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O ACESSO À JUSTIÇA COMO LIMITE À REFORMA CONSTITUCIONAL: A inconstitucionalidade da Emenda Constitucional 95/2016

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Revista Científica da FASETE 2018.2| 159

O ACESSO À JUSTIÇA COMO LIMITE À REFORMA CONSTITUCIONAL:

A inconstitucionalidade da Emenda Constitucional 95/2016

Emílio José Alves Mendes Especialista em Gestão Pública pela Faculdade São Luís de França – FSLS. Bacharel em Estatística pela Universidade Federal de Sergipe – UFS. Graduando em Direito pela Universidade Tiradentes – UNIT.

Servidor Público na Justiça Federal em Sergipe. E-mail: emilio.mendes@jfse.jus.br

Tatiana de Carvalho Socorro Professora do curso de Direito da Universidade Tiradentes – UNIT.

Doutora em Família na Sociedade Contemporânea – UCSal.

E-mail: tatiana.carvalho@souunit.com.br

RESUMO

A Emenda constitucional nº 95/2016, aprovada em 15 de dezembro de 2016, alterou o texto constitucional para incluir dispositivos no Ato das Disposições Constitucionais Transitórias (ADCT) que estabelecem limites orçamentários aos investimentos necessários à manutenção e expansão dos serviços públicos, nos próximos 20 (vinte) anos. Este ajuste transitório da despesa pública primária, denominado Novo Regime Fiscal, mitiga o adequado funcionamento do sistema de Administração de Justiça, provocando uma arbitrária redução no nível de proteção e eficácia dos direitos e garantias fundamentais. O presente trabalho baseia-se numa pesquisa bibliográfica, de caráter descritivo e exploratório, que tem como objetivo analisar se a Emenda nº 95/2016 tende a abolir, ainda que indiretamente, o direito fundamental de Acesso à Justiça, padecendo o seu texto de vício de inconstitucionalidade material, por afronta à cláusula pétrea insculpida no art. 60, §4º, inciso IV, da Constituição. O estudo permite compreender a inconstitucionalidade material de um ajuste fiscal imposto pelo Poder Executivo, que a despeito de manter o controle da dívida pública, sacrifica o mais básico e instrumental dos direitos fundamentais elencados na Carta de 1988 – o Acesso à Justiça. Ao final do trabalho, aportam-se importantes reflexões ao leitor no sentido de ampliar-se o debate democrático em torno das escolhas políticas que serviram de manto à aprovação da Emenda.

Palavras-chave: Emenda Constitucional. Direito Fundamental. Acesso à Justiça. Cláusula Pétrea. Inconstitucionalidade.

ABSTRACT

The Constitutional Amendment No 95/2016, approved on December 15, 2016,

has altered the constitutional text to include dispositives to the Law of Transitory

Constitutional Dispositions (ADCT) that establish monetary limits to the

investments necessary to the maintenance and expansion of the public services

in the next twenty years. The transitory adjustment of the primary public

expenses, called New Tax Regime, mitigates the proper functionality of the

Justice Administration system, causing an arbitrary reduction on the level of

protection and efficiency of the fundamental rights and warranties. This paper is

based on a bibliographical research of descriptive and exploratory character that

aims to analyze if the Amendment No 95/2016 tends to abolish, even if

indirectly, the fundamental right of access to justice, once its text suffers from

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material unconstitutionality vices for affronting the stony clause inscribed in the art. 60, §4th, subsection IV of the Constitution. This research allows to understand the material unconstitutionality of a Tax Adjustment imposed by the executive power that, in spite of keeping the control of the public debt, sacrifices the most basic and instrumental of the fundamental rights listed in the Constitution of 1988: the Access to Justice. At the end of this work, important reflections are pointed to the reader in what regards the expansion of the democratic debate around the political choices that served as foundation to the approval of the amendment.

Keywords: Constitutional amendment. Access to Justice. Stony Clause.

Unconstitutionality.

1 INTRODUÇÃO

O contingenciamento do gasto público agravado pela crise econômica instalada no País nos últimos anos serviu como principal argumento para que o Poder Executivo conseguisse aprovar, após intensos debates no Congresso Nacional, a Emenda Constitucional nº 95/2016, por meio da qual foram acrescentados dispositivos transitórios ao texto constitucional, limitando o aumento da despesa pública primária de todos os órgãos da União, por um período de 20 (vinte) exercícios financeiros.

Dessa forma, o Novo Regime Fiscal criou limites orçamentários individualizados que vinculam o crescimento da despesa pública à variação inflacionária registrada no período destinado à sua vigência, provocando a falência dos investimentos necessários ao correto funcionamento do Sistema de Administração de Justiça no âmbito federal.

No atual cenário de vigência da norma, o artigo traça um estudo exploratório e descrito dos limites orçamentários impostos no texto reformador, e tem como objetivo geral analisar a inconstitucionalidade material dos dispositivos da Emenda nº 95/2016 que tendem a abolir o direito fundamental de Acesso à Justiça, resultado da violação à cláusula pétrea insculpida no art. 60, §4º, inciso IV, da Lei Maior

109

.

Em linhas gerais, o primeiro capítulo procura conceituar o Acesso à Justiça, delimitando seu papel instrumentalizador na efetivação dos direitos fundamentais assegurados pela

109Art. 60. A Constituição poderá ser emendada mediante proposta: [...] § 4º Não será objeto de deliberação a proposta de emenda tendente a abolir: [...] IV - os direitos e garantias individuais.

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Constituição, ao passo que o segundo capítulo aborda os principais impactos do ajuste fiscal no funcionamento dos órgãos encarregados da administração do sistema de justiça do país; e por fim, no terceiro capítulo, discute-se a atual possibilidade do Supremo Tribunal Federal (STF) declarar a inconstitucionalidade da Emenda nº 95/2016 por meio do julgamento das Ações Diretas de Inconstitucionalidade (ADI) já ajuizadas naquela Corte.

2 O ACESSO À JUSTIÇA E A EFETIVIDADE DOS DIREITOS E GARANTIAS FUNDAMENTAIS

O Acesso à Justiça é expressão de difícil definição, mas que serve para determinar as finalidades básicas do sistema jurídico pelo qual as pessoas podem reivindicar direitos e resolver litígios, de forma igualmente acessível, sob os auspícios do Estado, assegurando-se resultados individual e socialmente justos.

Inicialmente, Cappelletti e Garth (1998) consideraram a ideia do acesso efetivo à justiça como direito procedimental, o mais básico dos direitos humanos de um sistema jurídico moderno e igualitário que pretende garantir, e não apenas proclamar, os direitos de todos.

Em seguida, tais autores analisaram a gradual evolução deste direito por meio de um fenômeno que designaram como Ondas de Acesso à Justiça: à primeira Onda, corresponderia a necessidade de solucionar conflitos jurídicos; seguir-se-ia, então, a segunda Onda, voltada para a defesa dos direitos coletivos ou difusos; e por fim, naquela que seria a última Onda, o Acesso à Justiça passou a ser visto sob a ótica de novas alternativas de instituições e procedimentos para os tribunais e modelos até então existentes.

Como componente deste gradual mecanismo evolutivo destacam-se os direitos sociais: alvos

de constantes litígios em ações constitucionais, não escaparam da compreensão do Acesso à

Justiça como fenômeno necessário à solução de conflitos jurídicos, muito embora se conceda a

ideia de justiça como “justiça social”, ou seja, como “a maneira pela qual as instituições sociais

mais importantes distribuem direitos e deveres fundamentais e determinam a divisão de

vantagens provenientes da cooperação social” (RAWLS, 2002, p. 7).

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Dessa forma, não obstante o papel da implementação do Estado Social que se dá por meio da jurisdição, Tavares (2017) observa que também há casos, necessariamente previstos no texto Constitucional, nos quais a jurisdição é exercida por órgãos que estão fora da estrutura do próprio Poder Judiciário, e cita como exemplos, o caso do julgamento de impeachment, realizado pelo Poder Legislativo, ou da jurisdição administrativa, na qual uma decisão preclusa ou que está inviabilizada de ser revista judicialmente, ante a prescrição, assume o papel de definitiva.

É revelador, portanto, o papel assumido pelo Acesso à Justiça como autêntico direito fundamental no âmbito dos Poderes constituídos, de modo que a plenitude de seus efeitos está fora da esfera de disponibilidade dos agentes públicos, que estão adstritos a outorgar-lhe o máximo de eficácia possível.

Dessa maneira, guindou-se o Acesso à Justiça à condição de direito fundamental cujo papel é preservar a estabilidade do sistema político através de instrumentos formais de luta que têm no princípio da dignidade humana seu principal fundamento. Sua concretização depende de uma política eficaz que assegure a cada pessoa a possibilidade real e efetiva de não ser prejudicada na defesa de seus direitos e interesses legítimos, não obstante a insuficiência de recursos econômicos para custear as despesas inerentes ao funcionamento da máquina estatal.

Assim, tendo o Acesso à Justiça assumido o seu papel viabilizador na efetivação de direitos, fala-se, nas palavras de Bonifácio (2004), em um acesso-garantia, segundo o qual o Estado deve disponibilizar meios estruturais e econômicos que legitimam o sacrifício de direitos fundamentais por meio de um processo materialmente justo. E nesta senda, muitos são os obstáculos para garantir a efetividade deste acesso, sendo necessário, portanto, identificá-los e superá-los, já que “justiça não se confunde com legalidade. Por isso, o acesso à ordem jurídica justa funda-se na dignidade da pessoa humana; e, as limitações ao acesso são todas aquelas que agridem essa dignidade” (NETO, 2008, p. 55).

Desponta desta reflexão inicial a necessidade de analisar se a aprovação de uma medida

legislativa reformadora do texto constitucional, mais precisamente a Emenda Constitucional nº

95/2016, violou cláusula pétrea e padece de vício de inconstitucionalidade material por ter

alijado a sociedade do seu direito fundamental de Acesso à Justiça.

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Dessa forma, a abordagem teórica a ser desenvolvida no próximo tópico trará, como ponto de partida, os limites orçamentários impostos à despesa pública primária e os impactos na manutenção dos serviços públicos que se relacionam ao funcionamento do sistema de administração de justiça do país.

3 IMPACTOS DO NOVO REGIME FISCAL NO ACESSO À JUSTIÇA

Antes de perquirir acerca dos principais os obstáculos de matriz orçamentária trazidos no texto da Emenda nº 95/2016, cumpre destacar que a Constituição de 1988 atribui relativa autonomia financeira e orçamentária ao Poder Judiciário no momento de optar e decidir suas prioridades de investimentos e gastos. Neste sentido, prevê o artigo 99, parágrafo primeiro, que “Os tribunais elaborarão suas propostas orçamentárias dentro dos limites estipulados conjuntamente com os demais Poderes na lei de diretrizes orçamentárias” (BRASIL, 1988).

Não fosse somente esta relativa autonomia financeira e orçamentária inerente ao Poder Judiciário, a situação agrava-se pela ausência de sensibilidade dos demais Poderes frente às necessidades do sistema de administração da justiça, já que a atividade judicante não oferece retorno direto aos cofres públicos, tampouco dividendos políticos aos dirigentes de outro Poder (NETO, 2008).

A estes óbices que são próprios da elaboração da peça orçamentária, acrescenta-se o impacto do Novo Regime Fiscal adotado pela Emenda nº 95/2016, o qual promoveu limites incrementais na autonomia financeira dos órgãos encarregados de garantir o acesso à ordem jurídica justa.

Entrementes, a equipe econômica do Governo Federal responsável pela elaboração da proposta da Emenda em comento idealizou neste Novo Regime Fiscal um ajuste a médio e longo prazo capaz de reverter a trajetória de aumento do gasto público, de modo a possibilitar a retomada da confiança dos agentes econômicos, a diminuição das pressões inflacionárias e, por fim, o crescimento econômico do país.

Fortes nestes argumentos de salvaguarda da política econômica, a Emenda nº 95/2016 foi

discutida e aprovada pelo Congresso Nacional, em 15 de dezembro de 2016. Em síntese, o seu

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texto acrescentou dispositivos ao Ato das Disposições Constitucionais Transitórias

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(ADCT) estabelecendo limites à despesa primária no âmbito dos orçamentos fiscal e da seguridade social da União, pelo período de 20 (vinte) exercícios financeiros, a partir do exercício financeiro de 2016.

Nessa sistemática, o Novo Regime Fiscal estabeleceu que, em 2017, os limites mencionados fossem equivalentes à despesa primária paga no exercício de 2016, corrigida em 7,2% (sete inteiros e dois décimos por cento); e nos exercícios posteriores a 2017, ao valor do limite referente ao exercício imediatamente anterior, no caso 2016, corrigido pela variação do Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA), ou de outro índice que vier a substituí-lo

111

.

Depreende-se das disposições mencionadas, a impossibilidade de aumento das despesas reais do governo acima da meta da inflação prevista, de modo que os limites ora fixados desconsideraram os contingenciamentos das demandas sociais que serão originadas com o crescimento demográfico do país nos próximos 20 (vinte) anos.

Não fosse somente isso, a Emenda nº 95/2016 prevê, ainda, diversas sanções de ordem orçamentárias aos órgãos e Poderes da União que extrapolarem os limites definidos pelo Novo Regime, limitando investimentos necessários à manutenção e expansão dos serviços públicos, incorporação de novas tecnologias, aumentos de remuneração, contratação de pessoal, reestruturação de carreiras, e realização de concursos públicos

112

.

110 Art. 106. Fica instituído o Novo Regime Fiscal no âmbito dos Orçamentos Fiscal e da Seguridade Social da União, que vigorará por vinte exercícios financeiros, nos termos dos arts. 107 a 114 deste Ato das Disposições Constitucionais Transitórias.

111 § 1º Cada um dos limites a que se refere o caput deste artigo equivalerá:

I - para o exercício de 2017, à despesa primária paga no exercício de 2016, incluídos os restos a pagar pagos e demais operações que afetam o resultado primário, corrigida em 7,2% (sete inteiros e dois décimos por cento); e II - para os exercícios posteriores, ao valor do limite referente ao exercício imediatamente anterior, corrigido pela variação do Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo - IPCA, publicado pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística, ou de outro índice que vier a substituí-lo, para o período de doze meses encerrado em junho do exercício anterior a que se refere a lei orçamentária.

112 Art. 109. No caso de descumprimento de limite individualizado, aplicam-se, até o final do exercício de retorno das despesas aos respectivos limites, ao Poder Executivo ou a órgão elencado nos incisos II a V do caput do art.

107 deste Ato das Disposições Constitucionais Transitórias que o descumpriu, sem prejuízo de outras medidas, as seguintes vedações:

I - concessão, a qualquer título, de vantagem, aumento, reajuste ou adequação de remuneração de membros de Poder ou de órgão, de servidores e empregados públicos e militares, exceto dos derivados de sentença judicial transitada em julgado ou de determinação legal decorrente de atos anteriores à entrada em vigor desta Emenda Constitucional;

II - criação de cargo, emprego ou função que implique aumento de despesa;

III - alteração de estrutura de carreira que implique aumento de despesa;

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Noutro giro, o Novo Regime não impõe limites à despesa necessária ao pagamento dos juros e à amortização da dívida pública, o que levou Macário e Rocha (2017) a criticarem a transitoriedade de um ajuste fiscal que garroteia verbas destinadas aos serviços de interesse da população, destinando recursos para o pagamento de juros da dívida, os quais constituem a verdadeira origem do déficit orçamentário brasileiro.

Desse modo, os limites orçamentários impostos pela Emenda nº 95/2016 colocaram o Poder Judiciário e as demais instituições encarregadas do Acesso à Justiça num estado de hibernação funcional, interrompendo o fluxo dos recursos necessários à continuidade e à evolução dos serviços públicos no âmbito federal, pelas próximas 02 (duas) décadas.

Disto resultará que o Sistema de Justiça suportará importante diminuição na sua estrutura e capacidade de funcionamento, com prejuízos ao atendimento da litigiosidade crescente, mormente pela ausência de recursos necessários à reposição de seu quadro de pessoal e realização de concursos públicos.

Por fim, é forçoso constatar que a impossibilidade de crescimento real da despesa primária do país, admitida sua correção apenas por índices inflacionários, além de desconsiderar o real crescimento econômico do país nos próximos 20 (vinte) anos, alija toda a sociedade do acesso à ordem jurídica justa, e, por conseguinte, do pleno exercício dos direitos e garantias fundamentais assegurados no texto originário da Carta de 1988.

Definido o caráter prejudicial entre as regras adotadas pela Emenda nº 95/2016 e o aspecto instrumentalizador do Acesso à Justiça, o próximo tópico dedica-se à análise da inconstitucionalidade do texto reformador, considerando a atuação jurisdicional do Supremo Tribunal Federal (STF), por meio do controle concentrado de constitucionalidade, exercido através da Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI).

IV - admissão ou contratação de pessoal, a qualquer título, ressalvadas as reposições de cargos de chefia e de direção que não acarretem aumento de despesa e aquelas decorrentes de vacâncias de cargos efetivos ou vitalícios;

V - realização de concurso público, exceto para as reposições de vacâncias previstas no inciso IV;

VI - criação ou majoração de auxílios, vantagens, bônus, abonos, verbas de representação ou benefícios de qualquer natureza em favor de membros de Poder, do Ministério Público ou da Defensoria Pública e de servidores e empregados públicos e militares;

VII - criação de despesa obrigatória; e

VIII - adoção de medida que implique reajuste de despesa obrigatória acima da variação da inflação, observada a preservação do poder aquisitivo referida no inciso IV do caput do art. 7º da Constituição Federal.

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4 CONTROLE CONCENTRADO DE CONSTITUCIONALIDADE: o caso da Emenda Constitucional nº 95/2016

O controle de constitucionalidade no Brasil é atividade desenvolvida no âmbito dos três Poderes, como “corolário lógico da supremacia constitucional, seu instrumento necessário, o requisito para que a superioridade constitucional não se transforme em preceito moralmente platônico” (HORTA, 2003, p. 132).

Esta atuação corretiva, sob a responsabilidade do Poder Judiciário, é exercida na via direta e tem por objeto, além de outros atos normativos, o controle concentrado de constitucionalidade das Emendas Constitucionais. Ao asseverar a possibilidade de efetivação deste controle, Barroso (2016) revela os limites materiais a que se sujeita o texto reformador, de modo que há

conteúdos que não podem ser objeto de deliberação por força de interdições constitucionais denominadas cláusulas pétreas.

Partindo desse pressuposto, o STF fixou orientação jurisprudencial quanto à possibilidade de controle concentrado de Emendas Constitucionais, já sob a égide da Constituição Federal de 1988, registrando-se como leading case o julgamento da Ação Direta de Inconstitucionalidade ADI nº 939-DF, que apreciou a instituição do Imposto Provisório sobre Movimentação Financeira (IPMF) pela Emenda Constitucional nº 3/1993, em julgado assim ementado:

EMENTA: DIREITO CONSTITUCIONAL E TRIBUTÁRIO. AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE DE EMENDA CONSTITUCIONAL E DE LEI COMPLEMENTAR. I.P.M.F. IMPOSTO PROVISORIO SOBRE A MOVIMENTAÇÃO OU A TRANSMISSÃO DE VALORES E DE CRÉDITOS E DIREITOS DE NATUREZA FINANCEIRA - I.P.M.F. ARTIGOS 5., PAR. 2., 60, PAR. 4., INCISOS I E IV, 150, INCISOS III, "B", E VI, "A",

"B", "C" E "D", DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL.

1. Uma Emenda Constitucional, emanada, portanto, de Constituinte derivada, incidindo em violação a Constituição originaria, pode ser declarada inconstitucional, pelo Supremo Tribunal Federal, cuja função precipua e de guarda da Constituição (art. 102, I, "a", da C.F.). [...]

(STF - ADI 939, Relator(a): Min. SYDNEY SANCHES, Tribunal Pleno, julgado em 15/12/1993, DJ 18-03-1994 PP-05165 EMENT VOL-01737-02 PP-00160 RTJ VOL-00151-03 PP-00755).

Admitida a possibilidade de submeter ao crivo do STF o julgamento das Ações Diretas de

Inconstitucionalidade (ADI´s) em face do exercício do poder reformador, passa-se à análise do

vício material que inquina o texto da Emenda nº 95/2016, consubstanciado na violação do

direito fundamental de Acesso à Justiça. Destaca-se, para tanto, a cláusula pétrea constante do

Art. 60, §4º, inciso IV, da Constituição Federal, que proíbe a deliberação de proposta de

Emenda tendente a abolir, ainda que remotamente, direitos e garantias individuais.

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Neste sentido, a validez e eficácia do Poder Reformador estão condicionadas à legitimação que tenham recebido da ordem constitucional originária. Logo, ao considerar o caráter fundamental do Acesso à Justiça na efetivação dos direitos e garantias constitucionalmente assegurados, é evidente afirmar que as limitações orçamentárias instituídas pela Emenda nº 95/2016 afiguram- se materialmente inconstitucionais, já que promovem a falência das instituições encarregadas de assegurar o acesso à ordem jurídica justa em todo o país.

Há, portanto, na edição do texto reformador uma arbitrária redução do nível de proteção e no âmbito de operatividade dos direitos fundamentais, transmudada no aniquilamento umbilical das faculdades garantidas através do sistema de Acesso à Justiça, o que demanda o controle da jurisdição constitucional sobre a validade e idoneidade da solução orçamentária trazida ao ordenamento jurídico pela Emenda aprovada.

Por esta razão, a Emenda nº 95/2016 é considerada uma medida legislativa que tende a reduzir parâmetros mínimos indispensáveis à garantia da dignidade humana, em nítida afronta à cláusula pétrea insculpida no art. 60, §4º, inciso IV, da Carta de 1988, devendo por isso ser extirpada do ordenamento jurídico, pois “o Estado social não é norma nem sistema de normas;

é direito e sistema de direitos; é direito social tendo a justiça por sinônimo e os princípios por fundamento” (BONAVIDES, 2008, p. 228).

Nesse trilhar, constitucionalidade do texto reformador já foi objeto de controle preventivo durante o processo deliberativo de sua proposta, por meio do ajuizamento da Ação de Mandado de Segurança (MS) nº 34.448, impetrada pela Deputada Federal Jandira Feghali e outros deputados federais do Partido Comunista do Brasil (PCdoB) e do Partido dos Trabalhadores (PT).

Naquela ocasião, ao apreciar a questão, o Ministro Luís Roberto Barroso, relator do recurso no

STF, proferiu decisão indeferindo a cautelar pleiteada, por considerar que o controle preventivo

de constitucionalidade, especialmente no tocante à tramitação de proposta de Emenda à

Constituição, deve resguardar inequívoca excepcionalidade, reservando ao Congresso Nacional

a competência para os debates públicos acerca das escolhas políticas que envolvessem as

possíveis mudanças no texto constitucional, em julgado assim ementado:

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Revista Científica da FASETE 2018.2| 168 EMENTA: DIREITO CONSTITUCIONAL. PROCESSO LEGISLATIVO. MANDADO DE SEGURANÇA. PROPOSTA DE EMENDA CONSTITUCIONAL. NOVO REGIME FISCAL.

PEDIDO DE SUSTAÇÃO DA TRAMITAÇÃO, POR VIOLAÇÃO DE CLÁUSULA PÉTREA. 1.

O controle de constitucionalidade de emendas constitucionais tem caráter excepcional e exige inequívoca afronta a alguma cláusula pétrea da Constituição. Mais excepcional ainda é o controle preventivo de constitucionalidade, visando a impedir a própria tramitação de proposta de emenda constitucional. 2. O Congresso Nacional, funcionando como poder constituinte reformador, é a instância própria para os debates públicos acerca das escolhas políticas a serem feitas pelo Estado e pela sociedade brasileira, e que envolvam mudanças do texto constitucional. Salvo hipóteses extremas, não deve o Judiciário coibir a discussão de qualquer matéria de interesse nacional. [...]

(MS 34448 MC, Relator(a): Min. ROBERTO BARROSO, julgado em 10/10/2016, publicado em PROCESSO ELETRÔNICO DJe-218 DIVULG 11/10/2016 PUBLIC 13/10/2016).

Atualmente, após a aprovação do seu texto, a constitucionalidade da Emenda nº 95/2016 é questionada por meio de 04 (quatro) Ações Diretas de Inconstitucionalidade (ADI´s) em trâmite no Supremo Tribunal Federal (STF): a ADI nº 5633, ajuizada em litisconsórcio ativo pela Associação dos Magistrados Brasileiros (AMB), Associação Nacional dos Magistrados da Justiça do Trabalho (ANAMATRA) e Associação dos Juízes Federais do Brasil (AJUFE); a ADI nº 5680, ajuizada pelo Partido Socialismo e Liberdade (P-SOL); a ADI nº 5658, ajuizada pelo Partido Democrático Trabalhista (PDT); e a ADI nº 5643, ajuizada pela Federação Nacional dos Servidores e Empregados Públicos Estaduais e do Distrito Federal (FENASEPE)

113

.

Sem data prevista julgamento, a importância do debate acerca da constitucionalidade da reforma levou diversos órgãos e entidades da sociedade civil a requererem o ingresso nestas demandas, a exemplo da Defensoria Pública da União, do Instituto Campanha Nacional pelo Direito à Educação e da Associação Nacional de Pesquisa em Financiamento em Educação, da Sociedade Brasileira de Bioética, entre outros.

Neste sentido, há uma enorme expectativa da sociedade brasileira pelo julgamento definitivo destas ações, mormente porque o STF apreciará a constitucionalidade de uma reforma que prioriza o ajuste fiscal e o adimplemento da dívida pública em detrimento de princípios fundamentais que orientam o Estado Democrático de Direito.

113 Processos ainda pendentes de julgamento no Supremo Tribunal Federal (STF). Informação atualizada até 12/08/2018, conforme consulta ao andamento processual realizada no sítio eletrônico do Tribunal, disponível em www.stf.jus.br.

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5 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Tendo em vista que as principais considerações acerca da violação ao Acesso à Justiça como pressuposto à inconstitucionalidade da Emenda nº 95/2016 já foram exaustivamente delineadas, impõe-se a finalização do trabalho com as conclusões da problemática estudada, sua contribuição ao leitor e algumas limitações da pesquisa.

Assim, é forçoso concluir que o direito fundamental de Acesso à Justiça é indispensável ao pleno exercício das liberdades humanas fundamentais, cabendo ao Estado assegurar todos os meios estruturais e econômicos necessários ao pleno funcionamento dos órgãos encarregados do promover a cidadania através do acesso igualitário e universal ao sistema de Administração da Justiça.

Por certo, esta prerrogativa estatal tem seu principal fundamento constitucional no princípio da dignidade da pessoa humana, de forma que as limitações orçamentárias instituídas pela Emenda Constitucional nº 95/2016 travestem-se de legítima agressão ao Estado Democrático de Direito e aos direitos assegurados pelo Texto Maior.

Assim é que, demonstrada a inconstitucionalidade da Emenda nº 95/2016 por violação ao disposto no art. 60, §4º, inciso IV, da Constituição, o estudo oferece salutar contribuição no sentido de revelar o real propósito de uma política de ajuste fiscal que sacrifica o mais básico e instrumental dos direitos fundamentais – o Acesso à Justiça.

Por certo, não se nega a necessidade do Brasil buscar soluções para o déficit da despesa primária no atual cenário de crise econômica que o país vivencia, no entanto o posicionamento do STF acerca da inconstitucionalidade da Emenda nº 95/2016 por certo não colocará um fim no cerne da discussão envolvendo a efetivação dos direitos fundamentais e as escolhas políticas de índole neoliberais que serviram de manto à aprovação do ajuste fiscal.

Nesta ordem de ideias, o estudo aporta um novo enfoque no amplo debate político e social que

se formou em torno das alterações legislativas introduzidas pelo Novo Regime, contribuindo,

de modo objetivo, na salvaguarda da Constituição de um programa político econômico que

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pretende oxigenar as contas públicas à míngua de recursos necessários à manutenção da ordem jurídica justa.

Por fim, todos os delineamentos colocados na pesquisa não exaurem a problemática das limitações orçamentárias em face do direito à saúde e à educação. Isto porque o texto reformador também contempla restrições às aplicações mínimas de recursos em ações e serviços públicos de saúde, e na manutenção e desenvolvimento do ensino

114

. É neste ponto, portanto, que reside a principal limitação do objeto pesquisado, razão pela qual se sugere a abordagem destes direitos sociais na complementação do presente estudo.

REFERÊNCIAS

BARROSO, Luis Roberto. O Controle de Constitucionalidade no Direito Brasileiro:

exposição sistemática da doutrina e análise crítica da jurisprudência. São Paulo: Saraiva, 2016.

BONAVIDES, Paulo. Teoria Constitucional da Democracia Participativa: por um Direito Constitucional de luta e resistência, por uma nova hermenêutica, por uma repolitização da legitimidade. São Paulo: Malheiros, 2008.

BONIFÁCIO, Artur Cortez. Direito de Petição – Garantia Constitucional. São Paulo:

Método, 2004.

BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Disponível em:

<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicaocompilado.htm> Acesso em:

09 jul. 2018.

BRASIL. Emenda Constitucional nº 95 de 2016. Disponível em:

<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/emendas/emc/emc95.htm>. Acesso em:

13 mai. 2018.

CAPPELLETTI, Mauro; GARTH, Bryant. Acesso à Justiça. Tradução por Ellen Gracie Northfleet. Porto Alegre: Sergio A. Fabris, 1988.

HORTA, Raul Machado. Direito Constitucional. Belo Horizonte: Del Rey, 2003.

114Art. 110. Na vigência do Novo Regime Fiscal, as aplicações mínimas em ações e serviços públicos de saúde e em manutenção e desenvolvimento do ensino equivalerão:

I - no exercício de 2017, às aplicações mínimas calculadas nos termos do inciso I do § 2º do art. 198 e do caput do art. 212, da Constituição Federal; e

II - nos exercícios posteriores, aos valores calculados para as aplicações mínimas do exercício imediatamente anterior, corrigidos na forma estabelecida pelo inciso II do § 1º do art. 107 deste Ato das Disposições Constitucionais Transitórias.

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Referências

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