CENTRO UNIVERSITÁRIO UNA
DIRETORIA DE EDUCAÇÃO CONTINUADA, PESQUISA E EXTENSÃO CURSO DE PÓS-GRADUAÇÃO EM PROJETOS EDITORIAIS IMPRESSOS E
MULTIMÍDIA
A PRODUÇÃO DE POESIAS NO MEIO DIGITAL
ALUNO: João Cláudio Lopes da Costa PROFESSORA ORIENTADORA: Juliana Lopes de Almeida Souza
A produção de poesias no meio digital*
João Cláudio Lopes da Costa 1
Resumo
Muito se tem analisado, recentemente, acerca das variadas formas de apresentação e divulgação que as estruturas ou elementos constitutivos de uma atividade poética vêm sendo explorados nos meios eletrônico-digitais (computador, rede, Internet, disquete, cd-rom). Observou-se que as técnicas, os processos e as operacionalizações utilizados nas publicações poéticas atuais ainda permanecem, mesmo com a evolução trazida pelas mídias digitais na maneira de veicular estes trabalhos. O presente estudo tem o objetivo de demonstrar como são utilizadas estas novas mídias no processo de publicação e propagação de textos poéticos. Além disso, o tema que é abordado, através desta análise, possibilita a verificação dos tipos de alterações e adaptações que passam as produções poéticas, ao serem veiculadas por meios digitais. Foi possível demonstrar que o uso da escrita poética adequa-se às mais diferentes técnicas e tecnologias, como forma de comunicação poética.
Palavras-chaves: Poética; mídias; digitais;
Introdução
Ao longo das últimas décadas, a forma de se compor poesia sofreu alterações
pelo mercado editorial. Essas alterações são decorrentes do processo de
adaptação as novas mídias (ANTÔNIO, 2010). A investigação do estudo sobre
essas alterações partiu do seguinte problema para análise: Quais as mudanças
ocorridas na forma de produção e divulgação das poesias, a partir dos meios
digitais?
1* Artigo apresentado como Trabalho de Conclusão de Curso do Programa de Pós-Graduação nível
Latu Sensu do Centro Universitário UNA, como requisito para obtenção do título de especialista em Projetos Editoriais Impressos e Multimídia.
Os poetas alternativos e independentes encontraram na Internet, através de blogs,
sites, redes sociais e até mesmo fórum de discussões, uma oportunidade de
divulgação de seus textos. As mudanças ocorridas na produção, através da
exploração da imagem e a utilização do alcance nas redes sociais para chegar ao
leitor, constituíram um interessante objeto de estudo. Existe algo de novo e de diferente nas criações e técnicas das últimas décadas, mas isso não impossibilita
a observação de pontos convergentes entre as atuais criações e as que se
antecederam.
A análise propõe investigar a produção de poesias no meio digital. O trabalho
busca identificar quais os recursos gráficos utilizados na divulgação do texto
poético e suas principais necessidades. Além disso, o estudo verifica se a
composição do texto poético teve que passar por um processo de adequação com
o advento das novas mídias.
A pesquisa visa compreender como estão sendo produzidos e veiculados os
textos poéticos atualmente, assim como verifica as possíveis adaptações e
adequações que sofrem estas publicações. O trabalho tem o objetivo de investigar
a produção e divulgação da poesia nos meios digitais, identificando os principais
veículos utilizados para a publicação dos textos, além de analisar como as
imagens e os recursos multimídia são utilizados na produção e divulgação destes
textos.
Revisão de literatura
Em diversos momentos da história da arte, o homem, de posse de uma
compreensão da realidade, produziu diversos materiais com finalidades mais
variadas, como sobrevivência, preservação, instinto, etc. A poesia pode ser
entendida como uma dessas transformações de material, uma maneira de se
expressar do ser humano com objetivos religiosos, lúdicos ou estéticos. Sendo a
mediações, intervenções e transmutações através dos tempos, assim como
qualquer tipo de ciência e de tecnologia. Embora a poesia sempre tenha dialogado
com as outras expressões artísticas, o advento do avanço tecnológico,
principalmente, a partir da segunda metade do século passado, tornou possível
reunir: palavra + imagem + som + animação (ANTÔNIO, 2010).
As mudanças ocorridas nas ciências, nas artes e nas sociedades desde 1950,
contribuíram para que a poesia, levando em conta a sua capacidade de abordar
muitos saberes, pudesse representar o conhecimento popular e científico do seu
tempo. A partir do início do período intitulado pós-modernismo, surgiu à poesia
experimental, que despertava para os novos recursos multimídia da Internet
(ANTÔNIO, 2010). Várias denominações foram atribuídas a esse estilo de poesia
que, basicamente, procurava assimilar todas as modificações, explorando e
adaptando-se às potencialidades dos novos meios: poesia concreta, poesia visual,
infopoesia, poesia sonora, poesia fonética, poesia elétrica, poesia virtual,
tecno-arte-poesia, dependendo da tecnologia existente no momento da criação.
Quebrou-se a forma tradicional da poesia silábica, elementos como os versos, as
rimas e as estrofes foram substituídos e reconfigurados, passando-se a trabalhar
de maneira integrada ao som, à visualidade e ao sentido da palavra. Este tipo de
poesia contemporânea permitiu a utilização de palavras, imagens, sons,
grafismos, cores, proporcionando, ao mesmo tempo, uma outra forma de leitura.
A procura de uma denominação geral tem sido a tentativa de muitos poetas e
teóricos. Na prática, várias denominações surgiram, ficaram por um determinado
tempo e depois foram substituídas. Em grande parte dos casos, isto ocorre pelo
fato de que cada tipo de poesia trabalha com formatos que dependem das
tecnologias disponíveis. Ao fim de um levantamento de denominações de poesia
eletrônica ou e-poesia, o conceito definido por Antônio (2010, p.3) abrange de
forma objetiva todos os significados: “trata-se, pois, de uma poesia que se serve
contexto potencial da sua verbo-vocomoto-visualidade”. Nesse caso, há um
deslocamento de aparato de produção e registro para a concretização de
procedimentos visuais, sonoros e cinéticos.O autor ainda destaca queeste tipo de
poesia se caracteriza pela formação de palavras, formas gráficas, imagens,
grafismos, sons, elementos esses animados ou não, na maior parte das vezes,
interativos, hipertextuais e/ou hipermidiáticos, que constituem um texto eletrônico,
um hipertexto e/ou uma hipermídia (ANTÔNIO, 2010).
A poesia passou da forma oral para a escrita, em seguida, para a impressa até
atingir o atual estágio de digitalização e sua divulgação na web. O recorte deste
estudo parte do momento em que surgem as primeiras experiências poéticas com
o computador, em um período compreendido a partir da década de 1959 até os
dias atuais. De acordo com Antônio (2010) todas essas criações envolvem o uso
de programas para produzir poesia ainda impressa em papel, uma nova poesia
visual ou “infopoesia”, que usa os recursos dos editores de textos e de imagens.
Posteriormente, a poesia denominada hipermídia, digital ou eletrônica, que passa
a existir a partir da década de 90, com o surgimento de programas de hipertexto
eletrônico, da rede e de seus recursos ligados à HTML, e finalmente o
desenvolvimento da Internet, como forma de comunicação ágil entre poetas dos
mais diferentes países (ANTÔNIO, 2010).
As novas formas de arquivos criadas permitiram conviver com os meios
impressos: disco vinil (1948), videocassete (1970), fitas perfuradas de
computadores (décadas de 60 e 70), CD (décadas de 80 e 90), disquete (1971),
CD-Rom (1985), DVD (1990). Portanto, a poesia digital deve ser contextualizada e
compreendida. Não se pode simplesmente entender que este tipo de criação
surgiu espontaneamente, pois ela, assim como toda forma de expressão se insere
dentro de um contexto histórico-cultural e dialoga com outras obras que a
Com este tipo de mudança de meios e modos se tornam necessárias outras estratégias de construção e leitura das obras. Anteriormente eu disse que a arte digital – e aqui será necessário focarmos na literatura digital, e mais especificamente no que se pode chamar de poesia digital, poesia eletrônica, poesia hipermediática ou qualquer outro nome semelhante a esses – está inserida num contínuo de expressão artístico-histórica, numa tradição, ou melhor, numa linha de manifestações (TAVARES, 2010, p.16).
O elo histórico, a união do passado e do presente, é um aspecto que merece
considerações. A tecnologia serve como um poderoso instrumento de realização
do que existia potencialmente. Por exemplo, os labirintos, anagramas e
combinações da poesia barroca dos séculos XVII e XVIII, anacronicamente ou
não, serviram para motivar diversas negociações poético-tecnológicas nos meios
eletrônico-digitais contemporâneos (ANTÔNIO, 2010). A passagem de um estado
para o outro ocorre de forma que uma cultura coexiste e se funde com a outra,
sem comprometer o papel social que uma nova mídia propõe desempenhar.
Identifica-se a singularidade que compõe uma mídia antiga, seja ela qual for para
composição do novo produto, entende-se que, a partir daí, o que passa a ser
avaliado não é mais o conflito de quem cede ou ocupa mais espaço, e sim o
resultado da fusão do antigo com o estado vigente. Logicamente, como no caso
da poesia barroca citada anteriormente e a mídia atual, o meio eletrônico-digital
influencia de maneira muito mais determinante e significativa que a antiga mídia.
Justamente pela abrangência e pelo poder de divulgação e de diálogo que
caracterizam estas novas mídias, o que ocorreu no passado continua servindo de
inspiração para outras criações.
A poesia sempre teve como tradição a inovação, por isso está em processo
constante de mudanças. Como observa Santaella (2003, p.81), ”não há uma
linearidade na passagem de uma era cultural para a outra, pois elas se
sobrepõem, misturam-se, criando tecidos culturais híbridos e cada vez mais
densos”. A poesia digital configurou-se como um produto híbrido desde os seus
primórdios, uma vez que essa atividade está sendo realizada, em sua grande
que permite uma continuidade da produção poética. O poeta consegue transitar
entre os movimentos poéticos, possuindo neste ambiente a liberdade necessária,
por exemplo, para circular entre a poesia concreta e a digital, a poesia
neoconcreta e a poesia cinética, ou mesmo entre a poesia escrita e a poesia ação
(TAVARES, 2010).
Ao apresentar e exemplificar o uso de linguagens, códigos, em processos
simbólicos de computadores e em redes, a poesia digital utiliza a tecnologia como
ferramenta para ilustrar e externar estas formas. Isso pode ser observado ao
possibilitar que realizando o trabalho, o redator desloque o texto de maneira ágil e
irrestrita, compactando o espaço de armazenamento da obra, além de facilitar a
replicação do conteúdo sem comprometimento de qualidade. Agra (2004), em
História da Arte do Século XX: idéias e movimentos, ao tratar do moderno,
pós-moderno e do contemporâneo, apresenta uma opinião sobre a poesia digital:
A e-poetry, como contemporaneamente é conhecida a poesiaque faz uso
dos meios digitais, tem tomado muitos dos elementos da poesia de
vanguarda desse século (como, nos anos 80, faria sua antecessora a
poesia em videotexto) e levado à rede e á multimídia um dos aspectos
dos quais mais e ressentia a poesia até então: o movimento (AGRA,
2004, p. 173).
A interatividade é uma das características e uma das possibilidades da poesia
digital. Certamente os poemas que exploram a interação com o leitor, se
diferenciam das demais publicações que não permitem qualquer intervenção física
no texto. A participação do leitor acaba por constituir uma etapa importante no
processo de absorção e aprendizagem dentro do espaço virtual:
de acordo com uma topologia paradoxal, entrelaçando o interior e o exterior (LEVY, 1999, p.147).
O leitor, no ciberespaço, encontra-se ligado ao trabalho de busca, decifração,
descoberta, interpretação e interação, pois são estes os propósitos da poesia
digital. As palavras, imagens, sons e animações são considerados linguagens
verbais, visuais e sonoras que expressam diferentes artes individualmente: arte da
palavra, artes plásticas, artes sonoras, artes cinéticas, dentre outras denominações (ANTÔNIO, 2010).
No poema digital, essas linguagens se apresentam em conjunto, mas há o
predomínio da linguagem poética (verbal) sobre as outras. No caso do texto
poético em formato digital o que acontece não é muito diferente do que ocorre nos
demais meios. Na poesia verbal impressa, por exemplo, dada a sua linguagem
peculiar, contém potencialmente as imagens e os sons, ou seja, a leitura das
palavras forma, na mente do leitor, imagens estáticas ou animadas e sons. Assim,
vem ocorrendo diferentes associações: palavras e imagens, palavras e
animações, palavras e sons, produzindo novas significações e, de certa forma,
enriquecendo a linguagem.
Como demonstra Levy (1999, p.149) “o texto dobra-se, redobra-se, divide-se e
volta a colar-se pelas pontas e fragmentos”. Ao fragmentar textos estabelecendo
as mais diferentes relações entre eles, a poesia digital, inicialmente com palavras,
depois com imagens e sons, leva o usuário-leitor a criar novos significados.
Devido à possibilidade irrestrita de divulgação e seu imenso poder de replicar
informações de maneira rápida e acessível, muitos trabalhos divulgados no
espaço virtual não tem definidos limites nítidos, admitindo assim uma
multiplicidade de interpretações:
Contrariamente às separações do universal clássico, suas fronteiras são imprecisas, móveis e provisórias. Mas a desqualificação dos excluídos não deixa por isso de ser terrível (LEVY, 1999, p.238).
A tentativa de controlar ou mesmo dimensionar o valor do produto divulgado,
ainda fornece um quadro limitado a respeito do alcance efetivo de uma
determinada informação. Ferramentas de busca e rastreamento de informações
facilitaram, de início, visualizar a abrangência da informação, mas a médio e longo
prazo pode-se observar que fatores esporádicos e efêmeros (vinculação do texto a
peças publicitárias, citações em portais e sites de grande porte, utilização de
termos semelhantes, etc.) determinam um número excessivo de acessos e
citações de um tema no primeiro momento, mascarando o real poder de alcance
da informação. Os resultados destas análises trazem, em alguns casos, dados
parciais e facilmente contestáveis, uma vez que a velocidade da replicação das
informações no formato digital supera qualquer possibilidade de aprisionamento
de dados.
A poesia digital é uma atividade poética relativamente nova, os primeiros textos
em computador foram desenvolvidos pelo engenheiro alemão Theo Lutz, em
1959. Apesar de inúmeras publicações impressas e eletrônicas sobre esse tipo de
poesia, a atividade está, ainda, reduzida a um pequeno grupo de pessoas. Erthos
Albino de Souza, pioneiro da poesia digital no Brasil, em depoimento a Eduardo
Kac, profetizou, ainda em 1987, a respeito do processo de amadurecimento do
texto poético e das novas tecnologias:
Em minha opinião, a poesia tem futuro. Um futuro que está chegando até nós por intermédio da tecnologia de ponta, ainda muito pouco utilizada por poetas e artistas plásticos. O computador, por exemplo, permite que o artista experimente a vida inteira. É por isso que o poeta deve dominar a tecnologia. Quando isto ocorrer plenamente, teremos então uma nova fase nas artes (SOUZA, 2004a, p.326).
Como se constata, para a experimentação e exploração de todos os recursos
disponíveis não há limites. O poeta ainda se encontra distante de esgotar os
recursos verbais e impressos, e se recusa a acomodar. O poeta está em busca
permanente para explorar outros saberes, além dos concernentes ao fazer poesia,
em outros meios e suportes. As possibilidades se ramificam e ampliam, criando
um modelo que continuamente vem sendo acrescido de novos conhecimentos.
A Linguagem Poética
Por linguagem poética, pode-se entender como “uma maneira particular de
trabalhar com a linguagem humana, que também serve para outros tipos de
comunicação, e é considerada inclusive como um desvio da prosa e de estilo”
(COHEN, 1974, p. 15). Essa maneira peculiar de construção do texto poético se
constrói com base na exploração de novos significados, criação de novos signos e
constante tentativa de fazer com que a linguagem ultrapasse seus limites de
expressão.
A poesia digital é uma linguagem que se mostra como visual, sonora, de
animação, tridimensional, performática. De acordo com Antônio (2010), é o que os
gramáticos e linguístasdenominam de linguagem figurada, um desvio das normas
estritas da linguagem para fins expressivos: figuras de palavras, pensamentos e
sintaxe. A existência dessas figuras na linguagem poética tem seu uso centrado
na Estilística, na Teoria Literária e, também, na Teoria Linguística que estuda os
fenômenos poéticos(ANTÔNIO, 2010).
Essa linguagem figurada se mantém na poesia eletrônica ou digital, mas
apresenta muitas alterações e enriquecimento, principalmente porque estabelece
relações com as linguagens artísticas e tecnológicas.
familiar: uma série de procedimentos técnicos é mostrada, por exemplo, por meio de botões numerados, com ícones, para que os objetivos práticos de uso de uma máquina sejam facilmente entendidos por diferentes tipos de usuários (ANTÔNIO, 2010, p.18).
O poeta, de posse dessas "metáforas práticas", as transforma em poéticas, em
comparações que envolvem tecnologia, máquinas, imagens, palavras, sons e
conceitos. A convergência de sons, de imagens e de animação acaba por se
tornar elemento enriquecedor da linguagem poética. Se antes havia uma riqueza
expressiva pela evocação que a palavra poética produzia no meio impresso,
agora, novos significados são adquiridos e oferecidos no meio eletrônico.
O processo de construção e elaboração do texto poético não é apenas uma
sequência de palavras para serem substituídas e combinadas numa organização
hierarquizada. Na maioria das vezes, palavras, imagens, sons e animações se
baseiam justamente na não linearidade. Como destaca Jakobson (1975, p.149)
“em poesia, não apenas a sequência fonológica, mas, de igual maneira, qualquer
sequência de unidades semânticas, tende a construir uma equação”.
Outro aspecto a ser observado é a evocação ao ler as palavras. De forma
instantânea vêm-nos à mente imagens, sons, movimentos. Às vezes as palavras
viram imagens ou apresentam alguma configuração que nos transmite sonoridade.
Dependendo da forma como a palavra é apresentada ao leitor, também pode
indicar ou sugerir movimento. É que a linguagem poética caracteriza-se:
A visualidade do texto através de aspectos como - luz, forma, direção, tom,
textura, escala ou proporção, dimensão, movimento, profundidade e volume –
oferece recursos à linguagem poética, ampliando o significado da palavra poética
(Antônio, 2010).
O espaçamento das letras e das palavras, com a utilização de diferentes fontes
tipográficas; a pontuação, muitas vezes substituída por espaços em branco; todos
esses aspectos e alterações acabam produzindo uma imagem formada pela
própria palavra, aquilo que se denomina de palavra-imagem. É recorrente também
a inclusão da imagem, que dialoga com a palavra, produzindo novos significados.
A experimentação de novas tecnologias acaba por constituir um elemento
determinante na identidade utilizada pela linguagem poética.
A produção de poesias no meio digital
A relação entre o poeta e a máquina gera trocas e assimilações de novos
conceitos tecnológicos. Ao tomar conhecimento do conceito cultural de
determinada máquina, o poeta faz com que este objeto passe a ter significação
em sua arte verbal. Assim, a palavra, essência da poesia, negocia com a imagem
e interfere nela para a produção da poesia visual; com o som, para produzir efeitos
sonoros (poesia sonora); com a animação, para produzir movimentos de palavras,
letras e imagens (poesia animada); com o espaço físico, para a poesia
tridimensional (ANTÔNIO, 2010).
A poesia interfere na simulação realizada pela tecnologia computacional e chega à
tecnopoesia, que passa a ter existência no espaço do computador,
individualmente, ou dos computadores em rede. Essa máquina, com circuitos
eletrônicos de hardware e software é usada como ferramenta e/ou como
linguagem. É justamente nesse material programável que o poeta interfere de
diferentes maneiras produzindo o que conhecemos como poesia eletrônica ou
Embora seja feita com o auxílio de uma máquina, a poesia eletrônica não pode ser
considerada uma poesia mecânica, mas sim uma atitude reflexiva, uma
manifestação a respeito da tecnologia computacional, sempre sob o ponto de vista
singular do poeta (ANTÔNIO, 2010). É por isso que podemos afirmar que a poesia
eletrônica é resultado da sintonia do poeta com as tecnologias do seu tempo. A
questão central é subverter a linguagem tecnológica, transformá-la em
tecnopoética. Assim, a cultura sofre a intervenção do poeta, que faz dela uma
outra, e nova, forma de comunicação poética. Ocorre, assim, uma poetização da
tecnologia computacional. É por isso que Pignatari (1995, p. 67) ressalta que a
"arte é seletiva: utiliza a tecnologia pela raiz, de modo surpreendente, estrutural ou
conjuntamente".
O resultado obtido através da negociação entre o autor de poesia e o computador
é diretamente proporcional ao conhecimento de que o poeta dispõe: quanto mais
ele conhece a tecnologia, sabe como ela funciona, maior é a possibilidade de
intervenção no texto poético a ser publicado. Devido às rápidas mudanças de
tecnologias, reduzindo a dimensão dos aparatos tecnológicos e deixando estes
cada vez mais rápidos e eficientes, todas estas transformações fazem com que o
poeta realize uma negociação com essa rapidez de atualização, produzindo
signos que expressem esse impulso, ou, em muitos casos, conseguindo “manter
viva a tecnologia pregressa” (PIGNATARI, 1995, p. 65).
Eis como argumenta Pignatari (1995), ao tratar dos tempos da arte e da
tecnologia:
Supercomputadores são fundamentais para a física e a matemática dos nossos dias, para não falar da tecnologia industrial, mas os grandes físicos e matemáticos não exigem mais do que uma esferográfica e papel, ou giz e quadro-negro (ou algum equivalente menos poeirento). A eles importa o universo da abdução (criação)
de signos operando em soft; os signos e o modo de operá-los,
alterou muito nos últimos dois séculos – mas o cérebro nem tanto (PIGNATARI,1995, p. 67).
É importante a compreensão de que o poeta, acima de tudo, com ou sem a
tecnologia, continua a ser poeta. A tecnologia se apresenta como recurso que
auxilia e potencializa a criação poética, além de funcionar como uma ferramenta
fundamental na formação de novos leitores potenciais para a poesia. Ler uma
poesia eletrônica em qualquer meio é uma atividade semelhante à de abrir um
livro e ler uma poesia verbal, ver uma poesia visual, ouvir uma poesia sonora,
assistir a uma poesia performática, visitar uma instalação poética, acessar uma
poesia eletrônica. Em todos esses procedimentos predomina uma atividade
comum: a poesia. Independentemente do suporte, há a leitura da poesia, não
importa de qual tipo seja (ANTÔNIO, 2010).
A palavra poética está presente em toda poesia eletrônica ou digital e determina
uma configuração básica de espaço e forma de publicação do texto poético. Não
podemos afirmar que qualquer poesia eletrônica possa ser vista como outro tipo
de poesia, por meio de um simples elemento conversor, como transferir arquivos
eletrônicos de um aplicativo para outro. Segundo Antônio (2010, p.15) “há nela
elementos fundamentais que nos permitem chamá-la de poesia e não de poéticas
tecnológicas, e que difere das outras porque usa a linguagem tecnológica de
forma mais radical sob um viés predominantemente poético”.
As características do texto eletrônico, em comparação com o espaço físico do
texto impresso, diferem pela possibilidade de acondicionamento do texto poético,
adequando assim à poesia eletrônica a uma nova linguagem. A migração
previsível da poesia do meio impresso para o meio eletrônico proporciona e
potencializa à tecnopoesia aspectos como: fluidez, infinita reprodutibilidade,
interfaces, hipertextualidade, interatividade, etc. O universo poético, do qual o
poeta extrai os seus recursos, agora conta com outras linguagens que lhe
Poesia em vários meios e suportes
Ainda no meio impresso, vários poemas fazem negociações com as ciências e as
tecnologias e antecipam a poesia eletrônica. Um exemplo bastante conhecido,
demonstrado na Figura 1 abaixo, é “saiba que você é um inventor”, de Arnaldo
Tobias(1939-2002).
Figura 1 – Saiba que você é um inventor
Caixa Preta, de Augusto de Campos e Julio Plaza, de 1975, é uma caixa de
papelão contendo uma série de poemas, de diferentes formatos, cores, suportes e
meios. Neste exemplo, o leitor tem a possibilidade de ver a poesia como obra de
arte visual, escultura, música e pode interagir, escolher a ordem de leitura,
Figura 2 - Caixa de papelão contendo uma série de poemas
Na Figura 3 Arnaldo Antunes (1993), em Nome, reúne livro impresso de poesia
visual, livreto, cd-rom e videocassete. Embora o principal mérito dessa obra seja a
produção de uma videopoesia de qualidade muito significativa, ela também
adiciona o meio impresso e o meio sonoro (CD-ROM). A obra, em seus meios
diversos, configura releituras, experimentações e exploração de recursos que
cada tecnologia oferece (ANTÔNIO, 2010).
Despoesia, de Augusto de Campos (1994), apresenta depois de experiências
poéticas com várias mídias, retorno ao livro, que “vai do dátilo ao dígito”
explorando os recursos de editores de imagens em releituras de poemas.
Figura 4 – Despoesia
Poemas esparadrápicos (Figura 5),projeto, criação e organização de José Santos
(2004), com ilustração de Orlando Pedroso e design gráfico de Tadeu Costa, é
uma antologia de poesias infantis em fitas adesivas acondicionadas numa
embalagem semelhante a uma caixa de esparadrapos. Trata-se de um suporte
diferenciado para a poesia, além de ter sido uma arteterapêutica nos hospitais
infantis, que obteve apoio dos Doutores da Alegria (Grupo de artistas e
Figura 5 – Poemas esparadrápicos
São vários e significativos os exemplos de poesia eletrônica. Uma vez que o
suporte utilizado nesta poesia é o computador (áudio, vídeo, interface gráfica, etc)
a exemplificação no impresso prejudica a performance do poema. Artéria 8 (Brasil,
2003), editada pelo poeta visual Omar Khouri e pelo artista digital Fábio Oliveira
Nunes - www.arteria8.net - é uma ótima referência em publicações específicas de
poesia digital ou eletrônica. A revista reúne regularmente trinta e oito poetas que,
em sua maioria, apresentam versões digitais de poemas visuais de várias épocas.
A publicação conta com a colaboração dos seguintes poetas: Alckmar Luiz dos
Santos, Aldo Fortes, André Vallias, Arnaldo Antunes, Augusto de Campos,
Brócolis, Décio Pignatari, Diniz Júnior, Edgard Braga, Erthos Albino de Souza,
Fabio Oliveira Nunes, Gilbertto Prado, Haroldo de Campos, Jorge Luiz Antonio,
José Lino Grünewald, Josiel Vieira, Júlio Mendonça, Júlio Plaza, Lenora de
Barros, Letícia Tonon, Lúcio Agra, Omar Guedes, Omar Khouri, Paulo Miranda,
Pedro Xisto, Peter de Brito, Regina Célia Pinto, Regina Silveira, Roland de
Azeredo Campos, Ronaldo Azeredo, Silvia Laurentiz, Sonia Fontanezi, Tadeu
Jungle, Tiago Lafer, Vanderlei Lopes, Villari Herrmann, Walter Silveira e Zéluiz
Valero. O espaço proporciona aos autores a possibilidade de publicação e
divulgação constante e crescente de poesia digital. Um exemplo interessante na
tentativa de exemplificá-lo no impresso é a poesia T V de Julio Plaza (1994/2003),
Figura 6 – Poesia T V
A Figura 7 apresenta outra poesia que utiliza os recursos eletrônicos fornecidos
pelo ambiente computacional. Ilustra de forma clara e objetiva a intenção do poeta
Alexandre Azeredo, no trabalho intitulado “O seu nu meu” de 2007. O artista
propõe através do jogo de sentidos, uma simulação de um ato sexual,
Figura 7 – O seu nu meu
Os exemplos citados ao longo do trabalho demonstram o caminho de
transformações e adaptações percorridas pela poesia, principalmente a partir da
segunda metade do século XX, e como estas transformações foram determinantes
para que o poeta pudesse adquirir novos conhecimentos, utilizando recursos até
então pouco explorados. A capacidade criativa do poeta se recusa a acomodar. O
advento tecnológico acabou por se tornar um parceiro importante no momento da
criação, abrindo portas e ampliando possibilidades até então limitadas ao meio
Considerações finais
As reflexões teóricas e conclusões alcançadas sob a tese da produção das
poesias no meio digital nos levaram a compreender a poesia eletrônica como
atividade singular em relação a outras produções poéticas, observando o
predomínio do aspecto poético vinculado ao artístico e ao tecnológico, todos estes
dentro de um contexto preponderantemente estético. Devido à diversidade de
conceitos relacionados ao assunto, não foi possível chegar a uma única
denominação, capaz de abranger todos os fenômenos. Assim, a denominação
mais usual adotada ao longo da pesquisa foi poesia eletrônica ou digital. Primeiro
por ser mais abrangente, pois engloba experimentações poéticas com outros
processos eletrônico-digitais. Segundo por ser o termo usual adotado por poetas e
pesquisadores relacionados ao tema.
Como a poesia digital é uma atividade poética relativamente recente, as
adaptações vão procurando uma tentativa de procedimentos que possam ser
acessíveis a todos, seja através da Internet ou das redes sociais. A divulgação da
poesia eletrônica, apesar das inúmeras publicações impressas e eletrônicas sobre
o tema, trata-se ainda de uma atividade reduzida a um público específico.
Outro resultado deste estudo foi à constatação da existência de uma poesia que
está interagindo e intervindo na linguagem computacional. Este processo cria uma
nova linguagem poético-computacional, diferente da simples compreensão do
texto poético restrito ao meio impresso, ou do texto friamente adaptado e
convertido ao ambiente digital. A poesia eletrônica, ao utilizar todos os recursos
disponíveis pelos meios digitais (visuais, sonoros, gráficos, estéticos, etc.),
tornou-se uma manifestação artística singular e uma forma de compreender o mundo
Referências
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TAVARES,Otávio Guimarães.A Interatividade na poesia digital. Florianópolis: UFSC,2010.120p.Tese (Mestrado) -Universidade Federal de Santa Catarina, Centro de Comunicação e Expressão, Pós-Graduação em Literatura,