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Sempre existe o outro lado : Uma análise da representação feminina de Bertha Mason e Antoinette Cosway em Jane Eyre e Vasto Mar de Sargaços.

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Academic year: 2022

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XIII Semana de Extensão, Pesquisa e Pós-Graduação SEPesq – 27 de novembro a 01 de dezembro de 2017

“Sempre existe o outro lado”: Uma análise da representação feminina de Bertha Mason e Antoinette Cosway em Jane Eyre e

Vasto Mar de Sargaços.

Vanessa Gomes Alves de Oliveira1

1. Introdução

Em 1847, Charlotte Brontë publicou Jane Eyre, trazendo à literatura uma personagem feminina que dividia opiniões; Jane não é a típica heroína que se espera em um romance do século XIX. Órfã, sem uma beleza marcante, fortuna ou grandes talentos, Jane deseja e anseia por liberdade e independência. Como personagem, Jane Eyre parece e é uma mulher a frente de seu tempo, sendo “um ser humano livre, com uma vontade independente”

“(BRONTË, 1847, p.185).

No mesmo romance, em contraste com Jane Eyre, Charlotte traz a mulher louca de Mr. Rochester, Bertha Mason, que é construída de forma oposta ao da heroína, tornando-se, então, sua antagonista. Bertha é dependente de Mr.

Rochester, e vive em Thornfield Hall presa no sótão, por escolha de seu marido, que alega que “seus excessos haviam desenvolvido prematuramente os germes da insanidade” (BRONTË, 1847, p. 224). É vigiada o tempo inteiro, como um animal preso em sua jaula, e tem partes de sua história e os motivos que levaram-na ao caminho da insanidade contados por outros, não tendo nenhuma oportunidade de falar por si mesma.

1 Mestranda, Universidade Federal do Rio Grande do Sul, vanessa.gao17@gmail.com.

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XIII Semana de Extensão, Pesquisa e Pós-Graduação SEPesq – 27 de novembro a 01 de dezembro de 2017

Por essa falta de voz, e a representação preconceituosa de uma crioula em um romance do século XIX, Jean Rhys, autora caribenha do século XX, resolve dar a Bertha Mason uma história, contada por seu próprio ponto de vista, seguindo uma narrativa parecida com a de Jane Eyre. Como a autora diz em uma carta escrita para seu amigo Francis Wydham,

Mas, eu, lendo mais tarde, e muitas vezes, fiquei chocada com o retrato de lunática que ela traça, as cenas das crioulas erradas, e, sobretudo a crueldade real do Sr. Rochester. Afinal de contas, ele era um homem abastado e haveria maneiras mais gentis de dispor (ou esconder) uma mulher indesejada – ouvi a história de uma – e o marido se comportou de forma bem diferente. (RHYS, 1964)

Em Vasto Mar de Sargaços, Antoinette Cosway reconta sua infância, seu conflito constante com a identidade branca e negra, a falta de apoio familiar e o medo, até florescer e se tornar a mulher que tem um destino terrível a sua espera. Com sua obra, Rhys desfia a enigmática personagem de Bertha Mason, dando-lhe uma vida e um contexto, tentando descrever os motivos que a levaram a tornar-se a mulher louca no sótão em Jane Eyre.

No entanto, não se pode deixar de notar que, embora tenham o mesmo nome, Bertha e Antoinette são representadas de forma bem diferente nas obras de Charlotte Brontë e Jean Rhys. Dessa forma, o objetivo do presente trabalho é analisar as duas obras, buscando entender a forma como Bertha Mason e Antoinette Cosway foram retratadas por Charlotte Brontë, uma autora inglesa do século XIX, e Jean Rhys, autora caribenha do século XX, levando em conta o contexto histórico no qual ambas as autoras estavam inseridas, e como isso pode ter influenciado na forma como elas retratam a personagem.

2. Metodologia

Para desenvolver o presente trabalho, é necessário uma leitura de Jane Eyre e Vasto Mar de Sargaços, para notar as diferenças entre as formas em que as personagens foram retratadas. É importante entender a posição na qual ambas as autoras tiveram enquanto estavam escrevendo. Portanto, uma análise de seu contexto histórico e cultural precisa ser feita. Para tal, uma pesquisa documental será feita, utilizando os livros A Literature of their own – British

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women novelists from Brontë to Lessing, de Elaine Showalter; Cambridge studies in African and Caribbean Literature – Jean Rhys, de Elaine Savory;

Charlotte Brontë’s Jane Eyre: A case book.

Desta forma, o trabalho será dividido em duas partes: a análise do contexto cultural e histórico das autoras, utilizando o material teórico selecionado, e uma leitura de ambos os romances, Jane Eyre e Vasto Mar de Sargaços, para estudar a forma como as personagens são representadas.

3. Resultados e Discussão

O século XIX foi um tempo em que muitas autoras começaram a fazer sua voz ser ouvida através da literatura. Charlotte Brontë foi uma das mulheres que decidiram passar sobre as fronteiras que delimitavam seu gênero. Com romances escritos sob a perspectiva feminina, como Shirley, Jane Eyre e Villette, Charlotte explorava a visão da mulher em sua sociedade, suas opiniões, conflitos e dificuldades.

Em Jane Eyre, Charlotte dá vida a Jane Eyre, uma menina pobre, órfã, sem beleza ou fortuna. Jane Eyre era simples, solitária e, desde o inicio, diferente de todos que a cercavam. Ademais, Jane é o oposto do que uma mulher vitoriana deveria ser – submissa, altruísta, pura –, e prefere viver de forma independente a ter que casar por conveniência com um homem rico. Como heroína, Jane Eyre é bem construída, e termina sua histórica como uma mulher livre. Por outro lado, Charlotte Brontë também dá vida a Bertha Mason, a misteriosa mulher que assusta a todos em Thornfield Hall, com suas aparições fantasmagóricas que deixavam todos os moradores, inclusive Jane, desconfortáveis.

Bertha, a principio, é apenas alguém por trás de um “riso curioso: distinto, maquinal e horripilante” (BRONTË, 1847, p.80). Com o passar da narrativa, a figura de Bertha torna-se o mistério de Thornfield Hall, e Jane é constantemente perturbada por essa figura. No entanto, permanece uma incógnita por boa parte do romance, pois toda vez que Jane perguntava quem fazia aqueles murmúrios, dava as risadas demoníacas, Grace Poole, a cuidadora de Bertha, levava a culpa. E assim se segue até antes do casamento

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de Jane com Mr.Rochester, quando Bertha aparece, de fato, para Jane. Ela, então, ganha forma, como “uma mulher alta e grande [...] com cabelos grossos e negros caindo pelas costas.” (BRONTË, 1847, p. 207), e com feições

“medonhas e terríveis” (BRONTË, 1847, p. 207).

Assustada, Jane, enquanto conta a seu noivo o relato da aparição, diz que a figura de Bertha, seu rosto “sem cor, selvagem” (BRONTË, 1847, p. 207), os

“olhos injetados e o horrendo inchaço daqueles traços escuros” (BRONTË, 1847, p. 207), lhe lembravam o espectro alemão, o “Vampiro”. Portanto, sua figura agora recebe um caráter de terror, espectral, fantasmagórica. Em sua próxima aparição, Bertha é finalmente apresentada como a mulher louca do Sr.

Rochester, o impedimento para o casamento entre ele e Jane Eyre e, portanto, a interdição para a felicidade de Jane.

Apesar de aparecer, vista como um animal selvagem que “rastejava, de quatro, saltando e rosnando” (BRONTË, 1847, p. 214), em momento algum Bertha tem a oportunidade de falar. Sua história é contada pelo Sr. Rochester, que diz que ela é louca e vem de uma família “de loucos que produz maníacos e idiotas há três gerações” (BRONTË, 1847, p. 213). Conta que foi enganado por sua própria família e pela família dela, que “guardaram silêncio sobre esses segredos de família”. Divide a culpa com ela, que o seduziu e enganou-o com sua beleza.

Logo após se casar, Sr. Rochester descobre que a mãe de Bertha era demente e estava trancada em um asilo, e que também havia um irmão mais novo mudo e idiota. No entanto, apesar de descobrir isso, ele não tinha motivos para reprovar sua esposa. Por outro lado, Bertha tinha um temperamento que se exacerbava e expandia com “assustadora rapidez” (BRONTË, 1847, p. 215). A partir daí, Sr. Rochester fez de tudo para que o nome de Bertha não fosse mais associado ao seu, culminando, então, a sua prisão no sótão de Thornfield Hall.

Essa é a única história dada a Bertha Mason, contada por seu marido, o mesmo que casou por sua fortuna e a aprisionou em um sótão como um animal selvagem. No fim, Bertha se suicida, após atear fogo em Thornfield Hall, deixando Sr. Rochester ferido e dependente. Jane, ao ouvir tais notícias, volta, então, ao resgate de Sr. Rochester, casando-se com ele logo depois. A existência de Bertha, no entanto, é esquecida e enterrada nos escombros de Thornfield Hall, novamente silenciada, desta vez em prol da felicidade de Jane.

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XIII Semana de Extensão, Pesquisa e Pós-Graduação SEPesq – 27 de novembro a 01 de dezembro de 2017

Em Vasto Mar de Sargaços, Jean Rhys faz o oposto que Charlotte Brontë fez com Bertha Mason; a personagem ganha um novo nome, um contexto, e uma voz para contar o seu lado da história. Como ela mesma diz ao marido,

“Sempre existe o outro lado” (RHYS,1966, p.126). Rhys conta a história de Antoinette Cosway, uma crioula nascida na Jamaica em uma família decadente de ex-donos de escravos. A narrativa é dividida entre dois personagens, Antoinette e seu marido – que não é nomeado – e segue a vida de Antoinette desde quando era uma menina, até o momento em que se torna a louca do sótão, conhecida de Jane Eyre.

Antoinette, tal como Jane Eyre, tem uma infância difícil. Seu pai morreu, deixando a sua mãe, Annette, sozinha com duas crianças, sem nenhuma renda e com uma vida miserável. Desde criança, Antoinette vive em um conflito interno por não saber a que lugar pertence, e, de acordo com Joyce Carol Oates “Diferente de Jane, que sabe sua história pessoal e o que deve pensar sobre ela, Antoinette mal sabe sua própria história” (2006, tradução nossa2).

Dividida entre sua mãe, que não lhe dava muita atenção, e as pessoas de sua vizinha, que as odiavam, Antoinette cresce solitária, e dizia que tudo “é melhor do que gente” (RHYS, 1966, p.22).

Passado algum tempo, Annette se casa novamente com um homem abastado chamado Sr. Mason, e, então, a vida da família, financeiramente, melhora de forma considerável. Entretanto, Annette teme que eles sofram algum ataque, e, quando isso acontece, a casa em Coulibri é incendiada, e Pierre, irmão mais novo de Antoinette, morre, deixando Annette transtornada. A partir desse momento, a vida da família muda. Annette, considerada louca, passa a morar em uma casa de campo, aonde Antoinette raramente vai para visita-la.

Antoinette, por outro lado, passa a frequentar um convento.

A história contada por Jean Rhys não difere muito da contada por Charlotte Brontë para a heroína Jane Eyre, apesar de ser um “anti-romance, um espelho reverso” (OATES, 2006). Ambas passam por dificuldades quando crianças, ambas vão a uma escola. No entanto, enquanto Jane passa a ter independência e viver de sua própria maneira, Antoinette é obrigada a se casar com um homem inglês, pelo seu nome, a quem ela mal conhece. Por

2Unlike Jane Eyre, who both knows her personal history and what she should think about it, Antoinette barely “knows” her story at all.

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consequência, Antoinette nunca teve a chance de ser livre; sempre confinada a algum lugar – Coulibri, no convento, e em Thornfield Hall.

Após seu casamento, os caminhos de Antoinette e Bertha se cruzam.

Antoinette se casa com o homem inglês, se apaixona, e é traída por ele, que só deseja sua fortuna. Sr. Rochester tira sua identidade, dominando-a com um novo nome, Bertha, e a leva para outro país, sem nada, desejando que ela se tornasse “uma lembrança a ser evitada, presa a sete chaves, e, como todas as lembranças, uma lenda.” (RHYS, 1966, p. 171). Assim Bertha Mason se torna a mulher louca no sótão, representada como um animal selvagem, insana, silenciada.

4. Conclusões

Ao escrever Vasto Mar de Sargaços, Jean Rhys construiu uma autêntica experiência do processo de loucura, ou melhor, de ser levada a loucura (OATES, 2006). Através de Antoinette, é possível entender a vida por trás da misteriosa Bertha Mason, mesmo que sejam personagens de tempos diferentes, em romances diferentes. Bertha Mason deixa de ser apenas um degrau que Jane Eyre precisa ultrapassar para atingir a plena felicidade, para tornar-se uma personagem com uma história, com o outro lado do que Sr.

Rochester conta.

É de suma importância, tanto no século XIX quanto no XX, momentos em que as mulheres começaram a questionar seu lugar na sociedade em que viviam, discutir o papel e a representação que as mulheres tem em diversos meios. Na literatura não é diferente. O século XIX serviu de palco para que muitas autoras pudessem brilhar, sendo mulheres e escrevendo sobre mulheres. Autoras como Anne, Charlotte e Emily Brontë, George Eliot, Elizabeth Barrett Browning, dentre muitas outras, abriram espaço para que outras pudessem fazer o mesmo.

Charlotte Brontë criou uma heroína icônica, uma mulher forte, com pensamentos próprios e o desejo por liberdade. Criou, também, Bertha Mason, uma mulher punida e presa, que precisava morrer para que a protagonista fosse feliz. Jean Rhys, sendo uma leitora ávida das irmãs Brontë, após ler Jane

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Eyre muitas vezes, decidiu dar uma voz e história para Bertha, tornando-a uma personagem própria.

5. Palavras chave

Charlotte Brontë; Jane Eyre; Literatura Vitoriana, Jean Rhys, Vasto Mar de Sargaços.

Referências bibliográficas

1. BEER, Patricia. Reader, I married him. A Study of the Women Characters of Jane Austen, Charlotte Brontë, Elizabeth Gaskell and George Eliot. London: The Macmillan Press, 1974.

2. BLOOM, Harold. Bloom’s Modern Critical Interpretations: Charlotte Brontë’s Jane Eyre. New York: Infobase Publishing, 2007.

3. BRONTË, Charlotte. Jane Eyre. São Paulo: Landmark, 2010.

4. GILBERT, Sandra M.; GUBAR, Susan. The Mad Woman in the Attic.

The Woman Writer and the Nineteenth- Century Literary Imagination.

London: Yale University Press, 2000.

5. KOLLE, Therese Cecilie. Woman’s struggle for autonomy: a reading of Jane Eyre, Wuthering Heights and The Mill on the Floss. Available at:

<https://www.duo.uio.no/bitstream/handle/10852/25306/masterxixpdf xferdig.pdf?sequence=1&isAllowed=y >. Accessed on: March 25th, 2017.

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6. MICHIE, Elsie. Introduction. In: MICHIE, Elsie. Charlotte Brontë’s Jane Eyre: A Case Book. New York: Oxford University Press, 2006.

7. OATES, Joyce Carol, Romance and Anti-Romance: From Bronte¨’s Jane Eyre to Rhys’s Wide Sargasso Sea. In: MICHIE, Elsie. Charlotte Brontë’s Jane Eyre: A Case Book. New York: Oxford University Press, 2006.

8. RHYS, Jean. Vasto Mar de Sargaços. Rio de Janeiro: Rocco, 2012.

9. SAVORY, Elaine. Cambridge studies in African and Caribbean Literature – Jean Rhys. Cambridge: Cambridge University Press, 2004.

10. SHOWALTER, Elaine. A Literature of Their Own. British Women from Brontë to Lessing. New Jersey: Princeton University Press, 1977.

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