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MIGRAÇÕES NA CIDADE: RESISTÊNCIAS NO ACOLHIMENTO

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MIGRAÇÕES NA CIDADE: RESISTÊNCIAS NO ACOLHIMENTO

Vania Beatriz Merlotti HERÉDIA

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Maria do Carmo Santos GONÇALVES

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Resumo: As migrações internacionais são tema da agenda política atual. O Brasil tem discutido essa pauta, principalmente pela mudança da legislação que rege as migrações internacionais atuais.

A mudança na legislação indica a visão que o país tem quanto à mobilidade humana e a forma como tem tratado a mesma. No contexto da sociedade capitalista, a migração laboral é tratada como um meio de suprir mercados de trabalho onde carecem de mão de obra que aceitem as condições que lhe são ofertadas. O estudo objetiva verificar como tem sido o movimento de acolhida de grupos de migrantes que chegam à cidade em busca de trabalho. A pesquisa descritiva, qualitativa, utiliza as falas de vários agentes sociais que atuam em campos de assistência social e da saúde. Os resultados apontam que existem dificuldades no acolhimento e que os responsáveis pelas instituições ao atendimento aos migrantes repassam suas tarefas para outros órgãos. A discussão da hospitalidade reflete as contradições sociais vividas, principalmente pelo fato da cidade ter uma história forte de migrações no passado e no presente não enfrentar as resistências de acolhimento. Apresenta também a dificuldade de diferenciar ações de responsabilidade pública de ações privadas.

Palavras-chave: Migrações Recentes. Cidade média. Hospitalidade.

Introdução

O tema “Migrações internacionais” é pauta da agenda política atual pelo fato de continuar sendo uma alternativa para sociedades que vivem de processos imigratórios. No Brasil, a discussão que ocorre a partir da mudança na legislação brasileira que regulamenta as migrações atuais traz questões referentes a inserção dos migrantes nas cidades que tratam da migração como incremento da força de trabalho.

O presente estudo trata das migrações na cidade de Caxias do Sul, uma cidade média que tem absorvido mão de obra migrante historicamente. Essa cidade foi ocupada no século XIX com migrações históricas, decorrente da política do governo imperial. Tornou-se centro da imigração italiana no Rio Grande do Sul e durante o século XX tornou-se também um forte polo industrial metalomecânico do país. Constata-se por meio de diversos estudos

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realizados pelo Núcleo de Estudos Migratórios da Universidade de Caxias do Sul que as cidades médias têm utilizado mão de

1 Doutora em História pela Universitá degli studi di Genova. Professora Titular da Universidade de Caxias do Sul.

http://lattes.cnpq.br/2028194865995189 E-mail: vbmhered@gmail.com

2Doutora em Ciências Sociais pela PUCRS Pesquisadora do Centro Scalabriniano de Estudos Migratórios (CSEM), Brasília, DF. http://lattes.cnpq.br/9077719338509103 E-mail: estudos1@csem.org.br

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obra migrante em seu parque industrial e nas últimas décadas essas migrações tem proveniência de fora do país. Nesse sentido, a partir de 2010 e em toda a década subsequente, Caxias do Sul recebeu um número considerável de migrantes provenient6es do Haiti, do Senegal, da Costa de Marfim, Guiné Bissau, República Dominicana e nos últimos anos da Venezuela

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.

A partir de 2012, a cidade percebe a presença de migrantes de fora e começa a apresentar alguns indícios de resistência sem se dar conta dos motivos pelos quais eles procuravam a cidade.

Nesse sentido, houve um crescimento das migrações internacionais para Caxias do Sul, que se estende até 2017, de migrantes do continente africano, da América Central e da América Latina, principalmente haitianos e senegaleses.

As migrações internas sempre foram frequentes na cidade e refletem dificuldades que o município teve de acolher migrações de outros locais, mesmo do próprio Estado, como os fronteiriços

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, por exemplo, que vinham para Caxias do Sul em busca de trabalho, não tendo interesse em absorver hábitos da cidade. As migrações internas acarretavam problemas que o município nem sempre conseguia resolver como moradia, transporte e situações de trabalho.

Entretanto, com a chegada de haitianos, e de africanos, principalmente senegaleses a cidade reage, questionando a escolha de destino dos migrantes e criando uma série de dificuldades em relação ao seu acolhimento. Uma das hipóteses em relação a essa reação deve-se que os novos migrantes são recebidos não apenas como migrantes, mas como estrangeiros, àqueles que vêm realmente de fora e rompem com a lógica anterior de uma comunidade que se via marcada pela imigração, mas de outro tipo de migrante, o pioneiro, aquele que chegou primeiro, que desafiou o destino e que venceu pelo trabalho. Essas duas imagens de migrantes se chocam e dali nasce a resistência, com essas novas formas de representações sociais. Os migrantes internos também sofriam resistência, mas não estavam disputando a imagem de estrangeiros.

Os discursos registrados na imprensa e em diversos órgãos oficiais são uma demonstração de resistência quanto a questões de alteridade, que se afirma a partir de marcadores de desigualdade social, de distinção de grupos. O desconhecimento das culturas africana e centro americana, seus valores, formas religiosas, hábitos culturais entre outros por parte da população reflete resistência a situações relacionadas à cor, a cultura e principalmente ao entendimento de como se dão os processos migratórios.

4 HERÉDIA, V. B. M.; MOCELLIN, M. C.; GONÇALVES, M. do C. (Org.) Mobilidade humana e dinâmicas migratórias. Porto Alegre: Letra & Vida, 2011. HERÉDIA, V. B.M. (Org.) Migrações internacionais: o caso dos senegaleses nos Sul do Brasil, Caxias do Sul: Belas Letras, 2015.

5 MOCELLIN, Maria Clara; HERÉDIA, V.B.M. Dinâmicas migratórias, trabalho e diferenciação social: o caso das migrações em Caxias do Sul. p.144-165. In: Século XXI Revista de Ciências Sociais. Vol.8, nº1, jan./jun.2018.

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O estudo é de natureza qualitativa, e traz para a análise os resultados de diversas entrevistas, realizadas pelo Núcleo de Estudos Migratórios da UCS, no período de 2015-2020 acerca da hospitalidade oferecida aos migrantes pela cidade. As entrevistas foram realizadas com representantes de várias instituições que atuam com migrantes tanto na esfera pública como na esfera privada. O estudo pretende contribuir para a discussão sobre acolhimento e migração com dados registrados a partir de experiências que ocorrem com migrantes.

O estudo faz parte de um projeto maior que se denomina “Migrações e Hospitalidade” que tem por finalidade verificar como se dá o processo de hospitalidade nos grupos migratórios que chegam à cidade de Caxias do Sul seja no olhar de quem chega, seja no olhar de quem recebe.

Nesse contexto, o estudo tem como objetivo analisar as contradições que nascem das distintas posições da população envolvida acerca do acolhimento e da hospitalidade frente à presença de migrações internacionais recentes na cidade de Caxias do Sul. O estudo exploratório, de natureza qualitativa, tem como método a abordagem crítica. Os sujeitos entrevistados representam instituições que lidam com a cidade, com as políticas públicas e com programas sociais.

Migração, cidade e hospitalidade

O conceito de migração utilizado nesse estudo é o de Becker (1997) que considera o processo migratório como uma forma de mobilidade da população. Trata a migração como um mecanismo de deslocamento que provoca “mudanças nas relações entre pessoas (relações de produção) e entre essas e seu ambiente físico” (1997, p.323). Os estudos migratórios pressupõem que os deslocamentos humanos oportunizam mudanças culturais quando o migrante entra em contato com o contexto cultural que o recebe, e, por conseguinte, também transforma esse contexto receptor.

Algumas cidades têm experiências migratórias ao longo de sua expansão e mostram como absorvem a mão de obra por meio de suas organizações. Estudos

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feitos pelo Núcleo de Estudos Migratórios da Universidade de Caxias do Sul (2011, 2015) mostram que as cidades médias tem recebido mão de obra de fora muito mais que as regiões metropolitanas e tem absorvido a força de trabalho migrante.

O destino de migrantes para cidades médias em detrimento de centros urbanos pequenos ou de centros urbanos complexos faz com que o migrante tenha melhores condições de se integrar

6 Ver: Dissertação de Mestrado de Caroline da Silva Camargo realizada no Programa de Pós-Graduação em Turismo e Hospitalidade da Universidade de Caxias do Sul.

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devido às oportunidades que lhe são oferecidas. O argumento usado pelos autores Amorim Filho e Serra (2001) refere-se de que as cidades médias possuem condições de acolher migrantes à medida que se transformam em centros regionais, marcados pelas atividades produtivas, com a integração de atividades do setor secundário e terciário integradas. Os autores justificam que as cidades médias possuem “tamanho demográfico e funcional suficiente para que possam oferecer um leque bastante largo de bens e serviços ao espaço microrregional a elas ligado; suficientes, sob outro ponto, para desempenharem o papel de centros de crescimento econômico regional” (AMORIM FILHO &

SERRA, 2001, p.9).

A hospitalidade pode ser entendida como a relação com o lugar e a relação com o outro, o

“acolher alguém de forma hospitaleira significa abrir o espaço próprio sem reservas ou desconfianças” (BAPTISTA, 2008, p.8). A hospitalidade pressupõe que a cidade aceite o processo migratório como condição de seu crescimento e colabore no processo de inserção no mercado de trabalho, na vida comunitária, na inserção sem preconceitos, sem diferenças sociais e espírito de colaboração.

Na realidade, cidades onde concentram populações que são resultados de processos migratórios deveriam ser mais receptivas pelo fato de terem passado por experiências semelhantes em outro tempo, em outra época. Mas o que ocorre é que desconhecem que também carregam marcas da mobilidade passada.

A hospitalidade não pode discriminar nem rejeitar. Nesse âmbito, a hospitalidade pode ser vista como “uma utopia e uma prática”. Na prática, os imigrantes precisam lidar com a questão da alteridade e enfrentar circunstância de diferença, de contradição e de preconceito. Na teoria, a integração poderia ser feita a fim de evitar prejuízos em relação aos que vêm de fora, mas cada qual teria ciência de seu papel.

Sayad (1998) outro autor importante nos estudos migratórios, coloca que o migrante possui uma situação provisória que tem a ilusão de ser permanente. Entretanto, um conceito que permeia todo o estudo é o conceito de migração de Becker (1997, p. 323), que considera o processo migratório como uma forma de mobilidade espacial da população, ou seja, a autora vê a migração como um mecanismo de deslocamento que provoca “mudanças nas relações entre pessoas (relações de produção) e entre essas e seu ambiente físico”.

Os estudos migratórios pressupõem que há nos deslocamentos humanos necessidade de

entrar em contato com um novo contexto cultural que recebe e por mais, que os motivos dos

deslocamentos sejam diversos, os mecanismos de recebimento podem mostrar o grau de inserção

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daqueles que vêm de fora, os próprios mecanismos e as estratégias de aceitação ou resistência da comunidade em estudo. O estudo de Norbert Elias e Scotson (2000, p.20) mostra que “aqueles que chegam e não se inserem automaticamente na sociedade são considerados ‘os de fora’ e esse julgamento é estabelecido ‘por aqueles que já estão estabelecidos”. Trazem para a discussão “a mecânica da estigmatização” e no momento do recebimento, essa discriminação torna-se evidente e não auxilia o acolhimento.

Formas de resistência

As resistências são evidentes na vida coletiva da cidade. A presença de migrantes que carregam diferenças culturais visíveis acarreta dificuldades para a inserção daqueles que vêm de fora quando são vistos como “intrusos úteis” ou mesmo desconhecidos inoportunos

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. Ambrosini (2011) chama a atenção desse conceito quando analisa as migrações internacionais na Itália. É muito semelhante o que ocorre no município de Caxias, objeto desse estudo, quando os migrantes são necessários para alguns segmentos econômicos, sem ser para o conjunto da população que resiste quanto a sua inserção na cidade, no trabalho, questionando seus hábitos culturais. Aceita que os migrantes são necessários para alguns trabalhos, mas não os acolhe como semelhantes.

Em uma das entrevistas realizadas, uma servidora pública quando trata dos migrantes, comenta:

[...] Eles falam e então assim, quando eles vêm aqui a gente já vê para onde vamos encaminhá-los? [...] Então a gente encaminha eles para esses serviços. Normalmente a gente manda para o CAM[...] No começo foi muito difícil para nós porque a gente não sabia nem o que fazer com eles? A gente não tinha isso. Os nossos serviços todos cheios e normalmente chegava assim de 50 (Entrevista 4, 2015).

É visível a questão do: “nós” e “eles”. Essa diferença nos estudos identitários evidencia a alteridade. Quem são eles? Quem somos nós? Como ajudá-los a fazer a inserção, como acolhê-los.

A hospitalidade está condicionada a que situação? O “nós”, na visão de Elias e Scotson (2000) seriam os estabelecidos, aqueles que chegaram antes, os pioneiros e são esses que definem o que são os outros. E os outros ficam sempre numa situação que jamais será considerada capaz de se igualar. Mesmo que sejam considerados por representantes de indústria e de serviços

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como migrantes educados e responsáveis, permanece no senso comum elementos de distinção. Em alguns relatos, identificamos que quando chegaram a cidade, havia um discurso de que vinham de fora

7AMBROSINI, Maurízio. Utili invasori. L’inserimento degli immigrati nel mercato del lavoro italiano. Milano: Franco Angeli, 1999.

8 Entrevistas com representantes de sindicatos e entidades de classe.

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para tirar o emprego dos moradores da cidade, entretanto, a inserção no trabalho se deu devido a capacitação profissional. Mas sofrem muitas discriminações dentro do ambiente fabril.

Em um dos relatos de uma empresa, um migrante que era muito capacitado começou a ser perseguido pelos colegas de trabalho devido a sua qualificação. “Ele começou a ser perseguido lá porque foi subindo rapidinho, e ele era engenheiro. De repente, o pessoal começou a perseguir ele.

Ele entrou em surto” (Entrevista 4, 2015). São situações comuns. O migrante possuía nível superior, mas seu diploma não estava reconhecido no país.

Mesmo que haja a compreensão de que é importante acolher os migrantes, nem sempre as condições são favoráveis. Constata-se que os entrevistados tem uma noção de hospitalidade, mas as condições da própria cidade dificultam o acolhimento. Relatam que muitos migrantes não têm documentação, não falam a língua, tem dificuldade de se comunicar e um outro aspecto que ressaltam é que são muitos.

Nesse contexto, constata-se ainda um despreparo ao receber migrantes de outras nacionalidades pela situação da língua, da própria cidade não ter espaços de acolhimento.

Uma das formas de resistência encontra-se na negação de que haja preconceito. Entretanto nas falas de alguns agentes que atendem em serviços que migrantes procuram, mostra a dificuldade de entender que alguns direitos não são apenas dos cidadãos, mas de todos, e os tratam como se não fossem iguais. Não necessariamente seriam respostas com presença de discriminação. Entretanto, fica visível o preconceito quando trato o outro como se fosse inferior.

As explicações racistas ocorrem e mostram que em muitos grupos há a crença da superioridade daqueles que recebem e da inferioridade daqueles que se deslocam. Segundo Chambers (2018, p.7), “o racismo não é uma patologia individual, mas uma estrutura de poder que continua a gerar a hierarquização do mundo”.

O acolhimento condicionado

Caxias do Sul é uma cidade que, apesar de ter elaborado discursivamente a noção de uma homogeneidade cultural, arraigada às suas origens nas dinâmicas migratórias de italianos para as Américas ao final do século XIX, passou por consideráveis mudanças culturais desde então.

Considerando as falas dos agentes que integram a pesquisa, exploramos a seguir a noção da

constituição na cidade de diferentes sistemas de hospitalidade, que se desdobram por meio de um

variado leque de concepções e acolhimento endereçadas aqueles “que vem de fora” do município. A

pluralidade que caracteriza hoje a cidade expõe diferentes nichos e graus de resistência a esse

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acolhimento, configurando aquilo que aqui identificamos como um sistema de acolhimento condicionado que expressa uma hospitalidade também condicionada e fragmentada.

Escolhemos para nossa análise uma das entrevistas, conduzidas no escopo dessa pesquisa, com uma pessoa representante do poder público. A partir dessa análise identificamos duas expressões de hospitalidade indicadas pelo entrevistado que nos dizem sobre o tipo de hospitalidade ofertada e suas condicionantes. Cada um desses tipos identificados configura um tipo de sistema, que no escopo deste trabalho não poderemos explorar de modo mais exaustivo, mas que funcionam de modo hora articulados, hora independentes. Isso possibilita que os migrantes circulem por esses diferentes sistemas de hospitalidade ou que os acessem de acordo com suas necessidades ou possibilidades.

O primeiro sistema identificado na fala de nosso interlocutor é o Sistema de Hospitalidade nacional, expresso pelos apoios, serviços e ações levadas à cabo pelas associações de migrantes.

Segundo o entrevistado (2015), uma das práticas do poder publico quando os migrantes chegam à cidade, é serem encaminhados para as Associações de migrantes.

[...] quando eles (os imigrantes) vêm aqui (no setor público) a gente já vê (sua origem) para onde vamos encaminhá-los né? Agora como tem a associação já dos senegaleses, tem a associação dos haitianos, né? Então a gente encaminha eles para esses serviços (Entrevista 4, 2015).

A hospitalidade vinculada à noção de pertencimento à um grupo nacional é uma expressão

de acolhida voluntária que funciona às margens do Estado, ou seja, sem recursos ou incentivos

públicos para sua execução. Isso ocorre em boa parte alicerçado na crença de que imigrantes de

uma mesma nacionalidade teriam uma certa obrigação de acolhimento mútuo. Nesse sentido, esse

dever de demonstrar hospitalidade ao conacional, parece estar dado como uma obrigação que supera

até mesmo o que deveria ser uma prerrogativa do próprio Estado. Outro aspecto desse tipo de

acolhimento é o fato de os imigrantes mobilizarem suas próprias formas de hospitalidade, que no

caso descrito, se articula com a acolhida ofertada pelo espaço público. Nesse tipo de hospitalidade

encontramos expressões da condicionalidade do acolhimento. Em um primeiro plano temos o fato

de o estado não considerar a oferta de serviços (como o ofertado pelos imigrantes aos seus

conacionais) como uma responsabilidade sua, visto que essa obrigatoriedade do Estado parece estar

condicionada à característica “ser nacional brasileiro”. Os brasileiros que se encontram na mesma

situação dos imigrantes recém-chegados não são encaminhados aos serviços prestados pelas

associações de imigrantes. E os imigrantes são encaminhados somente para as Associações que

correspondem à nacionalidade verificada (haitianos, senegaleses, venezuelanos, etc.). Ao mesmo

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tempo as Associações de Imigrantes condicionam sua acolhida também ao tipo de pertencimento nacional, visto que não há uma obrigação implícita de prestar solidariedade à imigrantes que não compartam de seu mesmo pertencimento nacional. Até mesmo esse tipo de acolhida, pode ainda ser filtrado por outros tipos de condicionantes que incluem, além da nacionalidade, um mesmo pertencimento religioso, mesmo sexo, grupo étnico ou, até mesmo, um mesmo grupo familiar.

Um segundo sistema está condicionado pela variável “inserção laboral”. De acordo com o entrevistado

,

[...] outro dia uma moça me entrevistou da (EMPRESA X) é uma firma aqui de Caxias e eles tem muitos que trabalham lá e ela disse que são pessoas muito responsáveis. Ela disse que é impressionante o senso de responsabilidade que eles têm com o serviço. E, ela disse que eles chegaram assim e muitos não falavam português e os colegas mesmo ajudando eles para que eles pudessem se ambientar pra que ficassem no trabalho (Entrevista 4, 2015, grifo nosso).

Nesse campo de acolhimento, todos os esforços e ações estão mobilizados nas circunstâncias de uma hospitalidade ofertada no ambiente de trabalho e/ou para a adaptação a ele.

As condições de entrega dessa acolhida aparecem expressas em uma percepção subjetiva que vincula como atributos do migrante sua “responsabilidade” e sua “vontade” de engajar-se na cadeia produtiva. O desejo de trabalho passa a figurar como a condição para a entreajuda, o apoio e esforço dos nacionais para sua ambientação. Esse tipo de acolhida é suprimido ou negado para aqueles que não querem ou podem empreender o rito da inserção laboral. Também é um tipo de hospitalidade que se vincula à necessária existência de postos de trabalho disponíveis. Do contrário, esse tipo de hospitalidade rapidamente se transforma num sistema de hostilidade, como indica o entrevistado.

Claro que sempre tem aqueles que dizem... Ah aqui não tem serviço... Essa gente vem tirar nosso serviço... Ninguém tira o serviço de ninguém...Sabe? Eu vejo isso assim: quando tu queres uma coisa, tu vai atrás e tu consegue, mas tu tem que querer (Entrevista 3, 2015, grifo nosso).

Nesse sentido, essa regra de hospitalidade alicerçada sob a perspectiva da inclusão laboral também se aplica aqueles que sendo brasileiros, não “fazem por merecer” esse tipo de acolhida.

Pode-se dizer que esse tipo de acolhimento está condicionado pelo mérito, que, sob essa

perspectiva, superaria a barreira da nacionalidade, desde que incluído o desejo do trabalho e a

necessidade por mão de obra.

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Considerações finais

O estudo conclui que as cidades médias tem absorvido um número considerável de migrantes internacionais e que no momento da migração não ofereciam oportunidades de trabalho e emprego. Esse movimento que tem se dirigido para as cidades médias reflete uma dinamização da economia e mostra uma mudança no padrão migratório que antes ocorria em direção às regiões metropolitanas. As cidades médias oferecem oportunidades semelhantes das cidades maiores que apresentam um grau de saturação e ao mesmo tempo possuem um contato com as cidades menores, o que pode representar para essas últimas um modelo de crescimento.

As cidades que tem experiências migratórias contínuas refletem o grau de integração que essas populações trouxeram quando se inseriram nas novas sociedades. A cidade contemporânea é marcada pela variedade de dimensões e contradições; é o lugar da “maior segmentação de papéis”

(CANCLINI, 1997). De acordo com o autor, as cidades que nascem com vocação industrial multiplicam seus papeis, “como lugar dos relacionamentos associados tipo secundário, onde haveria uma maior segmentação de papéis e uma multiplicidade de pertences” (CANCLINI, 1997, p. 69).

No caso analisado no estudo, observa-se que a imagem do imigrante internacional foi elaborada em torno da narrativa do pioneirismo da imigração italiana para a cidade. Essa imagem desempenha o papel de tipo ideal com o qual se comparam os subsequentes fluxos migratórios para a região. As migrações internacionais recentes, principalmente de haitianos, senegaleses e venezuelanos, passou a concorrer narrativamente com o discurso predominante dos imigrantes a muito tempo estabelecidos no local. Essa disputa se reflete nas resistências ao acolhimento verificadas na pesquisa. As resistências dão origem a variados e fragmentados tipos de acolhimento, expressando-se em sistemas de hospitalidade condicionados.

Referências bibliográficas

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In: Revista Hospitalidade. Ano V, número 2, dez.2008. In:

https://www.revhosp.org/hospitalidade/issue/view/21 Acesso: 26 de junho de 2021.

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SAYAD, A. A Imigração ou os paradoxos da alteridade, São Paulo: Edusp, 1998.

Migration in the city: resistance to reception

Abstract: International migrations are a topic on the current political agenda. Brazil has been discussing this agenda, mainly due to the change in the legislation that governs current international migrations. The change in legislation indicates the country's view of human mobility and the way it has dealt with it. In the context of capitalist society, labor migration is treated as a means of supplying labor markets where there is a lack of labor that accepts the conditions offered to them.

The study aims to verify how the movement of welcoming groups of migrants who come to the city in search of work has been happening. The descriptive, qualitative research uses the speeches of several social agents who work in the fields of social assistance and health. The results show that there are difficulties in the reception and that those responsible for the institutions to care for migrants transfer their tasks to other bodies. The discussion of hospitality reflects the social contradictions experienced, mainly because the city has a strong history of migrations in the past and in the present, not facing the resistance of reception. It also presents the difficulty of differentiating actions of public responsibility from private actions.

Keywords: Recent migrations. Middle city. Hospitality.

Referências

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