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Estud. av. vol.23 número67

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Academic year: 2018

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STRANSFORMAÇÕES econômicas e sociais ocorridas a partir do século XI,

no continente europeu, acabaram por determinar o nascimento de uma nova institucionalidade política e jurídica. Não poderia ter sido diferen-te. Economia, sociedade, direito e poder político estão sempre integrados na uni-versalidade das relações que constituem um determinado momento histórico.

Essa nova institucionalidade não nasceu de um modelo concebido duran-te uma noiduran-te chuvosa por um gênio pensador. Não foi imposto aos senhores feudais e aos reis, da noite para o dia, pelas baionetas e balas de canhão de um belicoso general especialista em artimanhas de guerra. Ela foi sendo construída aos poucos, por fatos e mentes, ao longo do processo de derrocada do sistema feudal. Das entranhas desse sistema nasceram as relações que criaram o modo capitalista de produção e impuseram novas formas de exercício do poder. A de-pendência privada, constituída pelo sistema escalonado de servidões caracterís-tico da Idade Média, foi questionada pelo processo gradativo de centralização do poder de dominação. Os indivíduos, dia após dia, passaram a ser mais súditos diretos de seus reis. O poder do rei começou a não mais repousar

sobre dependências pessoais provenientes em especial da propriedade, do nasci-mento, do casamento ou da compra e venda, mas sim sobre o seu poder militar e o da sua polícia. O soberano não representava mais exclusivamente seus prín-cipes ou condes, mas velava pelo interesse de todo o povo, que se tornava sub-misso ao seu poder. Ao lado da dependência dos servos ou dos oficiais aos seus senhores, desenvolveu-se progressivamente uma relação de sujeição, fundada sobre o direito público, entre o rei e seu povo. (Fleiner-Gerster, 2006, p.181)

Foram as crescentes necessidades históricas ditadas pelas transformações impostas pelo nascente modo de produção capitalista que criaram essa nova institucionalidade. O livre curso das relações econômicas capitalistas exigiu a abolição das relações de servidão e a “igualdade formal” entre os seres humanos, para que o sangue azul não fosse mais um pressuposto para o exercício do poder. As relações de dependência entre os “novos soberanos” e o povo deixaram de ser fundadas na tradição ou no “poder divino”. Novas formas de legitimação do poder nasceram em decorrência das exigências de “governabilidade social”.

Foi dentro desse contexto histórico que nasceu o “Estado Moderno”. Um Estado caracterizado por ser uma unidade de poder exercida sobre um povo que vive em um território, na qual esse mesmo poder é imposto de forma racional-mente justificável e centralizada, configurando-se, do ponto de vista externo, como independente e autônoma, ou seja, como soberana.Povo, território e sobe-rania, portanto, são os seus elementos essenciais e formadores.

A

crise do Legislativo

J

OSÉ

E

DUARDO

C

ARDOZO

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No âmbito da sua estruturação, a afirmação do primado da lei como ins-trumento da vontade coletiva e configuradora dos “interesses públicos”, bem como a adoção da teoria da tripartição dos Poderes estatais, deu origem ao nas-cimento da concepção de Estado de Direito.Síntese, em certa medida, dos pen-samentos de Montesquieu e Rousseau, o denominado Estado de Direito exerce seus poderes sobre o seu povo, de forma soberana, dentro do seu território, mas respeitando os limites impostos pelas leis que produz. Nele uma pessoa ou um grupo de pessoas não pode institucionalmente concentrar o poder. Por isso, deve ser constituído por complexos orgânicos distintos, autônomos e indepen-dentes que, atuando com a preocupação de serem harmônicos, produzem as leis (Legislativo), executam-nas (Executivo) e também julgam com “imparcialida-de” aqueles que as transgridem (Judiciário).

A passagem desse modelo de Estado do mundo das ideias para o dos fa-tos remonta às ações transformadoras oriundas da declaração de independência norte-americana em 1776, ao nascimento da Constituição dos Estados Unidos, e ao sangue derramado em solo francês durante a revolução burguesa de 1789. Desde então passou a ser o modelo adotado em muitos países do mundo.

Estamos, porém, no início do século XXI, vivendo momentos de profun-das transformações. O tempo parece correr mais rápido. A revolução tecnológi-ca produz, a tecnológi-cada novo dia, transformações de hábitos e comportamentos. Os jornais escritos, por não terem a velocidade da internet, já não trazem mais a “última notícia”. Relacionamentos virtuais começam a desenvolver novas formas de convivência e de vida amorosa. Nas bolsas de valores, os gritos dos operado-res são substituídos por pregões eletrônicos que, com mais segurança, realizam milhares de operações negociais a cada instante. Para compras, já não mais se precisa ir às lojas; para as operações bancárias não se precisa mais ir aos bancos. O telefone passou a nos acompanhar como se fosse parte do nosso corpo. Fa-lamos, por ele, com pessoas que estão no extremo oposto do globo terrestre, ouvimos músicas, vemos televisão, fazemos cálculos, sabemos onde estamos via satélite, fazemos gravações, tiramos fotografias, recebemos notícias e a cotação das bolsas on-line.

As mudanças também atingem outros fatos da vida. No mundo globaliza-do, a crise econômica de um país afeta imediatamente o planeta. Capitais circu-lam vertiginosamente, indo e vindo, trazendo dólares de um lado para o outro do mundo na velocidade da luz. Bancos sólidos quebram e conglomerados se formam da noite para o dia. O mercado, de antigo local onde se fazem negócios, transformou-se em um ser metafísico, plenipotenciário, volúvel, de sensibilidade à flor da pele, cuja essence incompreensível intimida governos e se corporifica em anjo ou em demônio.

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Sem ter o dom da vidência, mas tendo o direito de ter impressões e de fazer ilações, creio que não. Há indicadores objetivos de que o denominado

Estado de Direito, ao menos na sua formulação clássica e burguesa, poderá não atender mais às imposições ditadas por esse novo momento da história. Um des-ses indicadores parece ser a crise que, em todo o mundo, e particularmente em nosso país, atinge um dos seus pilares de sustentação: o Poder Legislativo.

A crise do Legislativo: inadequação funcional e representativa às necessidades impostas pelo momento histórico atual

No mundo, o Parlamento vive hoje momentos de crise e de perda de le-gitimidade institucional.

Essa situação não deixa de ser paradoxal. Nos tempos atuais, quando em alguns países se vive sob as baionetas e os canhões de uma ditadura, Parlamentos fortes, livres, com garantias constitucionais asseguradas, são vistos como uma realidade indispensável à garantia da liberdade e da democracia. Nesses mo-mentos, fragilizada e atemorizada, a sociedade se volta ao passado e às origens históricas da vida parlamentar. É lembrada a própria dimensão que deu origem ao nascimento do Parlamento na Inglaterra medieval, como importante fonte limitadora do poder. Um Parlamento livre, constituído por representantes elei-tos, é defendido como uma instituição indispensável para que se estabeleçam limites ao exercício do poder, para o respeito à pluralidade de opiniões e para a formulação de políticas de Estado legítimas, justas e equilibradas.

Quando caem as ditaduras, porém, e, como a fênix, renasce a vida demo-crática, muito tempo não se exigirá para que o Parlamento passe a ser visto como instituição improdutiva, lenta, parasitária, ocupada por “políticos” inúteis, inep-tos ou hipócritas, verdadeiros sanguessugas que vivem do erário, locupletando-se indevidamente ou fartando-locupletando-se de privilégios e “mordomias” que conlocupletando-seguem obter no exercício do seu pomposo e “inútil” poder. Para que servem “Suas Exas.”, afinal? É a pergunta que corre, implícita ou explicitamente, as ruas, as casas, os bares, os salões de barbeiros e cabeleireiras quando os ares são de de-mocracia. “Para nada” ou “para roubar”, respondem os “sinceros” que dizem o que pensam. “Os homens não se confundem com as instituições”, respondem os democratas convictos ou os que, por modismo intelectualista, temendo des-viarem-se do “politicamente” correto em tempos de liberdade, modulam seus sentimentos e compreensões rasteiras, ao menos até que as ditaduras voltem a estar na moda.

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histórica de uma ditadura ser aprovada democraticamente pelo voto popular é real. “A democracia deve ter como limite, sempre que for necessário, a expressão não democrática da sua própria existência”, poderá ser forçado a reconhecer, a contragosto, um democrata dos nossos tempos.

Seja como for, em geral, uma crítica comum que se tem feito ao Parlamen-to diz respeiParlamen-to à lentidão das suas decisões. Há até quem proponha, Parlamen-tomando como verdade a clássica afirmação de que a produção de leis deve ser comparada à produção de salsichas, que a eficiência de uma Casa Legislativa deva ser medi-da pelo número de leis que aprova. “Quanto mais leis aprovamedi-das, melhor para o povo”, da mesma forma que “quanto mais salsichas produzidas, melhor para o dono da fábrica”, parece ser o raciocínio que embasa esse curioso medidor de produtividade parlamentar. Claro que essa compreensão parte do pressuposto de que “toda lei nova é lei boa”, quando, na verdade, qualquer pensamento menos mercantilizado ou “ensalsichado” da vida legislativa nos revela o oposto. Muitas vezes, para a vida social, pode ser melhor não aprovar lei nenhuma. E para o interesse público, os esforços e as energias gastas para que nada se altere naquele momento podem ser mais produtivos do que a aprovação de certas “leis-salsichas”.

É fato, contudo, que os processos decisórios nos Parlamentos são lentos. E – digamos em defesa do óbvio – é de todo natural que assim o seja. Todo e qualquer processo decisório que percorra caminhos colegiados e plurais para a sua constituição é muito mais lento. Exige sempre debate, respeito às opiniões diferentes, formação de convicções e de maiorias decisórias. Aliás, é uma lei na-tural, intrínseca aos fatos da vida, que as decisões democráticas sejam muito mais lentas do que as autoritárias. Um déspota ou um ditador pode decidir tudo que quer, com a rapidez que desejar. Consulta quem pretendem ouvir, se e quando

desejar ouvir antes de decidir. Para ele, a distância entre o querer e a expedição do ato de governo é apenas a distância que existe entre o cérebro e a mão que segura a caneta que firma a assinatura. Não existe pensamento divergente, a necessidade de convencimento do outro ou de formação de maioria. A única obstrução que pode existir é a falta de tinta da caneta.

Aliás, a própria lógica que induziu pensadores a sugerirem que a lei fosse aprovada pelo Parlamento, um órgão colegiado que decide de acordo com a opinião da sua maioria, também sugeriu que a execução da lei fosse comandada por um Poder hierarquicamente comandado tal qual um exército. Dentro dessa forma de conceber as coisas, a lei é o ato maior, o ato disciplinador das condutas sociais. Por isso, “ninguém pode fazer ou deixar de fazer alguma coisa a não ser em virtude de lei” (princípio da legalidade), lei que deve ser um ato decisório aprovado pela maioria dos representantes eleitos pela sociedade. Ela revela a

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denominar de “administrador público”. Como já se disse, é mero administrador aquele que, por definição, “não é proprietário”. O administrador público não é “proprietário” da res pública ou dono do interesse público. Seu “proprietário” é o povo, ou seja, o conjunto de pessoas que vivem no território de um Estado soberano e em nome do qual“todo o poder é exercido”.

É assim o nosso sistema. E é assim que aparecem os problemas ditados pela realidade moderna, dentre os quais a “lentidão decisória” dos Parlamentos.

Deveras, em tempos de dinâmica veloz da vida como os nossos, em que os problemas nascem por fatos que repercutem em segundos em outros conti-nentes, a exigência de rapidez decisória é cada vez maior. Hoje autoridades eco-nômicas precisam decidir imediatamente o que devem fazer nas economias de seus países diante de fatos que surgem a cada dia; autoridades de saúde precisam tomar medidas profiláticas imediatas que impeçam ou minimizem epidemias que podem ser geradas em outro canto do mundo; autoridades policiais preci-sam ter meios legais e instrumentos eficazes para combater novas modalidades criminosas que aparecem cotidianamente. São centenas as situações diárias que um governo hoje tem que decidir com agilidade e velocidade muito superior àquela que era demandada no passado. O tempo de aprovação de uma lei pode ser fatal para a preservação dos interesses dominantes na sociedade.

Por isso, muitas Constituições vêm se aparelhando para que o exercício do ato de legislar não fique unicamente concentrado nas mãos do Poder Legislati-vo. Exemplo típico são as nossas “medidas provisórias” que, embora não sendo “leis” no sentido estrito da expressão, são baixadas pelo chefe do Executivo e têm força jurídica equivalente aos desses atos legislativos.

Naturalmente, essa situação de necessidade decisória imediata, ditada pelos

novos tempos, vem em todo o mundo propiciando, cada vez mais, a concentração decisória nas mãos do Executivo e uma perda substantiva de “espaço político” para o Legislativo. Cada vez menos os procedimentos parlamentares podem res-ponder aos fatos impostos pela vida e às exigências históricas de uma realidade veloz e integrada on-line. Sua natural, intrínseca e democrática lentidão, fruto da sua própria constituição plural, procedimental e ritualística, viaja na contramão da dinâmica histórica dos fatos sociais.

Há casos, todavia, em que o “espaço legislativo” não chega a ser ocupado pelo Executivo, mas pelo Judiciário. Valendo-se de institutos jurídicos de fixação da interpretação das normas em vigor, em muitos países, os juízes, a pretexto de “interpretarem a lei”, assumem o papel de “legislador”. Sob a retórica de “dizer o direito”, “criam” o direito, sem que possuam essa prerrogativa.

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meramente subjetiva, decorrente de alguns determinados parlamentares. É um problema objetivo, sistêmico, ditado pelos novos tempos. A marcha da história atenta contra o Parlamento tradicional e o princípio da legalidade democrática. Cada vez mais coloca em xeque o Estado de Direito, seus pilares de sustentação e a concepção burguesa de democracia.

Outro problema sistêmico, imposto pelo momento histórico em que vi-vemos, remonta ao choque entre a democracia representativa e os instrumentos de democracia direta.

Tradicionalmente, o argumento legitimador mais comum que ouvimos para a eleição de representantes do povo para a aprovação das suas leis é a im-possibilidade real, fática, de os cidadãos manifestarem sua vontade diretamente na aprovação das normas que devem dirigir as suas condutas. Os cidadãos não podem se reunir fisicamente em assembleias para decidir quais devam ser suas leis. Por isso, representantes devem ser eleitos para, em assembleia, decidirem quais são as normas gerais que disciplinarão a sua vida social.

Pensemos, porém, com os nossos botões. A evolução tecnológica pode-rá, em breve tempo, com padrões de elevada segurança, permitir que cidadãos possam diretamente votar, dos seus próprios computadores, na formulação de leis. Eventuais discussões ou debates interativos poderão ser realizados, sempre que desejados, pela internet. A democracia direta, dispensando intermediários (parlamentares), poderá ser exercida sem dificuldades.

Perguntar-se-á então: para que deve existir um Parlamento, se o povo pode expressar sua vontade diretamente na aprovação das suas leis?

Talvez, em um exercício filosófico ou de vidência, seja possível imaginar-se que o “Parlamento”, de fato, possa ser dispensável para a construção democrá-tica decisória do Estado do futuro. Sua existência, dentro das próprias premissas do Estado Democrático de Direito, será então questionada e será não mais um imperativo imposto por um modelo, mas uma opção.

Há quem diga que a necessidade de estudos aprofundados e detidos de certas matérias, libertos das paixões momentâneas ditadas pelo senso comum e pelas ondas cambiantes de uma opinião pública volátil, jamais poderá dispensar, na gestão do Estado, a existência de uma representação eleita nas democracias futuras. Sou, em certa medida, levado a pensar assim. Todavia, é inevitável que a evolução dos tempos traga questionamentos a respeito. Questionamentos que, por não serem meramente especulativos, podem levar a profundas modificações do nosso modus de vivenciar a democracia.

Que feição assumirá o Poder Legislativo, então, ao longo das mudanças que virão? Como suprirá o déficit democrático sistêmico que a usurpação das funções do Legislativo pelo Executivo ou pelo Judiciário (ou por ambos) trará para o Estado do século XXI?

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A crise do Poder Legislativo brasileiro: a inadequação do sistema político

Além das causas gerais aqui apontadas, a crise do Legislativo, no Brasil, é ainda mais agravada por situações específicas geradas pelo nosso sistema políti-co.

Em primeiro lugar, afirma-se que o nosso sistema de eleição proporcional é não apenas anacrônico, como ainda democraticamente desvirtuado. Anacrô-nico porque, contrariando os tempos de exigências republicanas e de impesso-alidade, todo o processo eleitoral é baseado no voto que o eleitor dá à pessoa

do candidato. Com isso, tende-se à valorização muito maior das características

pessoais do candidato, do que da sua visão política, ideológica e programática. A consequência disso é óbvia. Como em nosso sistema a disputa eleitoral para o voto proporcional é pulverizada pelo elevado número de candidatos que devem ser escolhidos para cada vaga e o gigantesco universo de eleitores que os escolhem, propiciando a dificuldade de conhecimento personalizado das ideias dos postulantes, o resultado inexorável desse sistema será a grande dose de des-politização da escolha. Vota-se pela “beleza”, pela “simpatia”, pelos dotes “artís-ticos” ou “esportivos” do futuro parlamentar. A exposição e o conhecimento da pessoa do candidato pela mídia quase sempre são cabos eleitorais decisivos para uma escolha, em face da pulverização da disputa e do desconhecimento genera-lizado das diferentes “personalidades” que postulam as vagas do Legislativo.

Naturalmente, a redução dos critérios de escolha a tal espécie de “atribu-tos” pessoais ou a processos de exposição à mídia produz resultados eleitorais bizarros e questionáveis, ao menos do ponto de vista do que, em tese, poderia ser tido como uma “boa representação parlamentar”.

Ademais, tal processo de personalização da eleição fortalece as relações pessoais entre eleitor e eleito e enfraquece a formação de partidos políticos dota-dos de identidade ideológica e programática. Com isso, o clientelismo passa a ter um campo fértil para o seu florescimento nos “processos de captura de votos”.

Talvez seja essa uma das principais razões pelas quais temos, no Brasil, muitas “legendas” e poucos partidos políticos, no sentido apropriado dessa ex-pressão. E traz graves problemas para o Parlamento e para a governabilidade. A formação das “maiorias parlamentares”, indispensável para qualquer governo, quase sempre, não passa por entendimentos ou pactuações programáticas entre partidos. Passa pelo atendimento de exigências “individuais” de parlamentares para que, ocupando “espaços de poder no aparelho burocrático do Estado” (indicação de cargos no Executivo), recebendo benefícios de ações administrati-vas focadas no atendimento da sua “clientela” eleitoral, ou mesmo negociando vantagens “não republicanas”, possam vir a ter boas condições nas suas disputas eleitorais futuras.

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pretende eleger, por força da legislação eleitoral em vigor, os votos são compu-tados em favor da legenda partidária (ou da coligação), para fins da definição do número de cadeiras que serão por ela ocupadas. O preenchimento das vagas dar-se-á pela ordem dos candidatos mais votados em cada partido. Donde um eleitor que vota pessoalmente em um candidato, sem ter considerado o partido a que ele pertence, poderá vir a eleger indiretamente outro candidato, do mesmo partido, com o qual, em tese, poderia não ter a menor identidade.

Esse fato ainda mais se agravará se percebermos que a maior parte dos eleitores brasileiros, possivelmente, ignore essa forma de distribuição das vagas no Parlamento. Desconhecem que podem votar num candidato e vir a eleger outro em quem jamais votariam.

Em segundo lugar, devemos ressaltar que esse sistema eleitoral gera, em larga medida, a corrupção estrutural que temos em nosso país. As campanhas para o Parlamento, na medida em que feitas individualmente, exigem que cada candidato corra atrás dos recursos financeiros que as custeiam. Naturalmente, esses recursos são decisivos para a eleição. Quanto mais dinheiro tiver um can-didato, maior a possibilidade de sair vitorioso nesse universo pulverizado de competidores. Por isso, o abuso do poder econômico e a ausência de isonomia entre candidatos são uma decorrência inevitável desse sistema. A impossibilida-de impossibilida-de fiscalização efetiva da totalidaimpossibilida-de do universo eleitoral é uma realidaimpossibilida-de. E, assim, nasce a vinculação promíscua entre doadores e candidatos. Fazer doações eleitorais em troca de vantagens ou de acumpliciamento futuro é uma realidade na nossa vida política.

Esse sistema incentivador da corrupção propicia escândalos e, em conse-quência, o desgaste da imagem do Parlamento. Em tempos de imprensa livre e de órgãos estatais independentes e republicanos que investigam atos de impro-bidade e desvios eleitorais, a realidade subterrânea sempre emerge. E quando o manto de um sistema hipócrita não cobre as suas partes ocultas, a crise floresce.

Conclusão

É chegado o momento de superarmos o senso comum na discussão da crise que hoje atinge as instituições parlamentares, tanto no mundo, como, em especial, no Brasil. A postura maniqueísta que classifica os integrantes da “classe política” em “do bem” e “do mal”, se, por um lado, pode despertar um nível mais elevado de consciência primário do eleitor, por outro, não permite o co-nhecimento das causas mais profundas dos problemas. É evidente que “maus” parlamentares devem ser banidos, pela cassação dos seus mandatos ou pelo voto. É evidente ainda que uma discussão, mesmo que posta em termos maniqueístas, tem ainda como vantagem o fato de se demolir a visão patética do rouba mas fazou o dogma imbecilizado de que todo político é um parasita, um ladrão, ou ambos”. Mas não é suficiente.

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geradas pela realidade histórica em curso. Será a compreensão total das suas raízes, com todas as suas ramificações, que nos permitirá construir uma saída democrática para o futuro. Um novo sistema político? Um novo Parlamento? Uma nova estruturação dos Poderes do Estado? Um novo modelo de Estado Democrático?

A história, sem dúvida, o dirá.

Referência bibliográfica

FLEINER-GERSTER, T. Teoria geral do Estado. São Paulo: Martins Fontes, 2006.

José Eduardo Cardozo é mestre e doutorando, professor de Direito da PUC-SP, da Es-cola Paulista de Direito e do Curso Marcato. Foi secretário de Governo do município e presidente da Câmara Municipal de São Paulo. É deputado federal e secretário-geral do Partido dos Trabalhadores (PT). @ – dep.joseeduardocardozo@camara.gov.br

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