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A POTÊNCIA DO FALSO NA MARCA

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(1)

PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO

PUC – SP

Thaís Novais de Curtis

A POTÊNCIA DO FALSO NA MARCA

A imaterialidade do consumo emocional

MESTRADO EM COMUNICAÇÃO E SEMIÓTICA

SÃO PAULO

(2)

A POTÊNCIA DO FALSO NA MARCA

A imaterialidade do consumo emocional

MESTRADO EM COMUNICAÇÃO E SEMIÓTICA

Dissertação apresentada à Banca Examinadora da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, como exigência parcial para obtenção do título de MESTRE em Comunicação e Semiótica – Signo e Significação nas Mídias, sob a orientação do Prof. Dr. Rogério da Costa.

Linha de Pesquisa: Cultura e ambientes midiáticos

SÃO PAULO

(3)

B

ANCA EXAMINADORA

_____________________________________________

_____________________________________________

(4)
(5)

A

GRADECIMENTOS

À Patrícia Carvalhinhos, hoje amiga e principal propulsora dessa vontade.

Aos amigos e também companheiros de trabalho, Rogério Martins, Ary Rocco e Marcos Steagall, pelo estímulo inicial.

Ao meu orientador, Prof. Dr. Rogério da Costa, pelo incentivo, pelo aprendizado e também pelo companheirismo nos diferentes momentos que compõem esse trabalho.

Ao CNPq que viabilizou a pesquisa e tornou possível a realização de meu objetivo.

Ao professor e amigo Glauco Perez, pelos ouvidos e dicas preciosas.

À professora Christine Greiner, pelo profissionalismo e enriquecimento de suas análises.

Aos amigos da PUC que conheci e fiz durante essa jornada, pelas conversas.

Aos amigos de sempre, pelas palavras de carinho nos momentos necessários.

(6)

COM O PRIMEIRO RESPLENDOR DE UM SOL NASCENTE

CAIU NO GRAMADO, E NO GRAMADO E NO DOURADO,

NOSSO PAI ADÃO SENTOU EMBAIXO DA ÁRVORE

E ARRANHOU A GRAMA COM UM GALHO,

E O PRIMEIRO RASCUNHO TOSCO QUE O MUNDO VIU

FOI A ALEGRIA PARA SEU PODEROSO CORAÇÃO,

ATÉ O DIABO SUSSURRAR POR DETRÁS DAS FOLHAS:

---ÉÉÉ BBB EEE LLL OOO,,, MMM AAA SSS ÉÉÉ AAA RRR TTT EEE?? ?

.

........

E CADA HOMEM OUVE ENQUANTO O CREPÚSCULO CHEGA,

A BATIDA DE SEU CORAÇÃO AGONIZANTE

ODIABO BATE NA VIDRAÇA ESCURECIDA:

---ÉÉÉ LLL III NNN DDD OOO,,, MMM AAA SSS ÉÉÉ AAA RRR TTT EEE?? ?

(7)

R

ESUMO

A presente pesquisa tem como objetivo investigar de que maneira as práticas de falsificação de marcas e produtos conseguiram se instalar no imaginário da cultura contemporânea, como uma força simultaneamente econômica e social. O estudo parte de questões levantadas tanto sobre a atual expansão do mercado de produtos falsificados, quanto do aspecto imaterial que os acompanha, o qual incide diretamente sobre o consumo emocional, de natureza sensorial e experiencial. Nos últimos 30 anos houve um esforço considerável das empresas e de seus setores de marketing e comunicação em deslocar a percepção dos consumidores daquilo que seriam as propriedades funcionais dos bens materiais para os valores da marca, que passam a representar então todo um universo de cultura, de experiências, de sensações, de afeto, modificando com isso a dinâmica de relações de consumo. A imaterialidade que acompanha o produto, representada pela marca, é transformada em commodity e torna-se o objeto de desejo do consumidor. Buscaremos analisar a hipótese de que a desmaterialização dos produtos decorrente da emergência da economia do imaterial, entendida como uma economia do conhecimento, de informação e de serviços, e a consequente construção das marcas em torno de um universo de valores, para além, portanto, dos suportes físicos dos bens de consumo, abre caminho a uma onda de falsificações que buscam, justamente, associar produtos de “segunda linha” com marcas estabelecidas no imaginário dos consumidores. Serão averiguadas as propriedades imateriais mais recorrentes que são atribuídas aos itens falsificados e capazes de estimular a percepção de experiência na mente dos indivíduos. No limite, para além do valor econômico dos bens falsificados, há as promessas de satisfação, que podem ser cumpridas tanto pelos originais quanto pelas cópias. Igualmente, serão feitas análises apontando de que forma o mercado de falsificações pode apresentar-se como estratégia de marketing para difusão de algumas marcas. A metodologia da pesquisa se estenderá desde estudos sobre a economia imaterial e seus reflexos no sujeito consumidor, passando pelo desenvolvimento do conceito de marca e suas relações com o consumo, até as análises da indústria de contrafação. Os autores que servem como referência da pesquisa são Andrea Semprini, Antonio Negri, Gabriel de Tarde, Gilles Deleuze, Gilles Lipovetsky, John Kenneth Galbraith, Juliet Schor, Loretta Napoleoni, Martin Lindstrom, Maurizio Lazzarato, Max Lenderman e Walter Benjamin, entre outros.

PALAVRAS CHAVE: consumo; falsificação; imaterialidade; falso; produção de

(8)

A

BSTRACT

This research aims to investigate how the counterfeit of brands and products could be inserted in the imaginary of contemporary culture as an economic and social force. The study is built on issues raised about the current expansion of the forgery market, as well as the immaterial aspect that follows them up, which focuses directly on the emotional consumption, both sensory and experiential. For the last 30 years there has been considerable effort from companies and their marketing and communication sectors in shifting consumer perceptions of what would be the functional properties of the material consumer goods for the brand values, which come to represent a whole universe of culture, experiences, feelings, affection, thereby changing the dynamics of consumption relations. The immateriality that accompanies the product, represented by the brand, is transformed into a commodity and becomes the object of consumer desire. We will examine the hypothesis that the dematerialization of products, resulting from the emergence of the immaterial economy, understood as an economy of knowledge, information and services, and the consequent branding around an universe of values, beyond, therefore, of the physical feature of consumer goods, finds one’s way through a wave of forgeries that aims to associate "second line" products with brands established on consumers’ minds. It will be investigated recurrent immaterial properties that are ascribed to the counterfeit goods and are able to stimulate the perception of experience on individuals’ minds. Besides the economic value of the counterfeit goods, there are promises of satisfaction that can be fulfilled by both, the original and the copies. It will be also analyzed how the market of fakes can present itself as a marketing strategy for the dissemination of some brands. The research methodology will extend from studies of immaterial economy and its impact on individual consumer, passing through the development of brand concept and its relations with consumption, to the analysis of counterfeit industry. The authors used as reference of the research are Andrea Semprini, Antonio Negri, Gabriel Tarde, Gilles Deleuze, Gilles Lipovetsky, John Kenneth Galbraith, Juliet Schor, Loretta Napoleoni, Martin Lindstrom, Maurizio Lazzarato, Max Lenderman and Walter Benjamin, among others.

(9)

L

ISTA DE ILUSTRAÇÕES

1. Cópia Fiel (fotograma do filme), Abbas Kiarostami, 2010.

2. F for Fake (fotograma do filme), Orson Welles, 1974.

3. Pintura de Henri Matisse por Elmyr de Hory, 1965.

(10)

S

UMÁRIO

INTRODUÇÃO

[11]

ABERTURA

DOCUFICÇÃO

1.CÓPIA FIEL [14]

2.F FOR FAKE

[17]

CAPÍTULO 1.CONSUMO COMO PRODUÇÃO DE DESEJO

1.1 SUJEITOS CONSUMIDORES

[21]

CICLO I

[26]

CICLO II

[27]

1.2 A IMATERIALIDADE DO CONSUMO

CICLO III

[29]

1.3 CONSUMO NO OLHAR DA ECONOMIA

[32]

1.4 O DESEJO PELO IMATERIAL

[35]

CAPÍTULO 2.O CAPITALISMO INVENTA O FALSO

2.1UM MERCADO DE FALSAS EVIDÊNCIAS

[38]

2.2FALSO: O SUPÉRFLUO NECESSÁRIO

(11)

2.3A EMULAÇÃO DO DESEJO (OU A FALSIFICAÇÃO DO DESEJO)

[42]

CAPÍTULO 3.INDÚSTRIA DA CONTRAFAÇÃO: O DESEJO PELO FALSO

3.1DISSEMINAÇÃO DE RÉPLICAS NO MERCADO

[48]

3.2ORIGINAL VERSUS FALSO

[51]

CONCLUSÃO

[55]

REFERÊNCIAS

[59]

FILMOGRAFIA

(12)

11

I

NTRODUÇÃO

Essa pesquisa tem por objetivo investigar de que maneira as práticas de

falsificação de marcas e produtos conseguiram se instalar no imaginário da cultura

contemporânea como uma força simultaneamente econômica e social, pois a

despeito de todo o esforço de governos e autoridades em sua contenção, o que se

tem visto é uma contínua expansão desse “mercado” e, portanto, de um tipo de

consumidor que não parece incomodado com questões de autenticidade de

produtos. Os produtos falsificados, queiramos ou não, existem. Mais ainda, eles

insistem em nossa realidade cotidiana, estão por toda parte e ganham cada vez

mais em qualidade e quantidade. Tais produtos, portanto, possuem uma estranha

potência de existir, pois por mais que sejam denunciados, recolhidos e seus

produtores e vendedores autuados, eles parecem não ceder a uma forma de

crescimento contínua.

Paralelamente a essa entrada no mercado de produtos falsos, estudos no

campo da economia, que serão aprofundados no decorrer da pesquisa, apontam

para um esforço de produção que não é exatamente aquele de produtos físicos, mas

para o incremento do próprio desejo de consumo. Isso corresponde, em outras

palavras, à produção da própria subjetividade do consumidor, atendendo assim

diretamente ao seu desejo de forma não consciente, impulsionando as decisões de

compra que são tomadas de forma cotidiana. Tal aspecto torna-se evidente quando

entendemos que inúmeras propriedades imateriais são atribuídas às coisas que

compramos. Tais propriedades, como prestígio, emoção, sensação de bem estar,

conforto etc., são da ordem do imaterial e estão diretamente relacionadas a uma

demanda subjetiva do consumidor. Sendo assim, ao se obter um produto falsificado

isso não seria diferente, pois se a atribuição de uma marca for dada à sua réplica

falsa, a percepção do consumidor deve acompanhar as propriedades imateriais da

marca, a despeito da originalidade ou não do produto físico. A imaterialidade que

acompanha o produto, representada pela marca, é transformada em commodity, e

passa a ser aquilo que também é desejado pelo consumidor.

Por outro lado, estratégias de marketing de grandes empresas, visando o

(13)

12

preços de marcas de luxo, o advento do grátis e a obsolescência induzida, também

têm auxiliado na disseminação de itens falsificados. Tais estratégias, que estimulam

a demanda, sem no entanto atendê-la, abrem espaço para as réplicas e favorecem a

criação da produção de consumo e o aumento do desejo do consumidor.

Há que se considerar também que o volume de produtos falsificados

disponíveis no mercado aumentou consideravelmente nos últimos anos, devido à

globalização, às novas tecnologias de produção e ao aumento da demanda como

um todo. Esse último aspecto tem exigido do sistema produtivo um esforço contínuo

de reposição de seu estoque de consumo, e que muitas vezes excede sua

capacidade produtiva. Com isso, a indústria de cópias acaba sendo considerada

como tendo um papel de produção paralela, levando-se em conta sua agilidade de

reprodução em tempo muito rápido. Ela ocupa, de maneira oportunista, portanto, um

vazio produtivo da indústria como um todo. Há inúmeras dificuldades que o sistema

produtivo deve enfrentar para se expandir, riscos de investimentos que muitas vezes

as indústrias não desejam correr, investimentos em inovações, contratações,

máquinas, etc. O próprio aumento da demanda pode ser ocasional, flutuante. Com

isso, o mercado de produtos falsos ocupa seu lugar e se expande, trabalhando a

partir do êxito sazonal do mercado original. No entanto, não se deve supor que essa

indústria da falsificação pretenda necessariamente algum dia ocupar esse espaço,

pois ela trabalha na margem do original e, sem o sucesso desse último, ela não teria

como se sustentar.

A web, por outro lado, permitiu um modo de reprodução e compartilhamento

capaz de replicar produtos em larga escala. A transformação de átomos em bits

resultou na troca gratuita e na eliminação de estoques, vistos como benefícios aos

usuários. No entanto, para os grandes produtores representou prejuízos e danos aos

direitos autorais, gerados pelos chamados “foras da lei” da indústria da contrafação,

os piratas.

O foco de nossa pesquisa, porém, estará centrado em réplicas físicas,

produtos falsificados e reproduzidos de acordo com o modelo original, que incorre

em prejuízo de patente e que são também denominados, na linguagem popular,

produtos pirateados. Pode-se fazer, contudo, uma distinção entre produtos

(14)

13

negociados à margem da lei. Os segundos são aqueles produzidos à semelhança de

(15)

14

A

BERTURA

DOCUFICÇÃO

1. CÓPIA FIEL

No filme de Abbas Kiarostami, intitulado Cópia Fiel, a personagem James

Miller, interpretado pelo ator William Shimell, é um filósofo inglês que em uma

palestra na Toscana divulga seu mais recente livro, “Copia Conforme”, em edição

italiana, que tem como tema a arte e seus desdobramentos de valores na sociedade.

Durante sua apresentação, James afirma que a intenção do livro era a de

mostrar que uma cópia tem tanta importância quanto o original, uma vez que a cópia

remete ao original e atesta seu valor. O filme cita casos através da história, como o

exemplo dos romanos que vendiam cópias de artefatos egípcios de prata ou o caso

de Lorenzo Di Medici que instruíra Michelangelo a esculpir uma estátua de Cupido

com características antigas para ser vendida a um preço melhor. Em outras

produções, Michelangelo igualmente é acusado de esfumaçar obras para

envelhecê-las. Kiarostami poderia também ter citado o caso de Rembrandt, que constituiu uma

equipe de aprendizes à sua volta para confecção de obras seguindo seu estilo, as

quais ele assinava para que obtivessem valor de venda no mercado.

Durante a tarde de um domingo, em uma visita a um museu da Toscana,

Juliete Binoche, no papel de Elle, uma francesa, suposta fã do escritor e dona de

uma galeria de arte em Arezzo, apresenta a James a réplica de uma obra de arte

cuja autenticidade só foi questionada depois da 2ª Guerra Mundial. Esse

questionamento se deu ao descobrirem que a peça original encontrava-se na

realidade em Nápoles, e que a versão vista pelas personagens fora feita por um

falsário para trazer prestígio à Toscana. Na discussão que se segue, James expõe

seu ponto de vista, de que nem o original pode ser considerado genuíno nesse caso,

já que a originalidade dessa obra encontra-se na beleza da moça retratada. Para

ele, é indiferente que se diga aos visitantes do museu qual das obras é falsa ou

(16)

15

autenticidade, levando em consideração sua fidelidade de reprodução e a percepção

dos que a apreciavam.

A partir desse momento do filme, as próprias personagens começam a

contracenar dentro de outra lógica de representação. A discussão que girava em

torno da questão do falso e verdadeiro na arte passa a ser discutida dentro da

realidade das personagens. Uma relação que era até então entre fã e escritor, passa

a se desenhar na forma de ex-marido e mulher quando uma senhora em um café os

julga um casal e Elle não desmente a suposição.

O que se segue é o desenrolar de uma história na qual o espectador já não

consegue distinguir entre realidade ficcional e representação entre as personagens

dentro da ficção. O tom das conversas, os lugares visitados e o clima entre James e

Elle nos induzem a acreditar que vemos atores representando atores na película. E

a realidade ou o tema central, a originalidade do que vemos muda de sentido e

passa a ter outra percepção aos nossos olhos. Se falsa ou verdadeira, a encenação

nos prende, na intenção de buscar entendê-la ao final.

No ensaio de Walter Benjamin (1961), a reprodutibilidade técnica da arte é

percebida como uma forma de democratização do encontro da obra com quem a

apreende, em contrapartida aos pensadores da Escola de Frankfurt que

caracterizam tal reprodução como simples cópias para fins mercadológicos. Há que

se diferenciar a prática de reproduzir do lucro que se obtém com seu resultado.

Enquanto um funciona como procedimento artístico, o outro adquire ares de

massificação.

Já quando aponta a questão da autenticidade, Benjamin afirma que mesmo

na cópia mais perfeita, esse conceito se mostra ausente, pelo fato de não ser

reprodutível e por estar relacionado ao tempo. Quando falamos em autenticidade,

ela pode estar relacionada à autoria, à comprovação de origem, à veracidade

daquilo que está diante de si. No entanto, a arte em sua essência já se constitui

como reprodução, e não como criação, desse modo a autenticidade da arte é

percebida no autor, naquele que “produz” ou reproduz uma ideia. É como se a

reprodução da obra de arte fosse a responsável pela atualização constante da

(17)

16 FIG.01

Fotograma do filme Cópia Fiel

(18)

17

2. F FOR FAKE

Dirigido por Orson Welles, o filme F for Fake, que igualmente fez uso da obra

de arte para discutir sobre o falso, nos apresenta Elmyr de Hory, pintor húngaro,

conhecido como um dos maiores falsificadores de arte do século XX. Na forma de

um documentário, gênero caracterizado pela representação da realidade, Welles

consegue jogar entre o tema discutido e o gênero cinematográfico escolhido. O

diretor reserva os últimos 17 minutos do filme para uma brincadeira com o

espectador, que ao esquecer que Welles promete 1 hora de verdade em um filme

sobre trapaças, quase se deixa envolver por uma mentira bem interpretada.

O “artista” Hory, que levava apenas 1 hora para reproduzir um Modigliani

original, imitava os traços dos maiores nomes da arte mundial, confundindo e

desafiando os especialistas no assunto, diretores de museus de arte e negociadores

do ramo. Assegurava ainda que sempre existirão falsificações, pois sempre haverá

mercado para isso.

Hory ousa discutir a precisão dos traços de alguns nomes da arte, dizendo

que se quisesse, poderia melhorar a obra, no entanto, nesse caso a imitação

idêntica é que garantia a autenticidade do quadro. E assegura que nunca nenhuma

cópia feita por ele tenha sido recusada como uma original em museus.

Cabe lembrar que se diz autêntica1 uma coisa que está relacionada a um

poder legitimador e verdadeiro, que é revestida de uma autoridade suficiente, que

merece que se acrescente a ela fé. O termo possui origem na palavra grega

authentès, aquilo que age por si mesmo, que é mestre de si mesmo, potente, que

age de sua própria autoridade. É sinônimo de sinceridade, mas uma sinceridade

particular, como aquela encontrada na literatura do século XX, na qual na

deformação mesma da imagem que o autor dá de si, se encontra revelada uma

verdade mais essencial, aquela do olhar que ele tem sobre si mesmo.

A pergunta que nos fazemos nesse momento é a seguinte: como se pode

pensar a questão do valor do que é autêntico no caso de Elmyr de Hory, se de fato

até um expert é trapaceado? O valor de uma obra se encontraria na peça genuína

ou na falsificada?

1

(19)

18

Talvez seja mais adequado presumir que a autenticidade está no receptor,

naquele que admira a obra. Elmyr dizia não se apavorar com os experts, pois não

concordava com a existência de uma única pessoa com autoridade para tomar a

decisão sobre o que é bom ou o que é ruim. Welles chega a questionar se por

ignorância, inocência ou ganância tais experts eram enganados ou se permitiam ser

trapaceados? Pois era fato que os especialistas faturavam muito mais que Elmyr

com suas obras falsificadas.

Vale notar que essa discussão sobre original e cópia remonta a Platão, cuja

filosofia defende que o original pertencia ao mundo da essência e só podia ser

captado pelo intelecto, ou seja, o original era a ideia. A partir do mundo das ideias,

mundo superior, perfeito e eterno, para que as ideias (no mundo das essências)

ganhassem forma (no mundo das aparências) foi necessário o trabalho do deus

Demiurgo, que tomando as ideias como modelo, constituiu o mundo das aparências

como uma cópia o mais fiel possível a elas. Assim, qualquer coisa que derivasse

desse modelo já seria uma cópia, mas uma cópia fiel ao modelo. Ocorre que na

medida em que a cópia passa a servir como modelo para outra cópia, e que esta é

cada vez mais replicada, chega-se a um ponto onde a cópia da cópia se vê

destituída de semelhança em relação ao original, o que o filósofo viria a chamar por

simulacro. Poderíamos denominá-lo como uma simulação da própria cópia, que

pode garantir a mesma funcionalidade, mas não a mesma essência. Entretanto,

segundo opositores de Platão, como os sofistas, o próprio espectador também pode

fazer parte do simulacro, pois a obra se transforma segundo seu ponto de vista.

Um simples exemplo seria a mágica, arte de entreter através da ilusão. O

efeito de ilusão e surpresa não depende apenas da habilidade do ilusionista, mas

também de ponto de vista desfavorável do espectador, que deixa escapar o

momento de realidade e permite-se iludir pela presteza do mágico. Ou seja, o

espectador também faz parte do truque.

Ora, como poderíamos prever se, daqui a um ou dois séculos, Elmyr de Hory

não possa vir a ser reconhecido como um dos grandes nomes da arte do século XX?

Devemos considerar que ele, como Demiurgo ou artista, tinha o trabalho de adotar o

próprio processo de criação do pintor original, interpretando seus traços e

(20)

19

de origem, conforme à essência do estilo dos artistas representados, e que no limite

nos fazem questionar se estamos diante de um Picasso original/falso ou de um

Elmyr falso/verdadeiro? Elmyr, diferentemente dos grandes artistas renomados,

tornou-se conhecido pela reprodução da obra alheia. Contudo, da mesma forma que

muitos deles, poderá vir a ter seu trabalho reconhecido postumamente.

FIG.02

Fotograma do filme F for Fake

(21)

20 FIG.03

Femme dans um intérieur

Henri Matisse por Elmyr de Hory, 1965.

As análises apresentadas nessa abertura se referiram principalmente a

exemplos de falsificação na obra de arte, atualmente considerada um bem

consumível na forma de um produto cultural. O falso possui seus desdobramentos

de sentido, e o que caberá explanar no decorrer desse estudo são as variações de

interpretação do termo, ademais de seus impactos relacionados ao consumo.

Consumo este que alimenta novas formas de vida relacionadas a gostos, estilos de

vida, modos de pensar, imaginar, sentir e perceber, ou seja, pensar o consumo

(22)

21

1.

C

ONSUMO COMO PRODUÇÃO DE DESEJO

As necessidades do consumidor podem ter

origem estranha, frívola e até imoral, e no

entanto pode defender-se optimamente uma

sociedade que procura satisfazê-las. Mas a

defesa perde o sentido se é o processo de

satisfazer necessidades que as cria.

John Kenneth Galbraith, in ‘A Sociedade Afluente’

1.1 S

UJEITOS CONSUMIDORES

Uma das teorias mais conhecidas sobre o consumo, e também das mais

contestadas, é aquela do economista e sociólogo americano Thorstein Veblen, que

no início do século XX defendia a tese de que os indivíduos, ao compararem-se

mutuamente, acabam por desenvolver um desejo de se diferenciar socialmente,

gerando o que veio a ser conhecido como o consumo ostentatório. Essa forma de

consumo traduziria, segundo Veblen, um duplo movimento: o anseio dos indivíduos

em possuírem os bens de uma classe superior e, simultaneamente, a busca em se

diferenciar daqueles de uma classe inferior. Além disso, o consumo por ostentação

também estaria ligado a uma estratégia de reconhecimento social, pois em

sociedades nas quais o anonimato é a regra, a condição financeira poderia ser

demonstrada publicamente por meio dos bens que se possui. Por mais contestada

que essa teoria seja, sua força ainda pode ser sentida quando se analisa atualmente

o consumo de produtos de luxo, por exemplo. Mas retornaremos a essa discussão

mais adiante.

Um dos autores que contestam o pensamento de Veblen é o antropólogo

indiano Arjun Appadurai, sobretudo em seu livro Dimensões Culturais da

Globalização, no capítulo dedicado ao consumo. Appadurai entende que o esforço

(23)

22

teoria de Veblen, não se sustenta. O consumo ostentatório seria, em sua visão, um

caso específico dentro de uma lógica mais ampla. Ele considera que se levarmos

em conta o que Marcel Mauss chamou de “técnicas do corpo”, concluiríamos que o

que constitui um dos fundamentos do consumo está intimamente ligado às

disciplinas do corpo, aos hábitos e repetições que caracterizam os comportamentos

sociais. Tais hábitos, que representam as inscrições no corpo de disciplinas sociais,

formariam a base do consumo repetitivo. A repetição de pequenos hábitos, como os

relacionados à alimentação, à higiene pessoal, ao uso de roupas, à prática de

esportes etc., servem, segundo Appadurai, “na estruturação do ritmo temporal, na

determinação do compasso temporal mínimo que permite construir padrões muito

mais complexos e caóticos”. (APPADURAI, 1996, p. 98). Diríamos que, em relação

ao consumo, o que se repete é a forma do hábito, mas não seu conteúdo. Em outras palavras, o consumo fornece, nessa escala mínima, os conteúdos dos hábitos que

se repetem. Alimentamo-nos todos os dias e em determinados horários, temos

inclusive certos hábitos alimentares, como laticínios pela manhã, carnes no almoço

etc. Esses hábitos, que variam segundo as diversas culturas, constituem padrões

que servem de orientação para nosso consumo, e podem ser facilmente

observados, por exemplo, na organização dos produtos nos supermercados,

produtos esses que irão preencher nossos hábitos cotidianos.

Ainda segundo Appadurai, seria a partir dessa escala mínima de pequenos

hábitos, que constroem o tempo do cotidiano e que se prolongam numa lógica

inercial de longa duração, que regimes de maior periodicidade podem emergir, como

por exemplo no que chamamos de formas de sazonalidade:

“Em muitas sociedades, importantes ritos de passagem têm

marcadores de consumo, muitas vezes agregados obrigatoriamente, ou

quase obrigatoriamente, em torno da oferta de presentes, no geral entre

categorias predefinidas de pessoas ligadas socialmente, sobretudo

parentes. (…) as sazonalidades que organizam o consumo são mais

complicadas e menos mecânicas do que à primeira vista parece.”

(APPADURAI, idem.)

Em nosso cotidiano, feriados e datas comemorativas funcionam como

(24)

23

consumo, regulando hábitos que se repetem numa escala temporal mais ampla.

Elas concentram um conjunto de estratégias de publicidade e campanhas que se

distribuem ao longo do ano e que servem como orientação para toda a indústria do

consumo. Segundo dados do IBOPE2 (Instituto Brasileiro de Opinião Pública e

Estatísticas), no Brasil o Natal é a época do ano em que mais se consome, seguido

do Dias das Mães. Uma das explicações para o consumo exagerado em época

natalina seria o 13° salário anual dos trabalhadores, ou ainda o catolicismo, religião

predominante no Brasil e motivo real da comemoração, ou até mesmo a junção das

duas justificativas, o que modificaria emocionalmente as pessoas nessa época do

ano. Com uma parte de sua renda “sobrando” eos apelos de abundância do festejo,

em sua maioria, as pessoas se tornam mais generosas durante esse período e ao

mesmo tempo mais consumistas.

Para o Dia das Mães, data que também faz parte do calendário oficial da

Igreja Católica, as explicações não são muito diferentes, pois neste caso a

homenagem às mães viria acompanhada de algum presente, o que também marca

emocionalmente o ato de consumo. Cabe lembrar que foi Getúlio Vargas, em 1932,

então presidente do Brasil, quem oficializou o segundo domingo do mês de maio

como data comemorativa do Dia das Mães no país. Ao redor do mundo as datas

variam, no entanto, na maior parte dos países ela se dá em momento igual: 2°

domingo de maio. Data estratégica pois, afinal, considera-se que esse momento do

ano seja o mais adequado para que o consumidor, endividado pelas compras e

impostos de final e começo de ano, já tenha saldado suas dívidas e possa então dar

início a outras.

Outros exemplos de datas comemorativas ou feriados consumistas são o

Dia dos Pais, o Dia dos Namorados e o Dia das Crianças, todos igualmente

relacionados a uma forma emocional de consumo. Alguns sofreram influências de

grandes empresas nacionais ou até mesmo de empresários do ramo da

comunicação brasileira para poder institucionalizar-se no calendário. Como nos

lembra Appadurai, “o consumo cria o tempo, não se limita a reagir a ele”.

(APPADURAI, idem., p.100)

2

(25)

24

Dentre as comemorações citadas, algumas possuem uma tradição que

remonta à Antiga Roma, como no caso do Natal. Todavia, atualmente o que

caracteriza esses eventos é sua apropriação por parte do mercado, como uma

oportunidade comercial, fazendo assim com que a economia se movimente não

somente a partir das necessidades primordiais dos indivíduos, mas também de

celebrações culturais acompanhadas de homenagens presenteáveis. As ocasiões

criadas para o consumo, a partir do próprio mercado, assemelham-se a rituais que

expressam símbolos, gestos, comportamentos e acabam por transformar-se em

costumes civilizatórios envoltos em uma pluralidade de sentidos. Como diz

Appadurai:

“as periodicidades de consumo socialmente organizadas e as

estratégias calculistas que lhes conferem ação e amplitude são constitutivas

dos significados sociais dos ritos de passagem e não meros marcadores

simbólicos desses significados”. (APPADURAI, idem.)

Presentear um ente querido adquire, dessa forma, sentido social. Mas o que

se deve ressaltar é que o filho que deixa de presentear a mãe no Dia das Mães

“culpa-se” socialmente. O namorado que não presenteia sua amada no Dia dos

Namorados deixa de reforçar seu compromisso socialmente. Há que se reconhecer,

portanto, que esse círculo infindável que relaciona dias comemorativos ao ato de

presentear é alimentado agora não apenas pela indústria de consumo ou por

significados simbólicos, mas se ampara sobretudo no reforço de uma lógica social

que repreende aqueles que não presenteiam. Ou seja, se por um lado há o apelo

emocional ligado ao ato de presentear em tais datas comemorativas, a ausência de

tal ato implica em certa cobrança social.

Os exemplos citados apontam para períodos de maior movimento do

comércio ao longo do ano, nos quais o consumidor é guiado pela sazonalidade do

mercado, novidades, produtos de época, moda, etc. Porém, não significa que sejam

os únicos registros de consumo de uma sociedade, afinal, atualmente o ato de

autopresentear-se tem se tornado comum, prazeroso. Experiências próprias,

(26)

25

que se notabilizam pela aquisição de bens imateriais que nos satisfazem. A

sociedade de consumo se movimenta.

Para parametrizar o quadro acima e melhor compreender o momento que

vivemos no que se refere ao novo sujeito consumidor, analisemos de forma breve e

histórica a evolução recente de nossa sociedade de consumo.

Durante a Idade Média, o sistema feudalista e manufatureiro de produção e

distribuição ainda com relação servil trabalhista, dividia a sociedade em basicamente

três classes sociais: clero, nobreza e povo. As intervenções da Igreja e do Estado no

nível econômico e social não permitiam progressos para a sociedade. Com a era

das grandes navegações e descobertas, que deu início à Idade Moderna a partir do

século XV, o sistema feudalista foi enfraquecido e gradativamente surgia espaço

para um liberalismo econômico, que defendia a livre concorrência sem intervenção

do Estado. Com a Revolução Industrial, que se iniciou na Inglaterra por volta do

século XVIII e trouxe consigo mudanças tecnológicas e impactantes no processo

produtivo e no sistema econômico e social, houve a possibilidade para o

desenvolvimento e a consolidação do regime capitalista no Ocidente.

Diferentemente do sistema feudal de proteção e obrigações, esse defendia meios de

produção e distribuição privados e para fins lucrativos. Uma notável diferença entre

os sistemas citados é a disponibilidade de recursos aos cidadãos, que se antes

eram regidos pela fé e pela razão, agora passam a guiar-se pelos desejos atrelados

ao consumo, e não mais somente para satisfazer as necessidades básicas. O

mercado guiado, até então pelos vendedores, passou a ser direcionado pelos

consumidores e seus desejos.

Para entender melhor o período que vai da era industrial até nossos dias,

vamos seguir as reflexões de Gilles Lipovetsky, filósofo francês, que em seu livro A

Felicidade Paradoxal, afirma que a sociedade consumidora possuiria pelo menos

(27)

26

CICLO I.

A começar pelo que ele nomeia de Ciclo I da era da produção de massa,

período que se estende desde o final do século XIX até 2ª Guerra Mundial (1939

-1945). Anteriormente a esse período, os produtos tinham por características o

anonimato, as vendas a granel e algumas marcas nacionais em pequenas

quantidades. A partir da fase que caracteriza o ciclo I, a modernização de

infraestruturas de transporte e comunicação possibilitou o surgimento de grandes

mercados nacionais e o desenvolvimento do comércio em larga escala, uma espécie

de democratização de acesso aos bens mercantis, em contrapartida a uma

escassez de poder para adquiri-los, ainda mais em se tratando de equipamentos

modernos para a época tais como eletrodomésticos, com exceção da burguesia.

Com a produção em massa, a industrialização trouxe consigo a necessidade

de anular o anonimato do que se produzia e muitas indústrias passaram a nomear

sua própria produção, criando assim a divulgação da própria marca para fins de

concorrência no mercado. Segundo a American Marketing Association “A marca é

um nome, um termo, um sinal, ou um desenho, ou uma combinação destes

elementos, com vista a identificar os produtos e serviços de um vendedor, ou de um

grupo de vendedores, e a diferenciá-los dos concorrentes” 3.

Com o sistema de identificação de produtos, as relações de confiança entre

os consumidores e os vendedores foram reportadas à marca, elemento que passou

a simbolizar qualidades e garantias das mercadorias, dispensando dessa forma as

intermediações dos vendedores de forma direta. O consumidor passava a comprar

uma assinatura conjuntamente ao seu atributo físico. A oportunidade de opções de

marcas no mercado permitiu ao consumidor aproveitar da prática de estoques e

preços competitivos, visto a concorrência.

A prática de nomear os bens fez com que o consumidor tivesse a percepção

de escolha por sua parte. Envolto por diversidades e novidades, a necessidade do

consumidor foi posta à prova e apontamentos das estratégias de marketing

começavam a agir sobre eles. Contudo, o marketing, ainda nessa época, era

associado principlmente a estudos da economia e da administração clássica, pois

3

(28)

27

suas principais preocupações eram a produção e a logística, com vista ao lucro.

Como afirma Lipovetsky:

“A economia de consumo é inseparável desta invenção de marketing:

a busca do lucro pelo volume e pela prática dos preços baixos. Pôr os

produtos ao alcance das massas: a era moderna do consumo é condutora

de um projeto de democratização do acesso aos bens mercantis”.

(Lipovetsky, 2007, p.28)

Considerando ainda como característica a democratização de acesso aos

bens mercantis, analisemos o ciclo II, que se apresenta com algumas diferenças em

relação ao ciclo anterior.

CICLO II.

Ainda de acordo com os estudos de Lipovetsky, o ciclo II da sociedade de

consumo se dá a partir da década de 50, com características das formas de

organização da produção fordista que se concentrava em um modelo de produção

em massa, visando grandes quantidades de estoque, mas sem preocupação com a

qualidade, muito menos com a diversidade do que se vendia. Nessa época, o

consumo de bens duráveis, até então de acesso restrito aos mais abastados, sofreu

um processo de democratização para outros níveis da sociedade. Entre 1959 e

1973, o consumo de bens duráveis progride 10,3% ao ano em volume (Lipovetsky,

2007).

Em 1955, no Brasil, o Serviço Central de Proteção ao Crédito (SCPC) foi

criado pela Associação Comercial de São Paulo (ACSP)4, época em que o varejo

ainda encontrava dificuldades para conceder crédito aos consumidores. O sistema

de informação na época, que se utilizava da catalogação em fichas, fazia demorar

dias para a liberação de créditos. A discussão, que foi iniciada por um grupo de

empresários de São Paulo, teve como resultado, posteriormente, a difusão do SCPC

4

(29)

28

em sistema nacional, atendendo aos interessados em facilitar o ato de compra aos

consumidores e ao mesmo tempo prover garantias ao comércio. Com investimentos

em sistemas de informatização, o que gerou maior acessibilidade aos dados dos

consumidores, a concessão de crédito impulsionou o ato de consumir. A facilidade

para o pagamento parcelado gerou outra dinâmica na relação entre varejistas e

consumidores, que mais confiantes em realizar compras a prazos e sem demoras,

podiam então satisfazer seus desejos de abundância.

Podemos destacar conjuntamente o perfil da geração que se enquadra dentro

desse ciclo, os chamados baby boomers. Eles são nomeados assim pela explosão

de natalidade que se deu no período pós-guerra, mais forte nos Estados Unidos,

Canadá e Austrália. Segundo Don Tapscott, professor da Universidade de Toronto,

no mundo todo, houve uma explosão demográfica ainda maior, com 81 milhões de

membros. Trata-se de uma geração que cresceu com a possibilidade de

desenvolver a sua própria cultura jovem, como o Rock’n’roll, cabelos compridos,

contestações sociais, roupas estranhas e novos estilos de vida propagados e

alimentados por novos veículos de comunicação em massa, como a televisão. Com

esse novo veículo, unindo-se ao rádio e à comunicação impressa, propagou-se mais

ainda a divulgação das marcas, com a vantagem de unir áudio e imagem em um

único transmissor.

No mesmo período os grandes hipermercados começam a surgir, a

diversificação de produtos torna-se comum e a diminuição no tempo de vida deles

também. Uma espécie de autosserviço, pois as pessoas não necessitam mais do

auxílio de vendedores. Em uma mesma loja os clientes podem disponibilizar de

diversos tipos de itens, desde bazar, alimentação e roupas. Daí emerge o consumo

relacionado à moda, já que os itens passam a ser renovados constantemente

visando seduzir o consumidor pelas inovações sequentes e pelo conforto material.

Além disso, no ciclo II a lógica da moda se instala de acordo com as categorias com

as quais o mercado passa a dividir a sociedade: faixa etária, escolaridade, renda,

etc. A efetivação de um sistema produtivo com base na concorrência e não mais no

consumidor, gera competitividade, diversidade e personalização das mercadorias.

Se antes o consumidor estava envolto em uma comunicação de massa, nesse

(30)

29

comunicativas. ‘Privatização dos modos de vida’, assim é definido o ciclo II por

Lipovetsky:

“Shopping compulsivo, febre dos objetos, escalada das necessidades,

profusão e esbanjamento espetacular: a fase II menos ordenou a

“programação burocrática do cotidiano” do que destradicionalizou a esfera

do consumo; ela menos criou um ambiente “climatizado” do que privatizou

os modos de vida”. (Lipovetsky, 2007, p.36)

No entanto, o fato de as empresas passarem a produzir com base na

concorrência, gera também a necessidade de conhecer o que o consumidor deseja

de você que o outro não oferece. Isso modificou a indústria que como um sistema

vivo passa a depender do consumidor, não mais o consumidor somente depende da

empresa. Com a democratização dos meios de comunicação também, o consumidor

deixou de ter apenas poder de barganha e passou a ter também poder de

informação.

Numa terceira fase, que se apresenta depois do fim dos anos 70, a era do

bem estar emocional se mostra presente. A partir desse estágio, a relevância não

mais é dada ao modo de acessibilidade aos bens de consumo, ou às finalidades

distintivas sociais, mas sim à democratização do bem-estar individual. Para o

consumidor, passa a valer o prazer associado ao consumo. Analisemos melhor esse

consumidor do ciclo III, partindo para a discussão dos valores do consumo.

1.2

A

I

MATERIALIDADE DO CONSUMO

CICLO III.

Ainda durante o início do período que caracterizava o pós-guerra, o ato de

consumir era visto por economistas e sociólogos como uma lógica de diferenciação

social. O objeto de desejo possuía mais valor pela sua representação social, pelo

seu reconhecimento e seu poder ostentatório, resumindo-se a um consumo por

(31)

30

força, é perceptível uma passagem dentre os ciclos, nos fazendo perceber que o

consumo de hoje envolve prazer, desejo, vontade, apetite, sem ainda assim deixar

de possuir inclinações ostentatórias.

A volatilidade do consumidor vem à tona com a diversidade de opções

oferecidas no mercado. Nesse ciclo, Lipovetsky aponta critérios de considerações

pessoais nas escolhas dos indivíduos, escolhas subjetivas e emocionais, com

finalidades de satisfação privada. Logicamente que o consumo demonstrativo não

deixa de existir, porém o consumo de ordem satisfatória faz com que este se

ofusque em determinadas ocasiões. Ao comprarmos, por exemplo, um pacote

turístico para as férias, não pensamos em exibi-lo na volta para os amigos e

familiares, mas sim em passar impressões da experiência que tivemos com tal

viagem, como uma experiência única que pode ter proporcionado prazer,

conhecimento, cultura, etc. Ao mesmo tempo, essa lógica não se restringe apenas a

venda de serviços, que por natureza são considerados bens intangíveis. Quando um

consumidor adquire um produto falsificado, como um celular de última geração, não

podemos reduzir sua aquisição a um mero ato de exibicionismo. Há por detrás a

intenção de poder experimentar algo novo, a tecnologia mais atual, que lhe

despertou curiosidade, e que provavelmente lhe fará trocar experiências com amigos

que também desfrutem de outros modelos iguais ou similares, é sentir-se inserido

em seu meio.

“Os bens mercantis funcionavam tendencialmente como símbolos de

status, agora eles aparecem cada vez mais como serviços à pessoa. Das

coisas, esperamos menos que nos classifiquem em relação aos outros e

mais que nos permitam ser mais independentes e mais móveis, sentir

sensações, viver experiências, melhorar nossa qualidade de vida, conservar

juventude e saúde. Naturalmente, as satisfações sociais diferenciais

permanecem, mas quase já não são mais que uma motivação entre muitas

outras, em um conjunto dominado pela busca das felicidades privadas”.

(Lipovetsky, 2007, p.42)

Com a democratização do desejo, cada vez mais os mercados vieram a

operar de forma customizada. A individualização do prazer de consumo exigiu do

mercado uma infinidade de opções e transformou os clientes em consumidores

(32)

31

hiperconsumo, estágio marcado pela oferta permanente de produtos em grande

escala. A partir de então, as lutas passaram a ser não mais de classes, mas de

indivíduos contra as empresas e seus direitos e indenizações. Uma vez que as

diferenças entre classes reduziram-se, o ato do consumir passou a representar-se

como objeto de desejo do indivíduo, não apenas com um ou outro objeto de desejo,

mas vários. As facilidades de crédito, herança da fase anterior, proporcionaram ao

sujeito menos abastado a possibilidade de consumir, ao menos em sua imaginação.

Dispor de supérfluos se torna desejo também de classes mais baixas.

E como explicar que com tanta diversidade no mercado, os consumidores

ainda prefiram as marcas mais conhecidas?

É curioso notar que desde sempre o nível social dos indivíduos se delimitava

ao que ele podia ou não consumir (de menor ou maior qualidade, de menor ou maior

preço, em menor ou maior quantidade), porém quando o desejo deste mesmo

indivíduo deixa de ter por finalidade sua diferenciação em seu meio e passa a exigir

determinado prazer em seu ato de consumo, esse passa a se relacionar com o valor

imaterial que o consumo lhe propõe.

“Consumo emocional: a ideia vai de vento em popa entre os teóricos

do marketing que louvam os méritos dos processos que permitem fazer com

que os consumidores vivam experiências afetivas, imaginárias e sensoriais.

Esse posicionamento tem hoje o nome de marketing sensorial ou

experiencial. Não é mais a hora da fria funcionalidade, mas da atratividade

sensível e emocional. Diferentemente do marketing tradicional, que

valorizava argumentos racionais e a dimensão funcional dos produtos,

muitas marcas agora jogam a carta da sensorialidade e do afetivo, das

“raízes” e da nostalgia (o “retromarketing”). (...) O sensitivo e o emocional

tornaram-se objetos de pesquisa de marketing destinados, de um lado, a

diferenciar as marcas no interior de um universo hiperconcorrente, do outro

lado, a prometer uma ”aventura sensitiva e emocional” ao hiperconsumidor

em busca de sensações variadas e de maior bem-estar sensível.”

(Lipovetsky, 2007, p.45)

Justamente, dado o consumo de ordem emocional, a relação do indivíduo

com o consumo se dobra sobre si mesmo. O fato de consumir para diferenciar-se do

(33)

32

da estrutura social, as redes de relações entre os indivíduos compartilham objetivos,

conhecimentos e interesses, influenciados por suas relações sociais, seus círculos

de conhecidos, o grau de reputação e pertencimento dentro da rede, gerando uma

troca de riquezas de ordem imaterial. O valor de uma marca, aquilo que gera

atratividade e significado para o cliente, é construído dentro de um contexto de

relacionamentos, as relações estabelecidas entre uma empresa, um produto e uma

comunidade criam valores para todas as partes interessadas. Ao analisarmos o que

um objeto falsificado pode representar como valor para seu dono, a visão suplanta o

fato de apenas ostentar, alcança a intenção do pertencimento, da troca de

experiência, do estabelecer relações.

Dessa forma, o consumo atual se desprende da questão do autêntico. O que

passa a se tornar relevante para o sujeito consumidor são as novidades, o mais, o

atual, aquilo que não o deixará sentir-se ultrapassado com relação à sua rede de

contatos, desde família, amigos, até colegas de trabalho. A autenticidade, a

durabilidade, e o fato de ser único se tornam atributos secundários na ordem do

consumo. O lançamento de hoje já parece ultrapassado para um consumidor

ansioso por novidades do amanhã.

1.3 C

ONSUMO NO OLHAR DA ECONOMIA

Juliet Schor, em seu livro Nascidos para Comprar (2009), nos mostra que o

olhar da economia sobre o consumo sempre esteve apoiado nos estudos sobre a

parte de renda e riqueza que é gasta pelos consumidores. Mas a natureza mesma

do consumo, o que motiva os indivíduos a consumir, o sentido cultural desse ato,

como as pessoas decidem quais produtos consumir, o papel da publicidade e do

marketing, a compra por impulso e o comportamento de consumo compulsivo são

algumas das questões que parecem ausentes dos estudos de economia. Ou seja, os

estudos sobre a renda dos indivíduos pareceu satisfazer os economistas mais do

que a forma como aplicam esse rendimento, a maneira como decidem consumir.

(34)

33

consumo ser entendido como exercido por agentes independentes, sem a influência

de outros indivíduos, portanto sem uma visão de interdependência nas decisões

individuais. As preferências de cada um seriam independentes daquelas de outros

atores. Ou seja, não há um papel social inscrito nas decisões individuais de

consumo, segundo os economistas clássicos. Mais um aspecto é a crença na

existência de qualidades inerentes de produtos e serviços, e como isso atende a

necessidades práticas dos indivíduos. Disso decorre a visão utilitarista do consumo,

sem referência às qualidades culturais, simbólicas e sociais daquilo que se

consome.

Mas o economista John Kenneth Galbraith parece destoar dessas posições,

e isso fica claro em seu livro The Affluent Society (1958). Nesse texto, Galbraith

levanta três aspectos que definiriam um novo raciocínio sobre o consumo: a) a

produção cria o desejo de consumo; b) a relação entre consumo e utilidade torna-se

fraca e até mesmo negativa; c) as pressões estruturais para o aumento de consumo

privado acabam desalojando a provisão de bens públicos. Em relação ao primeiro

aspecto, fica claro que Galbraith ataca a ideia de que as empresas têm melhor

desempenho conforme entendam como satisfazer o desejo dos consumidores. Ele

reverte essa posição, entendendo que a sociedade já teria chegado num ponto em

que suas necessidades básicas estariam relativamente satisfeitas, e que o aumento

do consumo agora se faz pela criação do desejo de consumo via o esforço de ações

de venda e marketing das corporações. Carros mais elegantes, roupas mais

sofisticadas, entretenimentos mais elaborados, são apenas alguns dentre os vários

exemplos de que o consumo está cada vez mais ligado a valores culturais que, por

sua vez, são diretamente produzidos pelas ações de publicidade das empresas.

Então a produção não se limita mais, ou não pode mais ser entendida como uma

fonte que supre as necessidades de bem estar material dos indivíduos. A relação

entre consumo e bem-estar parece ter sido quebrada.

Mas nos anos de 1980 emerge uma nova visão sobre o consumo e os

consumidores, que busca se opor a essa percepção de Galbraith (Douglas Holt,

2002). Os consumidores passam a ser vistos não mais como passivos diante das

ações de marketing que supostamente produziriam seus desejos, mas sim como

uma força que rejeita ativamente tais estratégias. O consumo passa a ser visto como

(35)

34

caracterizar-se pelo que consome. Nesse caso, ele interpreta e transforma os

produtos culturais segundo sua própria visão. Surge a ideia da força do consumidor

e sai de cena a crença de que os consumidores são manipulados. Mas se a

perspectiva de que o desejo de consumo é produzido for rejeitada, ela acaba dando

lugar a uma ideia mais complexa, a da insaciabilidade da demanda. E esse desejo

de consumir cada vez mais, acaba conduzindo o consumidor ao suposto lugar de

soberano, ao mesmo tempo em que coloca as empresas a seu serviço.

Claro que tal análise não deve se sustentar sem críticas, já que a suposta

força do consumidor não leva em conta sua incapacidade de escapar do consumo

como modo de vida. Quando Bourdieu, por exemplo, com seu conceito de capital

cultural aponta que não há consumo de nenhum produto, serviço ou atividade que

não esteja implicado num código de classe social, que caracteriza justamente o

regime possível de consumo de cada indivíduo, ele reforça que não se pode escapar

das posições de sua classe social do mesmo modo que não se pode recusar ser

parte do sistema de consumo. Mas não apenas a visão do capital cultural caminha

nessa direção. Também o conceito de capital social nos revela a interdependência

dos indivíduos em suas ações. Como afirma Costa:

“Os analistas estruturais de redes sociais dos anos de 1980

postulavam que os indivíduos decidem e agem em conformidade com a

estrutura social na qual estão enraizados. Esse enraizamento das ações

acarreta aspectos importantes na compreensão das condutas individuais,

como por exemplo contestar justamente a hipótese do homo oeconomicus,

um indivíduo abstrato que agiria segundo cálculos de custo e benefício em

função das redes que habita”. (Costa, 2011, p. 86)

O capital de rede social visa estabelecer uma relação de adesão emocional

dos indivíduos a um conjunto de procedimentos ou práticas, ou seja, busca entender

como as pessoas empregam seus recursos para poder alterar no limite as suas

decisões. As redes sociais refletem, portanto, o papel das relações sociais nas

escolhas, decisões e ações dos indivíduos, reforçando a perspectiva de Bourdieu de

(36)

35

1.4 O

DESEJO PELO IMATERIAL

A visão de Galbraith também encontra ressonância entre os teóricos

italianos que na década de 1990 cunharam o conceito de trabalho imaterial. Num

trabalho de pesquisa intitulado Le Bassin de Travail Immatériel dans la Métropole

Parisienne 5, desenvolvido no início dos anos 1990 e publicado em 1996 por Toni Negri, Maurizio Lazzarato e Antonella Corsani, consolida-se um conjunto significativo

de conceitos sobre o trabalho imaterial. Nessa pesquisa, ainda no começo desse

debate nos anos de 1990, os autores afirmam que o trabalho imaterial seria aquele

que produz, por exemplo, os programas de televisão, a moda, a transformação das

cidades, as mercadorias que consumimos, os jornais e revistas que lemos. Mais

fundamentalmente, ele produz a maneira de ver e sentir, de morar, de vestir, de

pensar e de consumir das pessoas. Ele produz as formas de vida e as

subjetividades de nossas sociedades. Essa produção de formas de vida e de

subjetividade teria consolidado os novos setores de acumulação capitalista:

A produção de subjetividade deve se tornar então, simultaneamente,

o conteúdo do trabalho e o resultado da atividade do trabalho imaterial. A

definição do trabalho imaterial, como trabalho que produz o conteúdo

cultural e informacional da mercadoria, começa portanto a se expressar

numa nova articulação, que tem como pivô ‘a produção de subjetividade’.

Há portanto uma relação específica entre o conteúdo do trabalho imaterial e

o conteúdo do produto imaterial. (p.42).

Negri, Lazzarato e Corsani (1996, p.82) entendem que o trabalho imaterial

se encontra no cruzamento de uma nova relação produção/consumo, do qual ele é a

interface. O trabalho imaterial ativaria e reorganizaria a relação produção/consumo,

já que ele dá forma às necessidades, ao imaginário, aos gostos do consumidor, ele

os materializa, e esses produtos tornam-se por sua vez produtores de necessidades,

de imaginários, de gostos. Os autores notam que não se trata aqui de necessidades

fisiológicas, mas “de gostos (moda), de operações intelectuais (produção de

5

(37)

36

softwares), de maneiras de ver (as imagens), de viver (transformação do território),

de pensar (jornalismo), de morar (a arquitetura), etc.” (p.82-83).

A ideia de ‘consumo pelo consumo’ teria então se tornado o motor da nova

produção do ‘excesso’ capitalista. Seria pelo consumo que se produziria o próprio

consumo, sua própria expansão. É consumindo o imaterial, que simbolizam as mais

variadas formas de vida, que se alimenta a necessidade de se consumir mais, e

portanto sua produção. O ‘consumo pelo consumo’ cria uma reestruturação/inovação

contínua dos produtos, das profissões e das formas de organização que parecem

desde então se autoproduzir. O produto, o consumidor e o trabalho imaterial estão

continuamente em vias de se fazer, evoluem sem cessar.

Essa discussão sobre a produção do desejo (ou da subjetividade) na

sociedade neocapitalista, se traduz portanto como invenção de gostos, de formas de

imaginar, de pensar e viver. Como lembra Guattari, “a subjetividade é produzida por

instâncias individuais, coletivas e institucionais. (...) Ela é plural, polifônica, e não

conhece nenhuma instância dominante de determinação que guie as outras

instâncias segundo uma causalidade unívoca” (Guattari, 1992, p. 11). Essa

produção de subjetividade seria, simultaneamente, a produção de novas formas de

consumo, que se diferenciam do consumo de simples bens materiais. Essa

produção de consumo, ao produzir o que será consumido na forma da comunicação,

da moda, dos estilos de vida, etc., acaba por realimentar a própria produção, no

sentido de que ela deve realizar as novas necessidades do consumo. A ênfase aqui

está na imaterialidade dos produtos, e portanto na sua associação com a própria

subjetividade que consome (não é o corpo que come, que veste, que passeia, mas

sim a subjetividade, o desejo).

Juntamente com a ‘civilização do desejo’ que foi construída ao longo da

segunda metade do século XX, as marcas foram adquirindo representações

diferentes na mente dos consumidores. O que antes era caracterizado apenas como

um símbolo de representação gráfica ou visual para expressar um nome, hoje

assumiu uma posição dinâmica de relações que envolvem desde o produtor, aquilo

que é produzido e quem o consome, criando um campo de valores para todos os

envolvidos. Para Lipovetsky (2007), o que caracteriza o consumidor ou

(38)

37 O hiperconsumidor não está mais apenas ávido de bem-estar

material, ele aparece como um solicitante exponencial de conforto psíquico,

de harmonia interior e de desabrochamento subjetivo, demonstrados pelo

florescimento das técnicas derivadas do desenvolvimento pessoal bem

como pelo sucesso das sabedorias orientais, das novas espiritualidades,

dos guias da felicidade e da sabedoria.(p.15).

A maneira de se desenvolver uma marca vem transformando as estratégias

de marketing e de comunicação, inventando novos instrumentos com vista à

conquista de mercados. Passamos de uma economia centrada na oferta a uma

economia centrada na procura. Contudo, os valores intangíveis de uma marca

abrem um campo de consumo que modifica a produção de desejo na sociedade,

desejos que expressam sua subjetividade. Entendemos aqui por subjetividade, mais

uma vez, tudo aquilo de ordem imaterial que é parte de um indivíduo, como suas

crenças, seus valores morais e religiosos, sua conduta ética, mas também seu

imaginário, suas fantasias, sonhos, os elementos que servem a sua capacidade

criativa etc. Quando mencionamos especificamente o desejo de consumo, falamos

então de uma parte dessa subjetividade que se expressa. Esse consumo pode ser

tanto de bens materiais quanto de bens imateriais. Mas o que estamos buscando

aqui é mostrar que mesmo quando se trata de bens materiais, é seu aspecto

imaterial que, em muitos casos, é desejado.

Ora, justamente, o mercado de falsificações age de modo a garantir a

oportunidade de grande parte dos consumidores satisfazerem seus desejos de

representação social e satisfação pessoal. No entanto, envoltos por tais

“promessas”, os consumidores já não conseguem distinguir entre aquilo que são

(39)

38

2.

O

CAPITALISMO INVENTA O FALSO

“Comercial de xampu Cerveja e celular Modelos para crer E Credicard A consumir a consumir A consumir o olhar O olhar”

Trecho extraído da canção Tevê de Zeca Baleiro

2.1

U

M MERCADO DE FALSAS EVIDÊNCIAS

Há um termo cunhado em economia, chamado de ‘paradoxo da pirataria’6,

dos professores de direito da Universidade de Califórnia, Kal Raustiala e Christopher

Sprigman. O termo é baseado no dilema que fundamenta a economia da moda. A

moda é um dos setores que permite analisar como a era moderna do consumo se

molda na democratização do acesso aos bens mercantis. Os acadêmicos se

baseiam na noção de que as réplicas ilegais podem auxiliar nas vendas dos itens

originais de consumo. A indústria da moda opera com itens de estação, peças

sazonais que são substituídas de tempos em tempos, de acordo com a passagem

das estações do ano, sem uma justificativa funcional de que aquele item esteja

defasado, atuando apenas na sua diferenciação visual para justificar tal troca. A

solução que o mercado encontra para as diferenciações entre os modelos de

estações se baseia justamente, segundo os professores, na estratégia da

‘obsolescência induzida’7. Réplicas dos modelos da estação são espalhadas pelo

mercado de massa, justificando assim que os consumidores mais exigentes

requisitem por modelos novos e exclusivos que os diferenciem dos outros

consumidores. Dessa forma, tanto o item original quanto sua réplica possuem

segmentos definidos, um fortalecendo o mercado do outro. Ainda assim, o preço do

autêntico determina o preço do produto falso, pois o prestígio e o alcance do original

6

Ver em http: <http//www.newyorker.com> 7

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