.

Segundo Rodrigo Duarte, a noção de mito é sempre referida, por sua vez, ao esclarecimento, como sua antítese dialética e, ao mesmo tempo, como sua “contraface inseparável”. O esclarecimento, longe de se manter a salvo do retorno do mito, enreda-se cada vez mais numa espécie de compulsão mítica pela repetição e transforma-enreda-se, por fim, num novo discurso mítico. (Cf. OLIVEIRA, 2008, p.142, 144)

No parágrafo § 10 “a linguagem deve resignar-se ao cálculo” mostra a questão da linguagem e sua transformação histórica mediante o processo totalitário do esclarecimento, cuja participação nesta mudança perpassa tanto pela linguagem como pela mimese. Subdividimos em três pontos cruciais: 1- a linguagem na antiguidade é simbólica (a palavra coincide com o signo e a imagem); 2 – a nítida separação da ciência e da poesia; 3 – a ciência, em sua interpretação neopositivista, torna-se esteticismo.

No parágrafo § 11 “a mimese aniquila o desigual”, no sentido que, quando Adorno e Horkheimer dizem que o mito converte-se em esclarecimento, não somente converte-se a um tipo de pensamento, mas também, a própria estrutura do pensamento é transformada e modificada, sem dúvida nenhuma, através dos novos moldes científicos. Então, subdividimos em dois pontos cruciais: 1- a imitação (mimese) está proscrita tanto em Platão (quando fala sobre a poesia de Homero) como também na religião judaica; 2 – magia e arte – princípio em comum e suas diferenças (a magia converteu-se em arte).

No parágrafo § 17 “Ulisses - representa o astuto protoburguês”. Adorno e Horkheimer no inicio deste parágrafo citam o duodécimo canto da Odisséia relatando o encontro do herói Ulisses com o sedutor e irresistível canto das sereias, como eles afirmaram: “A sedução que exercem é a de se deixar perder no que passou. Mas o herói a quem se destina a sedução emancipou-se com o sofrimento.” (ADORNO e HORKHEIMER, 1985, p.43) Nesta citação podemos perceber justamente o entrelaçamento da gênese da civilização ocidental, numa tênue ruptura entre dominação

(13)

4

contemplação artística. Entretanto, o herói Ulisses resiste ao canto irresistível das Sereias não somente com seu esforço físico, mas também intelectual ardiloso, mandando os seus subordinados concentrar seus esforços no trabalho de remar, apenas remar sem poder ouvir, escapando do canto sedutor e devastador das Sereias.

Ao investigar os parágrafos elencados, reúno os elementos temáticos que aparecem no entrelaçamento dialético entre os dois tipos de pensamentos: Mito e Aufklärung. Justamente, para dar consistência à complexidade tratada no capítulo “Conceito de Esclarecimento”, por que neste capítulo existem vários temas infindáveis que podem ser investigados, porém, bastam estes parágrafos escolhidos para delinear o objetivo da pesquisa.

Tais elementos provam o complexo movimento dialético histórico entre Mito e Aufklärung, segundo o qual, surge preponderante, ao mesmo tempo em que surgem a questão da dominação e a proposta do resgaste do programa iluminista que é a emancipação do sujeito. Eis o paradoxo: Como emancipar o sujeito contemporâneo dentro deste processo de dominação totalitária existente em nossa sociedade?

Se existe uma resposta convincente, eu não sei, porém, Adorno e Horkheimer deixam bem claro que, dentro da complexa proposta contemporânea, na qual osujeito se encontra perdido, cujo ego é violentado e reestruturado no processo de dominação para se adequar aos moldes preestabelecidos socialmente, há uma saída alternativa: o resgate da emancipação. Mesmo ainda cientes e conscientes deste processo, é possível conquistar a autonomia e emancipação de si, quando usamos o pensamento, mesmo contaminado, em favor de si, resistindo arduamente com muita criatividade para se desvencilhar da ideia dominante dos moldes lógico-cientifico.

(14)

5

CAPÍTULO – I

“Uma introdução a partir do prefácio da Dialética do Esclarecimento”

(15)

6

Uma introdução a partir do prefácio de 69 e de 44 se torna necessária para assegurar uma apresentação mais evidente do tema proposto da pesquisa: “O entrelaçamento dialético entre mito e Aufklärung: tessitura da dominação na ciência, magia e arte no “Conceito de Esclarecimento” da Dialética do Esclarecimento de Adorno e Horkheimer”, a investigação sobre o primeiro capítulo “O Conceito de Esclarecimento”, cujo conteúdo é denso e complexo. Por isso, devido a sua complexidade, é preciso retomar os prefácios de 69 e de 44 para esclarecer e dar pistas sobre o primeiro capítulo que Adorno e Horkheimer tratam.

Primeiramente, cabemostrar de maneira sucinta, segundo o comentador Rodrigo Duarte, como foi o surgimento da Dialética do Esclarecimento? Contextualizar historicamente a gênese da obra da DE; apresentar as primeiras ideias intencionadas para realização deste projeto de pesquisa até a junção importantíssima de Theodor W. Adorno com Horkheimer, surgindo assim um clássico da contemporaneidade filosófica escrita a quatro mãos, que na primeira edição de 1944 tinha o seguinte título “Fragmentos Filosóficos”, somente em 1947 será intitulado como “Dialética do Esclarecimento”.

Logo em seguida, tratar qual é a proposta da DE no prefácio de 69. Apresentar os pontos cruciais neste prefácio de 69, lembrando que neste momento, Adorno e Horkheimer fazem um balanço do livro desde que foi lançado na primeira edição e, acrescentam “só a última tese dos “Elementos do Anti-semitismo” – Junho, 1947” (ADORNO e HORKHEIMER, 1985, p.17)

(16)

7

1.1– Como surgiu a Dialética do Esclarecimento?

Ao se estabelecer, em abril de 1941, em Los Angeles, Horkheimer tinha como objetivo a retomada de um antigo projeto: escrever um livro sobre a lógica dialética. Devido à fuga do nazismo e da imigração para os Estados Unidos até então haviam impedido a realização desse projeto. O antigo projeto foi o precursor do enfoque central da Dialética do Esclarecimento, cuja finalidade trata de aspectos antropológicos enraizados no modo burguês de ser e, por outro lado, aborda criticamente o cientificismo positivista enquanto ideologia tácita do capitalismo tardio. 2

A DE foi escrita a quatro mãos, tendo Theodor W. Adorno como colaborador deste projeto inicial de Horkheimer. Adorno se destacou porque redigiu entre 1940 e 1941 uma primeira versão do que viria ser posteriormente o capítulo dedicado a Schönberg da “Filosofia da nova música”, um texto sobre o complexo processo de desenvolvimento da música ocidental, enfocando especialmente o princípio do século XX.

Nesse texto destacam-se uma atitude essencialmente crítica à racionalidade dominadora da natureza – já adotada, aliás, pelo próprio Horkheimer em textos anteriores – e o estabelecimento de um vínculo entre os acontecimentos histórico-sociais e os problemas da composição musical da contemporaneidade. 3

O parentesco das mais elevadas manifestações da alta cultura com a eclosão da barbárie, que já se anunciara no início do século XX, delineava-se, nesse texto, como uma das principais contribuições de Adorno às formulações centrais da obra sobre dialética. 4

Outra contribuição decisiva “post-mortem” de Walter Benjamin trata-se do impacto sobre Horkheimer e Adorno das suas teses “Sobre a filosofia da história”. A forte impressão que causou esse opúsculo aos autores da Dialética do Esclarecimento transparece na carta de Adorno a Horkheimer de 12/06/1941: “Quanto á grandeza do todo não pode haver qualquer dúvida. Além disso: nenhum dos trabalhos de Benjamin mostra-o tão próximo de nossas próprias intenções. Principalmente no tocante à ideia da

2 Cf. TIBURI, Marcia e DUARTE, Rodrigo. Seis Leituras sobre a Dialética do Esclarecimento. Ijuí:

Unijuí, 2009, p.13.

(17)

8

história enquanto catástrofe permanente, a crítica ao progresso e ao domínio da natureza e o posicionamento com relação á cultura.” 5

Segundo Wiggershaus, os capítulos sobre a indústria cultural e sobre o antissemitismo não constavam do planejamento inicial, tendo sido incorporados ao longo da redação da obra até ela chegar à forma mimeografada, divulgada em 1944 sob o título de “Fragmentos Filosóficos” apenas para os colegas do Instituto para a Pesquisa Social. Na versão publicada pelo Querido Verlag de Amsterdã, em 1947, já com o título de “Dialético de Esclarecimento”, constava o texto de fundamentação teórica “Conceito de Esclarecimento”, seguido de dois excursos (um sobre a Odisséia, outro sobre Kant, Sade e Nietzsche) e os dois capítulos, de inclusão posterior, sobre a Indústria Cultural e Antissemitismo. 6

Por fim, surge a Dialética do Esclarecimento, no entanto, há uma diferenciação em relação ao movimento intelectual do século XVIII Iluminismo - e naquilo que os autores querem dizer com Aufklärung. Os autores realizam uma grande ampliação do conceito, pois, em vez de compreender sob o termo apenas o movimento intelectual do Iluminismo, eles incluem esse último num processo que caracteriza a civilização ocidental desde os seus primórdios, com uma ênfase especial na mitologia grega, que, já continha, segundo eles, um impulso no sentido de organizar o mundo, semelhante ao que se encontrará na ciência. 7

Portanto, a Dialética do Iluminismo não é a derrocada ou a crítica totalitária da razão, mas a reconstrução e abertura desde o enfrentamento da borda bárbara da cultura, refletindo sobre o uso político da razão e o comprometimento ético e histórico. 8

(18)

9

1.2– A proposta configurada no prefácio da DE.

Antes de apresentar a proposta do prefácio de 69 e conjuntamente de 44, vejamos a visão de Marcia Tiburi e Rodrigo Duarte que afirmam:

“[...] No prefácio da edição de 1969 é afirmada a inserção de suas teorias no pressuposto do núcleo temporal e historicamente mutável da verdade. Os autores reconhecem o elemento documentário do livro na esperança de que tantos anos após sua primeira publicação ele ainda possa mostrar alguma validade. [...] Os mais de 50 anos que nos separam do livro nos obrigam a recobrar o tópico da validade do que ali foi exposto sob a luz de uma distância que não cessa de apresentar elementos para a construção da crítica e que, ao mesmo tempo, já define o caráter de um livro que pode ser considerado um clássico do século 20.” (TIBURI e DUARTE, 2009, p.09)

Mas qual seria a ideia exposta no prefácio de 69?

(19)

10

cultura e da humanidade, mais do que seu abandono.” (TIBURI e DUARTE, 2009, p.09,10)

Existem oito pontos cruciais no prefácio de 69 e de 44 que abordaremos sinteticamente: 1 – desproporção entre a obra e os autores; 2 – crítica à ciência moderna; 3 – constatação da infatigável autodestruição do esclarecimento; 4 – questões sociais presas ao processo global de produção; 5 – Pensamento privado e linguagem desgastada; 6 – recaída do esclarecimento; 7 – O medo do desvio social; 8 – tomada de consciência do esclarecimento.

O primeiro ponto, de certa forma, é simples e claro: “O que nos propuséramos era, de fato, nada menos do que descobrir por que a humanidade, em vez de entrar em um estado verdadeiramente humano, está se afundando em uma nova espécie de barbárie.” (1985, p.11) Porém, o trabalho de investigação em si toma outros rumos, no sentido, da “desproporção entre ela (a obra) e nossas forças (limitações)”.

A desproporção encontrada é devida à dificuldade dos autores numa excessiva confiança na consciência do momento presente (cientificismo). A dificuldade de distanciamento da realidade vivenciada para realidade observada relatada na obra alerta-nos a tomar cuidado com a confiança na filosofia vigente do momento presente, para que não ofusque a densidade da obra. Enfim, os autores concluem que é preciso abandonar tal confiança para dar o “corpus” da obra, por isso, toda complexidade e densidade confrontam as ideias novas com a realidade momentânea vigente. 9

O segundo ponto é a indagação crítica sobre: qual é o sentido da ciência?

Uma das áreas que Adorno e Horkheimer trabalham é a teoria do conhecimento, eles afirmam que se uma parte do conhecimento consiste no cultivo e no exame atento da tradição científica (especialmente onde ela se vê entregue ao esquecimento como um lastro, inútil pelos expurgadores positivistas), por outro lado, na atual crise da civilização burguesa, o que se torna problemático não é apenas a atividade, mas o sentido da ciência. Por fim, percorrer a gênese do conceito de esclarecimento é pontuar uma crítica relevante sobre o sentido da ciência e um dos motivos que a humanidade está se afundando em uma nova espécie de barbárie. 10

9 Cf. ADORNO e HORKHEIMER. Dialética do Esclarecimento. Tradução: Guido Antônio de Almeida.

Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 1985, p. 11.

(20)

11

Conforme Fabio Akcelrud Durão afirma: “O progresso do regresso é uma questão atualíssima, que merece ser investigada com cuidado.” 11 Por isso, Adorno e Horkheimer criticam o sentido da ciência. Por intermédio da ideologia positivista, a ciência enaltece que o homem moderno deve buscar o progresso, mas que tipo de progresso é este que parece um regresso aos tempos primitivos?

O terceiro ponto é a infatigável constatação da autodestruição do esclarecimento. A autodestruição do esclarecimento força e empurra o pensamento a recusar o último vestígio de inocência em face dos costumes e das tendências do espírito da época.

Se o senso comum já atingiu um estado em que o pensamento inevitavelmente se transforma em mercadoria e a linguagem em seu encarecimento, então a tentativa de mostrar, evidentemente, esta depravação do mesmo (ou seja, que o pensamento se torna em mercadoria), tem de recusar às convenções linguísticas e conceituais em vigor, antes que suas consequências para história universal frustrem completamente essa tentativa (tentativa esta de elucidar a depravação do próprio pensamento). 12

Então, sem dúvida nenhuma, a constatação da autodestruição do esclarecimento é saber que não tem como voltar mais no tempo “este processo totalitário dominador”, logo, é preciso “tentar resgatar” o quanto antes, o caminho da emancipação do sujeito moderno promovido pelo esclarecimento a partir do momento presente que nos encontramos.

O quarto ponto está nas questões sociais presas ao processo global de produção. As questões sociais não modificaram menos do que a ideologia à qual se referiam, ou seja, o objetivo da sociologia é apontar para os problemas sociais, que comumente criticam o sistema vigente, mas, porém, ao que aparece a sua crítica está tão contaminada quanto o objeto de crítica, o sistema que promove a produção global.

A sociologia oriunda do século XVIII critica o ideal científico positivista, porém, todo seu fundamento amparado na crítica social como um mero instrumento a serviço da ordem existente, tem tendências que vão contra sua própria vontade, de transformar aquilo que escolheu como positivo em algo negativo, de destrutivo. 13

11 DURÃO, Fábio Akcelrud. Revista Artefilosofia. Três ideias para a validade da

Dialética do Esclarecimento 60 anos depois. UFOP. nº 7 (outubro.2009). Ouro Preto: IFAC, 2009, p.18.

12 Cf. ADORNO e HORKHEIMER. Dialética do Esclarecimento. Tradução: Guido Antônio de

Almeida. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 1985, p. 11,12.

(21)

12

Adorno e Horkheimer mesmo afirmam: “Finalmente, a escola apologética de Comte usurpou a sucessão dos enciclopedistas intransigentes e estendeu a mão a tudo aquilo contra o qual estes haviam se colocado. [...] sua verdade volatiza-se.” (1985, p.12)

Por isso, Comte,considerado o fundador da Sociologia, com o intuito de pôr em evidência as questões sociais, coloca também a sua própria ideologia positiva na berlinda da crítica. Porque como posso mostrar quais as questões sociais, sendo que elas estão a serviço de um sistema político-econômico, de uma mentalidade nascente que enaltece a ciência, maior do que a própria sociologia? A sociologia faz parte do processo social e também é aglutinado ao sistema.

O quinto ponto é o pensamento privado e a linguagem desgastada. Não somente as questões sociais estão presas ao processo global de produção, mas também o pensamento se torna privado e a linguagem se desgasta.

Ao tomar consciência de sua própria culpa, o pensamento se vê por isso privado não só do uso afirmativo da linguagem conceitual científica e quotidiana, mas igualmente da linguagem da oposição. Enfim, não há nenhuma resistência contra as direções dominantes do pensamento, e o que a linguagem desgastada não faz espontaneamente é suprido com precisão pelos mecanismos sociais. 14

Conforme afirmou acima Adorno e Horkheimer o esclarecimento, por meio dos enciclopedistas, foi usurpado pelos positivistas, seguindo a sequencia, o pensamento torna-se refém de si mesmo, no entanto, a linguagem segue o pensamento, por isso, se desgasta. Isto demonstra “a fraqueza do poder de compreensão do pensamento teórico atual.” (ADORNO e HORKHEIMER, 1985, p.13)

O sexto ponto é a recaída do esclarecimento na mitologia e na dominação. Adorno e Horkheimer concluem sobre o não favorecimento das questões sociais como crítica, sobre a fraqueza do pensamento e da linguagem que se rende ao modelo padronizado, mostrando que a causa da recaída do esclarecimento na mitologia não deve ser buscada tanto nas mitologias nacionalistas, pagãs e em outras mitologias modernas especificamente idealizadas em vista dessa recaída, mas no próprio esclarecimento paralisado pelo temor da verdade.15 Esta recaída não é só histórico-cultural, mas também real, haja vista, o Holocausto.

(22)

13

O esclarecimento exprime todo o movimento real da sociedade burguesa como um todo sob o aspecto da encarnação de sua Ideia em pessoas e instituições, assim também a verdade não significa meramente a consciência racional, mas, do mesmo modo, a figura que esta assume na realidade efetiva.

Adorno e Horkheimer criticam o idealismo hegeliano centrado na frase: “O que é racional é real, e o que é real é racional”. 16 Será mesmo que o real é racional mediante toda denuncia que Adorno e Horkheimer mostram em sua obra da DE? Não que Adorno e Horkheimer sejam irracionalistas, pelo contrário, eles são defensores da proposta iluminista que é resgatar a dimensão emancipatória do sujeito.

O sétimo ponto é o medo do desvio social. O medo que o bom filho da civilização moderna tem de afastar-se dos fatos – fatos esses que, no entanto, já estão pré-moldados como clichês na própria percepção pelas usanças dominantes na ciência, nos negócios e na política – é exatamente o mesmo medo do desvio social. 17

A recaída na mitologia do esclarecimento traz o medo já contido dentro do homem chamado de medo primitivo, segundo Freud em sua obra “O Mal-estar na

Civilização”, e reforça a ideologia totalitária de um sistema vigente que controla a vida social.

Segundo Adorno e Horkheimer, este medo se torna uma “usança” dominante do pensamento, por isso, criam um sistema para “proteger” os indivíduos com a ideia do “fora”. A ideia do “fora” é exatamente quem estiver fora dos padrões estabelecidos pelo sistema totalitário, será excluído, daí a fonte da verdadeira angústia.

O oitavo e último ponto é a tomada de consciência do esclarecimento. A questão é que o esclarecimento tem que tomar consciência de si mesmo, se os homens não devem ser completamente traídos. Não é da conservação do passado, mas de resgatar a esperança passada que se trata. Hoje, porém, o passado se prolonga como destruição do passado. 18 Portanto, é preciso a tomada de consciência, antes que os homens paguem um preço muito alto devido tal submissão do pensamento.

Por isso, ao apresentar estes oito pontos cruciais do prefácio, fica evidente que a proposta é resgatar o conceito de esclarecimento por meio da dialética, cujo título deste trabalho perpassa pelo: “entrelaçamento dialético entre Mito e Aufklärung”. Segundo

16 HISTORIA DA FILOSOFIA. In: A razão, como princípio de tudo. Coleção “Os Pensadores”.

Organização: Bernadette Siqueira Abrão. Ed. Nova Cultural Ltda. 2004, p.355.

17 Cf. ADORNO e HORKHEIMER. Dialética do Esclarecimento. Tradução: Guido Antônio de

Almeida. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 1985, p. 14.

(23)

14

Adorno e Horkheimer mostram estes pontos relevantes no primeiro capítulo “O Conceito de Esclarecimento” para mapear o esclarecimento na história (na mitologia) até nas questões sociais do século XVIII, onde a ciência se configura com nova roupagem, roupagem esta que caracteriza a dominação, eis o entrelaçamento que se toca e se entrecruza nos momentos históricos da razão e do mito.

(24)

15

CAPÍTULO – II

“O entrelaçamento dialético entre Mito e Aufklärung.”

“[...] A dialética revela, ao contrário, toda

(25)

16

2.1– Contexto Geral da DE.

Iniciemos este capítulo mostrando a complexidade e densidade que é a DE dentro do contexto sócio histórico contemporâneo. Dentro de tantas outras obras clássicas da filosofia contemporânea, Adorno e Horkheimer retomam justamente outro clássico da mitologia grega – A Odisséia de Homero.

Mas por quê? Porque justamente este poema épico mitológico explicita para a discussão filosófica contemporânea, cujo viés é a tradição dialética hegeliano-marxista, a questão da subjetividade dentro da tentativa de elucidar o conceito de esclarecimento.

Ao perscrutar sobre o conceito de esclarecimento, surge Ulisses como personagem heroico mitológico importantíssimo na investigação de Adorno e Horkheimer mais especificamente no parágrafo § 17 no final do primeiro capítulo, Ulisses já é mencionado, a qual será tratada no terceiro capítulo, para abrir o próximo capítulo da DE com o título: “Excurso I – Ulisses ou Mito e Esclarecimento”.

Conforme Adorno e Horkheimer (1985, p.46) afirmam: “Ulisses é substituído no trabalho”. Ulisses personifica o indivíduo “protoburguês” com sua inteligência astuciosa e demonstra assim indícios de racionalidade evidente na narração mitológica da Odisséia. Por isso, Ulisses representa, mesmo não sabendo de sua existência ou não, pois é um relato mítico, a primeira aparição de resquícios de uma possível subjetividade, e ainda mais, com o poder da retórica que Ulisses tinha, ele se torna o patrão que comanda seus subordinados usando do seu ardil e de sua palavra sedutora, para poder escapar das emboscadas no mundo mitológico.

(26)

17

Estes elementos de dominação da natureza provocam regressos mediante o esclarecimento que deveria promover a autonomia do sujeito conforme Adorno e Horkheimer (1985) afirmam:

“[...] É da imaturidade dos dominados que se nutre a hipermaturidade da sociedade. Quanto mais complicada e mais refinada a aparelhagem social, econômica e científica, para cujo manejo o corpo já há muito foi ajustado pelo sistema de produção, tanto mais empobrecidas as vivências de que ele é capaz.” (p.47)

E este regresso é nossa imaturidade nas vivências humanas, eu diria que, somos medíocres nas questões humanas dentro da maturidade técnico-científica da sociedade que imprime o progresso irrefreável, a qual não há volta, por isso, a dominação vem junto com este progresso irrefreável, aliás, não há progresso sem dominação e vice-versa.

O corpo se ajusta de acordo com o sistema, não só o nosso corpo, mas também os nossos relacionamentos interpessoais são empobrecidos a cada instante que o nosso pensamento se torna cada vez automático na esteira padronizada do sistema. Contudo, favorece e enaltece àquele que produz freneticamente mais e mais, aniquilando sua individualidade subjetiva, se tornando escravos de sua própria pobreza: falta de humanidade, um dos sinais bem visíveis no tocante à dominação.

Como já sabemos, a falta de humanidade gera a barbárie na convivência social, daí a hipermaturidade social mostra o seu contrário, a sociedade é uma espécie de espelho que confronta com o outro e exige do sujeito a tamanha maturidade que ela oferece, porém, não evoluímos, humanamente falando, tanto quanto o progresso tecnológico da ciência.

(27)

18

pensamento, por isso, sobrevive o mais forte, lembrando a lei dos mais fortes da natureza.

Porém, em contrapartida, a questão da dominação da natureza, Adorno e Horkheimer, como defensores iluministas apresentam uma possível solução: o resgate da emancipação do sujeito em meio a todo o processo de dominação totalitária já existente. Ao passo que, usando da dialética como instrumento da razão dominada e contaminada pelos moldes científicos, o pensamento autodestrutivo consegue reconstruir e renovar as esperanças iluministas de outrora; é por meio do conceito de esclarecimento que se refaz o próprio esclarecimento buscando resgatar a emancipação do sujeito.

A DE é esta viagem translucida na história da razão ocidental que, ao voltar ao mito, refaz o esclarecimento dentro de uma nova perspectiva panorâmica, trazendo vários elementos importantes a serem investigados neste percurso do processo civilizatório do sujeito, que será apresentado no terceiro capítulo.

O contexto geral da DE, mostra o quanto esta obra clássica é um manual riquíssimo e complexo da filosofia contemporânea que mostra os entrelaçamentos e, detecta os pontos de entrecruzamento entre o pensamento mítico e o pensamento filosófico neste retorno e ponto de partida que, ora é mito, ora é esclarecimento.

Estes pontos são os nós de complexidade que surge aos nossos olhos nesta viagem dialética da razão, mas, ao mesmo tempo, podem ser vistos como possíveis brechas a ser minuciosamente interpretada e atualizada pelos adornianos de plantão, não perdendo de vista a complexidade vigente da obra, por que é uma característica principal do pensamento de Adorno e Horkheimer ao usar a dialética como instrumento depurador da razão obscurecida pelo processo totalitário.

(28)

19

2.2– Paradoxo Dialético: “Esclarecimento ou Mito, Mito ou Esclarecimento”.

Adorno e Horkheimer constroem uma obra que se torna clássica na Contemporaneidade, Dialética do Esclarecimento, com o intuito de perscrutar a gênese da Modernidade, do pensamento racional-iluminista, retornando à obra do poeta grego Homero – A Odisséia. Refazem todo caminho trazendo à tona a concepção de mito conjuntamente com o conceito de esclarecimento de uma maneira dialética e complementar, reafirmando que o medo mítico ainda não foi superado, da mesma forma em que o esclarecimento já possuía indícios de racionalidade na Odisséia (inaugurada mais tarde com o surgimento da filosofia) prefigurada pela astúcia do herói Ulisses. À luz do livrode Luis Inácio de Oliveira é interpretado todo o caminho dialético, tanto do mito como do esclarecimento, como narrativa pré-histórica da razão retornando ao clássico da mitologia grega, A Odisséia, sendo que tal narrativa continha todos os embriões fundadores da civilização ocidental. Oliveira expressa da seguinte maneira:

“[...] a tarefa de narrar à pré-história da razão e expor a dialética do mito e do esclarecimento conduz Adorno e Horkheimer de volta a uma obra que dá testemunho do nosso passado remoto – a Odisséia, uma das narrativas fundadoras da civilização ocidental.” (OLIVEIRA, 2008, p.140)

A DE alicerça-se na origem do pensamento moderno, cujo processo civilizatório levou o homem a aprender a controlar, progressivamente, a natureza em seu próprio benefício. No entanto, revertendo-se ao seu contrário – efetiva-se na mais crassa barbárie - em virtude da unilateralidade com que foi conduzido desde tempos antigos imemoriais até nossos dias de hoje, o esclarecimento enquanto tal. (Cf. DUARTE, 2004, p.08)

(29)

20

Desta maneira que Rodrigo Duarte comenta o texto inicial da DE no primeiro capítulo “Conceito de Esclarecimento”:

“[...] Já no texto inicial, “Conceito de Esclarecimento”, os autores exploram essa ideia, assinalando que a mitologia mais remota de nossa civilização já contém certo elemento “esclarecedor”: pretende organizar o mundo com os instrumentos que possui à sua disposição, cuja precariedade material é compensada com aspectos ideológicos associados à crença e ao culto. Segundo eles, de modo análogo, a superdesenvolvida ciência de nossa época, ao invés de extirpar de vez a crendice e a superstição, acaba engendrando uma nova mitologia.” (DUARTE, 2004, p.08,09)

Decorre da citação acima, indícios fundamentais para a compreensão do texto “Conceito de Esclarecimento”. Segundo Adorno e Horkheimer faz-se necessário o retorno à mitologia grega arcaica para investigar indícios de racionalidade na mesma, sobretudo, na obra Odisséia de Homero, em que Ulisses, herói astuto, é o representante destes indícios de racionalidade, de astúcia do sujeito. Entretanto, a ciência moderna pretendia extirpar a crendice das magias mitológicas, mas acaba por inaugurar uma nova mitologia, quiçá, com as estruturas do pensamento tão fechado quanto às próprias estruturas do pensamento da mitologia grega arcaica.

Partindo deste pressuposto, a obra “Dialética do Esclarecimento” de Adorno e Horkheimer, podem ser vista de maneira densa e complexa, conforme Martin Jay em “As ideias de Adorno”: “Arthur Lovejoy denominou as obras e o pensamento de Adorno como um ‘pathos metafísico da obscuridade’.” (JAY, 1988, p.15) Este pathos metafísico é toda a trajetória que Adorno e Horkheimer refazem, buscando uma nova gênese do conceito de esclarecimento, voltando até a mitologia com seu método da dialética, trazendo uma nova visão da origem do pensamento moderno. Ou ainda, “como ele disse: ‘A dialética avança por meio de extremos e leva os pensamentos, no grau mais profundo de suas conseqüências, ao ponto no qual eles se voltam sobre si mesmos em lugar de restringi-los’.” (JAY, 1988, p.17, apud ADORNO e HORKHEIMER. Minima Moralia, p.86)

(30)

21

demonstrado através do paradoxo emblemático da gênese da Modernidade proposta por Adorno e Horkheimer na DE. Por isso o título: “Esclarecimento ou Mito, Mito ou Esclarecimento”.

Noutra obra chamada “La imaginación Dialéctica”, Martin Jayafirma que a DE é uma obra de radicalidade, profundidade e densidade até os nossos dias de hoje. Por isso, torna-se um clássico da filosofia contemporânea, cuja contribuição reflexiva crítica pode atrapalhar muitos intelectuais, pois, desistem de decifrá-la e abandonam-na sem mergulhar na profundidade do texto filosófico o qual requer tempo e trabalho árduo na pesquisa investigativa.

“[...] Al llamar a La crítica de Horkheimer y Adorno <radical>, la palabra debiera entenderse em su sentido etimológico de ir hasta las raíces del problema. [...] La expresión más clara de este cambio fue la sustitución del Institut del conflicto de clases, esa piedra fundacional de cualquier teoría verdaderamente marxista, por un nuevo motor de la historia. El foco se centraba ahora sobre el conflicto más amplio entre el hombre y la natureza tanto exterior como interior, un conflicto cuyos orígenes se remontaban hasta antes del capitalismo y cuya continuidad, en verdad intensificación, parecia probable después del fin del capitalismo. El modo capitalista de explotación era visto ahora en un contexto más amplio como la forma histórica, específica de dominácion característica de la era burguesa en La historia occidental. El capitalismo de Estado y el Estado autoritário prefiguraban el fin, o al menos la transformación radical, de esa época. La dominación, afirmaban, era ahora más directa y virulenta sin las mediaciones características La sociedad burguesa. En un cierto sentido era la explotácion de que el hombre occidental la había hecho objeto durante generaciones.” (JAY, 1974, p. 413-414)

(31)

22

Aos olhos de Gagnebin, estas tensões advindas da mitologia grega arcaica, é uma “pré-história da razão” ocidental, pois, Adorno e Horkheimer não se contentam em fazer uma história da filosofia iluminista, eles retornam buscando saídas para barbárie, conforme o florescer da civilização grega. Retornam, portanto, ao desabrochar da poesia na tradição épica homérica, isto é, a uma linguagem que se apóia na tradição oral mítica, mas que a reorganiza pela forma escrita. É nesse momento de reorganização poética que jaz uma dimensão racional, no sentido amplo da palavra grega – “logos”: discurso, linguagem, razão. (Cf. GAGNEBIN, 2006, p.29)

A “pré-história da razão” ocidental ou uma nova “história da filosofia iluminista”, quer explicitar que tanto o mito como o esclarecimento estão imbricados em si na promessa falaciosa do “progresso triunfante das trevas do mito às luzes da razão.”(OLIVEIRA, 2008, p.135)No entanto, a DE

“[...] nasce de uma interrogação fundamental sobre os descaminhos da racionalidade iluminista, entendida num sentido amplo, como a racionalidade que pretende se opuser ao mito e superá-lo e, ao mesmo tempo, assegurar a dominação da natureza. [...] o que está em jogo no projeto da DE é nada menos que realizar uma arqueologia da razão esclarecida - a autodestruição do esclarecimento [...] se torna compreensível em suas raízes caso se possa fazer o relato da história primordial da razão esclarecida.” (OLIVEIRA, 2008, p.135)

Em contrapartida, o que Adorno e Horkheimer tratam sobre o esclarecimento é, antes de tudo, uma promessa falaciosa de progresso triunfante da modernidade, contendo os germens da barbárie e os elementos da regressão, o horror ao desconhecido e a violência contra a natureza, desde a sua fundação. (Cf. GAGNEBIN, 2006, p.135, 136)

(32)

23

Lembrando tal passagem, a nova espécie de barbárie, que os autores leram a partir de Freud, está diretamente ligada, sem dúvida nenhuma, ao medo primitivo do homem, segundo o qual o esclarecimento embeleza, moderniza a dominação do homem sobre a natureza externa e interna. Tal pretexto objetiva-se em dominar o próprio homem, se preciso até o último homem conforme Freud em “O Mal-estar na civilização”:

“[...] Os homens adquiriram sobre as forças da natureza tal controle, que, com sua ajuda, não teriam dificuldades em se exterminarem uns aos outros, até o último homem. [...] é daí que provém grande parte de sua atual inquietação, de sua infelicidade e de sua ansiedade.” (FREUD, 1997, p.111, 112)

Freud já percebia esta nova espécie de barbárie que Adorno e Horkheimer mencionam no inicio da DE, a propósito da dominação do homem sobre a natureza, por meio da análise das conseqüências psicológicas no homem, tais como: “atual inquietação, de sua infelicidade e de sua ansiedade”, que está intrinsecamente ligada com a expressão caricaturada da repressão que o indivíduo sofre nesta civilização, surgindo o mal-estar inerente a qualquer indivíduo que viva na sociedade.

A conseqüência disto é proveniente desta nova espécie de barbárie, citada acima, então, percebemos o disfarce na célere afirmação de Francis Bacon “saber que é poder”, como precursor do pensamento moderno tecnicista, quando Adorno e Horkheimer (1985, p.20) apontam a outra face deste “saber que é poder não conhece nenhuma barreira, nem na escravização da criatura, nem na complacência em face dos senhores do mundo”, este saber é avassalador e dominador e engendra esta nova espécie de barbárie com os elementos da regressão e não do progresso da humanidade conforme pregava o pensamento iluminista.

Nesta mesma linha de pensamento, com o advento da modernidade, Max Weber constata que o programa do esclarecimento passa pelo “desencantamento do mundo”,

(33)

24

regressão do próprio esclarecimento. Portanto, o poder de saber representa o poder de desencantar o mundo por meio das promessas do esclarecimento enquanto paradigma da modernidade.

SegundoLuis Inácio Oliveiraexplicita:

“[...] O desencantamento do mundo constitui o cerne do programa do esclarecimento – [...] o esclarecimento pretende suprimir, pela razão, o mistério do mundo, esvaziá-lo de toda aura e de toda transcendência. Ao transformar o mundo em objeto de um saber técnico, desencantando-o, a razão esclarecida em mero substrato de dominação. Conhecer para dominar foi, como se sabe, o lema que definiu a ciência moderna já no momento da sua fundação. A tematização weberiana do “desencantamento do mundo” (Entzauberung

der Welt), [...] cumpre-se, ao final deste processo, como vitória

da razão instrumental.” (OLIVEIRA, 2008, p.144)

Ora, por meio deste saber técnico19 moderno cujo poder desmistifica o mundo natural na forma racional lógico-científico incutindo a instrumentalização da razão para o desencantamento do mundo. Tem como conteúdo camuflado na forma de progresso técnico, o medo mítico reprimido, recalcado no mais íntimo de sua primitividade. O esclarecimento incute o medo, por isso, “o esclarecimento é totalitário” 20. Conforme Luis Inácio Oliveira o esclarecimento nutre e é nutrido pela própria negação do medo em forma de recalque:

“[...] O esclarecimento nutria a esperança de emancipar os homens do medo. Contudo, o controle racional do conhecimento não elimina o medo, antes o denega sob a forma do recalque – o inexplicável, o contraditório, o estranho, tudo aquilo que, como um resíduo de inconciliável, escapa ao conhecimento e não pode ser domesticado, produz o retorno da angústia mítica.” (OLIVEIRA, 2008, p.145)

19 Ibidem, p.20, Adorno (1985) confirma dizendoque: “A técnica é a essência desse saber, que não visa

(34)

25

O medo mítico21 que está apresentado e representado no inexplicável, no

contraditório, no estranho, no inconciliável, é exatamente o que escapa do sistema racional lógico do esclarecimento, por estar sendo recalcado constantemente. Quanto mais o homem acha que está livre por causa da “vitória” da razão esclarecida frente ao medo do desconhecido através dos rituais mágicos proporcionado pelos mitos, mais enganado e dominado ele estará, pois, “O esclarecimento é a radicalização da angústia mítica” (ADORNO e HORKHEIMER, 1985, p.29)

A esperança era de emancipar os homens por intermédio da “saída da menoridade” a propósito como Kant definia:

“[...] Esclarecimento (Aufklärung) significa a saída do homem de sua menoridade, da qual o culpado é ele próprio. A menoridade é a incapacidade de fazer uso de seu entendimento sem a direção de outro indivíduo. O homem é o próprio culpado dessa menoridade se a sua causa não estiver na ausência de entendimento, mas na ausência de decisão e coragem de servir-se de si mesmo servir-sem a direção de outrem. Sapere aude! Tem a ousadia de fazer uso de teu próprio entendimento – tal é o lema do Esclarecimento (Aufklärung).” (KANT, 2003, p.115)

Problematizando a citação kantiana acima: Mas como emancipar indivíduos no esclarecimento como nos incita a passagem acima? Sendo menores por falta de esforço para sair das amálgamas do sistema lógico totalitário do esclarecimento que aniquila o indivíduo e transforma-os em “massa homogênea”? A ousadia do saber, nesta passagem, assemelha-se ao “saber que é poder” de Bacon, ousar é ter poder para sair de sua condição de menoridade, mas é preciso saber, mas o que sabemos? Sabemos a lógica, a estrutura de tal raciocínio. Será que Kant não enfatiza demais à subjetividade esclarecida do homem moderno que tenta se emancipar?

No entanto, de acordo com Luís Inácio Oliveira, a reflexão adorniana quer explicitar que a emancipação só será possível se o sujeito esclarecido reconhecer o longo e difícil itinerário da atitude mágica à metafisica e á racionalidade científica, com

21 Uma correlação com o pensamento freudiano em “O Mal-estar na civilização” sobre o medo mítico ou

o medo primevo, Freud (1997) afirma: “Contudo, essa luta entre o indivíduo e a sociedade não constitui um derivado da contradição – provavelmente irreconciliável – entre os instintos primevos de Eros e da morte.” ( p.106) e diz ainda mais: “Até que ponto, seu desenvolvimento cultural conseguirá dominar a perturbação de sua vida comunal causada pelo instinto humano de agressão e autodestruição.” (p.111) Até aqui parece que Adorno e Horkheimer usam o termo autodestruição de Freud e acrescentam o

(35)

26

o caminho inverso dialético da reversão da razão esclarecida em nova mitologia, enfim, assim a emancipação se encontra no processo de sua própria constituição.

“[...] Esse processo, que a DE pretende narrar, realiza-se com o longo e difícil itinerário da atitude mágica à metafísica e à racionalidade científica e, paradoxalmente, com o caminho inverso da reversão da razão esclarecida em nova mitologia. Somente por uma redobrada violência contra si mesma a razão pode superar inteiramente o mito. [...] sua radical desmistificação – a racionalidade formal quer depurar e eliminar da razão todos os elementos míticos e irracionais. (OLIVEIRA, 2008, p. 146)

Por isso, a ousadia do saber kantiano como lema do esclarecimento em Adorno e Horkheimer na DE, a saída do homem da sua menoridadetorna-se o inverso, porque o homem esclarecido se encontra preso em si mesmo, acreditando na ilusória promessa de emancipação, só que o homem não consegue sair de si, pelo contrário, entra mais em si ainda, tornando-se escravo do seu próprio pensamento pelos efeitos da dominação da natureza, por isso, há uma regressão à mitologia. Como Oliveira afirmou acima: “Somente por uma redobrada violência contra si mesma a razão pode superar inteiramente o mito”. (OLIVEIRA, 2008, p.146)

Para Adorno e Horkheimer o esclarecimento ainda é uma aposta, porém, de forma problemática, conforme eles mesmos afirmaram no Prefácio: “A aporia com que defrontamos em nosso trabalho revela-se assim como o primeiro objeto a investigar: a autodestruição do esclarecimento.” (ADORNO e HORKHEIMER, 1985, p.13) É esta autodestruição que os autores denunciam no esclarecimento; além de estar preso, vinculado aos elementos mítico-irracionais, ao inconsciente segundo Freud, o esclarecimento reprimeo indivíduo; também está preso à racionalidade científica que é preponderante até então. Então, o homem moderno sai de uma caverna (a proposta iluminista) e entra em outra (a cientificidade do positivismo), logo, o homem apenas trocou de cárcere.

(36)

27

“[...] Nietzsche é visto por Horkheimer e Adorno como uma espécie de anti-Kant: o Esclarecimento como um fato consumado é avaliado por Kant como tendo apenas um sinal positivo, enquanto Nietzsche teria sido um dos precursores da dialética do esclarecimento, i.e., da ambigüidade desses para com a emancipação humana.” (DUARTE, 2004, p.36,37)

Nietzsche anti-Kantiano e precursor da dialética do esclarecimento expressando a ambigüidade contraditória da promessa iluminista sob a égide do esclarecimento. Adorno e Horkheimer se apóiam tanto em Nietzsche, fazendo uma denúncia do projeto da emancipação do indivíduo, como em Kant na tentativa de resgatar a esperança deste projeto de emancipação por outros meandros, ou, pelo menos levantar questionamentos como podemos alcançar a tal emancipação tão sonhada e prometida pelos iluministas. Retornando, a saída da menoridade para Kant, em linhas gerais, é a mola propulsora de divulgação do esclarecimento em seu mais puro objetivo, mas, contudo, o esclarecimento seria para Adorno e Horkheimer uma moeda de duas faces: num primeiro momento, a denúncia reveladora do quão pernicioso e manipulador tende a ser o esclarecimento através do pensamento positivista com sua autodestruição que é o alimento do pensamento dominante e; num segundo momento, a tentativa de resgatar a esperança do ideal iluminista da emancipação do indivíduo, conforme eles mesmos afirmam no prefácio:

“[...] A questão é que o esclarecimento tem que tomar consciência de si mesmo, se os homens não devem ser completamente traídos. Não é da conservação do passado, mas de resgatar a esperança passada que se trata. Hoje, porém, o passado se prolonga como destruição do passado.” (ADORNO e HORKHEIMER, 1985, p.15)

Recapitulando, a ideia do esclarecimento ou mito, mito ou esclarecimento, quando o esclarecimento toma consciência de si e cai nas ciladas da autodestruição do próprio esclarecimento que é o elemento engendrador da nova espécie de barbárie e dos elementos de regressão, segundo a qual, é uma das facetas do esclarecimento.

(37)

28

“[...] Mas, ao contrário do que se possa imaginar – e do que muitas vezes se diz, de modo incorreto, sobre a Dialética do

Esclarecimento -, Horkheimer e Adorno não consideram a

situação da humanidade como um caso perdido. Eles se referem à possibilidade de ‘rememoração da natureza no sujeito’ como um caminho para, pelo menos, se iniciar o processo de reversão do esclarecimento unilateral, com o objetivo de torná-lo ‘dialético’, i.e., consciente de sua relação com aquilo que ele não é (o afeto e a emoção, por exemplo).” (DUARTE, 2004, p.33)

Nesta outra face do esclarecimento há um caminho a ser construído lentamente num processo de reversão do esclarecimento totalitário, unilateral; este caminho é a dialética constante no esclarecimento, para que possa se tornar consciente de todo o processo relacional do esclarecimento em si mesmo.

A DE denuncia que o esclarecimento seria panacéia da humanidade, mas que, na verdade, se transformou numa nova espécie de barbárie. A DE fortalece a antítese até numa tentativa consciente de sair dos amálgamas da autodestruição do esclarecimento e, por último, não menos importante, colhe o resultado do que é produzido destes conflitos teóricos e até pragmáticos do esclarecimento numa tentativa originária de resgatar o próprio esclarecimento numa nova perspectiva de emancipação do sujeito livre.

Para Adorno e Horkheimer a dialética é o elemento fundamental desde os mitos conforme eles mesmos afirmam, quando dizem que os mitos caem como vítimas do esclarecimento, o que significa dizer que o esclarecimento além de promover a racionalidade instrumental que reduz tudo a números, produz, ao mesmo tempo, uma nova mitologia. Tudo é absorvido pelo esclarecimento, inclusive o próprio mito. Por isso, o mito queria relatar, denominar, dizer a origem, mas também expor, fixar, explicar. (Cf. ADORNO e HORKHEIMER, 1985, p.23)

Com efeito, o mito como produto do esclarecimento somente relata, denomina ou diz a origem. O esclarecimento tem como objetivo aniquilar a mentalidade mítica, mas, no entanto, expõe, fixa e explica, porque são atributos fundamentais de uma racionalidade formal universalizante. O projeto é eliminar, o quanto antes possível, a imagem dos mitos em sua irracionalidade e ambigüidade, mas quanto mais afastarem-se destes elementos míticos, então mais próximos estarão do próprio mito.

(38)

29

estão reprimidos no homem moderno, presos aos moldes do pensamento científico, segundo Adorno e Horkheimer, o esclarecimento torna-se uma nova espécie de mitologia, bem mais sofisticada que o próprio mito.

Outrora, quando o mito relata, denomina, diz a origem, significa que o pensamento mítico, aceita e é flexível sobre as diversidades existentes no mundo. Porém, o mito também expõe, fixa e explica que são características próprias da racionalidade científica; significa que o mito já engendrava a própria racionalidade ocidental com o surgimento da filosofia. Por isso, que os mitos caem como vítimas do esclarecimento; o mito gera os embriões da razão ocidental.

Afinal, progredimos ou regredimos? Em quais parâmetros? Progredimos na técnica científica, porém, regredimos no quesito humanidade, ou, progredimos nas soluções científicas para humanidade e regredimos nas ciências humanas? Seja como for, Será que o esclarecimento é apenas uma camuflagem “bem feita” nos moldes da racionalidade lógico-científica, só que não traz nada de novo, só reforça o “horror do desconhecido” que o homem moderno enfrenta em outros contextos sócio-históricos? O mito está contido dentro do Esclarecimento, assim como o Esclarecimento está contido dentro do Mito, ou, um usufrui o outro?

O mito narrava, por exemplo, as aventuras heróicas de Ulisses, com sua astúcia22, mostravam os primeiros indícios de uma “proto-história da subjetividade”

(ADORNO e HORKHEIMER, 1985, p.61) cuja subjetividade não se constituiu efetivamente, porque eram apenas germens da subjetividade não plenamente constituída naquela época, todavia, se constitui efetivamente na modernidade, configurado no “Cogito Ergo Sum” cartesiano na “proto-história da burguesia.” (ADORNO e HORKHEIMER, 1985, p.64) E, à medida que, o esclarecimento regride à mitologia, como Adorno e Horkheimer dizem: “sucumbiu ele próprio à mitologia” (ADORNO e HORKHEIMER, 1985, p.37), tem como pretexto a dominação da natureza externa em nome do “progresso técnico-científico” e da natureza interna do homem esclarecido “Aufgeklärt” e, o mantém na menoridade, sendo que o fundo de tudo isto é o medo recalcado.

22 Comentando sobre astúcia ADORNO e HORKHEIMER afirmam na Op. Cit., p.64,65 – “A astúcia,

(39)

30

Para Adorno e Horkheimer, a resposta a esse questionamento do embate entre mito e esclarecimento, é a tese da DE:

O mito converte-se em esclarecimento, e a natureza em mera

objetividade. O preço que os homens pagam pelo aumento de seu poder é a alienação daquilo sobre o que exercem o poder. O esclarecimento comporta-se com as coisas como o ditador se comporta com os homens.” (ADORNO e HORKHEIMER, 1985, p.24)

A tese dos autores é a conversão tanto do mito para o esclarecimento, bem como do esclarecimento para o mito (deixando em aberto à oscilação: ora para o mito, ora para o esclarecimento), retornando uma discussão antiga das origens da filosofia, mito “Μύθος” 23 versus razão “

λόγος”.24

Seguindo a linha de pensamento da nota de rodapé 23 (2000, p. 30) - sobre o mito, Adorno e Horkheimer já não concordariam com Cassirer, pois, se o mito converte-se em esclarecimento já na Odisséia com o herói Ulisses representante da proto-história da subjetividade ocidental, então, não seriam somente os sentimentos, mas também, consequentemente, a racionalidade, que, sobretudo, faz uso da astúcia ardilosa de Ulisses como mito para alcançar seus devidos fins (retornar à Ítaca) até desembocar de outra maneira no esclarecimento. Estes fins transformam-se em dominação pelo progresso técnico-científico, cujo resultado final é a barbárie. Até que o ponto a questão da dominação da natureza no mito é comum no esclarecimento?

De acordo com a nota de rodapé 24 (2000, p.30) – sobre a razão, Adorno e Horkheimer até podem concordar que a razão é uma força que liberta, mas, ao mesmo

23 ABBAGNANO, Nicola. Dicionário de Filosofia. Tradução da 1ª edição brasileira coordenada e revista

por Alfredo Bosi; Revisão da tradução e tradução de novos textos Ivone Castilho Benedetti – 4ª ed. – São Paulo: Martins Fontes, 2000. MITO Μύθος - acepção geral denarrativa’ (...) é possível distinguir três significados do termo: 1º Mito como forma atenuada de intelectualidade; 2º Mito como forma autônoma de pensamento ou de vida; 3º Mito como instrumento de estudo social” se quiser conhecer as três formas ler pp. 673, 674, 675, mas o que nos interessa é o 2º significado com uma citação de Cassirer em “Ensaio sobre o homem” “O substrato real do Mito não é de pensamento, mas de sentimento. O mito e a religião primitiva não são por certo de todo incoerentes, não são totalmente desprovidos de senso ou razão. Mas a sua coerência provém muito mais da unidade sentimental que de regras lógicas. Essa unidade é um dos impulsos mais fortes e mais profundos do pensamento primitivo.” (Essay on Man, cap.7; trad. It., pp.124-25) (p.674);

24 Ibidem, se quiser saber sobre razão -

λόγος (completo) ler pp. 824, 825, 826, 827, 828, 829, 830. Mas

(40)

31

tempo, liberta e também escraviza, domina, manipula a própria razão, como afirmam (ADORNO e HORKHEIMER, 1985, p.22): “Quaisquer que sejam os mitos de que possa se valer a resistência, o simples fato de que eles se tornam argumentos por uma tal oposição significa que eles adotam o princípio da racionalidade corrosiva da qual acusam o esclarecimento. O esclarecimento é totalitário.”, com a autodestruição do esclarecimento, portanto, a razão, neste momento, não é uma força que liberta, pelo menos em teoria, mas, uma força que domina, conforme citamos acima:

“[...] O preço que os homens pagam pelo aumento de seu poder é a alienação daquilo sobre o que exercem o poder. O esclarecimento comporta-se com as coisas como o ditador se comporta com os homens. Este os conhece na medida em que medida em que pode manipulá-los.” (ADORNO e HORKHEIMER, 1985, p.24)

Apesar desta polêmica em cada período da história da filosofia manifestar-se de diversas maneiras, ou, em outros campos de discussões, esta discussão é o substrato pertinente da filosofia até hoje.

Se tomarmos outro ponto de partida, Marcel Détienne, historiador, filólogo, filósofo que estuda o pensamento grego arcaico, no prefácio da sua obra “Os mestres da

verdade na Grécia Arcaica”, mostra o embate do mito à razão dentro da discussão da verdade, da “Alétheia”, colocando melhor a problemática da verdade dentro de contexto sócio-político da Grécia Arcaica com o surgimento da cidade “polis”, da política, da economia, dos tipos de governos e da própria filosofia, no momento de uma crise decisiva de soberania. “Mas, antes da razão, está aquilo que a fundamenta, ou seja, a representação que o homem faz, no caso o homem grego, da verdade, Alétheia.” (Cf. DÉTIENNE, 1988, p.08)

Détienne, no capítulo – “Verdade e Sociedade”, afirma:

(41)

32

Nesse contexto histórico da esteira problemática da “Alétheia”, Détienne escreve tentando fazer prevalecer às ambivalências no nascimento da filosofia, do discurso racional (logos), cuja ambivalência já está presente no pensamento mítico na

Odisséia de Homero com o astuto herói Ulisses. Ulisses representa a “inteligência ardilosa” (Métis) – o intermediário entre Mythós (Μύθος) e Logos – (λόγος), cujas atitudes em cada batalha contra a força dos rituais mágicos fornecida pelos “mitos”, por meio dos personagens míticos monstruosos (o episódio de Ciclope ou o canto das Sereias) são pensadas, arquitetadas minuciosamente obtendo sucesso no seu ansioso retorno, a tão sonhada Ítaca. Portanto, existe uma ruptura tênue, sutil, mas também há uma tessitura da continuidade mítica das tramas mitológicas no pensamento filosófico. Complementando o que Détienne disse acima, no último capítulo – “Ambigüidade e Contradição”, ele afirma:

“[...] Alétheia é um testemunho capital na mutação de um pensamento mítico em um pensamento racional. Potência religiosa e conceito filosófico, Alétheia marca, entre o pensamento religioso e o pensamento filosófico, tanto determinado afinidades essenciais quanto a ruptura radical. [...] Além disto, se a filosofia se opõe diretamente, sob vários pontos, às concepções religiosas tradicionais, apresenta-se, também, sob alguns aspectos de sua problemática, como herdeira do pensamento religioso”. (DÉTIENNE, 1988, p.73)

Segundo essa hipótese, a filosofia permanece como continuadora do pensamento mítico-religioso, mas em contrapartida, há ruptura radical na estrutura do pensar mítico para o filosófico. Entretanto, a filosofia não é tão somente racional, pois, a luta dela é contra a ambigüidade referente às concepções míticas religiosas tradicionais e, nem o mito é tão sagrado assim, pois, a partir da Odisséia, há indícios de racionalidade e subjetividade com o herói Ulisses.

Referências

Documentos relacionados

Não é admissível que qualquer material elétrico não tenha este tipo de verificação, ainda mais se tratando de um produto para uso residencial... DI SJ UN TO RE S RE SI DE NC IA

O primeiro informativo de 2021 tem como objetivo divulgar o importante trabalho realizado pelo Programa de Proteção à Crianças e Adolescentes Ameaçados de Morte (PPCAAM), que

Conclui-se que a Ds c IHO não necessariamente restringe o crescimento radicular ou rendimento de culturas sob plantio direto; a carga de 1600 kPa no teste de compressão uniaxial é

A cultura material e o consumo são contextualizados com o design, e são demonstradas estratégias de sustentabilidade no ciclo de vida nos produtos de moda.. Por fim, são

Nesse sentido, este estudo teve como objetivo comparar alunos superdotados e não superdotados – considerados nesta investigação como aqueles não identificados como superdotados e

1º Para a compor esta peça publicitária foram utilizadas fotografias de produção jornalística. 2º A foto do garoto encostado na bandeira nacional foi tirada no antigo lixão da

O imperativo presente da voz ativa, apenas na segunda pessoa do singular e do plural, é formado tomando-se para a segunda pessoa do singular o tema puro do verbo,

Avraham (Abraão), que na época ainda se chamava Avram (Abrão), sobe à guerra contra os reis estrangeiros, livrando não apenas seu sobrinho Lot, mas também os reis