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DIALÓGOS ENTRE O DIREITO E A ANTROPOLOGIA NA PESQUISA SOBRE TERRITÓRIOS TRADICIONAIS PESQUEIROS Ana Carolina Brolo de Almeida

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XXVI CONGRESSO NACIONAL DO

CONPEDI SÃO LUÍS – MA

SOCIOLOGIA, ANTROPOLOGIA E CULTURA

JURÍDICAS

SÉRGIO HENRIQUES ZANDONA FREITAS

JULIA MAURMANN XIMENES

(2)

Copyright © 2017 Conselho Nacional de Pesquisa e Pós-Graduação em Direito

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Profa. Dra. Viviane Coêlho de Séllos Knoerr – UNICURITIBA

S678

Sociologia, antropologia e cultura jurídicas [Recurso eletrônico on-line] organização CONPEDI

Coordenadores: Sérgio Henriques Zandona Freitas, Julia Maurmann Ximenes, Leonel Severo Rocha– Florianópolis: CONPEDI, 2017.

Inclui bibliografia ISBN: 978-85-5505-552-2

Modo de acesso: www.conpedi.org.br em publicações

Tema: Direito, Democracia e Instituições do Sistema de Justiça

CDU: 34 ________________________________________________________________________________________________ Comunicação – Prof. Dr. Matheus Felipe de Castro – UNOESC

(3)

XXVI CONGRESSO NACIONAL DO CONPEDI SÃO LUÍS – MA

SOCIOLOGIA, ANTROPOLOGIA E CULTURA JURÍDICAS

Apresentação

O XXVI Congresso Nacional do CONPEDI foi realizado em São Luís - Maranhão,

promovido pelo Conselho Nacional de Pesquisa e Pós-Graduação em Direito (CONPEDI) em

parceria com a Universidade Federal do Maranhão – UFMA, por meio do seu Programa de

Pós-Graduação Stricto Sensu em Direito e Instituições do Sistema de Justiça, no período de

15 a 17 de novembro de 2017, sob a temática “DIREITO, DEMOCRACIA E

INSTITUIÇÕES DO SISTEMA DE JUSTIÇA”.

O Grupo de Trabalho “Sociologia, Antropologia e Cultura Jurídicas” desenvolveu suas

atividades na data de 16 de novembro de 2017, no Campus da Universidade CEUMA, em

São Luís-MA, e contou com a apresentação de dezessete artigos científicos que, por suas

diferentes abordagens e aprofundamentos científico-teórico-práticos, possibilitaram

discussões críticas na busca de aprimoramento do renovado sistema brasileiro das ciências

sociais.

Os textos foram organizados por blocos de temas, coerentes com a sistemática do respectivo

Grupo de Trabalho, podendo-se destacar nas pesquisas as discussões sobre a sociedade

pós-moderna, complexa e líquida, com a apresentação, sob viés crítico, de caminhos e soluções

aos problemas abordados.

A coletânea reúne gama de artigos interdisciplinares, maduros e profícuos, que apontam

questões relativas à corrupção sistêmica e as políticas sociais, o “jeitinho” e a

“malandragem” brasileira, questões relativas a via alternativa de resolução de conflitos e a

análise sociológica dos conflitos judiciários brasileiros, as comunidades indígenas e suas

terras, o agronegócio, o etnodireito e o princípio da igualdade, a posse e a propriedade, com

viés de territorialidades rivais, bem como os territórios tradicionais pesqueiros, a sociedade

burguesa, os conflitos afetivos, a instituição policial e a crise do setor público, o

estruturalismo construtivista, as técnicas de ensinagem no Direito, mapas mentais e a

consequente evolução do profissional com atuação no Direito e, finalmente, a ideologia da

universalidade dos Direitos Humanos.

Como se viu, aos leitores mais qualificados, professores, pesquisadores, discentes da

Pós-graduação, bem como aos cidadãos interessados nas referidas temáticas, a pluralidade de

(4)

retrocessos dos direitos sociais no Brasil e a necessidade de se evoluir na discussão sobre o

comportamento humano e a sociedade de indivíduos, grupos e instituições.

Assim, os coordenadores do Grupo de Trabalho - SOCIOLOGIA, ANTROPOLOGIA E

CULTURA JURÍDICAS, agradecem a colaboração dos autores dos artigos científicos e suas

instituições multiregionalizadas, pela valorosa contribuição ao conhecimento científico e

ideias para o aprimoramento democrático-constitucionalizado do Direito brasileiro.

Finalmente, de forma dinâmica e comprometida com a formação do pensamento crítico

contemporâneo, o convite do CONPEDI, por meio dos organizadores da presente publicação,

para uma leitura prazerosa dos artigos apresentados, com a possibilidade de (re)construção

crítico-evolutiva do homem e da sociedade, ambos voltados na concretização de direitos e

garantias fundamentais insculpidos na Constituição de 1988.

São Luís/MA, novembro de 2017.

Profa. Dra. Julia Maurmann Ximenes - IDP

Prof. Dr. Leonel Severo Rocha - Unisinos

Prof. Dr. Sérgio Henriques Zandona Freitas - FUMEC

Nota Técnica: Os artigos que não constam nestes Anais foram selecionados para publicação

na Plataforma Index Law Journals, conforme previsto no artigo 7.3 do edital do evento.

(5)

1 Mestranda em Direito das Relações Sociais do Programa de Pós Graduação em Direito da UFPR e integrante do Núcleo de de Pesquisa Biotec - Direito, biotecnologia e sociedade, da UFPR.

1

DIALÓGOS ENTRE O DIREITO E A ANTROPOLOGIA NA PESQUISA SOBRE TERRITÓRIOS TRADICIONAIS PESQUEIROS

DIALOGUES BETWEEN LAW AND ANTHROPOLOGY IN RESEARCH ABOUT TRADITIONAL FISHERIES TERRITORIES

Ana Carolina Brolo de Almeida 1

Resumo

Apesar do reconhecimento jurídico da existência dos povos e comunidades tradicionais e dos

direitos específicos a eles conferidos, ainda são diversos os desafios quando se trata da busca

de soluções jurídicas para os problemas que enfrentam, especialmente quando se trata dos

territórios tradicionais pesqueiros. Os discursos produzidos pela dogmática jurídica, no mais

das vezes não encontram correspondência empírica com a realidade, de forma que se mostra

insuficiente para a construção de uma percepção adequada. Assim, a Antropologia pode ser

uma importante ferramenta metodológica de investigação sobre as especificidades desses

sujeitos e de seus direitos.

Palavras-chave: Comunidades tradicionais, Territórios tradicionais, Antropologia, Territórios pesqueiros, Pescadores artesanais

Abstract/Resumen/Résumé

Despite the legal recognition of Indigenous and traditional communities and specific rights

conferred to them, there are still many challenges when it comes to finding legal solutions to

their problems, especially when to traditional fishing territories. The discourses produced by

juridical dogmatics often do not represent reality. Therefore, law itself appears to be

insufficient for the construction of an adequate perception. Thus, Anthropology can be an

important methodological research tool on the specificities of these subjects and their rights.

Keywords/Palabras-claves/Mots-clés: Traditional communities, Traditional territories, Anthropology, Traditional fishing territories, Local artisanal fishermen

(6)

1. INTRODUÇÃO

A legislação brasileira, e também a doutrina jurídica sobre o tema, caracteriza os

chamados povos e comunidades tradicionais como sendo grupos diferenciados que possuem

formas próprias de organização social e que transmitem seus conhecimentos e práticas por

meio da tradição.

A fim de situar o debate proposto pelo presente trabalho e identificar os sujeitos

sobre os quais se discorre, é importante elencar de que forma a legislação nacional e

internacional sobre o tema dispõe acerca de tais coletividades, bem como de suas

territorialidades.

Todavia, no âmbito do Direito, apesar do reconhecimento da existência desses

diversos grupos no interior da sociedade brasileira, bem como de direitos específicos a eles

conferidos, como o direito ao território sobre as terras que tradicionalmente ocupam, ainda

são diversos os desafios quando se trata da busca de soluções jurídicas para os problemas

que enfrentam.

E é nesse sentido que MARÉS afirma que apesar da Constituição de 1988 ter aberto

as portas para um “novo direito fundado no pluralismo, na tolerância, nos valores culturais

locais e na multietnicidade (...), o sistema, com sua força e prepotência não tem permitido

que por ela passem os povos” (MARÉS, 2011, 167). Ou seja, os conflitos existentes entre o

Estado brasileiro e as comunidades tradicionais mostram que a incorporação desses direitos

nas legislações infraconstitucionais, nas práticas dos agentes da administração pública, no

judiciário e mesmo na Academia têm muitos desafios a serem enfrentados.

A delimitação, efetivação e também a pesquisa jurídica sobre os direitos dos

distintos grupos formadores da sociedade brasileira, cujos modos de criar, fazer e viver são

considerados pela Constituição Federal, em seu artigo 216, como patrimônio cultural

brasileiro, requer compreensão quanto à forma de ocupação territorial que estes vivenciam.

Assim, a investigação acadêmica sobre o assunto demanda que o pesquisador tenha

condições de realizar uma interpretação do caso concreto para além das noções clássicas

trazidos pelo Direito, em especial no que se refere aos conceitos jurídicos de posse e

(7)

Nesse sentido, o presente trabalho busca demonstrar de que forma a Antropologia e

suas ferramentas podem ser importantes ferramentas metodológicas de melhor compreensão

dos direitos e conflitos que envolvem os povos e comunidades tradicionais.

2. O RECONHECIMENTO JURÍDICO DOS POVOS E COMUNIDADES

TRADICIONAIS

Conforme será visto, tanto no âmbito nacional como internacional há

reconhecimento jurídico dos povos e comunidades tradicionais e de seus direitos

específicos.

Em relação ao recorte cultural e sua relação com a defesa dos direitos dos povos

e comunidades tradicionais, a Declaração Universal sobre a Diversidade, acentua a

diversidade cultural como patrimônio comum da humanidade (art. 1º) e preconiza a sua

defesa dessa como um imperativo ético (art. 4º).

No âmbito internacional, tanto a Convenção 169 da Organização Internacional

do Trabalho - OIT, promulgada pelo Decreto n.º 5.051/2004 (BRASIL, 2004), como a

Convenção da Diversidade Biológica – CDB (BRASIL, 1994) trazem elementos para a

definição desses sujeitos e de seus direitos.

Também na esfera internacional, e agora a partir do recorte do direito ambiental,

a Convenção da Diversidade Biológica, ratificada pelo Congresso Nacional por meio do

Decreto Legislativo nº 2, de 1994 (BRASIL, 1994), destaca a importância das comunidades

com vidas tradicionais na conservação da diversidade biológica. É o que se extrai da

previsão naquele tratado internacional de que sobre os Estados Nacionais recai o dever de

respeitar, preservar e manter o conhecimento, inovações e práticas das comunidades locais

(CDB. 8,j.).

Todavia, é com a Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho

sobre Povos Indígenas e Tribais que se solidifica o reconhecimento internacional da

diversidade de povos existentes e dos direitos específicos a eles aplicáveis.

Assim, segundo a Convenção 169 da OIT, por povos indígenas e tribais

entende-se

(8)

Apenas a título de esclarecimento, o presente trabalho entende, no contexto

brasileiro, como sinônimos os termos “tribais” e “povos e comunidades tradicionais”, este

último presente na legislação nacional. Por este motivo, de maneira breve, é importante

tecer considerações sobre o termo “tribais”, já que, em relação à categoria “indígena”,

pouca ou nenhuma dúvida há sobre a que se refere, conforme se extrai do trecho abaixo:

Os direitos e garantias previstos na Convenção 169/OIT são aplicáveis a povos indígenas e tribais. A categoria “indígena” remete à descendência dos povos que habitavam o país à época da colonização e que mantêm vivas suas próprias instituições sociais, econômicas, culturais e políticas, ou parte delas (artigo 1.1.b da Convenção 169/OIT). É uma categoria de uso consolidado e sua abrangência não suscita controvérsias, ao menos quanto às realidades socioculturais a que se refere. (GARZÓN, et. al. 2016. p. 17)

O termo “povos tribais”, por sua vez,

não se refere a uma única experiência social e histórica. São considerados “tribais” os povos que satisfaçam duas condições previstas na Convenção 169/OIT: (I) possuam “condições sociais, culturais e econômicas que os distingam de outros setores da coletividade nacional, e que estejam regidos, total ou parcialmente, por seus próprios costumes ou tradições ou por legislação especial”; e (II) tenham consciência de sua identidade tribal. Estes critérios consagram o “direito à autoidentificação” (“autoatribuição”, “autorreconhecimento” ou “autodefinição”). (Idem)

Nacionalmente, a Constituição Federal (BRASIL, 1988), em seus artigos 215 e

216, prevê que os modos próprios de criar, fazer e viver dos diferentes grupos étnicos

formadores da identidade cultural brasileira constituem patrimônio cultural brasileiro, sendo

obrigação do Estado brasileiro a defesa e valorização deste patrimônio, assim como a

valorização da diversidade étnica e regional.

No âmbito interno também é possível identificar o reconhecimento pela

legislação ambiental da importância dos povos e comunidades tradicionais na sua

conservação.

É o que se observa com o texto da Lei nº 9.985/2000, que institui o Sistema

Nacional de Unidades de Conservação da Natureza – SNUC (BRASIL, 2000), a qual

elenca, como um dos objetivos do Sistema, a proteção dos diretos das populações

(9)

Além disso, o art. 5º, X, do conjunto normativo supramencionado prevê que o

SNUC (idem) será regido por diretrizes que

garantam às populações tradicionais cuja subsistência dependa da utilização de recursos naturais existentes no interior das unidades de conservação meios de subsistência alternativos ou a justa indenização pelos recursos perdidos.

De forma mais específica, e em termos bastante semelhantes ao que prevê a

Convenção 169 da OIT, o Decreto nº. 6040/2007 (BRASIL, 2007), que instituiu a Política

Nacional de Povos e Comunidades Tradicionais, conceitua em seu artigo 3., inc. I, povos e

comunidades tradicionais como sendo

grupos culturalmente diferenciados e que se reconhecem como tais, que possuem formas próprias de organização social, que ocupam e usam territórios e recursos naturais como condição para sua reprodução cultural, social, religiosa, ancestral e econômica, utilizando conhecimentos, inovações e práticas gerados e transmitidos pela tradição.

Ainda no âmbito da noção de povos e comunidades tradicionais, a partir da

análise das normativas nacionais, observa-se que nela estão inseridos diversos segmentos

tradicionais, conforme elenca o Decreto n. 8.750/2016 (BRASIL, 2016), que institui e

regulamenta o Conselho Nacional dos Povos e Comunidades Tradicionais.

O referido Conselho confere assento a cerca de 28 segmentos dos povos e

comunidades tradicionais, além dos representantes dos Ministérios do Governo Federal,

quais sejam, povos indígenas, comunidades quilombolas, povos de terreiro e povos e

comunidades de matriz africana, povos ciganos, pescadores artesanais, extrativistas,

extrativistas costeiros e marinhos, caiçaras, faxinalenses, ilhéus, raizeiros, geraizeiros,

caatingueiros, vazanteiros, veredeiros, apanhadores de flores sempre vivas, pantaneiros,

morroquianos, povo pomerano, catadores de mangaba, quebradeiras de coco babaçu,

retireiros do Araguaia, comunidades de fundos e fechos de pasto, ribeirinhos, cipozeiros,

andirobeiros, caboclos, e a denominada juventude de povos e comunidades tradicionais1 .

2.1 - O direito ao território tradicionalmente ocupado

(10)

Além do reconhecimento da existência dos povos e comunidades tradicionais, é

previsto também nas normativas internacionais e nacionais o reconhecimento do direito ao

território que tradicionalmente ocupam.

A Convenção 169 da OIT, enquanto principal marco legal aplicável aos povos e

comunidades tradicionais, confere bastante destaque aos direitos territoriais desses sujeitos.

É o que se observa com a redação do artigo 13 do referido Tratado Internacional:

1. Ao aplicarem as disposições desta parte da Convenção, os governos deverão respeitar a importância especial que para as culturas e valores espirituais dos povos interessados possui a sua relação com as terras ou territórios, ou com ambos, segundo os casos, que eles ocupam ou utilizam de alguma maneira e, particularmente, os aspectos coletivos dessa relação. (BRASIL. 2004)

Além disso, o referido artigo da Convenção 169 da OIT também dá destaque à

forma como deve ser interpretado o termo “terra”, utilizados nos artigos posteriores,

destacando a necessidade de compreensão do conceito de territórios:

deverá incluir o conceito de territórios, o que abrange a totalidade do habitat das regiões que os povos interessados ocupam ou utilizam de alguma outra forma.

Por fim, o artigo 14 da Convenção (BRASIL. 2004) dispõe que:

1. Dever-se-á reconhecer aos povos interessados os direitos de propriedade e de posse sobre as terras que tradicionalmente ocupam. Além disso, nos casos apropriados, deverão ser adotadas medidas para salvaguardar o direito dos povos interessados de utilizar terras que não estejam exclusivamente ocupadas por eles, mas às quais, tradicionalmente, tenham tido acesso para suas atividades tradicionais e de subsistência. Nesse particular, deverá ser dada especial atenção à situação dos povos nômades e dos agricultores itinerantes.

2. Os governos deverão adotar as medidas que sejam necessárias para determinar as terras que os povos interessados ocupam tradicionalmente e garantir a proteção efetiva dos seus direitos de propriedade e posse.

Também o ordenamento jurídico brasileiro prevê a necessidade de proteção aos

territórios tradicionais.

O inciso II, do artigo 3º do Decreto 6.040/2007 (BRASIL, 2007) conceitua

(11)

II - Territórios Tradicionais: os espaços necessários a reprodução cultural, social e econômica dos povos e comunidades tradicionais, sejam eles utilizados de forma permanente ou temporária, observado, no que diz respeito aos povos indígenas e quilombolas, respectivamente, o que dispõem os arts. 231 da Constituição e 68 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias e demais regulamentações

Além disso, o referido Decreto (Idem) estabelece como um dos objetivos

específicos da Política Nacional de Desenvolvimento Sustentável dos Povos e Comunidades

Tradicionais

garantir aos povos e comunidades tradicionais seus territórios, e o acesso aos recursos naturais que tradicionalmente utilizam para sua reprodução física, cultural e econômica;

Observa-se, assim, com a transcrição dos artigos de lei acima mencionados, a

existência de marco legal nacional e internacional sobre a proteção dos territórios

tradicionalmente ocupados pelos grupos dotados de formas próprias de criar, fazer e viver e

formadores da identidade cultural brasileira.

Ocorre que a previsão legal da existência e dos direitos dos povos e

comunidades tradicionais não é suficiente para a sua concretização. Alcida Rita RAMOS

(RAMOS, 2012, p. 8) alerta que, atualmente, na América Latina, apesar das importantes

conquistas presentes nas Constituições nacionais, prevalece ainda no discurso hegemônico

dos Estado-Nações a lógica do universalismo, individualismo e igualitarismo, fazendo com

que “a lógica que rege a política da diferença, proposta por suas minorias internas, encontre

uma corrida em aclive no esforço de abrir brechas na superfície aparentemente inteiriça

dessa hegemonia”.

Assim, conforme será discorrido no tópico subseqüente, a utilização, pelo operador

e pesquisador do Direito, de metodologias advindas de outras ciências, seja por meio da

pesquisa empírica ou de saberes produzidos em outros campos do conhecimento, como no

caso da Antropologia ou das Ciências Sociais, pode ser importante ferramenta de

compreensão das especificidades dos povos e comunidades tradicionais e de interpretação

de seus direitos, especialmente das comunidades de pescadores artesanais.

3 – A PESQUISA EMPÍRICA NA INVESTIGAÇÃO JURÍDICA SOBRE POVOS E

(12)

No que se refere à pesquisa jurídica sobre povos e comunidades tradicionais,

metodologias de pesquisa empírica são ferramentas significativas que podem permitir a

compreensão, descrição e interpretação mais adequadas ao que investiga.

Nesse sentido, o trabalho de campo pode ser visualizado como uma importante

contribuição da Antropologia para a pesquisa jurídica. Ele se mostra importante porque as

respostas oferecidas apenas pelo ordenamento jurídico, prontas e definitivas, são

insuficientes para a compreensão, e até mesmo para a proposta de resolução, dos problemas

concretos, dinâmicos e cotidianos (LIMA, 2016), em especial quando se trata de grupos tão

específicos e com características bastante peculiares, como é o caso dos povos e

comunidades tradicionais.

Os discursos produzidos pela dogmática jurídica, baseados essencialmente em

opiniões, no mais das vezes não encontram correspondência empírica com a realidade, de

forma que se mostra insuficiente para a construção de uma percepção adequada.

Assim, observa-se que no campo jurídico ocorre a manualização do

conhecimento, o qual abarca as teses vencedoras, de modo que o direito se mostra

excludente e não representativo de consensos (LIMA, 2016).

A pesquisa etnográfica de caráter antropológico propõe justamente uma

interlocução com o campo empírico, possibilitando uma percepção mais completa e

democrática dos fenômenos e dos institutos jurídicos. O trabalho de campo também pode

permitir a percepção de valores e ideologias diferentes daqueles presentes nos discursos

oficiais do campo jurídico (LIMA, 2016, p. 5).

Todavia, a pesquisa empírica, em suas diversas possibilidades, e não apenas o

trabalho de campo, enfrenta dificuldades em ser aceita pelo Direito, uma vez que este

permanece bastante atrelado a dogmas, tradições e parte de um ideário abstrato-normativo

(LIMA, 2016, p. 3).

De toda forma, observa-se que, ao investigar a importância da pesquisa empírica

no Direito, necessário se faz discorrer sobre os limites e possibilidades do diálogo entre

aquele e a Antropologia.

3.1 - Interlocuções entre Direito e Antropologia

(13)

(GEERTZ. 2004, p. 275), como a Etnografia, forma específica de construção de uma

narrativa sobre o grupo social pesquisado, funcionam à luz do saber local, ou seja, tanto o

advogado, operador do Direito, como o antropólogo são conhecedores de casos específicos

e, por isso, devem ter sensibilidade pelo saber local.

Antes de adentrar na análise do Direito e da Antropologia, cumpre tecer breves

considerações sobre a prática da Etnografia, a qual, segundo GEERTZ (1998) é uma

descrição densa:

a etnografia é um a descrição densa. O que o etnógrafo enfrenta, de fato - a não ser quando (com o deve fazer, naturalmente) está seguindo as rotinas mais automatizadas de coletar dados – é uma multiplicidade de estruturas conceptuais complexas, muitas delas sobrepostas ou amarradas umas às outras, que sã o simultaneamente estranhas, irregulares e inexplícitas, e que ele tem que, de algum a forma, primeiro apreender e depois apresentar. E isso é verdade em todos os níveis de atividade d o seu trabalho de campo, mesmo o mais rotineiro: entrevistar informantes, observar rituais, deduzir os termos de parentesco, traçar as linhas de propriedade, fazer o censo doméstico... escrever seu diário. Fazer a etnografia é com o tentar ler (no sentido de "construir um a leitura de") um manuscrito estranho, desbotado, cheio de elipses, incoerências, emendas suspeitas e comentários tendenciosos, escrito não co m os sinais convencionais do som, mas co m exemplos transitórios de comportamento modelado. (GEERTZ. 1998, p. 20)

Ao comentar o trecho acima, LAGE (2009, p. 6) destaca que

(14)

Ao se analisar o Direito e a Antropologia, tem-se que, ao passo em que aquele

aparece associado com a “relação entre as dimensões evidenciais e nomísticas da adjucação,

ou seja, o que ocorreu e o que é legal”, a Antropologia “aparece com a relação entre padrões

do comportamento observando o que realmente existe na prática, e as convenções sociais

que supostamente os governam, ou seja, o que ocorreu e o que é gramaticalmente correto”.

(GEERTZ, 2004. P. 253)

Assim, feitas essas breves considerações sobre a Etnografia, e observando-se

que o Direito e da Antropologia são profissões e saberes orientados pela prática, limitadas a

universos específicos e fortemente dependentes de técnicas especiais, GEERTZ (2004)

defende a necessidade de uma penetração da sensibilidade jurídica na antropologia, ou da

sensibilidade etnográfica no direito.

Todavia, o autor destaca o erro comum na abordagem entre antropologia e

direito ao tentar simplesmente unir um a outro:

Com tudo isso, a interação de duas profissões tão orientadas para a prática, tão profundamente limitadas a universos específicos e tão fortemente dependentes de técnicas especiais, teve como resultado mais ambivalência e hesitação que acomodação e síntese. E, ao invés de termos uma penetração da sensibilidade jurídica na antropologia, ou da sensibilidade etnográfica no direito, o que vemos é um conjunto limitado de debates estáticos, em que se tenta descobrir se os conceitos da jurisprudência ocidental têm alguma aplicação útil em contextos não-ocidentais, ou se o estudo do direito comparativo consiste em saber como os africanos ou os esquimós concebem a justiça, ou como são resolvidas as disputas na Turquia ou no México; ou ainda se os regulamentos jurídicos realmente restringem o comportamento ou unicamente servem como justificativas racionais para encobrir aquilo que algum juiz, advogado, litigante ou qualquer outro maquinador semelhante queria fazer, de qualquer maneira. (Idem, p. 251)

Seria errôneo, então, tentar resolver o problema do saber local ao considerar

o produto do encontro da Etnografia e do Direito como um desenvolvimento interno da

própria Antropologia que teria dado origem a uma subdisciplina semiautônoma e

especializada (como a psicologia social, ou a exibiologia, ou a história da ciência). Com

isso, o que o autor (Ibidem) quer demonstrar é que os antropólogos tentaram resolver o

problema do saber local se enveredando pelo caminho errado. É o que se extrai do trecho

(15)

A meu ver, ao considerar o produto do encontro da etnografia e do direito como um desenvolvimento interno da própria antropologia que teria dado origem a uma subdisciplina semi-autônoma e especializada, como a psicologia social, ou a exobiologia, ou a história da ciência, os antropólogos (restringindo-me a eles por enquanto; minhas críticas aos advogados virão a seguir) tentaram resolver o problema do saber local enveredando justamente pelo caminho errado. A evolução de novos ramos das disciplinas estabelecidas pode fazer sentido quando se trata do aparecimento de fenômenos genuinamente intermediários, que não se enquadram inteiramente em nenhum dos ramos já desenvolvidos, como no caso da bioquímica; ou quando se trata de transferir conceitos-padrão para áreas ainda não padronizadas, como no caso da astrofísica. No caso do direito e da antropologia, no entanto, onde cada parte apenas se pergunta -às vezes esperançosamente, outras, com ceticismo - se a outra parte pode ter em algum lugar alguma coisa que lhe venha a ser útil na resolução de alguns de seus próprios problemas clássicos, a situação é diferente. O que esses coloquialistas em potencial necessitam não é uma disciplina centauro - plantação de uvas náutica ou navegação em vinhedos - e sim uma consciência maior e mais precisa do que a outra disciplina significa. (GEERTZ. 2004, p. 252).

Assim, GEERTZ defende não uma mera evolução de um novo ramo das

disciplinas já existentes. Ou seja, não se deve buscar, segundo o autor, unir o Direito à

Antropologia. É importante que ambos os saberes continuem como distintos.

Todavia, o que GEERTZ sustenta, então, é a “busca por temas específicos de

análise que, mesmo apresentando-se em formato diferentes, e sendo tratados de maneiras

distintas, encontram-se no caminho das duas disciplinas” (GEERTZ. 2004, p. 253).

Com isso não se trata de esforço para impregnar costumes sociais com

significados jurídicos, nem de descobrir raciocínios através de descobertas antropológicas,

mas sim de “um ir e vir hermenêutico entre os dois campos, olhando primeiramente em uma

direção, depois na outra, a fim de formular as questões morais, políticas e intelectuais que

são importantes para ambos” (GEERTZ, 2004, p. 253). Verifica-se então a defesa de uma

prática metodológica de análise de temas específicos.

É neste contexto que GEERTZ (2004, p. 259) elabora a noção de sensibilidade

jurídica.

O sistema jurídico descreve “o mundo e o que nele acontece em termos

explicitamente judiciosos”, ou seja, o processo judicial e a aplicação do Direito se tratam de

um processo de representação (base de toda a cultura). Por esse motivo, fundamental se faz

levar em consideração o conceito de “sensibilidade jurídica”, construção edificada na

cultura conectada às crenças e costumes, e que se modifica conforme o contexto em que

(16)

Assim, afirma GEERTZ (2004, 325), que sensibilidade jurídica é “esse

complexo de caracterizações e suposições, estórias sobre ocorrências reais, apresentadas

através de imagens relacionadas a princípios abstratos”.

Dessa forma, uma pesquisa acadêmico-jurídica que se pretenda analisar e

descrever o que seriam os territórios das comunidades tradicionais e, especialmente,

territórios tradicionais pesqueiros precisa se libertar de concepções prévias e dadas sobre o

Direito que simplesmente identificaria essa forma de vivenciar um espaço a categorias

jurídicas já existentes, como, por exemplo, como seria o caso das categorias de posse e

propriedade.

Assim, a noção de sensibilidade jurídica permite observar as bases culturais do

Direito, enquanto maneira bastante particular de representar a realidade e, ciente dela,

compreender melhor as relações e características do objeto da pesquisa.

4 – A PESQUISA JURÍDICA SOBRE A TERRITÓRIALIDADE DOS POVOS E

COMUNIDADES TRADICIONAIS

Diante das considerações acima mencionadas, compreende-se a importância de,

a fim de compreender a especificidade da comunidade tradicional sobre a qual se versa,

valer-se o pesquisador do Direito de conceitos advindos de outras áreas do conhecimento, a

exemplo das Ciências Sociais e da Antropologia.

Assim, a fim de compreender a noção de território para além das noções

jurídicas de posse e propriedade, destaca-se o conceito de “territórios sociais” utilizado por

Paul E. LITTLE (2012, p. 3) para designar as diversas formas de exercício da

territorialidade pelos povos e comunidades tradicionais, esta compreendida “como o esforço

coletivo de um grupo social para ocupar, usar, controlar e se identificar com uma parcela

específica de seu ambiente biofísico, convertendo-a assim em seu ‘território’”.

Vale também considerar a utilização do termo “territorialidade específica” no

sentido exposto por José Antonio Peres GEDIEL e Giovanna Bonilha MILANO (2015, p.

67), segundo o qual não se trata de confundir a “noção de terra como propriedade

imobiliária, tampouco com a conceituação de território na condição de espaço jurisdicional

(17)

latino-americano, ou que existem atualmente enquanto contraposição ao modelo agrário

exportador e apoiado no monopólio da terra.

Ou seja, essencial se faz ressaltar e valorizar, para a compreensão da noção de

território para os povos e comunidades tradicionais, as contribuições das ciências humanas e

sociais, a partir das quais se denota a emergência do conceito de territorialidade, mediante a

conjunção do componente físico às dimensões simbólicas e sociais a ele relacionadas.

Assim, antes de se exprimir como sinônimo de um espaço particular, o território constitui

relação entre pessoas, referindo-se à organização do espaço que é imbuída de história.

Nessa perspectiva, discorre Emília Pietra de GODOI (2014, p. 444) que

concebendo desta maneira o território, estamos longe de concepções que o compreendem como sinônimo de espaço ou espacialidade ou, simplesmente, como ‘fonte de recursos’ disputados ou, ainda, de elementar ‘apropriação da natureza.

Por outro lado, a territorialidade, enquanto processo de construção de um

território, trata-se de apropriação, controle, usos e atribuição de significados sobre uma

parcela do espaço que é transformada em território (GODOI. 2014, p. 445).

Dessa maneira, a dimensão sociológica e simbólica de territorialidade impede

que esta seja entendida meramente como questão fundiária, ou seja, como uma propriedade

transacionável.

Assim, para que as ciências e a pesquisa jurídicas considerem e dêem respostas

adequadas a essas outras formas de relação com o espaço, como é o caso dos territórios

vividos pelas diversas coletividades tradicionais formadoras da sociedade brasileira, faz-se

necessário descrever e analisar tais processos de territorialidades considerando todas as suas

dimensões, seja físicoespacial, sociológica ou simbólica.

4.1 - A territorialidade das comunidades tradicionais pesqueiras

No que se refere especificamente às comunidades tradicionais pesqueiras, é

essencial destacar a relação estrita que possuem com a terra e o mar, porções territoriais que

serão aqui denominadas de territórios pesqueiros, assim como com a atividade pesqueira.

Também no tocante à identificação dessas comunidades tradicionais,

(18)

comandos legais gerais sobre os povos e comunidades tradicionais, como é o caso do o

Decreto n. 8.750/2016 (BRASIL, 2016) que cria o Conselho Nacional de Desenvolvimento

Sustentável dos Povos e Comunidades Tradicionais, apenas as consideram como categoria

profissional, é essencial considerar, na pesquisa jurídica que se pretenda valer de elementos

empíricos, o discurso dessas próprias coletividades sobre si mesmas.

Nesse sentido, o Movimento Nacional dos Pescadores e Pescadoras Artesanais

-MPP2

, em Projeto de Lei de Iniciativa Popular (MPP, 2015a) proposto pela Campanha

Nacional pela Regularização dos Territórios Pesqueiros, afirma que por comunidades

tradicionais pesqueiras se entendem:

os grupos sociais, segundo critérios de auto-identificação, que tem na pesca artesanal elemento preponderante do seu modo de vida, dotados de relações territoriais específicas referidas à atividade pesqueira, bem como a outras atividades comunitárias e familiares, com base em conhecimentos tradicionais próprios e no acesso e usufruto de recursos naturais compartilhados. (Idem. Art. 1, §único, inciso I)

O mesmo Projeto de Lei também define como territórios tradicionais

pesqueiros:

as extensões, em superfícies de terra ou corpos d´água, utilizadas pelas comunidades tradicionais pesqueiras para a sua habitação, desenvolvimento de atividades produtivas, preservação, abrigo e reprodução das espécies e de outros recursos necessários à garantia do seu modo de vida, bem como à sua reprodução física, social, econômica e cultural, de acordo com suas relações sociais, costumes e tradições, inclusive os espaços que abrigam sítios de valor simbólico, religioso, cosmológico ou histórico. (Ibidem. Art. 1, §único, inciso II)

No que se refere ao fato do território tradicional pesqueiro ser composto por

terra e água, César Augusto BALDI (2014, p. 96) afirma que “a pesca artesanal

desenvolve-se articulando atividades em terra e água”: o acesso à água é mediado pelo

acesso à terra, tendo em vista que nesta o pescador artesanal complementa sua renda, pratica

agricultura de subsistência, constitui sua morada, além de executar atividades posteriores à

captura do pescado e confeccionar seus apetrechos de pesca. Com relação ao mar, além de

ser o local no qual os pescadores artesanais extraem o pescado, é também “um espaço de

2 A Campanha Nacional Pela Regularização do Território das Comunidades Tradicionais Pesqueiras,

(19)

uso comum apropriado por saberes construídos ao longo dos anos e das gerações

(Ibidem).

Em relação à porção aquática do território das comunidades tradicionais

pesqueiras, ressalta-se a existência dos chamados pontos de pesca utilizados por seus

integrantes, conforme já tratada em vasta bibliografia sobre o assunto.

Assim, no tocante à noção de pontos de pesca, destacam-se as contribuições

de BEGOSSI (2004, p. 223), segundo a qual

Os pescadores artesanais, tanto de água doce como marinhos, não procuram as suas presas ao acaso, mas as buscam em locais específicos do rio ou do mar. Em termos ecológicos, tal comportamento não surpreende, visto que na natureza os organismos também não estão distribuídos uniformemente, mas sim em manchas. Essas manchas são constituídas por recursos agregados que ocorrem em uma determinada área. Transferindo esse raciocínio para a pesca, podemos supor que o pescado é em geral encontrado agregado, em manchas, nos rios e mares. Ou seja, o que os pescadores denominam como 'pesqueiro' são encontradas.

No que se refere à identificação dos pontos de pesca, a autora salienta a forma

como os pescadores artesanais os reconhecem, vejamos:

Desse modo, os pescadores conhecem pontos no rio ou no mar onde determinadas espécies são encontradas, e em função do aspecto seletivo da pesca, diferentes técnicas são usadas para a captura de determinadas espécies, assim como os pontos de pesca são em geral direcionados à captura de determinadas espécies. Esses pontos são reconhecidos pelos pescadores por meio de referências aquáticas (uma laje, por exemplo) ou terrestres (uma referência em terra, uma árvore, uma casa, uma igreja). (...)

A marcação dos pontos de pesca foi abordada por diversos pesquisadores, como Cascudo (1957), que observou a localização de cada pesqueiro como um vértice de um triângulo.(2004, p. 224)

Cumpre, ainda, ressaltar que a literatura sobre o tema também destaca a

diferença entre simples pontos de pesca, enquanto “meros” locais nos quais podem ser

encontrados peixes, e a transformação destes em territórios pesqueiros a partir da vivência

por comunidades de pescadores artesanais de uma territorialidade, entendida também como

(20)

O pesqueiro, o cabeço, o valão e outras áreas marinhas diferenciadas por serem refúgios naturais de pescado em mar aberto, são apropriados pelos pescadores a partir de seu conhecimento e sua práxis.

(...)

Chegar ao pesqueiro requer o domínio do espaço marinho de uma série de elementos naturais que o compõem, tais como o relevo submarino, os ventos, as marés, as formas de terra que representam os referenciais de localização, as profundidades da coluna d’água, a cor da água. Compõem o território da pesca e a apropriação deste território pelo pescador é um processo de mediação com a natureza.

No caso da atividade pesqueira, em especial na pesca marítima, os pescadores produzem seu território em um meio aparentemente indiviso e de grande mobilidade e a pesca pressupõe uma interação contínua com a natureza. Na apropriação deste meio se constrói os territórios de pesca. Esta apropriação, segundo MALDONADO (1988), é mediada pelo “...nível tecnológico do instrumental pesqueiro e sobretudo pelo conhecimento do meio marítimo que cada grupo constrói e desenvolve na sua atuação frente a natureza...” (CARDOSO, 2001, p. 82).

Observa-se, assim, a partir da descrição da territorialidade especifica do

território pesqueiro, o qual é composto pelas porções terrestres e aquática, a importância da

contribuição da Antropologia e das Ciências Sociais para a compreensão dessas formas de

ocupação e vida tradicionais.

Ou seja, a pesquisa e a interpretação dos direitos dessas coletividades por meio

de instrumentos apenas jurídicos são insuficientes para uma correta compreensão dos

fenômenos que envolvem essas formas de vida.

5 - CONSIDERAÇÕES FINAIS

A Constituição de 1988 reconhece e protege direitos coletivos como ao meio

ambiente, aos valores éticos, ao patrimônio cultural (MARÉS, 2011), aqui incluídos os

modos próprios de criar, fazer e viver dos diferentes grupos formadores da sociedade

brasileira (BRASIL, 1988, art. 216) fazendo com que se reconheça que o Estado é

pluriétnico e multicultural (DUPRAH, 2012).

Além disso, diversas são as normativas que prevêem direitos específicos aos

povos e comunidades tradicionais, como é o caso da Convenção 169 da OIT, o Decreto

(21)

Ocorre que a previsão de tais direitos no ordenamento jurídico não é suficiente

para a manutenção das práticas tradicionais destes sujeitos, tampouco para a efetivação de

seus direitos territoriais.

No que se refere aos pescadores artesanais, essa realidade não é diferente. Por

envolver territórios que compreendem porções de terra e mar, e diante da formulação de

políticas desenvolvimentistas que ameaçam seus territórios tradicionais, bem como da

ausência de instrumentos jurídicos específicos para o reconhecimento de sua identidade

coletiva e dos espaços que ocupam, encontram ainda mais dificuldades em obter respostas

por parte do Estado que respeitem seus modos próprios de criar, fazer e viver.

Verifica-se, portanto, a partir da análise das peculiaridades da territorialidade

específica das comunidades tradicionais pesqueiras, e da noção de sensibilidade jurídica, a

necessidade de analisá-las a partir de instrumentos outros que não apenas aqueles do Direito

tradicional moderno.

Ou seja, diante de conflitos enfrentados por tais comunidades, ou em casos nos

quais se requer a defesa e proteção de seus territórios tradicionais, faz-se necessário

ultrapassar as noções clássicas de posse e propriedade e, com o auxílio de ferramentas de

outras disciplinas, tais como a Antropologia, Geografia, Ciências Sociais, etc., compreender

a dinâmica territorial de tais comunidades para que seja possível a defesa eficaz de seus

direitos coletivos.

4. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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