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PLANEJAMENTO TRIBUTÁRIO: UM ESTUDO PELA PERSPECTIVA DO CONSTRUCTIVISMO LÓGICO-SEMÂNTICO

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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC-SP

GIOVANI HERMÍNIO TOMÉ

PLANEJAMENTO TRIBUTÁRIO: UM ESTUDO PELA PERSPECTIVA DO CONSTRUCTIVISMO LÓGICO-SEMÂNTICO

MESTRADO EM DIREITO TRIBUTÁRIO

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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC-SP

GIOVANI HERMÍNIO TOMÉ

PLANEJAMENTO TRIBUTÁRIO: UM ESTUDO PELA PERSPECTIVA DO CONSTRUCTIVISMO LÓGICO-SEMÂNTICO

MESTRADO EM DIREITO TRIBUTÁRIO

Dissertação apresentada à Banca Examinadora como exigência parcial para a obtenção do título de Mestre em Direito Tributário pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, sob a orientação da Professora Doutora Clarice von Oertzen de Araujo.

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Banca Examinadora

___________________________________

___________________________________

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Dedico esta dissertação de mestrado à minha

mãe, MARLY DEL PADRE TOMÉ, a primeira e

mais importante professora que já terei; ao meu pai, HERMÍNIO TOMÉ, por toda confiança, credibilidade e empenho depositados; à minha irmã, FABIANA DEL PADRE TOMÉ, pela valiosa companhia e contribuição acadêmica; ao meu sobrinho, RENATO TOMÉ DATTERI, que, de certa forma, foi o grande responsável por minha permanência em São Paulo, e por todos os momentos agradáveis ao seu lado, nas horas mais difíceis de solidão; e ao HENRIQUE

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PLANEJAMENTO TRIBUTÁRIO: UM ESTUDO PELA PERSPECTIVA DO CONSTRUCTIVISMO LÓGICO-SEMÂNTICO

Giovani Hermínio Tomé

RESUMO: O objetivo desse estudo é colocar em evidência a autonomia do direito com relação a outras matérias tidas por correlatas. Para isso, partimos da premissa de que o direito positivo é estruturado em forma de sistema autônomo e que os elementos desse sistema são normas expressas por proposições hipotético-implicacionais. Iniciaremos tecendo algumas considerações sobre os pressupostos do constructivismo lógico-semântico, para, assim, fornecermos a base teórica de nossos estudos, demonstrando a estrutura e função da linguagem do direito positivo. Por esse caminho, fundados na operatividade do sistema jurídico, registramos nossas conclusões acerca da abrangência, limites e possibilidades de efetuar-se planejamento tributário, à luz do direito positivo vigente.

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TAX PLANNING: A STUDY BY THE LOGICAL SEMANTIC CONSTRUCTIVISM PERSPECTIVE

Giovani Hermínio Tomé

ABSTRACT: The objective of this study is to highlight the autonomy of law in relation to other matters taken by related. For this, we assumed that the positive law is structured in the form of autonomous system and the elements of this system are expressed by propositions made with hypothetical conditions. It starts by saying a few remarks about the assumptions of Logical Semantic Constructivism to provide a theoretical basis of our studies, demonstrating the structure and function of the language of positive law. In this way, based on the operability of the legal system, we record our conclusions about the scope, limits and possibilities of tax planning in light of the law in force.

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO ... 11

1 PRESSUPOSTOS DO CONSTRUCTIVISMO LÓGICO- SEMÂNTICO ... 14

1.1 Fundamentos de uma teoria ... 14

1.2 O caráter constitutivo da linguagem ... 16

1.3 Direito positivo e sua linguagem prescritiva ... 23

1.4 Unidades que compõem o sistema do direito posto ... 24

2 TEORIAS SOBRE A INCIDÊNCIA DA NORMA JURÍDICA: O MODO COMO NASCE O FATO JURÍDICO ... 27

2.1 Espécies normativas e a fenomenologia da incidência jurídica ... 27

2.2 Operatividade da incidência jurídica ... 28

2.3 Teoria declaratória ... 29

2.4 Teoria constitutiva ou constructivista ... 32

2.5 Efeitos da aplicação normativa: breve comparativo das teorias declaratória e constitutiva ... 34

2.6 Nosso ponto de vista acerca dos modelos de incidência ... 35

3 O SISTEMA CONSTITUCIONAL TRIBUTÁRIO ... 38

3.1 Noção de sistema ... 38

3.2 O sistema constitucional tributário ... 39

3.3 Competência tributária como limitadora da atuação do legislador e do aplicador ... 42

3.3.1 Definição de competência tributária ... 44

3.3.2 Limites postos pela competência tributária ... 47

3.3.3 Características da competência tributária ... 47

(9)

3.3.3.2 Privatividade ... 48

3.3.3.3 Indelegabilidade ... 49

3.3.3.4 Incaducabilidade ... 50

3.3.3.5 Inalterabilidade ... 51

3.3.3.6 Irrenunciabilidade ... 51

3.4 A regra-matriz de incidência como produto do exercício da competência tributária ... 52

3.4.1 Noções ... 53

3.4.2 Aspectos formadores do antecedente ... 54

3.4.3 O consequente e seus critérios ... 56

4 SEGURANÇA JURÍDICA E LEGALIDADE TRIBUTÁRIA ... 59

4.1 Princípio da segurança jurídica ... 59

4.1.1 O princípio da segurança jurídica e o direito tributário ... 60

4.2 Segurança jurídica e as presunções, ficções e indícios ... 62

4.3 Princípio da legalidade tributária ... 66

4.3.1 Fundamento constitucional ... 68

5 PLANEJAMENTO TRIBUTÁRIO ... 70

5.1 Planejamento tributário ... 70

5.2 Parágrafo único do artigo 116 do CTN ... 72

5.2.1 Elisão e evasão fiscal ... 74

5.3 Dissimulação de atos e negócios jurídicos ... 79

6 ATOS ILÍCITOS: SUA DETERMINAÇÃO E CONSEQUÊNCIAS NO DIREITO TRIBUTÁRIO ... 82

6.1 Ilicitude ... 82

6.2 Atos ilícitos em sentido estrito ... 83

6.3 Atos ilícitos em sentido lato ... 85

(10)

6.5 Ilícito tributário ... 86

6.5.1 Espécies de ilícitos tributários ... 87

6.5.1.1 Ilícito administrativo tributário ... 89

6.5.1.2 Ilícito penal tributário ... 90

6.5.2 Simulação no direito tributário ... 94

6.5.3 As figuras do “abuso de direito” e da “fraude à lei” no direito tributário ... 97

6.5.4 Definição de negócio indireto e os requisitos para sua configuração ... 102

7 O FATO JURÍDICO TRIBUTÁRIO ... 105

7.1 Evento, fato e fato jurídico ... 105

7.2 Evento, fato e a observação humana ... 107

7.3 “Fato jurídico” e as ambiguidades acerca da expressão ... 109

7.4 O fato jurídico tributário e seus efeitos normativos ... 111

8 CRÍTICAS À INTERPRETAÇÃO ECONÔMICA DO FATO JURÍDICO TRIBUTÁRIO ... 114

8.1 Autonomia e disciplina do direito: a impossibilidade de tradução entre idiomas, segundo a concepção de Vilém Flusser ... 114

8.2 Fato jurídico: delimitações e distinção quanto às demais modalidades de “fatos” ... 115

8.3 A interpretação econômica do fato jurídico tributário: anotações críticas ... 120

8.4 Propósito negocial: definição e injuridicidade do critério ... 127

9 NORMA GERAL ANTIELISIVA E O SISTEMA CONSTITUCIONAL BRASILEIRO ... 134

9.1 Sobre a norma geral antielisiva ... 134

(11)

9.2.1 Rígida repartição das competências tributárias ... 138

9.2.2 Legalidade tributária como obstáculo a normas antielisivas ... 141

9.2.3 Vedação ao emprego de analogia para exigência de tributo ... 142

9.3 Forma e conteúdo: impossibilidade de prevalecer um em relação ao outro ... 146

9.4 Alcance e limites ao planejamento tributário ... 148

CONCLUSÕES ... 151

REFERÊNCIAS ... 155

(12)

INTRODUÇÃO

Nosso objetivo, ao discorrermos sobre o planejamento tributário, é evidenciar a autonomia do direito com relação a outras matérias, tidas por correlatas, como é o caso da economia.

Para tanto, partimos de duas premissas, quais sejam: (i) que o direito positivo é estruturado em forma de sistema autônomo; e (ii) que os elementos de tais conjuntos são normas jurídicas expressas por proposições hipotético-implicacionais.

Necessário se faz informar, desde logo, que a interpretação de cada uma das palavras utilizadas para designar etapas ou procedimentos no contexto do planejamento tributário desencadeia um número interminável de confrontos na seara acadêmica. Dentre as polêmicas geradas pelo tema, destacamos aquela concernente à admissibilidade de elisão fiscal no ordenamento brasileiro. De um lado, há o entendimento de que um negócio jurídico praticado com o fim preponderante de economia de tributo pode ser desconsiderado pela autoridade fiscal. É o que se costuma denominar de “interpretação econômica do fato jurídico tributário”. Em contraponto, existe o entendimento de que a elisão é meio lícito de economia de tributos, com amparo na livre iniciativa, e com fundamento jurídico no princípio da legalidade. Para essa corrente, se não demonstrada a prática de atos ilícitos, o planejamento há de ser considerado pela autoridade fiscal, desencadeando os efeitos tributários que lhe são próprios.

Em vista de tais controvérsias, para conseguirmos realizar o isolamento analítico do tema proposto, fixaremos nossas atenções no exame pontual de determinados tópicos que consideramos relevantes para a compreensão do assunto, procurando, desse modo, estabelecer as premissas relevantes para tecermos conclusões coerentes.

(13)

nossos estudos, demonstrando a estrutura e função da linguagem do direito positivo.

O direito positivo se apresenta como objeto cultural, isto é, criado pelo homem, sendo construído em um universo de linguagem. Trata-se de um sistema autopoiético, autorregulando sua produção e transformação. Sua operatividade consiste na necessidade dos atos de fala para a incidência da norma, ou seja, da exigência do relato de uma autoridade competente, que deve ser expedido em conformidade com critérios pré-estabelecidos pelo próprio ordenamento jurídico. As próprias autoridades só podem ser assim consideradas quando o sistema do direito o determine, e dentro do campo autorizativo que lhe tenha sido atribuído.

Ao partirmos desse pressuposto, no Capítulo 1, trazemos à tona o caráter constitutivo da linguagem jurídico-positiva. Assim, o direito reconhece como real tão somente os fatos vertidos em linguagem admitida pelo ordenamento jurídico, em linguagem jurídica. A realidade social é constituída pela linguagem social, sobre a qual incide a linguagem prescritiva do direito positivo, juridicizando fatos e condutas, desenhando o campo da facticidade jurídica.

Em seguida, no Capítulo 2, discorreremos sobre a fenomenologia da incidência, contrapondo as principais correntes edificadas a respeito do tema e nos posicionando em relação a elas. Nossa concepção acerca da fenomenologia da incidência jurídico-normativa decorre do entendimento que firmamos acerca do caráter constitutivo da linguagem e será de grande importância para estabelecermos uma definição de fato jurídico tributário, a seguir tratada.

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Tudo isso é decorrência imediata do princípio da legalidade tributária, que examinamos no Capítulo 4. De nada adiantaria a rígida discriminação das competências tributárias se, ao aplicar a regra-matriz de incidência de determinada exação, a autoridade administrativa pudesse desprezar o aspecto semântico do objeto tributável, passando a fazer exigências conforme o efeito econômico desencadeado. Com tal atitude, passaríamos a um estado de evidente insegurança jurídica, tendo-se aumentados, também, os conflitos verificados entre as entidades tributantes.

Por esses motivos, entendemos necessária a delimitação do que seja “planejamento tributário”, explicitando, ainda, os caracteres distintivos da “elisão” e da “evasão fiscal” (Capítulo 5). E, como essas figuras diferenciam-se em virtude da licitude ou ilicitude das práticas que lhe dão suporte, efetuamos, no Capítulo 6, breve estudo acerca dos atos lícitos e dos atos ilícitos, dando ênfase aos ilícitos tributários e suas espécies.

Não poderíamos deixar de discorrer sobre o fato jurídico tributário. É no Capítulo 7 que empreendemos essa tarefa, evidenciando o modo de sua constituição no sistema do direito positivo brasileiro. Com suporte nas premissas adotadas e feita essa definição do conceito de fato jurídico tributário, passamos, no Capítulo 8, a tecer algumas críticas à chamada “interpretação econômica do fato jurídico tributário”, entendendo-a por inadmissível.

Finalmente, no Capítulo 9, conjugamos todos os elementos explicitados no desenvolvimento do trabalho, para, com suporte neles, examinar a possibilidade (ou não) de adotar-se norma geral antielisiva no ordenamento brasileiro.

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1 PRESSUPOSTOS DO CONSTRUCTIVISMO LÓGICO-SEMÂNTICO

1.1 Fundamentos de uma teoria

A teoria existe para se conhecer determinado objeto. Ao pensarmos o que vem a ser uma teoria, emerge em nosso juízo que seria uma reunião de informações que nos permitem reconhecer e entender determinada realidade. Dessa forma, podemos dizer que seria uma reunião, de forma organizada, de proposições versando sobre específico assunto, no intuito de dirimir as dúvidas preexistentes no objeto em estudo, tornando-o, gradativamente, mais acessível, fazendo com que possa vir a ser operado com maior eficiência.

Com isso surge outra indagação, no que diz respeito à suposta existência de distinção entre a teoria e a prática.

Habitualmente se distingue a teoria da prática, considerando ser esta (prática) a explicação da realidade pela forma que ela é apresentada, ao passo que aquela (teoria) seria uma reunião de informações visando ao esclarecimento de determinado assunto. Mas tal distinção não procede. Nesse sentido, aduz Ricardo Guibourg, para quem

[…] uma boa teoria serve para melhor interpretar a realidade e para guiar com maior eficácia a prática até os objetivos que esta tenha fixado. E uma boa prática é capaz de determinar os resultados para promover a revisão da teoria, de tal sorte que ambos os pólos do conhecimento se auxiliam reciprocamente para o avanço do

conjunto1.

Resumindo: a teoria explica a prática e a prática confirma a teoria. Porém, não podemos deixar de lado que ambas são fatores de um único objeto, sendo que, para alcançarmos o conhecimento, necessitamos do uso tanto da prática quanto da teoria.

(16)

Sobre o assunto, Paulo de Barros Carvalho, relembrando as lições de Pontes de Miranda, nos ensina que “[…] não há diferença entre teoria e prática, mas aquilo que existe é o conhecimento do objeto: ou se conhece o objeto ou não se conhece o objeto”2.

Inexiste prática sem teoria, nem tampouco teoria sem prática. Não há a possibilidade de conhecimento ou resolução de qualquer caso concreto sem que uma reunião de proposições o explique e nenhuma reunião de proposições explicativas sem a existência de uma concretude.

É inútil termos o conhecimento de uma teoria se não soubermos aplicá-la aos casos concretos, da mesma forma que não adianta termos um caso concreto se não possuirmos uma teoria para compreendê-lo. Em qualquer dessas situações será impossível o conhecimento do objeto. Ao arremate, o intuito de quem constrói uma teoria é o de fornecer informações que possibilitem seu conhecimento àqueles que com ele operam.

Levando-se em consideração o universo jurídico, a teoria do direito existe para conhecer o direito positivo. Essa teoria, que assume a forma de verdadeira ciência, é formada pela reunião de enunciados descritivos, dotados de precisão e ordenados de forma coesa, dizendo-nos o que é o direito positivo e possibilitando ao sujeito cognoscente identificar e compreender aquilo que denominamos de “realidade jurídica”. Por isso, o exame dos casos envolvendo discussões a respeito do planejamento tributário e da possibilidade (ou não) de descaracterização dos negócios jurídicos depende, necessariamente, da fixação de um sistema de referência teórico a respeito do ordenamento jurídico e sua operatividade.

2 CARVALHO, Paulo de Barros. Direito tributário: fundamentos jurídicos da incidência. 8. ed.

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1.2 O caráter constitutivo da linguagem

“Os limites da minha linguagem denotam os limites do meu mundo”3. A proposição descrita no enunciado dado vai ao encontro do quanto defendido pelos integrantes do Círculo de Viena.

A partir de tal proposição, Wittgenstein propõe que ao ser cognoscente só é dado conhecer o mundo por meio da linguagem.

Assim, em uma conversação, estando presentes todos os elementos comunicacionais, quais sejam, emissor, receptor, mensagem, canal, código e contexto (lembrando que existe corrente doutrinária que defende a existência de um sétimo elemento, a saber: a conexão psicológica4), a transferência da informação do emissor para o receptor dá-se por meio de linguagem, seja ela falada, escrita, por meio de gestos etc.

O mesmo se dá no cotejo entre o ser cognoscente e um estímulo da natureza, por exemplo, a visão de uma gaivota planando no céu. Ainda que o voo da gaivota (coisa em si) independa do ser cognoscente, a compreensão de tal ato deu-se e passou a existir na realidade social pela linguagem, pois o observador, ao presenciar tal evento, buscará nos escaninhos do seu cérebro informações sobre o que ora ele percebe por meio de estímulos, de modo que a constatação voo da gaivota, num dado lugar, num dado momento, procede-se pela linguagem.

Formulemos outro exemplo, para melhor elucidar nossa concepção de “mundo” e sua constituição pela linguagem. Admitindo-se que um dado observador tivesse ficado toda a sua vida em um quarto escuro, sem nenhum estímulo, nenhuma informação e, ainda, ao sair de tal catre, encontrasse a cena descrita no parágrafo anterior, faltar-lhe-ia linguagem para conhecer do voo da gaivota. Provavelmente, apenas fitaria o horizonte, sem distinguir onde termina a terra, onde se principia o firmamento.

3 WITTGENSTEIN, Ludwig Joseph Johann. Tractatus logico-philosophicus. Trad. Luis Henrique

Lopes dos Santos. São Paulo: EDUSP, 1994, proposição 5.6.

4 CARVALHO, Paulo de Barros. Direito tributário, linguagem e método. 3. ed. São Paulo:

(18)

Quanto mais ampla a linguagem do ser cognoscente, mais amplos e mais variados os objetos por ele cognoscíveis.

Nessa linha de raciocínio, aduz Umberto Eco sobre a relação entre linguagem e pensamento:

O nosso modo de ver, de subdividir em unidades, de compreender como sistema de relações a realidade física, é determinado pelas

leis (obviamente não universais!) da língua com que começamos a

pensar – e neste caso a língua não é aquilo através de que se pensa,

mas aquilo com que se pensa ou, precisamente, aquilo que nos

pensa ou pelo que somos pensados.5

Por causa das múltiplas possibilidades de utilização das palavras, possibilitam-se numerosas construções frásicas que a gramática de cada língua consegue compor, sendo que as regras sintáticas têm o caráter decisivo para o esclarecimento da específica função em que a linguagem está sendo empregada. Mas a decodificação da mensagem se dá, em grande parte, no plano pragmático da linguagem.

Queremos deixar bem claro que a linguagem exerce função constitutiva da realidade, visto que sem ela nada aparece ao sujeito cognoscente. Sobre o assunto, ilustrativa é a asserção feita por Charles Peirce: “Um fato é o tanto de realidade que é representado em uma simples proposição. Se uma proposição é verdadeira, aquilo que ela representa é um fato (CP 6.67).”6

Segundo esse autor, fatos são signos. Vejamos:

Novamente aqui, não é o uso da língua que procuramos aprender, mas qual deve ser a descrição do fato para que nossa divisão dos elementos dos fenômenos em categorias de qualidade, fato e lei possa não somente ser verdadeira, mas também ter o maior valor possível, sendo governada pelas mesmas características que dominam o mundo fenomenal. O primeiro requisito é apontar algo que deve ser excluído da categoria do fato, qual seja, o geral, e, com ele, o permanente ou eterno (pois permanência é uma espécie

5 ECO, Umberto. O signo. Lisboa: Editorial Presença, 1997, p. 111. (grifos do autor).

6 PEIRCE, Charles Sanders. Reasoning and the logic of things. Edited by Kennneth LaineKetner.

Cambridge, Massachusetts; London, England: Harvard University Press, 1992, p. 198. Tradução realizada por Maristela Sanches Bizarro (Programa de Estudos Pós-Graduados em Filosofia – PUC/SP). No original: “A fact is so much of the reality as is represented in a single proposition.

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da generalidade), e o condicional (que envolve igualmente a generalidade). A generalidade ou é do tipo negativo que pertence ao meramente potencial, como tal, e assim é peculiar à categoria da qualidade; ou é do tipo positivo que pertence à necessidade condicional, o que é peculiar à categoria da lei.

Essas exclusões reservam para a categoria do fato, em primeiro lugar, aquilo que os lógicos chamam de contingente, isto é, o acidentalmente real; e em segundo lugar, o que quer que envolva necessidade incondicional, isto é, a força sem lei ou razão, a força

bruta (CP 1.427).7

E ainda:

Entre as idéias familiares da lógica na qual o elemento de Secundidade é predominante, pode ser mencionada, em primeiro lugar, a concepção de um fato. A definição mais fácil de um Fato é que ele é um elemento abstrato do real, correspondendo a uma

proposição.8

Com efeito, fatos são proposições que indicam situações, delimitadas no tempo e no espaço. Somente com a presença linguística determinada os fatos se caracterizam como tal, quer se trate de fato social, político, econômico, jurídico, dentre outros.

Todavia, como a linguagem se presta para executar uma série de tarefas, elas podem ser distinguidas em razão da função que exercem na transmissão da mensagem entre emissor e receptor. Confiram-se algumas:

a) Linguagem descritiva (informativa, declarativa, indicativa, denotativa ou referencial) – é adequada para a transmissão de notícias ou para a transmissão do conhecimento (vulgar ou científico), apresentando um feixe de proposições afirmadas ou negadas, contendo em seus enunciados valores de verdade ou falsidade, estudadas pela Lógica Apofântica (Lógica Alética ou Lógica Clássica).

7 Tradução colhida em BACHA, Maria de Lourdes. A indução de Aristóteles a Peirce. São Paulo:

Legnar Informática & Editora Ltda., 2002, p. 284.

8 PEIRCE, Charles Sanders. The essential Peirce: selected-philosophical writings. v. 2. Edited by

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b) Linguagem expressiva de situações subjetivas – por ela o emissor exprime os seus sentimentos. As emoções do emissor estão evidentes na mensagem, transmitindo o mesmo sentimento para o receptor. É característica da poesia, não podendo subordinar-se aos critérios da verdade e falsidade, características da linguagem descritiva.

c) Linguagem prescritiva de condutas – tem como escopo passar ordens e comandos dirigidos aos comportamentos intersubjetivos e intrassubjetivos, implementando valores. Essas ordens têm a característica de expressar a validade ou não de sua mensagem. Ficam de fora os comportamentos necessários ou impossíveis. Sua linguagem é objeto da Lógica Deôntica (modais deônticos: “P”: permitido; “V”: proibido; e “O”: obrigatório).

d) Linguagem interrogativa ou linguagem das perguntas ou dos pedidos – é utilizada perante objetos ou situações em que há um desconhecimento ou quando pretende obter alguma ação de outro(s) indivíduo(s). Esta linguagem não se sujeita aos valores da lógica Clássica (verdadeiro ou falso), mas, sim, se a pergunta é pertinente ou não, adequada ou inadequada, própria ou imprópria.

e) Linguagem operativa ou performativa – é usada para concretizar uma específica ação. Esta linguagem é meio para se chegar a um determinado fim, concretizando-se situações.

f) Linguagem fática – é a linguagem introdutória da comunicação e que tem a capacidade de mantê-la, ou até mesmo de cortar o liame comunicacional. É muito usada nas atividades diárias, sendo também denominada “função cerimonial”. g) Linguagem propriamente persuasiva – tem um enorme e específico poder retórico e o escopo de convencer, persuadir, induzir e instigar as argumentações. Assume grande importância para o direito, pois é a característica do discurso judicial. A sua Lógica é a da argumentação (Lógica da Interpretação ou Lógica Dialógica voltada para a decisão).

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i) Linguagem fabuladora – é a linguagem que denomina a ficção ou hipótese. Integra os textos considerados fantasiosos ou fictícios, como fábulas, contos infantis, as novelas e as ficções jurídicas. Nessa linguagem, é suscetível aplicar-se os critérios de falsidade e de verdade, mas a verificação não importa para os fins dessa mensagem.

j) Linguagem que opera na função metalinguística – antes de terminar a mensagem o próprio emissor tem a necessidade de explicar a sua colocação, com o escopo de melhorar a sua mensagem. O foco é o próprio discurso.

Esses esclarecimentos sobre as funções da linguagem fazem-se necessários para que possamos identificar, no âmbito do sistema jurídico, sua composição.

A linguagem da Ciência do Direito apresenta-se na função descritiva, enunciando o modo pelo qual as normas jurídicas (seu objeto) se apresentam, sendo, portanto, metalinguagem em relação aos enunciados prescritivos. Neste ponto, porém, cabe registrar que, embora eminentemente descritiva, é construída pelo intérprete, o que não a isenta de certo grau de subjetividade.

O direito positivo, por seu turno, é constituído por linguagem que aparece na função prescritiva de condutas intersubjetivas.

Interessa-nos, para os fins deste trabalho, enfatizar que o direito positivo, exatamente por ter função prescritiva, não diz como as coisas são, mas prescrevem como devem ser. Assim, para que algo surja como “real” no sistema do direito positivo, esse algo precisa ser constituído em linguagem apropriada, qual seja, a linguagem do direito posto.

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Sobre as particularidades linguísticas, convém, ainda, destacar as principais formas de sua exteriorização. São elas:

a) Linguagem natural ou ordinária – é espontânea, sem limitações rígidas. O compromisso é com a comunicação, possuindo, assim, mais liberdade para com a formação sintática, porém problematizando na seara semântica e sendo fecunda na função pragmática.

b) Linguagem técnica – busca transmitir mensagens, de forma direta, mediante empregos de alguns termos científicos (terminologias de determinada Ciência) a um determinando nicho social.

c) Linguagem científica – discurso artificial que tem origem na linguagem comum, passando por um filtro, em que se substituem as locuções carregadas de imprecisões significativas por termos, na medida do possível, unívocos e com uma maior exatidão. É uma linguagem que tem em seu escopo a precisão dos termos, buscando a melhor compreensão da mensagem.

d) Linguagem filosófica – possui reflexões sobre a vida da criatura humana, sua evolução, tentando explicar o mundo. Está repleta de valores e terminologias próprias.

e) Linguagem formalizada – pretende abandonar as linguagens idiomáticas, evitando vícios provenientes da polissemia e vaguidade linguísticas. Possui uma estrutura rígida e bem organizada, de modo que, no plano semântico, tem apenas uma significação e, na seara pragmática, é bastante empobrecida.

f) Linguagem artística – revela valores estéticos, mediante projeto estrutural bem organizado, provocando certa sensibilidade quando há uma sintonia entre o espírito do leitor com o texto.

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Complementando nossas anotações sobre a linguagem do direito positivo, podemos qualificá-la como sendo do tipo técnica, que utiliza, em certa medida, termos da linguagem natural, conjugada a vocábulos próprios da linguagem científica. Essa composição tem por finalidade, como já dissemos, prescrever condutas intersubjetivas, para, mediante o relato apropriado, constituir a realidade jurídica.

Muito embora a heterogeneidade dos membros das casas legislativas acarrete grande imprecisão no discurso, com emprego de linguagem natural, seu discurso aproveita quantidade considerável de palavras e expressões pertinentes ao domínio das comunicações científicas9. Por conseguinte, presentes esses termos de cunho determinado, não cabe ao aplicador do direito desprezá-los.

Por isso mesmo, se o legislador prescreve a incidência de imposto municipal sobre a prestação de serviços (exceto os referidos no art. 155, II, da Constituição), o aplicador deve cingir-se ao âmbito semântico dessa locução, sendo-lhe vedada a exigência tributária sobre fatos que não se qualifiquem como tal. Ainda, se compete à União instituir e cobrar o imposto sobre a renda, somente na hipótese de verificado o correspondente acréscimo patrimonial é que se tem a possibilidade de tal exigência.

Aplicando tais noções ao planejamento tributário, evidenciamos a impossibilidade de atribuir-se efeitos tributários a negócio jurídico qualquer, ainda que sem previsão normativa, pelo simples fato de suas consequências econômicas serem semelhantes às de um fato tributável.

Cada linguagem se presta para constituir a realidade dentro do subsistema próprio. Assim é que a linguagem natural constitui a realidade social, a linguagem técnico-histórica (de caráter descritivo) constitui a realidade histórica, a linguagem econômica constitui a realidade econômica, a linguagem técnico-jurídica constitui a realidade no direito positivo e assim por diante.

9 CARVALHO, Paulo de Barros. Curso de direito tributário. 22. ed. São Paulo: Saraiva, 2010, p.

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1.3 Direito positivo e sua linguagem prescritiva

Ao estudarmos a linguagem do direito positivo, deparamo-nos com um conjunto de símbolos que são utilizados, de forma indispensável, à comunicação entre os seres humanos, possuidores de formas interpretativas particulares, consonantes com a função reguladora que o direito detém, ou seja, a linguagem prescritiva.

Seja nos discursos informativos, responsáveis pela transmissão do conhecimento, nos discursos que expressam situações subjetivas, como ocorre nas emoções, ou nas hipóteses de formulação de perguntas, que torna aparente a perplexidade do sujeito ao deparar-se com o que lhe é desconhecido, suas funções não se equivalem ao principal intuito do direito positivo, qual seja, a regulamentação das condutas intersubjetivas do ser humano, que tem como instrumento adequado a linguagem prescritiva de situações. Isto é, tem por finalidade a alteração das circunstâncias e como destinatário figura o homem e suas condutas perante a sociedade.

Versa a respeito do tema o memorável Professor Lourival Vilanova10, para quem “[…] altera-se o mundo físico mediante o trabalho e a tecnologia, que o potencia em resultados. E altera-se o mundo social mediante a linguagem das normas, uma classe da qual é a linguagem das normas do Direito”. Somente a linguagem das normas tem o condão de alterar as condutas humanas, cada qual nos limites da sua prescritividade. Assim ocorre, por exemplo, com as normas religiosas, as normas da moral, as normas de etiqueta, dentre outras, e o que nos interessa, as normas do direito positivo.

Diferem-se as normas do direito positivo pelo fato de virem acompanhadas do atributo da coercitividade. Essa prescritividade coercitiva incorpora todo o ordenamento de direito positivo, assegurando-lhe a regulamentação das condutas inerentes a cada ser humano.

10 VILANOVA, Lourival. As Estruturas lógicas e o Sistema de direito positivo. 4. ed. São

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É o direito positivo, por conseguinte, o instrumento apropriado para a regulação dos comportamentos intersubjetivos, com o caráter coercitivo que lhe é próprio. Somente suas prescrições, portanto, estão habilitadas a determinarem os fatos que se caracterizam como lícitos e os que configuram ilícitos, assim como aqueles que, na esfera tributária, implicam a instauração de vínculo obrigacional.

1.4 Unidades que compõem o sistema do direito posto

Ao versarmos sobre o direito positivo, referimo-nos a um sistema lógico-deôntico, formando um conjunto de proposições linguísticas voltado às condutas intersubjetivas. Não sendo suscetível de valoração em termos de verdade/falsidade (lógica apofântica), resta-lhe inaplicável o princípio da não contradição, motivo pelo qual o sistema do direito positivo comporta a existência de proposições contraditórias e lacunas, mas traz em si certa porção de racionalidade, que entendemos ser suficiente para lhe conceder foros de sistema empírico, haja vista o comprometimento que guarda com o universo social.

São as normas jurídicas que compõem o sistema de direito posto, os juízos hipotético-condicionais, em que se liga o antecedente normativo, descritor da norma, ao consequente normativo, prescritor do direito, sempre pela vinculação deôntica, o “dever ser”, em sua espécie neutra, ou seja, não modalizada.

H

F

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Dever ser neutro

C

(Sa

Rj Sp)

(26)

Essa estrutura normativa11 se aplica a todas as espécies de norma jurídica, quer sua hipótese represente o fato abstrata ou concretamente, quer o consequente indique uma relação de caráter geral ou individual.

Vale lembrar, ainda, que existem duas normas que deverão se ajustar, de forma respectiva, aos fenômenos da incidência jurídica, quais sejam: (i) norma geral e abstrata; e (ii) norma individual e concreta. Sendo a primeira uma norma, quase sempre, de construção, ou seja, nela são estatuídas as conotações, as notas indispensáveis para que os indivíduos pertençam ao conjunto, a relação de pertinencialidade é determinada de forma conotativa. Esse é o modo mais usual no direito positivo, pois não teriam fim as formações das classes, se houvesse a enumeração dos indivíduos ou das ações frente à inegostabilidade e irrepetitividade do real. A segunda, normas individuais e concretas, possui forma tabular, isto é, denotativa, individual a cada caso em concreto.

As unidades do direito positivo são, portanto, normas jurídicas, cuja estrutura é homogênea, embora variável o aspecto conteudístico (heterogeneidade semântica).

Nessa esteira, o fato, para integrar o sistema do direito positivo e desencadear os efeitos correspondentes, há de estar relatado mediante a linguagem normativa.

O enunciado fático é protocolar, corresponde a uma alteração individual que se passou no mundo fenomênico, plenamente determinada no espaço e no tempo. À denotação do evento ocorrido no mundo dos fenômenos, em linguagem apropriada, intitularemos de fato, seja ele um fato político, econômico, contábil, biológico, psicológico, histórico, jurídico etc. Na seara do direito positivo, equivale ao antecedente das normas individuais e concretas, sendo esse o objeto da discussão do presente trabalho.

O evento, entendido aqui como realidade social em sua concretude, para que projete seus efeitos no campo do direito, necessita ser transcrito em linguagem

11 “NJ” representa a norma jurídica, que é composta por uma hipótese (H) representativa de uma

(27)

competente, por um ser humano, isto é, por uma linguagem jurídica dotada de capacidade à constituição do antecedente normativo, e determinar o vínculo relacional existente entre os sujeitos de direito na esfera concreta e individual.

Neste ponto, necessário se faz esclarecer que, além da linguagem de cunho descritivo, indicativo ou declarativo, muito utilizadas para realizar a comunicação do dia a dia e nos textos científicos, também se faz possível a emissão de enunciados factuais em linguagem prescritiva, operativas ou em linguagem performativa. Deixando de lado a função, todos os enunciados deverão apresentar um quantum mínimo de referencialidade, visto que são formações linguísticas voltadas ao mundo da realidade fenomênica.

Além da boa formação sintática, do idioma, para que emirja um enunciado de cunho denotativo, é imprescindível a identificação da ocorrência no tempo e no espaço, obedecendo sempre à hipótese autorizadora, o antecedente normativo, previsto na norma geral e abstrata, de forma conotativa. Desse modo, os fatos serão, necessariamente, determinativos.

(28)

2 TEORIAS SOBRE A INCIDÊNCIA DA NORMA JURÍDICA: O MODO COMO NASCE O FATO JURÍDICO

2.1 Espécies normativas e a fenomenologia da incidência jurídica

Quando examinamos o sistema de direito positivo, identificamos variadas espécies de normas jurídicas, conforme o conteúdo do antecedente e do consequente normativo.

Quanto ao descritor da norma jurídica, esta pode ser classificada como “abstrata” ou “concreta”. As normas abstratas oferecem critérios para identificar fatos futuros, de possíveis ocorrências: são enunciados conotativos. As normas concretas, por seu turno, remetem a acontecimentos passados, a fatos já ocorridos, indicados de forma denotativa.

No que diz respeito ao prescritor da norma jurídica, a classificação pode ser em “geral” e “individual”. Uma norma jurídica é geral quando, no seu consequente, não se individualizam os sujeitos da relação, sendo dirigida a um conjunto indeterminado de destinatários. Na norma individual, diferentemente, os sujeitos da relação são especificados.

Com suporte nesses caracteres do antecedente e do consequente normativo, podemos fazer diversas combinações, encontrando normas (i) gerais e abstratas, (ii) gerais e concretas, (iii) individuais e abstratas ou (iv) individuais e concretas.

(29)

Eis o que entendemos por fenomenologia da incidência jurídico-normativa: o processo de positivação em que o intérprete, analisando a norma geral e abstrata, bem como os vestígios (linguagem) deixados pelo evento, efetua as operações lógicas de subsunção e implicação, realizando a aplicação do direito mediante a emissão de norma individual e concreta.

2.2 Operatividade da incidência jurídica

Se quisermos resumir o modo como se dá a operatividade do direito positivo, podemos dizer que a disciplina das condutas intersubjetivas depende da existência de normas gerais e abstratas, que indicam os critérios identificadores de um fato de possível ocorrência, bem como os elementos do vínculo que será instaurado se e quando o referido fato se verificar.

Essa previsão normativa, entretanto, não é suficiente. Necessário se faz que as estipulações abstratas e gerais ganhem concretude e individualidade, aproximando-se ao máximo das condutas humanas (ainda que não chegue a tocá-las).

Para que isso ocorra, há de se ter a presença de um fato que se subsuma à hipótese normativa, implicando o correspondente vínculo obrigacional. Mas ainda remanesce a indagação: como essa percussão jurídica ocorre? É ela automática e infalível em relação aos acontecimentos do mundo em si? Ou depende de alguma atuação humana?

Sobre o assunto, parece-nos indispensável ressaltar a ideia manifestada por Clarice von Oertzen de Araújo12:

Certamente a incidência é um processo que ocorre na esfera do pensamento, uma vez que envolve a interpretação das leis gerais e a apreciação sobre a adequação ou inadequação de um preceito legal para a regulação de um caso concreto. A incidência, sendo um processo que envolve subsunções, inclusões, predicações e

12 ARAÚJO, Clarice Von Oertzen. Incidência Jurídica: Teoria e Crítica. Tese (Livre-Docência

(30)

implicações, necessariamente envolverá o pensamento. Mas, no pensamento, “as palavras são o material semiótico”.

Com efeito, já podemos entrever a premente necessidade de conceitos para que a incidência se verifique. E, como não há conceitos sem linguagem, é impossível pensarmos na incidência sem uma manifestação linguística, perpetrada pelo intérprete e aplicador do direito.

Para melhor compreensão do assunto, vejamos alguns caracteres das duas principais correntes doutrinárias acerca da incidência tributária: (i) teoria declaratória ou determinista e (ii) teoria constitutiva ou constructivista.

2.3 Teoria declaratória ou determinista

Segundo a teoria tradicional da incidência da norma jurídica, a incidência ocorreria de forma automática e infalível, no plano factual. Acontecida, no plano fenomênico, a situação prevista na hipótese normativa já operaria a incidência, instalando-se o vínculo obrigacional.

Essa teoria se enquadra nos sistemas teóricos que não distinguem planos do direito positivo e realidade social. Se entendermos dessa maneira, será necessário concluir que a incidência é um fenômeno do mundo social. Assim, ela incidiria sozinha, por conta própria, sobre os eventos, no momento em que eles ocorrem, propagando consequências jurídicas independentemente de seu relato linguístico.

Então, primeiro a norma incidiria, fazendo com que o fato se tornasse um fato jurídico, fazendo nascer direitos e deveres. Depois, ela poderia ou não ser aplicada pelo homem. Incidência e aplicação se dariam em momentos distintos.

(31)

Pontes de Miranda, devido provavelmente à sua formação sociológica, procura conciliar o universo social e o universo jurídico, transitando livremente entre eles, como se fossem algo uno. Nesse sentido, anota:

O fato social é relação de adaptação (ato, combinação, fórmula) do

indivíduo à vida social, a uma, duas ou mais coletividades (círculos sociais) de que faça parte, ou adaptação destas ao indivíduo, ou entre si […].

As definições de fatos científicos correm o risco de ser ontológicas.

Definamos as relações, os processos; estarão, assim, definidos os

fatos. […].

Toda definição do fato religioso, moral, jurídico, econômico, artístico, político e até científico, que não aluda ao processo específico da adaptação que os caracteriza, cai inevitavelmente, em ontologismo […].

Por isso, a sociedade humana difere da animal: os processos

adaptativos não se efetuam somente entre atos, e sim também entre

pensamentos, porque os homens são seres pensantes.13

Com suporte nessas premissas, referido doutrinador, principal referência da teoria determinista da incidência tributária, conclui sobre a necessidade de uma realidade tangível que figure como objeto do conhecimento, o qual seria posterior a ela. Ao seu ver, o universo social preexiste, sendo a base de tudo e para tudo:

No imergir na sociedade, que preexiste a ele, deforma-se o

indivíduo; e como tal deformação se dá antes da formação do seu

caráter, o ente não social é que é abstrato, o deformado é que é

concreto e real […] as representações coletivas são apenas o nome, não sem vício de ontologismo, que se dá a fatos dos processos sociais de adaptação. […]

As sociedades são cognoscíveis, porque são reais, se bem que os

nossos sentidos não apanhem tudo que é social e tenhamos de procurar outros expedientes para conhecer realidades que não são perfeitamente coextensivas à nossa sensibilidade. A exploração dos fatos sociais obedece às leis da Lógica. Não são eles incomensuráveis com os outros fatos, nem escapam a medidas e

avaliações.14

13 PONTES DE MIRANDA, Francisco Cavalcanti. Introdução à Sociologia Geral. 2. ed. Rio de

Janeiro: Forense, 1980, p. 38-39. (grifos do autor).

(32)

Clarice von Oertzen de Araújo15, em aprofundado estudo sobre a obra de Pontes de Miranda, esclarece as ideias desse doutrinador sobre o conceito fundamental da incidência e a criação do mundo:

Pontes de Miranda desenvolveu um amplo modelo científico do mundo total, em que são sete os principais processos de adaptação social: a Religião, a Moral, a Arte, a Economia, a Política, a Ciência e o Direito. Dentre todos eles é o Direito o que confere maior estabilidade às relações sociais, em razão da qualidade das regras jurídicas, as quais, dentre os sete processos, são as únicas dotadas de força de incidência, em função da coercitividade que se lhes acrescenta. É em razão dessa força coativa que uma regra moral, política, econômica ou religiosa pode passar a ser jurídica, desde que tal migração se revele necessária para a evolução e a estabilidade social.

Justamente ao refutar a principal objeção oposta à realidade do Direito é que Pontes de Miranda recorre a argumentos que em muito se assemelham à conhecida máxima pragmaticista de Peirce. São palavras do jurista: “Circunscrever a realidade ao que é existencialmente determinado, criada e mantida a distinção

determinação essencial e determinação existencial, é definir

arbitrariamente o existente, e a propósito outras muitas distinções seriam possíveis, porque não se tomou por ponto de partida a

ciência. Demais, por-se-ia a questão do concreto em termos

aflitivos, hamléticos: ser ou não ser, quando, pela informação da

Epistemologia e da Filosofia científica, há graus de concreção,

pois que o relacional o supõe e o comprova”. […]

Ninguém nunca viu uma relação jurídica. É a maior argüição

contra a realidade do fenômeno jurídico. Mas é digna da meditação dos sábios: parte de quem desconhece a Filosofia e a Ciência. Os resultados das relações jurídicas, vemo-los todos os dias: a prisão do assassino, a penhora dos bens do devedor e outros tantos fatos da vida ordinária. Há muitas outras relações de ordem universal que nunca vimos. Não queiramos considerar os nossos sentidos o juiz da existência do mundo.

Em razão desses pressupostos sociológicos, Pontes de Miranda vê a possibilidade de uma incidência que tome por base a realidade social, ainda não vertida em linguagem jurídica (evento). E a aplicação, que lhe seria posterior, tão somente serviria como formalizadora de algo que já aconteceu, exercendo função declaratória do fato e do vínculo obrigacional supostamente preexistentes.

15 ARAÚJO, Clarice Von Oertzen. Incidência Jurídica: Teoria e Crítica. Tese (Livre-Docência

(33)

Para melhor compreensão dessa teoria, podemos assim esquematizá-la: incidência = momento da ocorrência do evento;

incidência aplicação; e

aplicação é posterior = o ato do ser humano é meramente declaratório. Segundo essa corrente, conhecida como teoria tradicional da incidência da norma jurídica, a norma cai como um raio sobre todos os acontecimentos constantes na norma, qualificando-os como jurídicos e estabelecendo as consequências. Dessa forma, os direitos e deveres jurídicos nascem automaticamente, tão logo tenha ocorrido o evento descrito na hipótese normativa.

2.4 Teoria constitutiva ou constructivista

Para o constructivismo lógico-semântico, o direito positivo e a realidade social pertencem a dois planos distintos.

O plano do direito positivo, que é o conjunto das normas jurídicas válidas num território em determinado momento, possui uma linguagem própria, que não se confunde com a da realidade social. O sistema do direito positivo só permite a entrada, em seu campo, de fatos sociais quando estes forem descritos no seu código (lícito/ilícito), sendo relatados na linguagem competente, que é a manifestação do direito positivo16. Ou seja, o fato social não ingressa no universo jurídico: só fato jurídico passa a integrá-lo.

Assim, um fato do mundo social, também denominado “evento”, só passa a ser jurídico se for introduzido no direito positivo, qualificando-se como fato jurídico. Somente a este último (fato jurídico) se atribuem as consequências previstas no ordenamento, não bastando, para tanto, a mera concretização do evento.

Como visto no Capítulo 1, as normas jurídicas de direito positivo são dotadas de uma linguagem que lhes serve de veículo de expressão. Mas não é só

16 TOMÉ, Fabiana Del Padre. A prova no direito tributário. 2. ed. São Paulo: Noeses, 2008, p.

(34)

isso: essa linguagem que lhe é própria constitui a própria realidade jurídica. No direito, só é real o que for jurídico.

O fato jurídico só surge com o relato de uma autoridade competente, um ato do ser humano, enunciando a ocorrência do fato social, pois para o mundo jurídico o que importa é essa constatação do agente. O simples fato social não tem o condão de alterar o mundo jurídico.

Para que haja o fato jurídico e a relação entre os sujeitos de direito (sujeito ativo e sujeito passivo), é necessária uma linguagem que relate não apenas o evento ocorrido, mas também que estabeleça o vínculo jurídico entre os dois sujeitos de direito, o que se dá no âmbito da norma individual e concreta, mediante o seguinte esquema implicacional:

D [ F

(Sa R Sp)]

Tanto o relato fático (F) como a relação jurídica (R) entre sujeito ativo (Sa) e sujeito passivo (Sp) são abrangidos pelo functor deôntico neutro (D), indicando a juridicidade da proposição como um todo, assim como de quaisquer de seus elementos, sendo imprescindível, portanto, que o enunciado seja vertido na linguagem prescritiva própria, especificada pelo próprio sistema do direito positivo. Se os fatos ocorridos no mundo social não estiverem presentes na norma individual e concreta, não poderão ser considerados como fatos jurídicos, não ensejando direitos e deveres.

Esse é o motivo pelo qual, para que ocorra a incidência, é preciso o ato do ser humano, com linguagem competente, como se dá, por exemplo, no lançamento tributário.

Segundo as lições de Paulo de Barros Carvalho17, relativamente ao exame das relações jurídicas como efeitos da positivação, conclui:

Não há relação jurídica sem expressão de linguagem e, em qualquer ramo do direito, as modificações que lhe forem introduzidas provirão de outras manifestações lingüísticas, formuladas de acordo com o padrão hierárquico vigente. Nessa

17 CARVALHO, Paulo de Barros. Direito tributário: fundamentos jurídicos da incidência. 8. ed.

(35)

linha de raciocínio, a derradeira transformação do vínculo, também advirá numa camada de linguagem, o que nos permite concluir que as relações jurídicas e entre elas, as de cunho tributário, nascem, vivem e desaparecem no plano das construções comunicativas, mais precisamente, no estrato da linguagem jurídica competente.

A aplicação cria a realidade jurídica: cria o fato jurídico e cria a relação jurídica. É, como já dizia Vilém Flusser18, a linguagem criando e propagando a realidade.

Sintetizando, temos: incidência = aplicação; a língua cria a realidade; aplicação é constitutiva; e aplicação cria a realidade.

Por essa corrente, a incidência não é automática e infalível em relação ao evento. Apenas se relatado o fato é que ocorrerá a incidência, podendo afirmar-se que ela é automática e infalível em relação ao fato, já devidamente juridicizado. Relatado o fato, mediante a linguagem jurídica apropriada, tem-se a incidência e o surgimento da obrigação correspondente.

2.5 Efeitos da aplicação normativa: breve comparativo das teorias declaratória e constitutiva

Os efeitos da aplicação no campo do direito positivo variam conforme a teoria adotada.

(i) Teoria declaratória

Se adotarmos a teoria da incidência automática e infalível em relação ao evento, o ato de aplicação vai ser considerado meramente declaratório, pois apenas

(36)

relataria a existência de uma relação jurídica já constituída e de um fato já juridicizado.

(ii) Teoria constitutiva

Para essa teoria, o fato só existe juridicamente quando relatado em linguagem competente e só a partir desse instante que se instaura qualquer vínculo jurídico entre os sujeitos de direito.

A mera ocorrência do evento não gera nenhuma consequência no mundo jurídico.

Assim sendo, o ato do agente competente que relata o evento não é meramente declaratório, mas, sim, constitutivo. Antes desse relato nada existia no mundo jurídico. Ter-se-ia somente o fato social, o evento, a relação social, mas nada haveria sido introduzido no plano jurídico.

Nessa teoria, não existem atos meramente declaratórios. Todo ato de um agente competente é constitutivo de uma realidade jurídica. Disso decorre a relevância da distinção entre evento e fato, que será examinada no Capítulo VII. Somente se estivermos diante de um fato jurídico, assim entendido o relato perpetrado pela autoridade e na forma prevista pelo ordenamento, poderemos falar de eficácia jurídica e, por conseguinte, da instauração do vínculo obrigacional.

2.6 Nosso ponto de vista acerca dos modelos de incidência

(37)

expedição na norma individual e concreta, sendo o fato e a relação constituídos pela linguagem do direito positivo, exarada no átimo da aplicação normativa.

Um acontecimento da realidade fenomênica é apreendido pelos sentidos, de modo que o ser humano, interpretando-o, verifica seu enquadramento, de forma completa, na situação prevista na hipótese da regra jurídica, caracterizando a subsunção. Com isso, propalam-se os efeitos previstos na consequência da regra jurídica, instaurando a relação prescrita pelo ordenamento.

Nesse contexto, a linguagem do direito positivo projeta e incide sobre o campo material das condutas intersubjetivas, objetivando organizá-las deonticamente.

Por isso é que, segundo a concepção que adotamos, as normas não incidem por força própria, tendo em vista que é primordial a figura do ser humano realizando a subsunção e promovendo a implicação que o preceito normativo determina. Nessa linha de raciocínio, a incidência somente ocorre quando o evento adquire expressão em linguagem competente, constituindo-se o fato, estando sujeito à interpretação realizada pelo observador, já que a regra jurídica incide sobre parte da realidade.

A influência do observador é de extrema importância na adoção dessa teoria, tendo em vista que a incidência não ocorre de forma automática e infalível, mas cada observador apreende uma parte do objeto dinâmico, em conformidade à sua experiência colateral e ao seu repertório, e sobre essa parte apreendida é que o ser humano irá fazer a subsunção da norma e promover a implicação a que o preceito normativo determina.

Nesse sentido, cabe citarmos as considerações de Paulo de Barros Carvalho, com as quais concordamos, ao afirmar:

(38)

fatos previstos no suposto da norma geral e abstrata; outra, a segunda, de implicação, porquanto a fórmula normativa prescreve que o antecedente implica a tese, vale dizer, o fato concreto, ocorrido, faz surgir uma relação jurídica também determinada, entre dois ou mais sujeitos de direito. […] é importante dizer que não se dará a incidência se não houver um ser humano fazendo a subsunção e promovendo a implicação que o preceito normativo

determina. As normas não incidem por força própria.19

Portanto, a incidência, para nós, significa uma sequência de processos, em que ocorre a percussão da norma sobre os fatos jurídicos e não sobre os meros eventos. A incidência concretiza-se, desse modo, com a subsunção do fato à norma, devidamente relatado em linguagem jurídica, desencadeando os efeitos obrigacionais. Nessa medida, ocorre a incidência sobre a representação da realidade e não diretamente sobre o objeto. Por mais esse motivo, discordamos da concepção da teoria declaratória, que afirma que a incidência não é hipotética, mas, sim, é certa, automática e infalível, devido à incidência da regra jurídica sobre um suporte fático tido por suficiente.

19 CARVALHO, Paulo de Barros. Direito tributário: fundamentos jurídicos da incidência. 8. ed.

(39)

3 O SISTEMA CONSTITUCIONAL TRIBUTÁRIO

3.1 Noção de sistema

Temos por sistema o conjunto de elementos que possuem uma ou mais características identificáveis em todos eles. Entretanto, para que consideremos um grupo de elementos como sistema, esse agrupamento deve manter um mínimo de organização estrutural. É o que diz Norberto Bobbio, ao afirmar que sistema é um “[…] conjunto de entes entre os quais existe uma certa ordem”20.

O direito positivo preenche essa característica de sistema, de modo que, para estar inserido em seu conjunto de elementos, todo comando deve ser adequado ao formato de norma jurídica. O sistema do direito positivo é formado por normas jurídicas que se relacionam em critérios de coordenação e subordinação, formando o corpo de linguagem coercitiva voltado a regular condutas intersubjetivas. Apesar de possuírem conteúdo heterogêneo, referente ao aspecto semântico da linguagem do direito, sua estrutura é idêntica em todas as normas: D(H C), que diz respeito ao aspecto sintático dessa mesma linguagem, significando o vínculo implicacional entre uma previsão fática hipotética (H) e a respectiva consequência de caráter relacional (C), postos em caráter deôntico (D).

Além do aspecto sintático característico ao direito, não podemos deixar de lado seu caráter coercitivo, visto que às normas cabe a função de prescrever condutas, impostas, em caso de descumprimento, mediante coerção Estatal. Em caso de inobservância das normas primárias, tem lugar a aplicação da norma secundária, a qual estabelece uma providência sancionatória, realizada pelo Estado-Juiz. Convém esclarecer, contudo, que, conforme leciona Lourival Vilanova21, “As

20 BOBBIO, Norberto. Teoria do ordenamento jurídico. São Paulo: Polis; Brasília: Universidade

de Brasília, 1989, p. 71.

21 VILANOVA, Lourival. As Estruturas lógicas e o Sistema de direito positivo. 4. ed. São

(40)

denominações adjetivas ‘primária’ e ‘secundária’ não exprimem relações de ordem temporal ou causal, mas de antecedente lógico para conseqüente lógico”.

Tanto a norma primária como a secundária apresentam aquela estrutura lógica mínima a que referimos acima. E o sistema normativo compõe-se exatamente da conjugação da totalidade das normas jurídicas válidas em determinado momento e espaço, relacionadas em coordenação e subordinação. Por isso, não há como conhecer a estrutura completa do direito sem que se saiba como seus componentes se apresentam e como se relacionam. Tácio Lacerda Gama22, seguindo essa linha, afirma que “[…] falar em ‘sistema’ é falar na totalidade de elementos reunidos por uma característica comum e organizados de acordo com certos padrões”.

Semelhante é a concepção de Roque Antonio Carrazza23: “Sistema, pois, é uma reunião ordenada de várias partes que formam um todo, de tal sorte que elas se sustentam mutuamente e as últimas explicam-se pelas primeiras.”

A composição sintática do direito positivo é homogênea, garantida por suas unidades, chamadas normas jurídicas. E é exatamente essa característica que confere ao direito positivo o atributo de sistema.

3.2 O sistema constitucional tributário

Para nos aproximarmos um pouco mais do tema central de nossa exposição, faz-se necessário tratar da definição do conceito do direito positivo, que para nós é o conjunto de normas válidas, especialmente elaboradas com o intuito de regular as condutas humanas intersubjetivas, num determinado território e momento. Paulo de Barros Carvalho24, nessa mesma esteira, define o direito positivo por “complexo de normas válidas num determinado país”.

22 GAMA, Tácio Lacerda. Competência tributária: fundamentos para uma teoria da nulidade.

São Paulo: Noeses, 2009, p. 120.

23 CARRAZZA, Roque Antonio. Curso de Direito Constitucional Tributário. 26. ed. São

Paulo: Saraiva, 2010, p. 27.

24 CARVALHO, Paulo de Barros. Direito tributário, linguagem e método. 3. ed. São Paulo:

(41)

Geraldo Ataliba25, ao tratar da ontologia do direito, é claro ao afirmar que, “[…] essencialmente, em última análise, reduzido o objeto à sua mais simples estrutura, o direito não é senão um conjunto de normas (conjunto este a que se convencionou designar sistema jurídico, ordenação jurídica)”.

Essa proposta de conceito de direito positivo não se coaduna com nenhuma divisão do sistema normativo, a não ser a meramente didática. Isso porque, para a devida compreensão dos textos jurídicos e sua interpretação, faz-se necessária a totalidade dos textos normativos. Isso, em virtude de que a aplicação de uma norma depende da conjugação desta com outras normas, e essa somatória de normas se submete à atenção dos princípios basilares do direito (que também são normas jurídicas), tomando por ponto de partida a Constituição da República, que é o fundamento último de validade das normas jurídicas.

É justamente essa a conclusão de Roque Antonio Carrazza26, ao afirmar: “[…] todos os artigos da Lei Maior só encontram sua real dimensão se conjugados com os princípios magnos de nosso sistema constitucional.” Desse modo, não se pode afirmar que os princípios constitucionais, por exemplo, se dirijam a uma parcela das normas, mas não às outras, garantindo ao direito a característica de unidade.

Seguindo a linha de raciocínio que vimos traçando, podemos afirmar ser o sistema constitucional tributário formado pelo conjunto de normas jurídicas de caráter constitucional, voltadas à tributação de modo geral, seja estabelecendo limites e características da tributação, com normas que definam competências ou imunidades, por exemplo, seja estabelecendo a estrutura política e administrativa do Estado, a que alude Leandro Paulsen27.

Tais premissas são imprescindíveis para o deslinde da questão posta neste trabalho, pois evidencia a impossibilidade de o legislador infraconstitucional

25 ATALIBA, Geraldo. Sistema tributário constitucional brasileiro. São Paulo: Revista dos

Tribunais, 1968, p. 87.

26 CARRAZZA, Roque Antonio. Curso de Direito Constitucional Tributário. 26. ed. São

Paulo: Saraiva, 2010, p. 30.

27 PAULSEN, Leandro. Direito Tributário, Constituição e Código Tributário Nacional à Luz

(42)

estabelecer obrigações tributárias que não encontrem suporte na Constituição da República. Do mesmo modo, impede que sua atuação apresente-se como limitadora da autonomia privada e negocial.

Nessa linha de raciocínio, ao discorrer sobre a liberdade de o particular exercer suas atividades e firmar negócios jurídicos, Alberto Xavier28 entende ser inconstitucional qualquer investida normativa de ordem infraconstitucional, fora dos limites determinados pelo artigo 170 da Carta Magna:

Daqui deriva que, se ao legislador ordinário é lícito introduzir restrições à liberdade econômica, com base em qualquer dos fundamentos do art. 170, já lhe é estritamente vedado introduzir tais restrições que não tenham sólida âncora num dos fundamentos típicos enunciados do artigo 170.

Ora, gravíssimas restrições introduzidas por cláusula antielisiva à liberdade de contratar, ou seja, de exercício dos direitos civis porque se traduzem as liberdades econômicas, não têm nenhum outro fundamento que não seja uma estrita motivação fiscal.

Em contrapartida, Heleno Tôrres29 admite a possibilidade da ingerência estatal na seara da autonomia privada, no que diz respeito à aplicação da norma tributária, devendo, para tanto, que se processe caso a caso e não via regime geral de tributação:

E o que dizer sobre a possibilidade de intervenção estatal em negócios jurídicos por razões estritamente tributárias por equiparações e desconsiderações, visando a obter facilidades arrecadatórias ou de controle sobre a situação dos contribuintes? Considerando tudo o quanto foi mencionado acima, não assiste qualquer razão ao Estado criar, por lei específica, intervenção nos atos negociais, desconsiderando-os para efeitos fiscais ou equiparando-os a figuras incomparáveis, em termos de regime jurídico (comissão com representação ou contrato de agência) sem uma justificativa motivada pela necessidade de identificação de capacidade contributiva (subjetiva omitida). Ou seja, somente se pode justificar como medida subsidiária, para fins de fiscalização, caso a caso, mas nunca como regime geral amplo, condicionador de

todo o domínio dosnegócios jurídicos.

28 XAVIER, Alberto. Tipicidade da Tributação, Simulação e Norma Antielisiva. São Paulo:

Dialética, 2001, p. 121.

29 TÔRRES, Heleno Taveira. Direito Tributário e Direito Privado: autonomia privada,

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