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DESVENTURAS DE UM TÉCNICO – TEMPORADAS 2015 A 2017

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DESVENTURAS DE UM TÉCNICO – TEMPORADAS 2015 A 2017

Mário Gayer do Amaral

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AGRADECIMENTOS:

A meu pai, minha mãe, meus irmãos Matheus e Tomás, minha irmã Tanise, minhas cunhadas Camila e Vanessa e minha sobrinha e afilhada Maitê por ajudarem-me nesta caminhada e por terem paciência de me aguentarem todos os dias falando de escrita e de literatura.

Aos amigos que me incentivaram a nunca desistir de lutar por nossos sonhos especialmente aqueles que gostam de futebol.

Ao site Recanto das Letras por ter acreditado e publicado este folhetim que agora está tornando-se um livro.

A Emmanuel Santos, criador do Brasfoot, que foi um pano de fundo perfeito para minha história e acredito que sem este jogo, este livro seria apenas um sonho.

A Sérgio Osório e Márcio Ezequiel, que abriram caminho cada um a seu modo para que eu despertasse minha veia de escritor que estava engavetado em um canto.

E principalmente agradeço a você, leitor e leitora fiel que acompanhou todos os folhetins até o fim e que agora estão todos reunidos aqui neste livro.

Obrigado e uma boa leitura a todos.

Mário Amaral 13/11/2020

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2015

Craque de futebol comigo tem que jogar perto do gol adversário.

Abel Braga

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Prólogo: Um Lugar Ao Sol

Durante a vida, passamos por momentos onde desfrutamos vitórias notáveis e amargamos derrotas dolorosas.

Desde que encerrei minha carreira de jogador devido a uma grave lesão no joelho, resolvi seguir os passos da família tornando-se um técnico de futebol em busca de glórias.

Bem, a conquista é algo difícil de obter quando tu és ofuscado pela fama de seu pai e irmãos.

Meu pai, João Carlos Oliveira, começou sua carreira no Farroupilha e pouco depois ajudou o Pelotas na conquista do campeonato citadino de 1958. Daí andou por esse país afora e foi um dos auxiliares técnicos de Zagalo na campanha do tricampeonato mundial em 1970 tornando-se mais tarde um técnico muito respeitado, sendo inclusive um dos precursores do futebol total de Rinus Michels, o técnico holandês que revolucionou esse estilo de jogo.

Passou pelo Guarani de Campinas e pelo São José antes de aposentar-se precocemente devido a morte da minha mãe. O velho ficou arrasado com a notícia e decidiu jamais voltar a treinar outro clube, mas passou o legado para nós.

Meu irmão mais velho Carlos tornou-se um técnico multicampeão em todas as equipes que passou tanto no Brasil quanto na Europa provando com seu trabalho de que treinadores brasileiros podem dar certo no Velho Continente.

Roma, Bayern de Munique e Juventus que o digam. Foi com ele que essas equipes atravessaram suas melhores fases da história com títulos e grandes esquadrões que jogavam o fino, como os cronistas mais antigos falavam.

Nem preciso dizer do faro incrível que tem pra buscar novos talentos.

Luís, meu irmão do meio, não brilhou tanto como técnico aqui no Brasil e juntou- se a Carlos no programa de intercâmbio de treinadores partindo logo para a Europa.

Brilhou muito na Espanha onde lá era chamado de “Rey del Acesso”.

Só pra ter uma noção do que falo, ele subiu da quarta até a primeira divisão dois clubes até então relegados as divisões inferiores naquele país, o Salamanca e o Villarreal.

Obviamente os enciumados cartolas o demitiram devido a todo esse sucesso, mas o alicerce já tinha sido feito com as torcidas desses dois times que até hoje o veneram em seus cânticos, algo raro de ocorrer com técnicos.

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Quanto a mim, não fiz grande coisa até então. Fiquei apenas dois meses como auxiliar técnico no São Paulo de Rio Grande e fui técnico dos juniores do Brasil onde não consegui nada de relevante.

E sempre me perguntava: Será que sou bom o bastante pra ser técnico de um time principal?

Ou será que não tenho preparo psicológico pra encarar a luta por resultados, os problemas sem fim do dia-a-dia de um clube, as vaias, os gritos de burro e tantas outras situações que esse cargo te traz?

Eu aguardava ansiosamente em casa, junto com minha mulher Lúcia, um convite para treinar um novo clube quando recebi um e-mail vindo da diretoria do Brasil de Pelotas.

Era um convite para ser o novo técnico do clube.

Pra mim, foi bastante especial pelo fato de ser meu clube de coração. Nem preciso dizer o quanto estava feliz com a notícia e nem pensei duas vezes em aceitar o convite.

Lúcia e eu resolvemos almoçar na casa do meu pai. Ali era um verdadeiro museu de lembranças da época de treinador como uma camisa autografada do Pelé emoldurada em uma das paredes. No canto oposto, havia alguns troféus e uma pilha de livros e jornais dos tempos em que treinava e um álbum com todos os recortes da sua carreira.

Falei com meu pai sobre esta decisão e ele me aconselhou com estas palavras:

- Filho, seja firme como uma rocha para suportar as pressões de uma torcida fanática, apaixonada e exigente como a do Brasil de Pelotas. E mais importante, tome cuidado com os cartolas que as vezes usam o clube para fins políticos. Fora isso, te desejo toda a sorte do mundo.

Olhou para Lúcia e disse: - Você me lembra muito Judite, e me lembro que ela era caridosa, mas exigente. Peço que ajude muito o Mário, porque vai precisar.

Finalmente havia chegado o momento de uma nova chance de lutar pelo meu lugar ao sol.

E fazer com que meu clube do coração volte para o lugar que merece.

Ficar entre os 40 melhores clubes do país.

Mas será que sou capaz de fazer minha própria história e construir uma carreira vitoriosa como técnico?

Logo teria a resposta.

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Parte I – O Batismo de Fogo no Campeonato Gaúcho

O dia 11 de janeiro foi um dia inesquecível para mim quando a diretoria do Brasil de Pelotas apresentou-me como seu novo técnico.

A história recente foi contada em diversos meios de comunicação e naquele momento o time estava em franca ascensão após passar por uma terrível tragédia em 2009.

Subiu para a Série C em uma partida dramática contra o Brasiliense derrotando- os nos pênaltis e chegando até a Final da Série D sendo derrotado pela Tombense da mesma forma.

Fiquei sabendo o motivo da minha contratação. Rogério Zimmermann havia sido suspenso por 180 dias devido aos incidentes da infame “Batalha do Café” contra o Londrina e teve que sair do clube.

No dia seguinte, os jornais locais deram esta notícia: “Mario Oliveira é o novo técnico do Brasil de Pelotas”.

Nos primeiros treinos, tentei colocar em prática o 4-3-3, meu esquema preferido de jogo.

No entanto, percebi que esse esquema seria muito complicado de usar pelas características dos rapazes que estavam acostumados com o 4-4-2 implantado por Zimmermann.

Então resolvi adaptar-me a situação, mas colocando três meias ofensivos porque gosto de ver meu time agredir bastante o adversário, mesmo correndo risco de levar contra-ataques.

O primeiro desafio seria contra o Cruzeiro de Porto Alegre em casa diante da fanática torcida.

Um perfeito batismo de fogo para mim.

Uma experiência que jamais esqueceria.

* * *

O jogo contra o Cruzeiro foi um dos mais difíceis pra estrear. Um primeiro tempo muito bom onde abrimos 2 x 0 no marcador e um segundo tempo muito ruim com o time sentindo o forte calor e perdendo rendimento até ceder o empate no fim com um toque preciso de Matheus.

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Vi ali que com três meias ofensivos, a coisa não funcionaria e coloquei novamente Leandro Leite e Washington como a dupla de volantes pra ter equilíbrio defensivo nas próximas partidas.

Tivemos mesmo um início claudicante empatando de novo, agora em 0 x 0 contra o Novo Hamburgo e sofrendo uma derrota inesperada para o Juventude com Zulu marcando duas vezes.

Depois outro empate agônico contra o São Paulo de Rio Grande conseguido no finalzinho graças a Fernando Cardozo num bate-rebate na área.

Os rapazes estavam adaptando-se ao meu estilo de jogo e a torcida se impacientava com os maus resultados.

Contra o Avenida, no entanto, veio a primeira vitória em um jogo maluco de cinco gols e daí o time deslanchou.

Vencemos o Caxias por 3 x 1 com Felipe Garcia e Alex Amado fazendo misérias na partida e pra tristeza do seu Flávio, o São José por 1 x 0 graças a um chute de fora da área de Elton.

Essas duas partidas foram muito especiais pra mim porque deram a confiança necessária para continuar meu trabalho.

Veio o jogo contra o Inter e ali houve de tudo menos futebol. Arrancamos o 0 x 0 na bola e na bolacha, como os antigos cronistas diziam.

Estava indo bem até cair na realidade contra o Grêmio. Foi uma das piores partidas dos rapazes e mesmo com as trocas que fiz, a goleada foi inevitável.

Depois vieram duas derrotas contra o Ypiranga onde não fomos páreo para a grande atuação de Paulo Baier que fez um belo gol e duas assistências para Otacílio Neto e Saldanha completarem o massacre de 3 x 0.

Contra o União Frederiquense foi bem mais dolorido. Segurávamos o empate no Vermelhão da Colina até os 36 do segundo tempo e então veio o pane defensivo bem aproveitado por Jonas e Ricardinho.

A pressão já estava grande e só foi amainada com a vitória sobre o Aimoré num dos melhores jogos que já vi.

O 3 x 0 foi até pouco pelo bom volume de jogo que tivemos.

Mesmo com todos esses percalços, acabamos em quarto lugar na primeira fase e o adversário seria o Cruzeiro de Porto Alegre.

Sabia que para conseguir vencer, era hora de arriscar tudo.

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* * *

Durante os treinos, enfatizei bastante o sistema defensivo para não tomar gols bobos como no jogo contra o próprio Cruzeiro.

A única vantagem que se tem em treinar um time envelhecido é que os rapazes tem experiencia suficiente pra assimilar meu estilo de jogo e até mesmo em alguns momentos, eu é que os ouvia.

Na preleção, pedi que Rafael Forster avançasse um pouco mais pro ataque revezando-se com Wender na alternância de jogadas pelas laterais e adiantei Felipe Garcia pra fazer a dupla de ataque com Alex Amado usando a velocidade dos dois pra cansar o sistema defensivo do Cruzeiro.

Deu certo.

Os dois fizeram misérias na partida com Amado marcando o primeiro gol e dando o passe para Felipe Garcia fazer o gol da vitória.

Nem o gol de cabeça de Wesley foi o suficiente para tirar a nossa vaga as semifinais onde enfrentaríamos o Internacional em dois jogos.

Sabia que seria complicado, mas faria de tudo pra chegar a minha primeira final como técnico.

Só não poderia prever os problemas que teríamos com arbitragens tendenciosas.

* * *

O primeiro jogo foi em um Bento Freitas lotado com cânticos de parte a parte. Ali senti que haveria percalços a enfrentar, mas não queria desanimar os rapazes naquela hora.

Não podíamos entrar derrotados e pedi a eles que jogassem tudo o que sabiam e ainda tomassem cuidado com os perigosos Nilmar e Lisandro Lopez fazendo até marcação especial caso necessário.

Fomos surpreendidos com o gol relâmpago de Nilmar e isso nos desestabilizou um pouco.

Pedi que Rafael Forster fosse mais pra linha de fundo insistindo nos cruzamentos e em um deles, Rafael Schneider acertou uma bela cabeçada no canto pra empatar o jogo e nos colocar na disputa.

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No entanto, veio o pênalti mandrake inventado pelo árbitro em um lance normal onde Leandro Leite e D´Alessandro trombaram um no outro e o argentino caiu na área.

Muita reclamação, confusão e foi uma luta pra conter a raiva dos rapazes que era legítima naquela hora.

O pênalti não existiu e as imagens confirmaram depois.

Mas não adiantou. Anderson bateu o pênalti e fez 2 x 1.

Então o time se abateu e Lisandro Lopez fez o terceiro em uma jogada de velocidade dando números finais a partida e nos complicando muito pro jogo de volta.

Seria necessário um milagre para isso acontecer.

E pra minha tristeza, ficou ainda pior.

* * *

O segundo jogo no Beira-Rio praticamente foi um monólogo do Inter. Os rapazes nem conseguiram ver a cor da bola e o 3 x 0 foi até barato pelo flagrante domínio colorado.

Fiz tudo o que podia. Coloquei Nena e Gustavo Papa juntos, pedi marcação sob pressão e nada surtiu efeito.

Lisandro Lopez fez a festa marcando todos os três gols usando os dois pés nos dois primeiros e a cabeça no terceiro gol, acabando com qualquer possibilidade do Brasil chegar à final.

Ao menos, fizemos uma boa campanha no Gauchão terminando em terceiro lugar dando a confiança necessária para a disputa da difícil Série C.

Pra mim, o batismo de fogo como técnico de um time competitivo foi bom e acreditava que o caminho que propus era o correto.

Em breve, a Série C começaria e pedi alguns reforços a diretoria entendendo que o plantel precisava ser encorpado e rejuvenescido para uma competição de 38 jogos com adversários bem mais fortes.

Vieram Wescley, um bom meia-armador emprestado pelo Ceará e Lucas Santos, um dos destaques do Juventude no Gauchão, assim como Paulinho Macaíba que se destacou no União Frederiquense.

Ao mesmo tempo promovi Eduardinho, um meia com um talento promissor e também contratamos Giovani, um lateral que tinha no cruzamento o seu forte.

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Marcio Hahn, contudo, aposentou-se após o Gauchão e veio em seu lugar outro garoto da base, o atacante Luiz Henrique.

Descobri depois que ele não poderia ser inscrito a tempo para a Série C, o que causou muita raiva de minha parte e um atrito com a diretoria pelo fato de não terem informado-me dessa situação.

Tudo parecia ir bem apesar das dificuldades, mas nem mesmo eu saberia que a Série C trouxesse tantos dissabores pra mim.

Que culminariam com minha saída do clube.

Parte II – Tempos Difíceis

Como previsto, o time teve um início complicado ao arrancar um heroico 1 x 1 contra o América de Natal lá na Arena das Dunas com Felipe Garcia marcando no finalzinho e no primeiro jogo em casa fomos derrotados pelo Caxias em uma partida onde a arbitragem foi decisiva ao anular um gol legítimo de Eduardinho.

No entanto, percebi que meus rapazes se esforçavam ao máximo naquele jogo e apostei que esta equipe evoluiria ao longo do campeonato.

Ainda assim, sofremos outra derrota lá em Aracaju contra o Confiança pelos nossos próprios erros e pela boa atuação de Bibi, que marcou um lindo gol por cobertura e deu o passe para Leandro Kivel marcar os outros dois.

A primeira vitória veio na Baixada contra o Cuiabá em uma grande atuação de Wescley que marcou o primeiro gol e deu um passe magistral para Lucas Santos fazer o segundo. Minha aposta nos emprestados estava funcionando como nunca.

E veio em boa hora porque enfrentaríamos o bom time do Oeste pela Copa do Brasil logo a seguir e queríamos confirmar nossa evolução.

Mas tudo o que consegui foi apenas decepção.

* * *

No jogo de ida lá em Itápolis foi um horror. Pedi que o time saísse um pouco mais de trás e não desse tanto campo para o adversário trabalhar a bola.

Com isso, vieram três gols em apenas 15 minutos de jogo. E o pior é que todos eles vieram de jogadas pelo alto com Cristiano marcando dois de cabeça e Roger Gaúcho fazendo o seu também de cabeça.

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Coloquei Nena no segundo tempo no lugar de Elton na tentativa de fazer ao menos um gol fora para manter a chance de conseguir a classificação para a próxima fase, mas Lelê sepultou as esperanças com um chute de fora da área no ângulo e o jogo de volta tornou-se apenas protocolar.

Um 4 x 0 que foi devastador para nossa moral e que revelou a gritante limitação técnica do time.

E a necessidade de mais reforços.

* * *

A diretoria trouxe o lateral-esquerdo Marlon e o meia Julinho pra ganhar mais opções no banco e o time recuperou-se contra a Tombense em um jogo onde Paulinho Macaíba marcou o gol da vitória no último lance após bate-rebate na área.

Os altos e baixos continuavam e vieram dois amargos empates contra Juventude e Águia de Marabá por 1 x 1. Nas duas ocasiões, o time saiu na frente e tomou o empate em lances bobos, o que me irritou bastante.

Os rapazes entenderam o recado no jogo seguinte contra o Guaratinguetá e com uma atuação esplendorosa de Alex Amado, ganhamos de virada em pleno Darío Leite e chegamos próximos do G-4.

Daí foi um salto e tanto. Arrancamos duas belas vitórias contra o Tupi com direito a um golaço de Wescley e contra o Icasa onde o menino Julinho fez a melhor partida de sua vida marcando seu primeiro gol como profissional e sofrendo o pênalti que foi convertido por Rafael Schneider.

No meio de tudo isso, fizemos o segundo jogo da Copa do Brasil contra o Oeste na tentativa de ao menos conseguir uma vitória honrosa.

No entanto, nova derrota por 2 x 0 e uma saída abaixo de vaias da torcida.

Isso abalou os rapazes pro jogo seguinte contra o Londrina e tomaram uma virada incrível com dois gols nos minutos finais e ali percebi que precisava de mudanças para as próximas rodadas.

Coloquei Giovani no lugar de Wender na lateral-direita contra o Madureira e o garoto não decepcionou.

Dos seus pés saíram os cruzamentos para Nena e Lucas Santos marcarem os gols da vitória e mesmo com tantas dificuldades dentro e fora de campo, estávamos fazendo um bom campeonato até então.

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Contudo, as finanças estavam em ponto crítico devido a construção das novas arquibancadas do Bento Freitas que estavam consumindo muito dinheiro.

Na volta para Pelotas, recebi a visita de um dos dirigentes da Federação Peruana que ficou impressionado com meu trabalho no Brasil e fez o convite para treinar a Seleção Peruana na Copa América que seria realizada no Chile dentro de um mês.

Eu aceitei o cargo com uma condição: que eu voltasse para o Brasil de Pelotas após o término da Copa América deixando, entretanto, uma brecha para futuras propostas.

Sem dúvida era a chance de ser reconhecido mundialmente seguindo os passos de Carlos e Luís e uma oportunidade também para um bom intercâmbio cultural vindo por linhas tortas.

Falei a Lúcia do ocorrido e ela ficou entusiasmada com a notícia de que eu seria técnico de uma seleção internacional desejando-me toda a sorte do mundo nesta nova empreitada.

A minha partida para o Peru estava se aproximando e reuni-me com meus auxiliares para traçar um cronograma de treinamentos após a folga de 10 dias dada aos jogadores.

Na véspera do embarque, tive uma longa conversa com meu pai e ele me disse para ter fé no trabalho se sentindo ainda orgulhoso pelos nossos feitos.

No dia seguinte, lá fui eu a Lima assumir o cargo de técnico da Seleção Peruana procurando honrar a tradição de sucesso dos técnicos brasileiros naquele país iniciada por Didi e continuada por Tim.

E quem sabe, não seja o primeiro passo rumo a glória que tanto almejo.

Parte III – Desilusão na Copa América

Assim que cheguei a Lima para assinar o contrato, vi no olhar dos torcedores peruanos para que eu guiasse a Seleção em uma campanha digna de suas tradições.

Eles esperavam que ao menos o time ficasse entre os quatro primeiros na Copa América mesmo sabendo dos percalços que enfrentariam no Chile.

Fiz o que pude para tentar atingir esse objetivo convocando os melhores jogadores que estavam disponíveis naquele momento como Paolo Guerrero e Jefferson Farfán entre outros.

No entanto, descobri amargamente que treinar uma seleção não era empreitada das mais fáceis.

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Pouco tempo pra treinar, pressão da mídia e o meu próprio nervosismo por estar em uma Copa tão importante quanto a Copa América.

Isso pesou infelizmente na campanha ainda mais com um grupo aparentemente acessível que tinha Paraguai, Bolívia e Equador.

Começamos muito mal perdendo para o Paraguai em um jogo onde poderíamos ter empatado se não perdêssemos tantas chances de gol nos dois tempos.

E o castigo veio nas mãos, quero dizer, nos pés do artilheiro Óscar Cardozo que aproveitou um vacilo da zaga e mandou de primeira para o fundo das redes.

Depois veio o jogo que seria mais fácil contra a Bolívia, mas se tornou bem mais complicado do que parecia e conseguimos apenas um 0 x 0 que nos complicaria muito nossa classificação para a próxima fase.

Precisávamos desesperadamente da vitória e resolvi finalmente escalar três atacantes com Rengifo, Guerrero e Farfan atuando juntos.

A resposta foi imediata.

Durante o primeiro tempo, foi um verdadeiro bombardeio a meta equatoriana, mas a bola temia em não entrar.

O segundo tempo foi o mesmo ramerrão. Resolvi então adiantar Vargas como um quarto atacante para aumentar a pressão e depois de tanto martelar, o gol saiu graças a uma cabeçada de Farfan a cinco minutos do fim.

Foi um alívio garantir essa vaga para as quartas-de-final porque estava sendo pressionado a cada dia pelo pífio desempenho da equipe.

Mas a má notícia é que como fomos um dos dois terceiros lugares teria que pegar um dos campeões de grupo e para nosso azar, os mexicanos seriam o próximo adversário.

E eu teria naquele jogo uma das piores decepções na minha vida.

* * *

Pedi aos rapazes para ter calma nos primeiros minutos e paciência de esperar pelo momento certo de atacar.

Detesto usar retrancas, por ser uma tática covarde e que contradiz tudo o que acredito em termos de futebol e de tudo que meu pai me ensinou a respeito desse esporte.

Gosto de meus times sendo sempre agressivos no ataque, mas naquele dia aprendi a lição da pior maneira possível.

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Os mexicanos eram bons em contra-ataques e aproveitando nossas brechas na defesa, fizeram dois gols ainda no primeiro tempo com Giovani dos Santos a seu estilo de toque finalizador e também com uma ajudinha de Gallese nas duas oportunidades.

Pra piorar, Trujillo acabou expulso por falta duríssima em Blanco e o time se desconjuntou de vez.

O segundo tempo foi apenas protocolar e ainda tomamos o terceiro gol feito por Chicharito Hernandez.

3 x 0 foi até barato pela partida horrorosa que fizemos.

Ali aprendi que as vezes, você precisa retrancar-se para saber atacar no momento certo e de forma ordenada.

Trocando em miúdos, nem sempre a ofensividade funciona quando tu não tens plantel adequado pra isso.

A desilusão foi tão grande que mal a entrevista terminou, peguei o primeiro avião de volta pra casa ansioso por rever Lúcia e meu pai.

Voltei a Pelotas de cabeça inchada por tantas críticas que sofri da mídia peruana pelo pífio desempenho na Copa América.

Mas eu não iria desistir tão facilmente do sonho de ser técnico e de seguir os passos vitoriosos de meu pai e irmãos.

Acredito que eles também tiveram sua cota de reveses na carreira e ainda que esses tropeços te tornam ainda mais forte.

Contudo, minha cota de sofrimentos não havia acabado.

E o pior ainda estava por vir.

Parte IV – Retorno e Demissão

Assim que regressei ao Bento Freitas, descobri que todo o departamento de futebol havia se demitido devido aos protestos da torcida pela má administração do clube e notei uma certa má vontade dos novos dirigentes e até mesmo do próprio presidente com relação ao meu trabalho.

Senti ali que em breve, o caldo entornaria e as coisas ficaram ainda piores assim que o campeonato recomeçou.

Foram três jogos seguidos com derrotas mesmo o time jogando bem. Contra o Guarani foi simplesmente uma das piores crueldades que já vi, com Nunes fazendo o gol aos 46 do segundo tempo em um novo vacilo do sistema defensivo, contra a Portuguesa,

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foi num pênalti inexistente onde Diego Gonçalves bateu e fez o gol da vitória e contra o Vila Nova, o time tomou um baile em pleno Bento Freitas e se não fossem as defesas salvadoras do Eduardo Martini, seria uma goleada histórica.

O time continuava inconstante, embora tenha terminado o primeiro turno fora da zona do rebaixamento com uma vitória convincente sobre o Botafogo da Paraíba por 3 x 0 no Bento Freitas em um jogo onde o time conseguiu o equilíbrio que tanto pedi e onde mais uma vez, Alex Amado e Felipe Garcia fizeram a diferença.

No entanto, a tensão entre mim e os dirigentes estava chegando em um ponto insustentável com as críticas aos meus métodos de trabalho aumentando cada vez mais.

Só havia aqui uma coisa a fazer.

Incentivar os rapazes a jogarem o melhor futebol no segundo turno e seguir com a boa campanha apesar das turbulências.

O problema é que o técnico é sempre a parte mais fraca da corda. Pode fazer o melhor trabalho do mundo que no menor dos erros, acaba sempre sendo demitido.

E a minha estava prestes a arrebentar.

* * *

O segundo turno começou com claros indícios de que dificilmente eu permaneceria no Brasil de Pelotas até o fim do campeonato.

E os resultados só pioraram a situação. Começamos o returno com uma sonora derrota em casa para o América de Natal onde Alekito marcou os dois gols de cabeça em cruzamentos milimétricos.

Depois vieram mais duas derrotas duras. Uma contra o Juventude em um jogo onde tivemos Wender expulso e outra contra o Londrina em que tomamos dois gols em menos de 15 minutos de jogo e no fim, saímos abaixo de vaias e sonoros protestos.

Por mais que me esforçasse em motivar meus jogadores e pelo fraco desempenho da maioria dos reforços a não ser Wescley e Lucas Santos que brigavam pela Bola de Prata em suas posições, sabia que minha demissão era iminente.

E infelizmente acabou vindo mesmo conseguindo uma boa vitória sobre o ASA de Arapiraca no Bento Freitas por 2 x 0, em uma grande atuação de Gustavo Papa, que nos tirou da zona de rebaixamento.

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Foi um duro golpe para mim. Meus sonhos de conduzir o Brasil de Pelotas até a Série A do Brasileiro viraram fumaça.

Era hora de voltar para casa e encarar a vergonha de mais um fracasso como técnico.

Por momentos, pensei até mesmo em mudar de carreira e ser pedreiro ou até mesmo cozinheiro, mas nunca conseguiria deixar de lado a vocação da família.

Saí aos prantos do Bento Freitas e fui direto para casa sem falar com ninguém.

Fiquei pensando no caminho em como dar a notícia a Lúcia e a meu pai de que fui demitido do Brasil de Pelotas temendo ainda que se decepcionassem comigo.

Assim que cheguei em casa, contei tudo a Lúcia e cogitei inclusive a tentar uma nova carreira em outra profissão, mas ela foi enfática:

- De maneira nenhuma, Mário. Por mais que tente outra carreira, o futebol sempre estará em seu coração. Meu pai me disse uma vez que por mais que tente fugir do destino, acaba sempre voltando a ele. O jeito agora é esperar uma nova oportunidade. Quem sabe não realiza o sonho do meu pai e treine o São José, hein?

Nunca tinha pensado nessa possibilidade, mas ainda precisava fazer a coisa mais difícil.

Tinha que ir a casa do meu pai e contar sobre minha demissão do Brasil de Pelotas.

E saber qual seria sua reação.

* * *

Assim que contei tudo ao meu pai, ele reagiu a princípio um pouco carrancudo, mas acalmou-se depois e disse:

- Paciência, meu filho. Tenho a impressão de que tu não vais ficar parado por muito tempo. Contudo, use o tempo livre para refletir bastante sobre isso e analisar o que precisa melhorar profissionalmente. Eu também tive meus momentos difíceis na vida e sempre tua mãe me ajudou com seus conselhos e ponderações, mas uma coisa que precisa fazer é ouvir os conselhos da Lúcia. Ela me lembra sua mãe. Sou adepto do velho ditado: “por trás de um grande homem, sempre tem uma grande mulher”. É por isso que digo que se o mundo quiser melhorar, as mulheres deveriam ter oportunidades de mostrar seu valor em qualquer profissão.

Duas semanas depois, recebi por e-mail uma proposta do presidente do Caxias para que eu fosse o novo técnico do time.

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Já sabia pelos jornais e pela internet que o Caxias estava atravessando uma séria crise técnica que o jogou na zona de rebaixamento e que meu nome era o mais cotado pra assumir o cargo.

Não pensei duas vezes e aceitei o convite esperando por uma redenção na Serra Gaúcha.

Só lamentei pelo seu Flávio por não ser dessa vez que realizaria o sonho dele de treinar o São José, mas Lúcia ficou feliz pelo meu novo emprego e já preparou as malas para ir junto comigo a Caxias do Sul.

E parto para essa nova empreitada com a certeza de ter aprendido esta dura lição que a vida de técnico te ensina.

A lição de ser competente.

Parte V – Recomeço no Caxias e a Lei do Ex

Assim que cheguei ao Estádio Centenário, conversando com o presidente, percebi que teria um trabalho gigantesco pela frente.

O time estava abatido moralmente pela péssima campanha até então e seu torcedor estava ainda mais irritado pelo fato de o Juventude estar próximo de subir a Série B.

No primeiro contato com o plantel, animei-me com o que vi. Um grupo bem coeso e com equilíbrio em matéria de idade, mas com um sério problema: faltava um armador pelo lado direito, o que complicaria a curto prazo.

Não perdi tempo em concatenar um plano de ação. Como era quase final de temporada e o dinheiro estava escasso para novas contratações, resolvi focar mais nos garotos da base e um deles me chamou a atenção, o lateral-esquerdo Werley Vaz.

Era muito promissor e um autêntico curinga. Jogava nas duas laterais e até mesmo de volante nos juniores e notei que seria um bom acréscimo ao time.

O promovi imediatamente e com ele, trouxemos outros dois reforços por empréstimo, o zagueiro Willian Rocha e o meia Juninho.

Como não tinha muito tempo pra planejar algo mais consistente, mantive o 4-4-2 de meu antecessor e como não podia fazer muita coisa, improvisei Juninho na armação pelo lado direito e escalei o que tinha de melhor pra minha estreia contra o Vila Nova de Goiás.

Nem imaginava que naquele instante começaria uma bela história de sucesso e de superação com este mesmo plantel levando-me a grandes conquistas.

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E a uma idolatria da torcida que nunca havia sentido.

E também a você, meu querido filho.

* * *

Minha estreia no Caxias foi muito melhor do que esperava. O time jogou por música contra os goianos e o 1 x 0 foi enganador pelo domínio avassalador que tivemos.

Dener marcou o gol em um chute de fora da área e com as chances criadas, transformamos Wagner Bueno no melhor em campo e a torcida aplaudiu os rapazes no fim do jogo, o que me trouxe esperanças de um bom trabalho neste clube.

O jogo seguinte foi contra o ASA lá em Alagoas e arrancamos uma virada fenomenal em 15 minutos graças ao oportunismo de Reinaldo que marcou duas vezes e deu o passe para Lucas Dantas fazer o outro.

A seguir, fomos a Aracaju encarar o Confiança e a terceira vitória veio em outra grande partida de Reinaldo que deixou Charles e Clayton pifados na frente do goleiro pra fazer os dois gols da vitória.

No fim do jogo, reencontrei Alex Amado que me deu um forte abraço e fiquei sabendo por ele de tudo o que aconteceu lá em Pelotas.

Os jogadores haviam protestado contra minha saída do clube ficando dois dias de greve e como punição, ele e Leandro Leite acabaram sendo negociados junto com Marlon e Wilson Fernandes para outros clubes e com isso, acertou-se com o Confiança.

Aquilo me deixou com muita raiva. Não pelo que fizeram comigo, mas mandarem dois dos ídolos da torcida embora sem motivo aparente é desdenhar da inteligência dos jogadores.

Quis o destino que o jogo seguinte fosse contra o Brasil de Pelotas no Centenário.

Ali pedi aos rapazes na preleção que jogassem aquele jogo por mim, porque queria ganhar de qualquer modo.

Porque era um desejo de vingança e de provar aos obtusos dirigentes de que minha sumária demissão foi um colossal erro estratégico.

* * *

Os rapazes entenderam muito bem o recado. Antes do jogo, todo o time do Brasil veio me dar um abraço e pedi a eles que valorizassem o espetáculo.

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O jogo foi surpreendentemente equilibrado no primeiro tempo e tivemos dificuldades em neutralizar o ataque do Brasil com André Luiz sendo superado por Felipe Garcia em seu duelo particular.

Se não fosse a trave em um lance e Thiago Rodrigues em outros dois, teríamos saído em desvantagem.

Coloquei Lucas Dantas no segundo tempo no lugar de Edmilson e o time melhorou bastante com a vitória vindo naturalmente.

Patrick marcou o primeiro gol de letra e Charles marcou o segundo chutando cruzado na entrada da área pra sacramentar o 2 x 0 definitivo.

Senti-me vingado por tudo o que os dirigentes do Brasil me fizeram, mas ao mesmo tempo fiquei triste por ter praticamente rebaixado pra Série D o time que amo de coração.

Mas teria que esquecer estas emoções conflituosas e seguir em frente rumo ao sucesso com o Caxias.

E talvez conseguir o milagre de subir para a Série B em 2016 mesmo com pouco tempo de trabalho.

* * *

Conseguimos outra vitória em casa sobre o Guaratinguetá graças a grande partida de Paulinho Oliveira que marcou um belo gol de fora da área e sofreu o pênalti que Patrick bateu e converteu.

O G-4 estava no horizonte, mas o cansaço começou a pesar e sofremos dois tropeços até inesperados contra o Madureira onde estávamos ganhando até os 35 minutos do segundo tempo quando Rodrigo Pinho fez os dois gols do empate em vacilos defensivos primários.

Aquela história de marcar a bola e não o jogador.

E contra a Portuguesa foi ainda pior. Saímos na frente no primeiro tempo, mas Aílton Silva me deu um nó tático no segundo tempo e com as alterações certeiras que fez e com a noite inspirada de Edno, virou o jogo para 3 x 1 garantindo o time na Série B de 2016.

Ainda voltamos ao páreo com a vitória em casa sobre o Tupi graças a uma cabeçada de Maílson antes de ser novamente derrotado também em casa pela minha pedra no sapato, o Águia de Marabá, por 3 x 0.

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Foi uma das piores atuações que já presenciei. E olha que fiz praticamente de tudo naquele jogo.

Adiantei o time, coloquei Maílson no segundo tempo, pedi mais marcação, mas nada adiantou.

Comandado por Danilo Galvão que anotou dois golaços e deu um passe magistral para Luiz Fernando fazer o terceiro e acabar com as nossas chances de subir pra Série B em 2016.

Mesmo que tivéssemos ganhado o jogo, a combinação de resultados nos tiraria de qualquer possibilidade de promoção.

Agora não tinha mesmo mais nada a fazer a não ser cumprir tabela contra o Guarani.

Apesar do fracasso, tive motivos pra sorrir. O time ficava mais coeso a cada partida e a garra deles era comovente.

Consolei os rapazes animando-os para o próximo ano onde provavelmente teria uma temporada completa para trabalhar e conseguir reforços para melhorar ainda mais o plantel que já era bom.

Finalmente havia encontrado a paz e um lugar onde as cobranças não eram tão pesadas assim.

Mas primeiro ainda tínhamos uma tabela a cumprir.

E queríamos terminar de forma mais honrosa possível.

Com vitória.

* * *

Chegamos ao Brinco de Ouro com o objetivo de conseguir uma bela despedida de campeonato e os rapazes jogaram o fino.

Reinaldo havia marcado o seu em uma bela cabeçada e Rafael Carioca marcou o segundo em uma cobrança de falta no ângulo.

Nem o gol de Nunes tirou o sorriso dos rapazes e a vitória por 2 x 1 colocou o Caxias em um honroso oitavo lugar na Série C com Reinaldo fazendo jus a minha confiança como atacante principal marcando 9 gols no campeonato e sendo o artilheiro da equipe.

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Quanto ao Brasil, acabou rebaixado para a Série D provando que a decisão da diretoria de me mandar embora foi totalmente equivocada.

Ao menos, adquiri experiência suficiente nesta temporada de 2015 para não repetir os mesmos erros em 2016.

Epílogo – O Que Esperar Para 2016?

Como tinha dito, 2015 foi uma temporada onde enfrentei o gosto amargo da demissão, mas o término foi tão satisfatório que me rendeu um bom contrato com o Caxias para 2016.

Espero que possa firmar-me nesta equipe e tentar fazer com eles o que não consegui com o Brasil de Pelotas: leva-los a Primeira Divisão do Campeonato Brasileiro.

Ao menos, houve alguém que ficou muito feliz esse ano no futebol.

Fiquei sabendo que o São José havia subido para a Série C e Lúcia estava bastante contente pelo time do coração.

Mais ainda estava o seu Flávio que já projetava futuras apostas comigo na próxima temporada onde nossos times se enfrentariam.

Fui com Lúcia rever meu pai e no caminho fiquei pensando nas palavras que ela disse sobre destino.

No meu caso, talvez seja seguir mesmo a tradição da família de ser técnico de futebol.

No entanto, tenho um longo caminho a percorrer com percalços a perder de vista, mas acredito firmemente que um dia a glória chegará.

Uma coisa é certa.

Seguirei os passos de meu pai e irmãos para um dia tornar-se um técnico de sucesso.

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2016

Nós temos que retomar um padrão, reconduzir, ter desempenho e ter vitória. Só isso traz confiança para o torcedor.

Tite

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Prólogo - Uma Nova Esperança

Na temporada anterior, levei o Caxias a um honroso oitavo lugar na Série C tendo um fim de temporada tranquilo depois de ser demitido do Brasil de Pelotas e esperando voos mais altos para este ano.

Quem sabe até mesmo um título gaúcho para coroar o bom trabalho e dar o primeiro passo rumo a tão sonhada glória.

Para concretizar esse sonho, decidi de comum acordo com a diretoria manter a base do time e contratar reforços pontuais bem como aproveitar alguns jovens das categorias de base.

E os reforços vieram do exterior a custos baratos: os japoneses Takumi Oguri, um zagueiro promissor e Sugimoto, um bom meia-esquerda e o romeno Codorean, vindo do FC Cluj, um atacante cuja maior virtude é a velocidade.

Outro reforço foi o lateral-direito Giovani, que havia trabalhado comigo no Brasil de Pelotas e me impressionou muito com seus cruzamentos milimétricos para a área. Esse jogador foi indicado por mim para a diretoria que aceitou de bom grado.

Decidi também promover Igor Rocha, um centroavante bastante elogiado nos aspirantes pelo seu faro de gol, e com um time já entrosado embora ainda tenha problemas no meio-campo onde havia excesso de volantes e nenhum armador, acreditaríamos fazer uma boa campanha no Campeonato Gaúcho.

No entanto, ninguém imaginara até aquele momento que o sonho do título se tornaria um terrível pesadelo da luta contra o rebaixamento.

Que culminaria em uma campanha tão tenebrosa que até Stephen King seria capaz de transformá-lo em outro de seus livros de sucesso.

Parte I - Filme de Terror

Minha segunda participação como técnico no Campeonato Gaúcho começou com um insano empate em 3 x 3 contra o Veranópolis onde o time chegou a tomar 3 x 0 ainda no primeiro tempo com Lê marcando dois gols e dando um passe preciso para Eduardinho fazer o terceiro, mas o time melhorou com a entrada de Sugimoto no segundo tempo e o empate veio graças a uma grande jogada do japonês que deixou Reinaldo cara a cara com

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o goleiro pra conseguir este empate maluco. Ali percebi que havia muita coisa a corrigir, especialmente no sistema defensivo.

Como disse antes, essa campanha no Gauchão foi mesmo um filme de terror. A cada rodada que passava, o fantasma do rebaixamento assombrava cada vez mais.

Demorou muito para conseguir a primeira vitória e nos outros quatro jogos, como se já não bastasse deixar escapar vitórias fáceis como contra o Aimoré onde estávamos vencendo até os 30 do segundo quando houve um pênalti controverso que Diogo Pereira bateu e empatou, ainda tomamos derrotas vergonhosas como contra o Cruzeiro de Porto Alegre onde fizemos um primeiro tempo tenebroso e um segundo tempo pior ainda apesar do gol honroso de Edmílson.

E sem perceber, acabamos perigosamente perto da zona de rebaixamento.

No entanto, a vitória veio na sexta rodada.

E em grande estilo.

No clássico Ca-Ju.

* * *

Meu pai sempre dizia pra nós que não há nada mais prazeroso do que enfrentar e vencer clássicos.

Ás vezes, esse tipo de jogo eleva a moral as alturas para o vencedor e aumenta a crise para o perdedor, sem falar na rivalidade de anos a fio e no que a cidade se movimenta quando chega um desses clássicos.

Ficava maravilhado quando meu pai me contava com entusiasmo dos Bra-Péis que participou tanto como técnico quanto como auxiliar de alguém e até me imaginava fazendo parte de tudo aquilo.

Pois bem, esse dia finalmente havia chegado para mim.

E a situação era totalmente contrária. O Juventude era o franco favorito pela boa campanha que havia feito no Gauchão anterior e pela boa campanha que o levou a Série B e ao vice-campeonato da Série C enquanto nós estávamos com as costas na parede e o fantasma do rebaixamento nos assustando.

Nem precisei falar com os rapazes sobre a importância do jogo em si, eles entraram com uma vontade de chutar traseiros, no bom sentido.

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O resultado foi uma das melhores atuações do time nesse campeonato.

Aproveitamos o excesso de confiança do Juventude construindo uma grande vantagem ainda no primeiro tempo com os três gols que fizemos, cada um mais bonito do que o outro.

Primeiro, foi Patrick que começou uma grande jogada pela esquerda passando por três marcadores deixando Reinaldo só ter o trabalho de cutucar pro fundo do gol.

Depois, ele mesmo fez o serviço duas vezes. O primeiro de cabeça em um escanteio cobrado por Giovani e depois num pênalti sofrido por ele mesmo.

Quando o Juventude quis jogar no segundo tempo, já era tarde demais. A marcação encaixou perfeitamente e só pedi aos rapazes prenderem mais a bola para garantir a primeira vitória da temporada e sacramentar minha boa estrela em estreias.

O primeiro clássico a gente nunca esquece e com vitória, mais ainda.

Acredito que ali ganhei o respeito dos torcedores e a certeza de que meu trabalho continuaria aconteça o que acontecer.

* * *

Parecia que a má fase finalmente passaria, no entanto, contra o São Paulo de Rio Grande, veio Alípio Brandão e seu hat-trick com direito a dois gols de falta pra trazer o Caxias de volta a crise e a uma posição da zona de rebaixamento.

Vieram os primeiros questionamentos da torcida e notei que era hora de reagir.

No clássico da Polenta contra o Esportivo, o time fez a maior goleada do campeonato e nele Werley Vaz marcou seu primeiro gol como profissional. Foi um orgulho pra mim naquele momento e acreditei que dessa vez iriamos entrar nos trilhos rumo a classificação para as quartas-de-final.

No entanto, as coisas mudariam pra pior no fatídico jogo contra o São José de Porto Alegre lá no Passo D´Areia.

E onde o fantasma da demissão passou novamente a me assombrar.

* * *

O jogo estava a nossa feição. Os passes saiam perfeitos, as jogadas fluíam e tudo parecia conspirar para nossa reabilitação.

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Até mesmo Codorean fez sua melhor partida desde que foi contratado e acabou recompensado com um belíssimo gol deixando três defensores no caminho e o goleiro no chão para fazer 1 x 0.

E tínhamos a chance de matar o jogo com um pênalti escandaloso de Bindé em Codorean, mas Reinaldo bateu mal e Fábio defendeu.

Aí o time se perdeu psicologicamente e o São José empatou com um chute cruzado de Rafael Carrilho terminando o jogo em 1 x 1.

E a moral desabou pra valer permitindo que nosso filme de terror continuasse.

Com o caos se instalando de uma vez por todas.

* * *

Depois vieram três derrotas seguidas contra a dupla Gre-Nal e o Passo Fundo com cada uma delas vindo de uma forma diferente.

Contra o Grêmio, o jogo foi parelho e chegamos a empatar com uma cabeçada de Lucas Dantas, mas Lucas Coelho fez a diferença marcando os dois gols da vitória por 2 x 1.

Contra o Inter em casa foi um horror. O time não se achou em nenhum momento me deixando maluco com tantos erros defensivos. O 3 x 1 foi até pouco pelo acachapante domínio colorado.

Já contra o Passo Fundo foi uma virada com requintes de crueldade. Saímos na frente e desperdiçamos várias chances claras incluindo uma jogada onde acertaram a trave três vezes no mesmo lance com Reinaldo, Lucas Dantas e Juninho.

O castigo veio a dois minutos do fim em um tirambaço de fora da área de Xaro, que nos deixou em situação complicadíssima.

Veio então o agônico empate de 2 x 2 contra o Ypiranga onde saímos levando 2 x 0 no primeiro tempo e com a entrada de Charles no intervalo, o time melhorou e conseguimos empatar aos 45 do segundo tempo graças a um gol chorado do próprio Charles.

Ainda conseguimos nossa terceira vitória no campeonato contra o Novo Hamburgo lá no Estádio do Vale graças a outro gol de Charles e com os resultados paralelos, nos mantiveram ainda vivos pela classificação.

No entanto, precisaríamos de um milagre em forma de vitória contra o União Frederiquense em casa.

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Na teoria poderíamos vencer se aproveitarmos o fator campo e a torcida ao nosso lado, mas com o péssimo futebol que apresentamos até aqui, sabia que seria difícil.

Afinal, como os clichês já diziam, a esperança é a última que morre, não é mesmo?

* * *

Precisava da vitória a qualquer custo e arrisquei jogar com três atacantes acreditando que teria mais poder de fogo e pedi na preleção que finalizassem a gol ao invés de tentar um drible a mais.

No entanto, foi um completo desastre.

O time levou dois gols no primeiro tempo feitos por Juan Noguera de cabeça e por Adilson que antes de marcar, ainda entortou Jean e enfiou a bola no meio das pernas de Rodrigo Arroz.

Aí, o time não conseguiu mais reagir apesar dos meus pedidos insistentes em continuar atacando.

Nem com a entrada de Maílson, o time melhorou. E ainda escapamos de tomar o terceiro gol em três defesas incríveis de Thiago Rodrigues, que foi nosso melhor jogador em campo.

E nesse caso, quando o goleiro é o melhor em campo é sinal de que as coisas não foram nada boas.

Veio o fim do jogo e a confirmação da nossa eliminação. O mais triste é que os resultados paralelos nos ajudariam na classificação, mas nós não nos ajudamos.

A confusão no Centenário foi formada. Protestos da torcida, quebra-quebra nas proximidades e tentativas de agressão a mim e aos rapazes.

Aquilo era demais. Botei a cara pra bater e assumi a responsabilidade por esse retumbante fracasso.

Tentei falar com os torcedores para ter paciência, mas sabia que isso seria uma missão muito complicada e alguns chegaram a tentar até mesmo apedrejar meu carro, mas os guardas deram um jeito em tudo aquilo.

Assim que cheguei em casa, vi Lúcia em prantos pelo que me aconteceu. Foi difícil acalmá-la e compreendo a preocupação dela em querer ir embora de Caxias do Sul.

Pensei em demitir-se mais para garantir a segurança da Lúcia do que qualquer outra coisa, mas o presidente do Caxias me deu um voto de confiança e renovou meu contrato para a Série C, mas senti-me em meu íntimo, mais pressionado do que nunca.

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Ainda ouço meu pai dizendo: - Vida de técnico é uma pressão constante, meu filho. Mas se tiver a coragem necessária pra continuar, vá em frente.

Percebi que meu trabalho seria gigantesco.

Era hora de grandes mudanças.

Parte II – Nada Como Um Dia Após o Outro

Dois meses se passaram desde o fracasso no Campeonato Gaúcho e uma série de mudanças foram efetuadas nesse período com o objetivo de redimir-se na Série C com uma boa campanha.

Percebi que um de nossos pontos fracos era o excesso de volantes no meio-campo e pedi a diretoria mais meias ofensivos para equilibrar o setor.

Recebi dois reforços muito promissores: Rodolfo Péres vindo do Cametá e o angolano Lameiras vindo do Orlando City, dos Estados Unidos.

Veio ainda a baixo custo outro volante vindo da Europa: o ucraniano Kharatin para cobrir o buraco defensivo do lado esquerdo.

Pra compensar essas aquisições, vendemos Edmilson para o Fortaleza e o goleiro Renan para o Feirense a colocando em seu lugar o jovem Pietro, oriundo da base.

Também emprestamos Bebeto para o América de Natal e Paulinho Oliveira para o Veranópolis.

Com todas essas mudanças, acreditava-se que teria o equilíbrio ideal entre defesa, meio-campo e ataque e tinha ainda a esperança de sairmos dessa pressão em que encontrávamos.

A resposta dos rapazes foi melhor do que eu esperava.

* * *

A estreia na Série C foi bem promissora e convincente. A vitória sobre o Guarani por 2 x 0 mostrou que minhas apostas foram certeiras.

Principalmente em Lameiras, que fez seu primeiro gol como profissional e cobrou escanteio na medida para Jean fazer o gol da vitória.

A partir daí, foi uma campanha memorável nas primeiras rodadas chegando a ficar dez jogos invictos e quebrando um recorde na história do clube.

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Foram seis vitórias e quatro empates nesse período com vitórias expressivas sobre o J.Malucelli por 3 x 1 onde Patrick fez uma partida memorável com dois gols e o cruzamento para Lucas Dantas fazer o terceiro e sobre o Guaratinguetá por 2 x 0 onde Maílson entrou no segundo tempo e em 20 preciosos minutos, fez a diferença marcando o primeiro gol e sofrendo o pênalti que Patrick converteu.

E mesmo nos empates, o time jogava bem. Contra o Tupi, só não vencemos porque Gonçalves estava em tarde inspirada. Foram nove defesas difíceis e me lembro de uma delas que parecia Gordon Banks na Copa de 70.

Reinaldo fez tudo certo. Cabeceou pra baixo e rente ao gol, mas Gonçalves deu um tapa por baixo da bola e mandou por cima do travessão.

E contra o Londrina, a defesa suportou bem a pressão e mesmo levando um gol de Arthur em um chute que desviou em Rafael Carioca enganando Thiago Rodrigues, arrancamos o empate logo depois em um contra-ataque iniciado com Codorean e finalizado por Reinaldo com maestria.

Nada como um dia após o outro. O time estava rendendo muito bem e Lameiras e Patrick estavam jogando o fino, como os cronistas antigos diziam. O angolano inclusive estava liderando sua posição na Bola de Prata e a cada treino que eu os comandava, via neles uma confiança jamais vista.

E essa confiança seria posta a prova na Copa do Brasil.

Contra um dos adversários mais qualificados que já existiu.

Seria nada mais nada menos que o Atlético Mineiro, o atual detentor do título brasileiro e campeão da Libertadores em 2013.

* * *

Diferentemente de Carlos e Luís, sempre fui uma pessoa irrequieta dentro da casamata.

Não a ponto de irritar ou intimidar o jogador como certos técnicos fazem, mas dou minhas instruções na base do grito e as vezes dou broncas quando necessário.

Mas também sou daquele tipo de não levar desaforo pra casa. Afinal, meu pai me educou pra ser um cara justo e o que aconteceu nos dois jogos contra o Atlético Mineiro me tiraram do sério.

Fizemos duas grandes partidas e perdemos ambos no finalzinho, sendo eliminados na fase preliminar, mas orgulhosos com que fizemos no campo.

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O que mais me irritou foi a arbitragem tendenciosa no jogo de ida em Belo Horizonte.

Ali foi um verdadeiro assalto a mão apitada. Depois de Lucas Pratto fazer 1 x 0 e Lameiras empatar o jogo em uma bela cobrança de falta, a arbitragem entrou em cena.

Primeiro, anularam mal e porcamente um gol de Reinaldo por estar impedido, mas o centroavante saiu de trás e quem estava muito a frente era Lucas Dantas que nem havia participado da jogada.

Mas o pior ainda viria depois.

Validou o gol da vitória de Maicosuel que estava ele sim em flagrante impedimento e foi bastante condescendente com os atleticanos que desciam o sarrafo a vontade inibindo nosso time de fazer o mesmo.

Se o diretor de futebol não me segurasse, certamente daria uma porrada naquele juiz sem-vergonha.

Tristemente percebi naquela partida o lado sujo do futebol. Quem garante que o juiz não recebe um dinheiro por fora pra prejudicar certo time?

Quem garante ainda que não rolam apostas clandestinas cujos resultados podem ser fabricados?

Mais ou menos, como aconteceu com Edilson Pereira de Carvalho e outros árbitros naquele escândalo do Brasileiro de 2005 onde muitas partidas tiveram que ser remarcadas com resultados totalmente diferentes.

O jogo de volta nos deu a princípio uma esperança de reviravolta quando Sugimoto abriu o placar em uma bela jogada individual, mas os atleticanos viraram em dois minutos dificultando nossas chances de classificação.

Ainda assim Igor Rocha empatou de cabeça logo depois e Charles acertou a trave em outra cabeçada. Se aquela bola entrasse, talvez o rumo do jogo mudaria a nosso favor.

Carlos acabou com nossas chances definitivamente com um chute da entrada da área e o 3 x 2 não mostrou como foi o jogo.

Mesmo indignado ainda com o jogo de ida, fiquei muito feliz quando a torcida aplaudiu os rapazes pelo bom jogo que tiveram e mais do que isso, pela fibra que demonstraram em campo.

Era hora de voltar a realidade da Série C com a confiança ainda em alta.

E de enfrentar turbulências nessa emotiva e insana campanha.

* * *

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Voltamos a nossa realidade na Série C e logo tive que resolver um grave problema envolvendo Rodrigo Arroz e Clayton.

Os dois brigaram feio em um treino por causa de uma jogada mais ríspida.

Não tive dúvidas. Peguei os dois pelo cangote, passei uma carraspana daquelas e afastei os dois pro jogo seguinte colocando Takumi Oguri e Dener em seus lugares.

Foi uma escolha das mais felizes. Vencemos o Cruzeiro de Porto Alegre por 2 x 1 em um jogo onde Patrick anotou os dois gols, um deles em passe de Dener, e Takumi Oguri foi o herói do jogo ao salvar em cima da linha um chute de Matheus no fim do jogo e os dois foram indicados na Seleção da Rodada feita pelos jornalistas.

Após empatar com o Boa Esporte em 0 x 0 onde a defesa segurou o rojão e vencer o Paysandu com um bizarro gol contra do zagueiro Magno Alves, a invencibilidade foi pro espaço no jogo seguinte. Perdemos pro Sampaio Corrêa com dois belos gols de falta feitos por Célio Codó e Pimentinha e naquela ocasião o time não jogou nada.

Ainda ganhamos do Oeste por 2 x 1 em um jogo que ficou marcado por um fato curioso e com uma informação que me deixou irritado.

No instante em que Lelê havia marcado o gol do Oeste, um cachorro apareceu em campo correndo atrás do volante e só foi contido porque Wagner Carioca ficou de quatro e agarrou-o pelas patas no melhor estilo Jimmy Greaves.

E durante a entrevista coletiva, um dos repórteres me informou que um dos dirigentes da Federação Turca estava no estádio assistindo o jogo e visando um interesse especial por mim. Ele até veiculou o boato de que seria o novo técnico da Seleção Turca, mas não fiquei sabendo de nada disso e pedi até pra nem citar isso na entrevista porque isso seria uma afronta aos dirigentes que me contrataram.

- Pessoal, se querem alguma polêmica, não percam tempo com isso. Sou treinador do Caxias e só saio daqui quando o presidente me mandar embora. Portanto, não fiquem fabricando notícias falsas a meu respeito, certo?

Depois tivemos duas derrotas em sequência contra Madureira e Salgueiro onde sofremos a ameaça de sair do G-4.

Contra os cariocas, não tinha muito o que fazer com o show de Rodrigo Pinho que fez dois gols de falta e um cruzamento milimétrico na cabeça de Thiago Galhardo pro 3 x 1 definitivo.

Contra os pernambucanos, foi ainda pior pelas falhas defensivas que tivemos nos gols de Jeferson Berger e Anderson Lessa, o que me obrigou a uma reunião de portas

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fechadas após o jogo alertando principalmente o time a ter mais atenção na marcação e nos passes errados, que foram muito altos naquela partida.

O time resolveu tomar vergonha na cara e derrotamos o Veranópolis por 2 x 1 em um jogo bastante acidentado no Centenário.

Os primeiros minutos foram tranquilos com Jean e Rodolfo Peres marcando os gols e acreditávamos que seria uma goleada contra o desesperado lanterna da competição.

Não foi o que aconteceu.

Dener fez um pênalti desnecessário e foi expulso com Bruno Coutinho batendo e convertendo.

E então foi uma pressão infernal do Veranópolis pelo resto do jogo. Saquei Kharatin que já tinha cartão amarelo, tranquei o time de vez ao colocar Léo Carioca na zaga e o sistema defensivo segurou todas as investidas do ataque do Veranópolis para garantir uma importante vitória.

Depois do jogo seguinte também em casa onde empatamos em 1 x 1 com o Fortaleza graças a um pênalti convertido por Patrick, estava pronto pra entrar de férias quando recebi a visita do tal dirigente da Federação Turca.

A princípio, achei que era uma piada de mau gosto. Mas a medida que ele foi explicando sobre como terem me indicado para o cargo, percebi que era bem mais interessante do que imaginava.

- Ficamos sabendo do seu bom desempenho na Copa América com o Peru e estávamos procurando um técnico mais aberto as nossas ideias. O seu chefe falou bem de você e acho esplêndido o trabalho que faz com jogadores estrangeiros. Gostaríamos que comandasse nossa seleção para uma campanha digna na Eurocopa.

O salário era bem atraente e teria um prêmio especial se conduzir a Turquia até o mata-mata da Eurocopa.

Depois de consultar-me com Lúcia, não pensei duas vezes e aceitei o cargo com uma condição: a de voltar ao Caxias depois do torneio.

Sempre uso essa cláusula de voltar ao clube que me contratou em cada negociação desse tipo. É uma forma de não prejudicar os interesses de ninguém e também uma oportunidade para conseguir algo mais na carreira de técnico.

Passei a lista de tarefas para o corpo técnico e logo parti para Istambul com a missão de comandar outra seleção em uma competição tão importante como a Eurocopa como foi com a Copa América no ano passado com o Peru.

Esperamos que dessa vez as coisas fossem um pouco mais diferentes.

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Ao menos, pude ir bem mais tranquilo ao deixar o Caxias no G-4 da Série C.

E com a certeza de não ser demitido na volta.

Mas nem mesmo eu estaria preparado para uma experiência particular que teria nessa Eurocopa.

A de reencontrar meus irmãos depois de longo tempo separados e mais do que isso, ter que enfrentá-los no mesmo grupo.

Parte III – Encontro de Irmãos

Assim que cheguei a Istambul, tomei nota do que estava acontecendo no futebol turco e fiquei surpreso com o grupo difícil que enfrentaríamos na França com a Espanha e a atual campeã do mundo, a Alemanha.

O objetivo era conseguir chegar nos mata-matas da Eurocopa e percebi que precisava montar uma seleção forte na defesa e um meio-campo mais criativo.

Entre os jogadores que convoquei estavam Arda Turan, Calhanoglu e especialmente Mustafa Pektemek que teria um papel de impacto no torneio.

No entanto, cometi um grave erro ao convocar dois jogadores abaixo de 18 anos o que diminuiu bastante as opções no banco de reservas.

Chegamos a Bordeaux com baixas expectativas de passar de fase de acordo com as revistas especializadas, o que para nós foi um bom sinal.

Assim que terminei o primeiro coletivo para conhecer melhor os jogadores e escalá-los de acordo com suas características, dei folga aos rapazes e decidi andar pelas ruas de Bordeaux para botar em ordem meus pensamentos.

Parei pra tomar um café e na mesa ao lado, estavam duas pessoas conversando animadamente e assim que me viram, ficaram boquiabertos.

E emocionados.

Eram Carlos e Luís.

Meus irmãos.

* * *

Já fazia um bom tempo que não os via. Visitaram nosso pai durante a Copa de 2014 quando eles já eram auxiliares-técnicos de suas seleções.

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Tanto Carlos como Luís tinham a vocação de técnicos no sangue e até tentaram ser jogadores, mas descobriram que não tinham vocação pra isso e resolveram fazer o curso de Educação Física pela UFPEL.

Carlos foi o primeiro a se formar e imediatamente partiu para o Rio de Janeiro para fazer o curso de treinadores com o objetivo de conseguir algo mais em outro lugar.

Não ficou muito tempo no país e logo chamou a atenção dos dirigentes de alguns clubes europeus.

A Roma o contratou para ser auxiliar-técnico a princípio, mas depois de uma crise, o técnico se demitiu e ele logo assumiu o cargo com inteira desconfiança de todos.

Fez um bom trabalho levando o time a uma campanha honrosa no Campeonato Italiano e dali foi o trampolim pro sucesso.

Ele é mais pragmático e estudioso de táticas de jogo, mas intuitivo com seus jogadores e sempre dá conselhos a eles.

Desde 2013 ele é um dos auxiliares-técnicos de confiança de Joachim Low na seleção alemã e percebi que ali seria um teste bem difícil.

Luís, por sua vez, seguiu os passos de Carlos quatro anos depois. Fez o curso de treinador, mas diferente de Carlos, Luís chegou a treinar o Criciúma por uma temporada antes de aceitar uma proposta do Salamanca.

Partiu para a Espanha e lá encontrou um bom ambiente para consolidar sua carreira em clubes médios fazendo seu nome como o rei do acesso.

Ele também enfrentou desconfianças no começo por ser estrangeiro, mas não podiam ignorar seu bom talento e desde o ano passado, era um dos auxiliares-técnicos de confiança do Vicente Del Bosque.

Luís tinha um estilo mais meio-termo de treinar. Era tanto pragmático quanto ousado nas táticas e motivava os jogadores na base do grito, se fosse preciso.

Claro que entre um cafezinho e outro, falamos de futebol e de perspectivas.

- Ouvi dizer que tu tá formando lá no Caxias uma verdadeira seleção, isso é verdade? – disse Carlos – E agora está aqui como técnico principal, hein, garoto? Quem diria, o bebê chorão cresceu.

- É verdade, mano – falou Luís.

Fiquei ao mesmo tempo acabrunhado e orgulhoso pelo que Carlos disse. Depois ficamos por algum tempo em silêncio lembrando da nossa mãe que certamente está orgulhosa da gente esteja onde estiver.

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Falei pra eles que o pai estava bem e que eu estava feliz em revê-los depois de muito tempo.

- Ouvi dizer que vocês dois se casaram, não é? Porque não fiquei sabendo disso?

Lúcia e eu poderíamos ter ido a cerimônia – disse eu.

- É que não tínhamos clima depois da morte da nossa mãe e a Frida entendeu isso.

Só bem depois é que a gente se casou. Prometo trazê-la pro Natal pro pai poder conhecer.

– falou Carlos.

- O mesmo vale pra mim. Prometo trazer a Violeta no Natal pro pai poder conhecê-la. – confirmou Luís.

Uma das coisas que a gente sempre fazia quando crianças era apostar alguma coisa geralmente envolvendo futebol. Claro que na maioria das vezes, eu pagava o pato e tinha que fazer coisas como lavar a louça, cantar o hino do rival, até mesmo em uma ocasião tive de me vestir de cowboy e rebolar tipo Village People na rua.

Aquilo foi vergonhoso.

E pra não fugir da tradição familiar, fizemos nossa aposta ali mesmo no café.

Aquele que terminasse na frente dos outros dois não iria cozinhar pra ceia de Natal, o médio faria as compras e o pior faria toda a ceia junto com sua respectiva esposa.

Selamos a aposta e cada um foi para sua respectiva seleção. O pior foi explicar pro dirigente da Federação e pros torcedores mais exaltados que aqueles considerados adversários eram meus irmãos e a gente fez uma aposta para ver quem era o melhor de nós.

Felizmente os convenci de que esse gesto abrilhantaria ainda mais o espetáculo trazendo mais motivações aos rapazes pra vencer além dos prêmios em dinheiro.

Voltei ao hotel e fiquei a noite em claro pensando no que fazer pra vencer a Eslováquia, considerada a mais fraca do grupo.

E o que fazer também pra garantir a vitória na aposta que fiz com meus irmãos.

* * *

Começamos vencendo a Eslováquia por 4 x 2 graças a uma ótima atuação de Pektemek que fez dois gols de puro oportunismo com Ersan Gulum marcando de cabeça após escanteio e Arda Turan chutando da entrada da área.

Gostei da atuação dos rapazes e aquela vitória nos deu confiança para especularmos um empate no jogo seguinte contra a Alemanha.

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Depois fui a pretexto de espionar os adversários, ver o jogo entre Alemanha e Espanha, mas na verdade fui prestigiar meus irmãos que duelavam um contra o outro de forma indireta.

O empate em 1 x 1 foi o resultado que pedi a deus. Isto nos deixou na liderança do grupo e comecei com a vantagem na aposta.

Vi naquele jogo que teríamos muitas dificuldades para nos manter devido a qualidade técnica das duas seleções.

No entanto, tinha um trunfo na manga pra motivar os rapazes nestes próximos jogos.

Ajudar-me a garantir um Natal com sombra e água fresca.

* * *

O jogo contra a Alemanha marcou-me muito por ser a primeira vez que confronto diretamente meus irmãos, e Carlos seria o primeiro.

Teria que mostrar a ele o quanto evoluí como treinador e apesar de ser o auxiliar- técnico de Joachim Low, na verdade ele era o técnico.

Parecia que sabia da minha fraqueza no 3-5-2 e escalou Lahm e Hilbert como alas pra tentar as jogadas pelas pontas e pressionar meu sistema defensivo.

E eu não tinha muita opção pelo meio porque acabava sempre congestionado facilitando o erro de passes simples.

Pra piorar as coisas, a infelicidade de Gulum desestabilizou ainda mais o time ao tentar cortar uma bola inócua e coloca-la contra as próprias redes.

A atuação foi muito ruim no primeiro tempo e resolvi colocar Calhanoglu improvisado como um terceiro atacante.

As vezes, a improvisação é mais do que um quebra-galho e dependendo do estilo característico do jogador, pode trazer bons frutos.

Com a entrada dele, Pektemek foi mais acionado e de seus pés saiu os dois gols da virada quase inacreditável.

Primeiro, recebeu de Calhanoglu e fuzilou Neuer pra empatar o jogo e depois ele mesmo roubou a bola de Boateng, invadiu a área, esperou Neuer sair e tocar no canto.

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