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DANÇA/ NOS PASSOS DA MEMÓRIA

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II CONINTER – Congresso Internacional Interdisciplinar em Sociais e Humanidades Belo Horizonte, de 8 a 11 de outubro de 2013.

DANÇA/ NOS PASSOS DA MEMÓRIA

SÁ, Denise Maria Quelha de

UNIRIO. Programa de Pós-Graduação em Memória Social. CEP: 20561-250.

E-mail: deniquelha@hotmail.com

RESUMO

A Dança caminha em busca da sua consolidação, reconhecimento acadêmico e implantação na grade curricular do ensino fundamental em âmbito nacional, porém no município do Rio de Janeiro é desenvolvida no Programa de Extensão, especificamente nos Núcleos de Arte, apenas como atividade extracurricular. Como educadora neste programa há 18 anos, ciente da importância e da recorrência da memória a partir da Dança Moderna nas metodologias e nos processos pedagógicos e artísticos da dança, analiso os processos de construção e reconstrução das memórias na atualidade e a sua utilização em propostas metodológicas artísticas e pedagógicas contemporâneas para a infância. Os estudos de Gabriel Tarde sobre memória são aqui abordados com o objetivo de dar suporte às demandas teóricas relativas à Educação e aos processos criativos e subjetivos que propiciam a invenção, a subjetividade, a autonomia e a inclusão social das crianças que participam deste programa da Rede Municipal de Educação no município do Rio de Janeiro.

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I – INTRODUÇÃO : A DANÇA NO MUNICÍPIO DO RIO DE JANEIRO

A Dança não está presente como disciplina na grade curricular do município do Rio de Janeiro, fato que contraria as determinações da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDBN) N° 9394/96 que a reconhece como uma das linguagens artísticas obrigatórias ao currículo do ensino fundamental. É desenvolvida nos Núcleos de Arte da Secretaria Municipal de Educação do Rio de Janeiro (NA/SME/RJ) como uma atividade de extensão que funciona como uma carga horária extra do aluno, em um contraturno ao seu período letivo normal, visando à sua manutenção em horário integral da rede escolar.

Observamos que este não reconhecimento da linguagem Dança como campo de conhecimento e como disciplina pela SME/RJ reverbera no não reconhecimento desta área de ensino por parte das direções das escolas, responsáveis e alunos da rede municipal. E sendo assim, no espaço escolar onde a Dança deveria ser apresentada aos alunos como uma linguagem, um discurso vivo, fruto das experiências, pesquisas e reflexões sobre a sua corporeidade na sua interação com o contexto local e global, ela é, ainda hoje, uma ilustre desconhecida.

Atualmente as aulas de Dança são proporcionadas para uma minoria de alunos da rede municipal, a maior rede de ensino público da América Latina, em decorrência de inúmeras dificuldades enfrentadas. Podemos citar algumas das mais importantes, como: 1) a pouca divulgação e articulação para/com as unidades escolares e destas para seus alunos sobre a localização e o funcionamento dos Núcleos de Arte (NA) após a redução brusca que proporcionou a extinção compulsória de várias unidades no ano de 2012 pela gestão central da Secretaria; 2) o difícil acesso e locomoção aos Núcleos de Arte existentes; 3) a flutuação contínua devido a livre entrada e saída de alunos nas oficinas, durante todo o ano letivo; 4) e a composição de turmas heterogêneas quanto à faixa etária, em decorrência do reduzido quadro de educadores mantidos nos Núcleos de Arte.

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II

– ENTRE OS DESCOMPASSOS DA REALIDADE E OS PASSOS

QUE DESEJAMOS PARA OS NÚCLEOS DE ARTE

A proposta pedagógica do programa NA/SME/RJ agrega no seu desenvolvimento metodológico competências técnicas específicas da linguagem e ações pedagógicas que visam à formação integral e à informação do aluno buscando desenvolver a autonomia crítica e a cidadania. É extremamente sintética e indica para a sua complementação outras três referências: a Multieducação (1996) e consequentemente as suas atualizações (2003, 2007a e 2007b), os Parâmetros Curriculares Nacionais (1997, 1998) e a Proposta triangular de Ana Mae Barbosa (BARBOSA, 2005).

O Documento Pedagógico, em linhas gerais, indica que a ação pedagógica e metodológica do programa NA/SME/RJ deve ser desenvolvida através da elaboração anual de um Projeto Político Pedagógico (PPP), constituído conjuntamente pelos professores e chefias dos Núcleos, a partir de temáticas indicadas pela SME/RJ. Estas seguem, geralmente, as comemorações oficiais ou ações governamentais que serão desenvolvidas e divulgadas na mídia e/ou por atividades na grade curricular ao longo do ano letivo.

O PPP prevê a associação do desenvolvimento de técnicas específicas de cada linguagem da Arte ao conhecimento cognitivo e aos aspectos formativos. O professor é o responsável por elaborar estratégias pedagógicas que correlacionem às experiências vividas pelos alunos e comunidade no contexto local à temática oficial, garantindo a abordagem, a aproximação e a análise crítica, com a efetiva participação de todos os envolvidos.

Assim, a intenção do programa é desenvolver a elaboração autônoma do aluno, a partir da interação entre a Arte e conhecimento, por meio de sensibilizações, experimentações, pesquisas artísticas e estéticas, estímulos reflexivos e críticos. Nesse contexto, os gestos, improvisações, frases ou elaborações coreográficas são compreendidos como revelações simultâneas da subjetividade, da reflexão sobre o conhecimento abordado e da ação cidadã do aluno na sociedade contemporânea.

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processo na escolha da temática que será problematizada e desenvolvida nos NA. Indício de que há um descompasso entre o que rege os documentos e a sua efetiva implementação.

Os NA/SME/RJ ocupam e desenvolvem um espaço extremamente importante de inclusão social. O acesso à Arte, em suas várias expressões, possibilita desmistificá-la, como objeto de usufruto restrito a determinadas camadas sociais. Além disto, os alunos do ensino público passam a dispor de um leque de possibilidades ao integrar atividades que pretendem promover reflexões teóricas, práticas e afetivas sobre a importância da experiência, da autoria, da responsabilidade, da emancipação, da invenção e da inscrição da subjetividade nas ações cotidianas vividas pelo estudante.

Nestes termos, em que sentido estudos sobre memória social podem contribuir para a análise da metodologia de ensino da dança para alunos do ensino fundamental?

III

– DANÇANDO NA CONTEMPORANEIDADE, UM PAUX DE DEUX

COM A MEMÓRIA

Artistas e estudiosos, a partir do modernismo, nos indicam a intrínseca relação entre a Dança, a memória, a experiência, a linguagem e a sensibilidade humana. Nesta, segundo Laban (1978, 1990), um dos mais importantes pesquisadores da dança do século XX e o "pai da dança-teatro”,a dança pode ser compreendida com um discurso constituído através dos gestos que se articulam como palavras, provenientes das experiências vividas, que podem ser rememoradas no fazer artístico.

Nessa perspectiva, o gesto substitui às palavras e complexifica a criação do discurso. Mas o que seria o gesto? Roquet1 (2011, p.5) prefere utilizar o termo gesto ao de movimento e afirma que ele “[...] não pode ser reduzido a um signo, legível e decifrável. Um gesto é uma estrutura mutante, de parte de um diálogo, irreproduzível, pois as possíveis significações são definidas a cada nova relação, ou no caso a cada espetáculo, troca”.

E Hubert Godard2 (1999), pesquisador de referência no campo da análise do movimento humano, afirma que devemos trabalhar entre os elementos filogenéticos, culturais e individuais, ou seja, entre a subjetividade e o mundo real, compreendendo o espaço subjetivo como uma construção baseada nos hábitos de percepção que constituem nossa história pessoal. Ele aproxima-nos da memória quando afirma que o gesto se

1

ROQUET, Christine. Da análise do movimento à abordagem sistêmica do gesto expressivo. O percevejo Online/ Periódico do PPGAC/UNIRIO; Volume 03 – Número 01 – janeiro-julho/2011.

2

Buracos negros – uma entrevista com Hubert Godard. Rio de Janeiro, “O Percevejo online”, Dossiê Corpo

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constitui através das estruturas: corporal, cinética, estética e simbólica que se configuram como modalidades de memória na nossa relação com o mundo.

E considera que cada indivíduo constrói estruturas variáveis de percepção, conscientemente ou não, relacionadas ao seu contexto sociocultural, onde o estranhamento do que não nos é familiar possibilita a expansão da nossa capacidade perceptiva. Segundo a autora, nos processos de criação de dança onde há a sensibilidade, a mobilização da percepção, o estímulo para a criação, os seus gestos possuem significação própria e provisória.

Podemos concluir, que a dança é comunicação humana, é o discurso onde o sujeito-corpo revela as suas relações consigo, com o outro, com o tempo e com o espaço, através de gestos expressivos e únicos que se individualizam e são memorizados corporal e intelectivamente a partir de um repertório constituído através das experiências, da interação e das influências históricas, socioculturais, étnicas, políticas e estéticas.

E que conceitos como tempo, espaço, memória, corpo, história, linguagem, discurso, identidade, subjetividade e cidadania, configuram os pontos de intersecção entre memória social e Dança no processo de ensino da Dança para a infância, e se inter-relacionam constantemente no processo de comunicação, em nosso caso, aquele relativo ao ensino da Dança.

Porém, o processo de ensino da dança nesta perspectiva se consolida através da constituição de um acervo de memórias que são oriundas de experiências sociais e individuais que constituem a sociedade e o indivíduo, e este processo de construção social da memória é constituído por tensões, reivindicações e contradições, que podem ficar submersas quando há disputa por hegemonia.

A problematização desse processo de constituição e transmissão da memória/história hegemônica assume relevante função em metodologias que partem de uma temática específica para o desenvolvimento de seus processos criativos como se apresenta a metodologia dos NA, na qual a temática a ser desenvolvida é determinada pela gestão municipal, sem a abertura para a participação dos principais atores envolvidos, como professores e alunos.

Há uma tensão primordial com as diretrizes que identificam a Arte a processos criativos e subjetivos que propiciam a invenção, a subjetividade, a autonomia e a inclusão social dessas crianças. O discurso oficial não reconhece a multiplicidade, a pluralidade de discursos e suas tensões, cabe ao professor estimular e problematizar a construção desse conhecimento, impresso no corpo e no gesto.

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memória e a criação visando um processo de emancipação? Jean-Gabriel Tarde aponta perspectivas teóricas que podem auxiliar a análise sobre a ação pedagógica realizada pelos NA.

IV - O SOCIAL E A MEMÓRIA NA PERSPECTIVA TARDEANA

Jean-Gabriel Tarde (1843-1904) francês, jurista, filósofo, sociólogo e professor, no final do século XIX, contrariou o cientificismo e o dogmatismo positivista da sua época e criou a ontologia da diferença. Afirma que a força da diferença é responsável pelo processo de criação contínuo no real e o que existe de maior evidência no mundo moderno é a complexidade e a mobilidade, onde “[...] a tentativa de colocar a ordem, o idêntico, como razão do mundo e do pensamento é sonho dos homens do Estado.” (Tarde, 2003, p.10).

Tarde (2007) afirma que a Sociologia não deveria renunciar à Psicologia e à Filosofia e que deveria constituir-se para constatar os processos imanentes dos homens e seus grupos e seus grupos de ações e não as grandes representações coletivas. Pois, para o sociólogo a diversidade das formas sociais, são oriundas da criação de uma infinidade de ações que se opõem, se complementam e se destroem incessantemente e configuram a riqueza, as nuances sociais que não devem ser observadas e tratadas como generalizações abstratas, racionais, essenciais e substancializadas como na perspectiva durkheimiana.

Segundo Vargas (2000, p.202), Tarde subverte as funções da lógica e da teleologia na vida social ao afirmar que elas têm por objeto a distribuição movente de crenças e dos desejos, e que “é necessário que a noção de lógica seja alargada a ponto de incluir o próprio ilógico e que a teleologia não estude apenas o acordo dos meios e com os fins, mas também o desacordo dos fins entre si”. Ou seja, a lógica social, na sua compreensão, não é uma totalização, e sim uma lógica de adaptação, de invenção e da coprodução do sentido, responsável pela indicação da dose, da quantidade de crenças que deve ser utilizada frente á diversos juízos no campo social, enquanto a teleologia se destina à distribuição da quantidade de desejos frente “aos diversos objetos, tendências e vontades de que se trata, para que a convergência dos desejos sociais chegue a seu auge, e sua contrariedade a seu mínimo” (idem).

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memórias sociais [...] eles são inconscientes e descrevem uma modalidade de ação e uma vida impessoal dos afetos.” (idem p.131).

Tarde afirma que as crenças são as forças plásticas, são os acordos ou oposições entre as imitações e invenções através dos quais as sociedades e as instituições se organizam e que os desejos são as forças funcionais ou necessidades e concorrências que fazem com que funcione a vida social. Crenças e desejos são quantidades, “são constantes e universais, uniformes e homogêneos, [...] mensuráveis e quantificáveis” (Vargas 2000, p.229), que não impedem a heterogeneidade das coisas, e sim as perpassam estabelecendo uma união completa.

Crenças e desejos não são sensações em decorrência destas serem qualidades que se transformam no meio social, não são representações que apenas são resultados dos processos repetitivos e “sem intensidade em si mesma” (Vargas 2000, p.230) e nem modelos de comportamento que resultam do cruzamento de sensações e representações.

Tarde aproxima as funções da vida mental às funções sociais, estreita os seus laços e coloca-os em um mesmo plano relacional de imanência utilizando e reformulando epistemologicamente a Monadologia de Leibniz. As mônadas são por ele compreendidas como a menor porção do ser ou da coisa, e cada cérebro “um órgão capaz da memória (imitação) e de opinião (interferência e adaptação)” (Vargas, 2000, p.210), representa um conjunto de mônadas que possuem a capacidade comunicativa entre si possibilitando a emissão de suas diferenças e o recebimento de fluxos de crenças e desejos através da sua sensibilidade, ávidas pela universalização.

Assim, a sociedade passa a ser compreendida como um conjunto de cérebros onde não cabe a dicotomia indivíduo/sociedade, ela não é um todo social, ela se organiza para propagar a imitação onde a repetição é o seu fim e quanto mais se civiliza mais ela se assemelha ao cérebro.

Para Tarde “toda coisa é uma sociedade, que todo fenômeno é um fato social [...] unifica e ‘sociologiza’ todo o universo, pois tudo aí faz ‘sociedade’[...] a cosmologia que sustenta a sociologia de Tarde não divide o universo [...]” (Vargas, 2000, p.219). Ele afirma que o universo é regido por três leis universais que afetam a todos os fenômenos que ocorrem no mundo físico, vivo ou social, que são a repetição, a oposição e a adaptação, e em decorrência disso todo o fenômeno é um fenômeno de propagação, de contraposição e de associação.

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atuais estrangeiros ocorrendo à associação e predomínio de “processos repetitivos ou institucionalizantes, no primeiro caso e dos processos inovadores ou de transformação, no segundo” (Vargas, 2000, p.227).

A marcha das imitações, a radiação, tende a passar de um “infinitesimal relativo a um finito relativo” (Vargas, 2000, p.228) em decorrência das modificações sofridas de um meio a outro e das interferências de outra radiação ou série imitativa. Essa interferência pode resultar em modos de combinação (adaptações) com invenções antigas ou novas, ou de luta (oposições) resultando em invenções mais complexas, numa circularidade sem fim.

Os princípios cosmológicos que regem a microssociologia de Tarde são o real em excesso e a imensidão dos possíveis. Ele desloca o problema da causalidade clássica e lança mão da probabilidade afirmando que “No real, há séries causais múltiplas e independentes [...] essas séries se encontram contínua e inexoravelmente, e seus encontros nada tem de determinados, eles são fortuitos, situacionais e atuais” (Vargas, 2000, p.214). São acidentes, que produzem a realidade, o mundo que nos rodeia e as emergências, virtualidades que não se esgotam como resultados da razão e da causalidade, “excesso de potência sobre o ato” (Vargas, 2000, p.215).

Excesso constituído pelo conjunto de possíveis e possíveis não realizáveis que continuam existindo e afeta virtualmente o real promovendo uma historicidade dinâmica, um real fugaz, único. Esse caráter múltiplo e infinitesimal do real decorre das diferenças, pois segundo Tarde, existir é diferir (Tarde, 2003). O heterogêneo é fundamental e inicial, e a homogeneidade é o “resultado de uma assimilação por repetição voluntária ou forçada do que no início foi uma invenção individual” (Vargas, 2000, p.218), e as variações e diversidades são compreendidas como decorrentes de uma” originalidade tumultuosa dos elementos mal dominados por esses jugos [...] de todas essas uniformidades legislativas [...] “(idem).

Tarde questiona a natureza dos fatos sociais e concebe uma mobilidade intrínseca do social, e desloca a observação dos fatos sociais de um patamar da transcendência para concebê-los como jogos de força plurais e moventes num solo imanente. Os fatos sociais são adaptações, enigmáticas e inventivas e são produtores de laços sociais, de vínculos.

Para o sociólogo “os laços sociais são cerebrais e microfísicos, [...] simultaneidade das convicções ou paixões, a sincronicidade dos julgamentos ou dos desígnios e da consciência de que determinada crença ou desejo é partilhada” (Vargas, 2000, p.207), e não resultam de identificações que os reúnem em decorrência de representações coletivas, e sim, que se organizam para se propagar ainda mais, de um indivíduo ao outro, frutos da “sugestão-imitativa”.

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dessusbtancializada oriunda da repetição, da imitação e da adaptação. Sua teoria busca o “reencantamento do mundo”, “[...] princípio tão volátil, a singularidade profunda e fugidia das pessoas, sua maneira de ser, de pensar, de sentir, que só existe uma vez e em um único instante” (Vargas, 2000, p.212). Para o sociólogo, (Tarde, 2007, p.112) a sociedade se constitui pela “[...] possessão recíproca, sob formas extremamente variadas, de todos por cada um.”.

Tarde aponta que todo o processo de construção de memórias é um processo social, e que as memórias decorrente das interações entre o indivíduo e seu contexto sociocultural e histórico são memórias sociais. E afirma que as memórias se constituem através da imitação, repetição e oposição, onde o choque dos fluxos produzem uma nova combinação e consequentemente a criação.

Nesse ponto retornemos ao item III, para responder as questões que ficaram pendentes, como compreender, desenvolver e estimular o processo criativo da dança através do uso da memória sendo o seu processo de construção social tão complexo? Como aprofundar o conhecimento sobre a inter-relação do processo de construção de memória e criação visando um processo de emancipação?

Roquet afirma que um gesto é uma estrutura mutante de parte de um diálogo e a Godard aponta que devemos trabalhar entre o espaço subjetivo, construção baseada nos hábitos de percepção que constituem nossa história pessoal, e o mundo real. Ambos estudiosos colocam a memória e a percepção como elementos mutáveis e constituídos na interação entre o indivíduo e a sociedade, exatamente como evidencia Tarde.

Porém o sociólogo nos alerta para a homogeneidade como uma assimilação do que no início foi uma invenção individual. E é exatamente nesse ponto que Tarde complementa os embasamentos teóricos dos estudiosos acima, pois indica a possibilidade do indivíduo se compreender como a menor parcela e ao mesmo tempo como responsável pelos rumos da sociedade, capaz de criar e de transformar o impossível em possível, de dirigir e influenciar as decisões que são compartilhadas no mundo social. De problematizar a imitação e a repetição numa perspectiva criadora.

V - CONCLUSÃO

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E em decorrência disso, é pertinente a abordagem pela via da memória social de acordo com a perspectiva tardeana de propostas metodológicas relativas ao processo de formação e informação das crianças, estimulando o desenvolvimento da subjetividade, da criatividade, da autonomia, da corporeidade, assim como a reflexão crítica sobre a temática central desenvolvida no projeto político pedagógico do programa NA.

A teoria da criação proposta por Tarde auxilia ou fundamenta a constituição de propostas metodológicas artísticas e pedagógicas para o ensino da Arte, pois o autor indica que a memória, ontologicamente, é um processo criativo e está intimamente correlacionada à subjetividade, às identidades e aos processos de alienação e emancipação.

O filósofo e sociólogo nos revela uma imagem da sociedade engendrada através da análise dos microagenciamentos sociais em um processo de contínua diferenciação, onde a análise das pequenas oposições, invenções e imitações pressupõe uma imagem alternativa para as concepções das sociedades focadas apenas em grandes representações coletivas. Ele dirige-se às condições processuais da formação dessas representações, e observa como a partir da comunicação de crenças e desejos dos indivíduos irradiada num fluxo contínuo de diferenciação e criatividade, toda a homogeneidade, mesmo que vigorosa, pode ser compreendida como transitória. (Tarde, 2007)

E nos apresenta um arcabouço teórico que possibilita uma ação docente crítica no uso do PPP e nos estimula à reflexão sobre como constituir ações práticas que possibilitem aos alunos uma introspecção sobre as suas ações no cotidiano e um reconhecimento da importância do afeto e da memória como processo imitativo, que se constitui nas microrrelações sociais onde a nossa própria historicidade se faz intrinsecamente ligada à história da sociedade.

A partir da sua monadologia (Tarde, 2007), uma teoria não dialética da criação, o real é redefinido por Tarde como múltiplo, sensível, dinâmico, onde as imanências e as diferenças não se excluem, e sim, lhes são intrínsecas, se torna o palco da pluralidade do mundo vivo, onde há a relação entre a existência e a potência do agir e a possibilidade de troca de experiências, de imprimir e receber a marca dos desejos e crenças dos outros.

Este artigo é uma primeira aproximação de tarde aos autores acima citados e que também devem ser, assim como a própria teoria tardeana, devidamente investigados e aprofundados.

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Referências

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