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Resenha de Correspondência cordial: Capistrano de Abreu e Guilherme Studart

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Academic year: 2018

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REsENHA

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A M A R A L, Eduardo Lúcio G uilherm e. Correspondência cordial: Capistrano de .Abreu e Guilherme Stlldar!. Fortaleza: M useu do C eará; Secretaria da

C ultura do Estado do C eará, 2003.

A ntonio Luiz M acêdo e Silva Filho PU C -SP

"H á m uito tem po desejo-lhe escrever...":

ITIN ER Á R Ios H IsTO R Icx:;R Á F!C O S N A ESC R ITA D E C A R TA S

Poucas figuras proem inentes do cenário intelectual brasileiro, no séc. X IX , tiveram sua im agem pública tão dissecada quanto João C apistrano de A breu. D e fato, as peripécias e infortúnios que cercam a vida desse historiador cearense serviram de m atéria a um núm ero vultoso de estudos e

publicações. Espírito reservado, tem peram ento forte, estilo irônico,

inteligência aguda,com pulsão pela leitura, aversão a hom enagens e honrarias,

desm azelo nos cuidados com a aparência pessoal são algum as das

características que tornaram C apistrano um a fonte quase inexaurível de situações inusitadas, oscilando, em m ovim ento pendular, do côm ico ao trágico. D urante m uito tem po, suas correspondências com am igos, parentes e colegas forneceram um a cornucópia de curiosidades, ensejando a difusão de anedotário que hoje praticam ente se funde

à

personalidade do escritor.

Felizm ente, o epistolário de C apistrano vem sendo revisitado por críticos e historiadores ocupados em apreender ali traços relevantes de seus m étodos de pesquisa, interesses intelectuais e interpretações da história do B rasil. N a verdade, percebe-se atualm ente um a certa tendência a devassar as idéias de pensadores e artistas por m eio dos vestígios dessa escrita íntim a. Paroxism o do fragm ento? Entronização do indivíduo? Estratégia do m ercado editorial? N ão há dúvida quanto ao peso desses ingredientes no entusiasm o lucrativo de publicar correspondências pessoais. C ontudo existe um a força

Trajetos.R evista de H istória U FC . Fortaleza, vol. 3, n? 5, 2004.

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latente que brota de tais docum entos. N as cartas é possível encontrar declarações afetuosas, relatos de cenas cotidianas, troca de confidências, m as tam bém a expressão de convicções políticas, a opinião ajuizada sobre

com portam entos e fatos públicos, o questionam ento ou afirm ação dos

preceitos m orais e dos códigos axiológicos que m arcam um a época. Entre a idiossincrasia do m issivista e o quadro das relações sociais de determ inado

tem po e lugar, desenha-se um itinerário pontuado de tensões, receios,

incoerências atinentes às possibilidades de ação do sujeito histórico im erso nas circunstâncias específicas de sua existência.

N o que diz respeito à figura de C apistrano de A breu, a pertinência historiográfica de investigar suas cartas é superlativa, dado o esm ero peculiar que envidou no m anejo deste gênero literário. A lgum as facetas dessa com plexa trajetória intelectual, por vezes expressa na narrativa paralela dos diálogos m anuscritos, podem ser aquilatadas com a leitura de Correspondência cordial Capistrano de .Abreu e Guilherme

Studart,

de Eduardo Lúcio A m aral - volum e 19 da C oleção O utras H istórias (linha editorial do M useu do C eará). N o livro se destaca a com unicação escrita, cultivada durante trinta anos (1892-1922), por dois expoentes da pesquisa histórica brasileira, no séc. X IX , cujo encontro se dera em tem pos de juventude, partilhando os m esm os bancos escolares na

Fortaleza provinciana dos anos 1860. O autor observa que, à parte a

conterraneidade, o respeito m útuo e a extrem a dedicação à pesquisa docum ental tinham am bos os historiadores pouco em com um . C apistrano se em brenhou arduam ente na investigação em pírica e na reflexão do passado nacional, alheio ao reconhecim ento dos pósteros e à exaltação cívica. Studart, por seu turno, acreditava no papel civilizador do conhecim ento e na elevação m oral das cam adas populares, quer pela instrução form al, quer pela virtude religiosa. O próprio título honorífico com que foi agraciado, outorgado pelo V aticano -B arão de Studart -, indica a enorm e diferença que separava os dois am igos: um enredado nas m uitas confrarias e sociedades letradas em profusão, nos

alvores da R epública, o outro declaradam ente arredio aos lugares de

sociabilidadeinstitucional, custoso que lhe era "pertencer à sociedade hum ana". N o decorrer do trabalho, diversas questões de sum a relevância são abordadas, com o a intensa colaboração tecida entre C apistrano e Studart, no andam ento de suas pesquisas, a percepção de am bos sobre os prirnórdios da história do C eará e a ênfase dada ao sertão e ao litoral com o pólos da colonização do B rasil. Eduardo Lúcio salienta a opção m etodológica de C apistrano, por exam inar as paragens interioranas, pois identificava ali o

fluxo prim ordial das m igrações e sedim entações provisórias que

conform ariam a dinâm ica da sociedade colonial. C om o a quase totalidade

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dos historiadores de sua época, Studart tom ou direção oposta, pensando a história local e nacional com os olhos voltados para a costa litorânea, articulada a um a idéia conservadora de história, ainda subm etida ao peso dos fatos grandiosos, dos atos do Estado português, dos personagens notáveis e das

divisões adm inistrativas.

U m dos pontos salientes do texto aborda a crítica m etódica dos docum entos tal com o desem penhada por Studart e C apistrano. Percebe-se ali a vivacidade' e o engenho de am bos, especificam ente em torno da verdadeira autoria de Cultura e opulência do Brasil por suas drogas e minas. A questão há m uito inquietava num erosos pesquisadores, uns postulando a existência real daquele que assinou a referida obra - A ndré João A ntonil-, outr?s julgand? tratar-se de um pseudônim o. D ebruçando-se sobre esse desafio, os dois historiadores cearenses chegaram , por cam inhos diferentes, à m esm a conclusão: A ntonil era o anagram a aproxim ativo de João A ntonio A ndreoni, em inente jesuíta italiano do fim do séc. X V II e início ~o ~, que atuou em terras brasileiras.A o recuperar, nas cartas, o relato de tao notona descoberta, Eduardo Lúcio convida a um a revisão de preconceitos arraigados, notadam ente entre os aspirantes a historiador. Pois não ~ incom um a rotulação prévia.de m uitos pesquisadores oitocentistas, assaz diversos uns dos outros, reullld.os sob a alcunha desabonadora de positivistas, com o a indicar que com ponam um a esdrúxula tribo de fetichistas do docum ento, im buídos de ingênua passividade ante os registros que o passado nos legou. A o contrário, avulta o esforço investigativo quanto à procedência e autenticidade dos vestígios de outras épocas, dem andando criatividade, astÚ ciae im aginação no cotejo das fontes. M ais que isso: reitera-se o exam e m eticuloso dos testem unhos com o um dever indeclinâvel à faina do historiador.

Se, atualm ente, a noção de crítica docum ental sobrepuja largam ente as preocupações estritas com o "teor de verdade" dos fatos e registros passados, há que reconhecer, sem adulação, os esforços das geraç~e~ prece~entes de

eruditos e pesquisadores no am adureC lm ento das pratlcas, m etod?s e

conceitos que presidem a disciplina histórica. Im plicitam ente, esse livro observa que o exercício, ponderado e conseqüente, da reflexão crítica deve tam bém nos resguardar do julgam ento côm odo - e anacrônico - de outras épocas segundo nossas próprias categorias de pensam ento e valor~ção.. I

U m a questão teórica pertinente, tocada apenas de soslaio, ficará contudo reservada (assim espero) para estudos vindouros. R efiro-m e às correntes antagonistas dispostas a devassar a história do C eará,. ~m ~ sob a égide da ocupação ~litorâne~, o~tra pautad; .em apreender a ~l~am lca das m igrações pelo sertao da capitania, A o contrano dos debates tradicionalm ente

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levantados, cuja m eta era afiançar um a das hipóteses às expensas da

conc?rrente, Eduardo Lúcio destaca que está em jogo m ais que porfias de

eruditos, ou m esm o nuanças de adequação da análise aos fatos. V islum brar a história local com olhos postos sobre o m ar ou priorizando os rincões do

interior tam pouco sugere a potência do determ inism o geográfico. O corre que am bas as vertentes interpretativas são orientadas por noções diferenciadas

de docum ento - escolha m etodológica que iria repercutir decisivam ente no m odo de enfeixar os acontecim entos em favor de um a dada narrativa histórica.

A lguns contornos dessa discussão vêm aduzidos à luz de trechos das cartas trocadas entre C apistrano e Studart.

O autor sintetiza a extrem a riqueza que se descortina no escrutÍnio

dessa correspondência cheia de m esuras, m as visivelm ente pontilhada por inquietações historiográficas: "A s cartas de C apistrano para Studart são

exem plares para a com preensão do seu processo de construção do

conhecim ento, já que, a partir da rede de inform ações construída entre os

dois historiadores, vêm à tona as sutilezas do trabalho de pesquisa e a subjetividade de C apistrano de A breu."

R essalte-se, contudo, que ao leitor o sentido inverso e com plem entar tam bém é plausível, ou seja: acercar-se dos m étodos de trabalho e da produção

científica do B arão de Studart, não som ente através das cartas, com o pela

consulta a outro estudo de lavra do m esm o autor - Barào de S tudart: memória da distinçào (C oleção O utras H istórias, v. 9). A li se descobre a figura de grande projeção que se firm aria no panteão da intelectual idade cearense reunindo ao m esm o tem po os atributos m odelares que o tornaram referência

indisputável nos segm entos letrados de então: filho de inglês

,

cavalheiro

,

m édico, erudito, católico, abolicionista, pesquisador incansável.

A leitura do texto de Eduardo Lúcio indica não ser este o resultado de investigação ernpirica previam ente orientada. D eriva, sim , de análise

centrada na fortuna crítica de C apistrano de A breu, acrescida pela consulta

de suas obras m aiores, com especial atenção sobre a correspondência. Portanto trata-se sobretudo de um a reflexão sedim entada em referências

bibliográficas, a que vêm incorporar-se ponderações quanto aos possíveis

sentidos da escrita da história, em fins do séc. X IX e alvores do X X .

. "N o princípio, era a pergunta" - essa a divisa de qualquer trabalho

intelectual conduzido por historiadores. O opúsculo em questão, livre de pretensões biográficas e alheio a sínteses de vulto, traz, na form ulação de

questionam entos, o seu m érito: a que finalidades se presta o conhecim ento histórico produzido naquele período? Q uais os interditos duradouros que

cerceavam a viabilidade de um a interpretação da época colonial m enos

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subserviente à zona costeira e ao prim ado lusitano, m ais atenta à .ocu~a.ção

lenta dos sertões? C om o esses cam inhos m etodológicos ~i~ergen:es lllflu;r~am nas futuras noções de história nacional? Sob que eondiçôes epIstem ologlca~

era plausível advogar a legitim id~d~ ~e um a hist?ria loca~ que rem ont:sse a C olônia (com o o projeto de hIstona do C eara .defendId? pelo B arao de

Studart)? D e que m aneira a troca de cartas entre llltelectuals p~de s: torn~r

um m aterial elucidativo acerca dos rum os tom ados p;l~ hIstonografta

brasileira? Q ual o papel das celebrações e m arcos cronológicos (a :x~m plo

do "tricentenário do C eará") na consolidação de um m odelo heg~m ~ruco ~e fundam entar, narrar e difundir a história? Indagações .sem m aIs, cujo

enfrentam ento poderá conduzir à aparição de novas pesqU lsas que tenham

por objeto de estudo a própria criação historiográfica. ,.

C om o lançam ento de m ais esse livro, o M useu do C eara reitera o

com prom isso com a reflexão crítica da história~ A o .m esm o tem p~, oferece

ao leitor os contornos de duradoura interlocuçao pnvada, c~nstrU l,da. num a

época em que os navios a vapor faziam as vezes de co~r:lO 'N Prodlga em descobertas eufóricas, estudos m inudentes e recorrente solicitação de ~avores

m útuos, a correspondência entre C apistrano e ~tud~,n?s ugere, acim a de tudo, o em penho invulgar nas lides da pesqU lsa histórica e o trem ~ndos

obstáculos a serem vencidos. R egistra, ainda, a notação de um outro r~tm o, de com unicação e de vida, quando am igos distantes rascunhavam [inhas

para falar:m de si ao o~tro:}uando a ansi;d~de de u~~ carta por chegar

exigia paC lente expectativa, a espera do proX 1m o vapor .

Referências

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