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Estud. av. vol.23 número67

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Academic year: 2018

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ÚLTIMA CRISE do Senado mostrou algumas pontas do iceberg de

dese-quilíbrios e distorções que afetam o conjunto do sistema institucional brasileiro. Talvez por isso tenha havido naqueles debates tanta confusão e excessos. É que eles revelavam fatos extremamente desagradáveis para muitos dentre os que nos habituamos à ideia do Brasil como uma democracia consolida-da. Ocorrendo em meio a um processo de desenvolvimento social e democrático, a crise do Senado mostrou que nosso sistema de representação amadurece falhas e impasses que podem gerar consequências negativas para a democracia no país.

As revelações daqueles meses se concentraram na figura do senador José Sarney, recém-eleito presidente da instituição. Foi caminho aberto para subme-ter à luz do dia a face corporativista de alguns senadores que, como ele, parecem mais preocupados em defender benesses e prebendas para amigos, parentes e funcionários, do que em enfrentar os problemas que afetam a federação brasilei-ra. Mas há algo mais do que corporativismo, nepotismo e corrupção.

Em um esforço para se desvencilhar das criticas que recebia, José Sarney disse que a crise não era dele, mas do próprio Senado. Foi então que recebeu apoio público do presidente da República. “Sarney não é um homem comum”, disse ele. E depois desse apoio, o presidente do Senado passou a afirmar que o criticavam por sua aliança com o chefe do governo federal. José Sarney revelou assim, à sua maneira, pelo menos uma parte da verdade que se abriu nos debates. De fato, a crise não atingiu apenas seu nome, já bastante chamuscado por even-tos passados. Mas atingiu a todo o Senado, cuja credibilidade pública chegou a baixíssimos níveis.

Consolidou-se nesses meses de turbulência brasiliense a imagem do Se-nado como instituição oligárquica. Já seria bastante grave, mas não é ainda isso, porém, o mais grave. Fenômenos de regressão oligárquica não são propriamen-te novidades na história de nosso instável desenvolvimento democrático. No andamento do debate, houve quem chegasse a propor até mesmo a supressão do Senado, considerando a sua existência desnecessária, até mesmo prejudicial, para a democracia no país. Se há alguma precipitação nesse tipo de proposta, ela serve, contudo, para enfatizar a gravidade da situação. Depois de serenados os ânimos, a questão que se coloca é outra. Vale perguntar: que revela a crise do Senado sobre os males que afetam a democracia no Brasil?

Suplentes: um vazio de autonomia

Comecemos por alguns pontos sobre o próprio Senado. Que dizer, por exemplo, da regra legal que estabeleceu a estranha figura dos “suplentes de

sena-Q

ual reforma política?

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RANCISCO

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EFFORT

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dor”? O Senado tem hoje 18 suplentes atuando como efetivos, ou seja, mais de

20% dos 81 senadores que compõem a câmara alta. Como se vê, sua participação está longe de ser irrelevante. Pelo menos em termos numéricos, o problema dos suplentes não é um mero detalhe. Nem a questão se resume apenas em “desvios de conduta” deste ou daquele. Trata-se de uma questão estrutural, das raízes da própria instituição.

Os suplentes são figuras que não receberam nenhum voto. Muitos deles são completamente ignorados pelo eleitor. Se o eleitor conhece algum deles, isso deriva de fatos que nada têm a ver com os mecanismos institucionais que os le-varam à chamada “câmara alta”. Há nessa figura institucional a que aderem po-líticos desconhecidos, quase anônimos, algo que prenuncia o gosto do Senado pelo sigilo que se revelou na denúncia dos “atos secretos”. Segundo a lei, cada candidato a senador pode designar dois suplentes, os quais não se submetem ao voto do eleitor. Embora seus nomes possam ser propagandeados na campanha, não é neles que o eleitor vota, e, sim, no candidato a titular da “chapa”.

Como explicar essa estranha figura institucional sem perceber o papel que os suplentes, em muitos casos, desempenham na campanha do candidato efeti-vo? Há exceções, mas muitos deles só têm a justificar a sua posição na “chapa” pela colaboração financeira que dão ao titular na obtenção de recursos. Alguns deles, de fato, são mais do que colaboradores, são financiadores da campanha do candidato titular.

Quaisquer que sejam as qualidades pessoais (e mesmo políticas) deste ou daquele, temos aí um mecanismo que pode ajudar a entender o descrédito do Se-nado como instituição. Terminadas as eleições, o suplente está sempre disponível como “quadro” auxiliar do senador eleito. E assume o lugar do efetivo quando este deixa as funções para as quais foi eleito para assumir outras, em geral no Executivo federal. Nesses casos, o efetivo vai em frente e o suplente fica para trás, “guardando o lugar” para o caso do eventual retorno do cabeça de “chapa”.

Já se tentou justificar esse sistema com exemplos tirados das experiências de outros países. Mas precisaríamos copiar de outros países uma tão precária fi-gura institucional? Nossa própria experiência tem vários exemplos dessas fifi-guras institucionais que permitem a determinados personagens ocupar posições no Parlamento sem passar pelo teste das urnas. Ou já nos esquecemos da figura dos senadores “biônicos”? Foi uma experiência que, como a dos governadores “biô-nicos”, não serviu em nada à democracia. Deveríamos saber de antemão que os suplentes, tal como atualmente definidos em lei, também não servem a ela.

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vo-tos. Esse vazio de autonomia se torna evidente quando assumem as funções do titulares cujos lugares se tornaram vagos por assumirem funções no Executivo.

Se é que se entende que os senadores precisam realmente de suplentes, há que inventar algum mecanismo pelo qual esses passem pelo teste das urnas. Pode-se admitir, por exemplo, que o segundo colocado na eleição para o Senado seja considerado suplente. O que não pode continuar é a situação atual em que o suplente é apenas um agregado do titular.

Posição subalterna da Federação

A crise do Senado remete para o tema da autonomia do Parlamento, in-cluída a Câmara, essa com vícios iguais ou maiores que os do Senado. Há mais tempo, no período da ditadura de 1964, mais grave do que a estranha fórmula institucional do suplente de senador que mencionei antes, foi o casuísmo insti-tucional pelo qual o regime de então transformou em Estados os antigos terri-tórios da República. Desde então, o risco que passamos a correr não é apenas o de uma condição subalterna do Senado, mas de uma condição subalterna da própria Federação ao Executivo.

Alguma desigualdade na representação parlamentar é aceitável em uma fe-deração democrática quando atende a razões históricas reconhecidas como legí-timas. Tal é o caso da discrepância de representação entre alguns grandes Esta-dos do Sudeste e alguns pequenos EstaEsta-dos do Nordeste. Mas a desigualdade de representação dos Estados se torna gritante em sua injustiça quando resulta de casuísmos que acabam por se tornar permanentes. Nos termos em que o regi-me militar, por razões de preservação do próprio poder, operou essa mudança, a histórica desigualdade da representação no Congresso foi levada a extremos insustentáveis em qualquer democracia que tome a sério os princípios nos quais se fundamenta.

Para começar pelo Senado, eis a anomalia instaurada desde então: senado-res dos novos Estados passaram a se eleger por alguns poucos milhasenado-res de votos, enquanto senadores dos Estados históricos podem chegar a centenas de milha-res de votos, alguns até a milhões de votos. Não ficou apenas nisso. Na mesma época militar, essa mudança foi complementada por outra que concedeu a cada ex-território oito representantes na Câmara Federal, uma representação muito acima das proporções definidas por suas populações.

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Cultura dos casuísmos

Nessa democracia representativa carregada de distorções, temos também, de tempos em tempos, propostas de reformas. Lamentável é que, como as men-cionadas antes, são inspiradas no mesmo espírito casuístico das distorções que, em princípio, deveriam corrigir. Na ausência de uma discussão nacional capaz de considerar o conjunto do sistema institucional na perspectiva do aprimoramento da democracia, criou-se uma expressão nova para essa sucessão ininterrupta de tentativas. Juntas, elas formariam uma “reforma política fatiada”.

Não passam, porém, de casuísmos que se somam, ano a ano, em face das exigências de autopreservação dos poderosos de plantão. Ao longo do tem-po, os casuísmos de origem ditatorial se casaram com outros, nascidos esses de circunstâncias democráticas e juntos produziram resultados que, muitas vezes, agravam os problemas que, supostamente, pretendem resolver.

Um exemplo nítido dos casuísmos “democráticos” é o das “medidas pro-visórias” (MP) estabelecidas pela Constituição de 1988. As “MP” foram concebi-das, segundo se diz, seguindo exemplos italianos, para que o Executivo pudesse enfrentar situações de urgência e circunstâncias excepcionais. A ratificação (ou recusa) do Congresso viria depois. O que significa que as “MP”, mesmo atendido o espírito da lei que as criou, implicam, desde logo, um grave risco, pois sua rati-ficação (ou recusa) teria que vir quando suas iniciativas já estariam em execução.

Quanto às “MP”, nossa situação, porém, é ainda pior do que isso. Como as Casas do Congresso estão, com frequência, emperradas em seus próprios assuntos ou se revelam demasiado lentas, o Executivo foi, pouco a pouco, transformando as “medidas provisórias” em medidas de rotina. Assim, as “MP”, embora nasci-das de uma conjuntura democrática, mais se parecem hoje com revivescências dos decretos dos períodos ditatoriais. É certo que hoje as “MP” têm prazos definidos para a consideração do Congresso, prazos além dos quais teríamos “trancada” a pauta do Parlamento pretendendo-se com isso pressionar em favor da celeridade da atividade parlamentar. Como no mais das vezes a lentidão permanece, surge dessa situação, paradoxalmente, uma razão a mais para novas “MP”.

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Uma grande democracia eleitoral

Em meio a tantos defeitos, essa democracia frágil se alimenta de umas poucas virtudes. Não há como negar que temos liberdade de voto. Isso não vem de ontem. Deixamos para trás há muito tempo as eleições “de bico de pena”, da Primeira República. Deixamos também no passado as práticas usuais nas elei-ções da Segunda República, que podiam ser livres, mas ainda enfrentavam, às vezes, situações duvidosas na apuração dos votos. Ficaram também no passado as restrições, que vivemos por muito tempo sob o peso da guerra fria, que li-mitavam ou proibiam a participação política de determinados segmentos ideo-lógicos. Hoje, somos, pelo menos do ponto de vista eleitoral, uma das maiores democracias do mundo.

Ocorre, porém, que o voto, nas circunstâncias brasileiras, convive com uma enorme distância entre os representantes e os representados. Sabemos de pesquisas segundo as quais grande parte dos eleitores se esquece rapidamente dos nomes dos deputados nos quais votou nas últimas eleições. Quanto aos eleitos, muitos deles se esquecem rapidamente de suas promessas de campa-nha. Isso é particularmente verdadeiro para eleições parlamentares, especial-mente as eleições para a Câmara Federal, embora possa ocorrer também para as Assembleias Legislativas. Não ocorre, porém, o mesmo com as eleições majoritárias, nas quais, pelo menos do lado popular, as adesões de massa pa-recem regidas por sentimentos mais duradouros e, talvez, por uma memória mais atenta.

Além da liberdade de votar, sem dúvida um elemento particularmente sau-dável na democracia, sobretudo quando essa é ainda frágil, é oportuno lembrar a ação da imprensa, e, em geral, dos meios de comunicação. Não obstante as frequentes denúncias que apresentam do cenário político – e talvez por isso mes-mo –, os meios de comunicação têm servido para diminuir a distância que separa representantes e representados. Não por acaso, durante tanto tempo tornou-se generalizada no Senado a prática dos “atos secretos”. É que o grande temor de políticos que atuam apenas para a preservação do seu próprio poder (para não falar dos apenas desonestos que, aliás, não são poucos) não é propriamente o eleitorado, mas a opinião pública, formada pelo debate nos jornais e na mídia em geral.

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Representação e sistemas de voto

Temos no Brasil a combinação de dois sistemas de voto, o majoritário para os Executivos e para o Senado, e o proporcional para as Câmaras municipais, estaduais e federal. O sistema de representação proporcional, de voto em listas abertas, foi adotado a partir de 1930 e tomou em conta a crítica da revolução às “eleições de bico de pena” que sempre asseguravam vitória ao partido (ou oligarquia) dominante. Enfatizando a liberdade de opiniões, e sobretudo o di-reito de expressão das minorias, esse sistema eleitoral foi adotado nas eleições de

1932, 1934 e 1935, consolidando-se a partir da redemocratização de 1945. Segundo as regras da representação proporcional, o eleitor escolhe o de-putado de sua preferência em uma lista de candidatos organizada por um parti-do, em disputa com outros partidos que organizam as suas próprias listas. Essas listas, uma para cada partido, sãos as chamadas “listas abertas”, cujos nomes valem como sugestão ao eleitor que entre eles escolherá livremente. Outra ca-racterística dessas listas é que valem para um único distrito, entendendo-se por distrito o Estado da Federação de domicílio eleitoral do candidato.

Embora se reconheça que todos os métodos de escolha eleitoral têm pro-blemas, em nosso caso parece que esses problemas vieram se tornando cada vez mais graves nos 70 anos de sua aplicação, nem sempre contínua, às circunstân-cias brasileiras. Nas condições atuais, o primeiro grande problema desse sistema está em sua aplicação a distritos de enorme população como são os formados pela maioria dos Estados da Federação brasileira. São as mesmas unidades nas quais se elegem os senadores e governadores, com a diferença de que esses se submetem ao sistema majoritário, no qual vence o que tiver mais votos. Haven-do duas vagas, como os senaHaven-dores em algumas eleições, entra também o segun-do colocasegun-do na votação.

Segundo alguns pesquisadores, no sistema proporcional, a escolha do can-didato em lista aberta tende a acirrar a competição pelo voto dentro do partido ao qual pertence. Em vez de estimular a competição desse partido com os de-mais, o sistema proporcional tende a transformar o próprio partido em campo de luta eleitoral. Diz um pesquisador: “os candidatos têm como principais ad-versários os colegas da própria lista e não de outros partidos” (J. Nicolau).

E assim, a campanha de cada candidato tende a assumir um caráter emi-nentemente pessoal, tornando-se menos relevante o significado da legenda sob a qual se apresenta para competição. Observam alguns pesquisadores que os próprios candidatos reconhecem que suas campanhas têm um caráter predomi-nantemente pessoal, e que seus partidos nelas desempenham um papel apenas secundário.

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os partidos tendem a programar suas listas escolhendo um ou alguns candidatos com a suposta de capacidade de “puxar votos”. Submetem assim uma eleição parlamentar como se fosse uma eleição de massas, o que é perfeitamente veros-símil, já que os candidatos, em princípio, concorrem em todo o Estado. Um talento “puxador de voto” pode assim conseguir um estoque que beneficie di-versos candidatos de seu partido que sós não conseguiriam o mínimo necessário para se eleger. Tudo isso se combina com as coligações eleitorais entre legendas diferentes, para um efeito surpreendente: o eleitor termina sem saber qual dos candidatos seu voto ajudou a eleger.

Observe-se, porém, que, em geral, os sistemas eleitorais são objeto de dú-vidas e formam um amplo campo de incertezas. A alternativa da mera substitui-ção do “voto em lista aberta” pelo “voto em lista fechada” poderia conceder de-masiado poder às direções partidárias. Pretendendo conceder maior significação ao partido, poderia, se operar sem os devidos contrapesos, criar um mecanismo adicional em favor das oligarquias partidárias já existentes.

Uma segunda alternativa se apresenta para complementar o voto em lista fechada com outro mecanismo capaz de aumentar o controle do eleitor sobre o destino do seu próprio voto. Essa alternativa seria a de adaptar às condições brasileiras o sistema aplicado na Alemanha que, nas eleições parlamentares, ofe-rece ao eleitor o direito de escolher dois candidatos ao Parlamento. O eleitor escolheria um candidato, o único do partido em questão, que concorreria com outros candidatos, cada um deles representando individualmente seu partido, em um distrito no distrito de dimensões menores. O eleitor teria ainda um se-gundo voto que seria dado à lista partidária de sua preferência.

Como no sistema eleitoral brasileiro considerado de conjunto, combinam-se aqui dois sistemas de voto, o majoritário para a escolha no distrito e o propor-cional para a escolha da lista. O que se pretende é garantir, no distrito, a maior proximidade do representante com o representado, e na lista, a liberdade de opinião das minorias. As eleições majoritárias ficariam para o Senado, prefeituras dos municípios, governos dos Estados e governo federal. Quanto às eleições parlamentares, haveria que abandonar o atual distrito único, criando nos Esta-dos distritos menores, em número que deveria obedecer aos critérios democrá-ticos de proporcionalidade.

“Democracia majoritária” e “democracia delegativa”

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As características do presidencialismo no Brasil coincidem em muitos pon-tos com a descrição apresentada pelos teóricos a respeito da “democracia ma-joritária”, em contraste com a “democracia consensual” (Arend Lijphart). Em vez de uma democracia consensual que, em princípio, preconiza a participação nas decisões de governo de todos os afetados por elas, a democracia majoritá-ria entende que o governo democrático seja o “governo da maiomajoritá-ria”, e que os excluídos do governo formem a oposição. Difícil distinguir no Brasil quanto da dominância da democracia majoritária sobre uma possível democracia consensual é um fenômeno do campo cultural e ideológico, e quanto é um fenômeno da realidade institucional da organização da República. É certo, porém, que ocupa uma posição de dominância, com traços como os que seguem: a predominância do Executivo sobre o Congresso; os governos de um partido que, submetido ao Executivo, predomina sobre a chamada “base aliada”; o controle do Executivo sobre o Banco Central etc.

Seja por descrédito dos Parlamentos, seja por méritos próprios do presi-dencialismo, a preferência popular é claramente pelos sistemas de voto de maio-ria. Algum sinal dessa preferência popular já ocorrera no plebiscito de 1963, quando nas condições de um parlamentarismo de circunstância, a alternativa de regressar a um regime presidencialista foi amplamente vitoriosa. Foi também o que vimos em 1993 quando uma maioria de 55% da população se definiu em favor do presidencialismo e recusou o parlamentarismo como regime político.

Essa democracia majoritária brasileira, porém, dividida entre oligarquias parlamentares e executivos escolhidos pelas massas, sofre dos males típicos do que Guillermo O´Donnell chamou de uma “democracia delegativa”. Embora se possa dizer que toda representação envolve uma delegação, a democracia delegativa se caracteriza em situações de enorme distância entre representantes e representados. Nos vazios criados por essa distância, consagrada pela tradição e pela duração dos vícios institucionais, as coisas se passam como se, no ato de votar, o representado entregasse ao representante um “cheque em branco”. Evi-dentemente, concorre para essa “delegação” esse sentimento de identidade do eleitor com os candidatos aos executivos.

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* * *

São evidentes as dificuldades a enfrentar em uma reforma política. Es-pecialmente porque irrelevantes os partidos para qualquer tema de maior sig-nificação, e pouco lembrados os eleitores em qualquer debate dessa natureza, é óbvio que prevalecem, nas leis eleitorais como em outros pontos débeis do sistema, os interesses dos que conseguiram se eleger. Até onde se pode prever, estaremos por isso durante algum tempo submetidos à lógica de autopreserva-ção do sistema formado de remendos e às incertezas geradas pela nossa cultura de casuísmos. Creio, portanto, que, ainda uma vez, a alternativa que resta é de recorrer à opinião pública. Só por meio de um debate que a oriente so-bre os problemas institucionais poderemos chegar a uma verdadeira reforma.

RESUMO – A crise, revelada mais uma vez nos acontecimentos sobre o Senado, impõe o

re-conhecimento de distorções institucionais que se vêm acumulando há décadas no sistema político brasileiro. A oligarquização das principais instituições parlamentares – formadas de eleições por um antiquado sistema de representação proporcional – constitui uma evidência desse fenômeno. Uma das bases da crise é um enorme distanciamento entre representantes e representados, associada à reconhecida debilidade dos partidos e do sis-tema partidario. A oligarquização dos Parlamentos se combina com executivos por meio de eleições majoritarias que seguem o modelo de uma “democracia delegativa”.

PALAVRAS-CHAVE: Democracia, Partidos, Sistemas de representação.

ABSTRACT – The crisis, revealed once again by the events in Brazil’s Senate, force us to

acknowledge the existence of institutional distortions that have accumulated in the Bra-zilian political system for decades. The oligarchization of the main Parliamentary institu-tions – whose members are chosen at elecinstitu-tions based on an old-fashioned proportional representation system – is evidence of such a phenomenon. One of the bases of this crisis is an increasingly wider gap between the representatives and those who they represent, associated with the infamous weakness of political parties and of the party system itself. Such parliament oligarchization is combined with Executives elected by means of a ma-jority system which follows a model that might be seen as an ‘delegative democracy’.

KEYWORDS: Democracy, Parties, Representation systems.

Francisco C. Weffort é professor aposentado do Departamento de Ciência Política da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas, da Universidade de São Paulo (FFLCH-USP), e pesquisador do Centro de Estudos da Cultura Contemporânea (Ce-dec). Foi ministro da Cultura do governo Fernando Henrique Cardoso. Lecionou também no Wilson Center e no Helen Kellogg Institute. É autor, entre outras, das seguintes obras: O populismo na política brasileira (Paz e Terra, 1978), Por que demo-cracia? (Brasiliense, 1984), Os clássicos da política (Org.) (Brasiliense, 1989) e Qual democracia (Cia. das Letras, 1992). @ – f.weffort@terra.com.br

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