• Nenhum resultado encontrado

Mediação entre o trabalhador manual e a autoria no artesanato

N/A
N/A
Protected

Academic year: 2022

Share "Mediação entre o trabalhador manual e a autoria no artesanato"

Copied!
53
0
0

Texto

(1)

Departamento de Design

Bárbara de Carvalho Monteiro

Mediação entre o trabalhador manual e a autoria no artesanato

Brasília, 2018

(2)

Mediação entre o trabalhador manual e a autoria no artesanato

Trabalho de conclusão de curso apresenta- do à Banca Examinadora do Departamento de Design como requisito para obtenção do título de Bacharel em Design com habilitação em Programação Visual, sob orientação do professor Evandro Renato Perotto.

Brasília, 2018

(3)

À minha mãe que sempre confiou e me apoiou nas minhas escolhas.

Ao meu pai que me deu o que a vida pode dar a ele.

Ao professor Evandro Renato Perotto, meu orientador, que me auxiliou ao longo do curso desde o primeiro momento que o conheci.

Ao Mateus Ramos, que me apoiou e auxiliou durante todos esses anos de curso.

A todos os meus colegas de curso que caminharam comigo até aqui.

Às minhas queridas amigas Marjorie Amy e Sara Valadão que colaboraram com a revisão deste projeto.

E a todos os professores que já tive e que contribuíram com um pouquinho deles na minha formação e para este projeto.

Na vida não fazemos nada sozinhos. Muito obrigada.

(4)

John Frusciante

(5)

O seguinte projeto propõe um livro interativo físico que tem como finalidade a mediação entre o trabalhador manual e a construção de sua própria autoria. O público-alvo desse projeto editorial é reconhecido muitas vezes como artesão, no entanto, identificou-se que esse público se encaixa no grupo de trabalhos manuais de acordo com termos e bases conceituais de instituições que promovem e regulam o artesanato no Brasil.

Esse grupo tem como características principais a apropriação de ícones da indústria cultural e o baixo valor cultural agregado em seus trabalhos; dessa forma, enfrentam dificuldades no seu posicionamento de mercado. Por isso, utilizou-se como conceitos eixos o processo criativo, a identidade e o valor, os quais nortearam as abordagens do conteúdo do livro.

Na proposta de abordagem do conteúdo editorial, buscaram-se como referência tra- balhos de designers que contribuem ou contribuíram para o tema. Revisaram-se publi- cações destinadas ao público-alvo, e também livros interativos já publicados. Depois, definiram-se três objetivos que orientam o conteúdo, a distribuição de páginas e a comunicação visual de cada página. E por fim, apresentou-se a proposta gráfica do livro interativo.

Palavras-chave: artesanato urbano, design, identidade, trabalhos manuais

(6)

The following project proposes an interactive book that aims a mediation between handicraftsman and the development of crafts of his own authorship.

The target audience of this editorial project is often called artisan, however, this group is better defined as handicraftsman, based on the terms and conceptual basis of brazilian institutions that promotes and regulate the craft industry in the country. This target group has as main and recurring characteristic the appropriation of icons of the cultural industry and the low cultural value added in their work, as consequence, they are unable to achieve a good market position. For this reason, the creative pro- cess, identity and value were used as axis concepts that guided the approaches of the content of the book developed.

To build the content of the editorial, work of designers that have contributed to the theme approached in this project were used as reference. As well as interactive books and also publications addressed to the main target audience. The next step was to define three objectives to guide the development of the content, the distribution of pages and the visual communication of each page. At the end, the graphic proposal of the interactive book is presented.

Keywords: urban artisan, design, identity, artisan, handicraft, handicraftsman

(7)

Figura 1 – Panelas de Barro de Goiabeiras ...15

Figura 2 – Bordado do Grupo Matizes Dumont ... 16

Figura 3 – Boneco Capitão America em Feltro ... 21

Figura 4 – Toucas de crochet ... 21

Figura 5 – Capa e páginas do livro Destrua este diário ...31

Figura 6 – Interação dos usuários com a materialidade do livro versão portuguesa e espanhola ...31

Figura 7 – Capa e página do livro Question & Answer a day ... 32

Figura 8 – Capa e página do livro Arte Brasileira para Crianças ... 32

Figura 9 – Revista Faça e Venda ... 33

Figura 10 – Apostila Crochetando com Marcelo Nunes e revista Emborrachados EVA 34 Figura 11 – Livro Crafting Tilda’s Friends e Homemade & Happy ... 34

Figura 12 – Distribuição dos campos sobre páginas ... 38

Figura 13 – Página de introdução ... 38

Figura 14 – Página de exercício de cor ... 39

Figura 15 – Página de armazenamento ... 40

Figura 16 – Página de janela de influência das cores ... 40

Figura 17 – Formato de página e grelha ... 41

Figura 18 – Conteúdo distribuído sobre a grelha ... 42

Figura 16 – Família Goodlife ... 42

Figura 17 – Fonte Klee ... 43

Figura 18 – Opções de capa... 44

Figura 19 – Capa aberta e lombada ... 45

Figura 20 – Folha de rosto ... 45

Figura 21 – Introdução ao campo aprender ... 46

Figura 22 – Exercícios de desenho ... 46

Figura 23 – Página Fundamentos da Linguagem Visual ...47

Figura 24 – Exercícios de Fundamentos da Linguagem Visual e apresentação sobre “Tom” ...47

Figura 25 – Páginas sobre composição e representação ... 48

Figura 26 – Exercícios de fixação sobre representação ... 48

Figura 27 – Página de introdução ao campo ressignificar ... 49

Figura 28 – Página de introdução ao campo ressignificar ... 49

Figura 29 – Páginas do sketchbook campo ressignificar... 50

(8)

Quadro 1 – Quadro de comparação do Termo de referência do artesanato do Sebrae 16 Quadro 2 – Elementos gráficos ... 42

(9)

1. INTRODUÇÃO ... 9

2. CONCEITOS EIXO DA PESQUISA ... 12

2.1 Processo criativo ... 12

2.2 Identidade / poética visual ... 16

2.3 Valor ... 21

3. PAPEL DO DESIGNER COMO MEDIADOR, UMA REVISÃO ...25

4. PROPOSTA DE MEDIAÇÃO: O LIVRO “EU SOU O SEU CADERNO”...27

4.1 Suporte: o livro interativo ... 28

4.2 Revisão de publicações que comunicam com o público-alvo ... 31

4.3 Reconhecer, aprender, ressignificar ... 33

4.3.1 O campo aprender ... 33

5. PROJETO GRÁFICO ... 35

5.1 Distribuição do conteúdo ... 35

5.2 Comunicação e exemplos de páginas ... 36

5.3 Interatividade das páginas ... 37

5.4 Formato e grelha ... 39

5.5 Família tipográfica ... 40

5.6 Elementos gráficos ... 41

5.7 Paleta de cor ... 42

5.8 Produção gráfica e distribuição ... 42

6. O LIVRO “EU SOU O SEU CADERNO” ...42

6.1 As capas ... 42

6.2 O miolo ... 43

CONSIDERAÇÕES FINAIS ...48

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ... 50

APÊNDICE ...52

(10)

1. INTRODUÇÃO

A história do fazer humano mostra que o trabalho do designer, profissão que surge em meio a Revolução Industrial, substituiu várias funções que eram exercidas por artesãos até então. O designer passa a trabalhar como intermediador entre os processos de fabricação e os produtos finais, e logo, substitui a mão de obra especializada do arte- são na projeção de objetos funcionais. No início do século 20, as primeiras escolas de design trouxeram a concepção de que o progresso estético emergia através de formas que fossem funcionais às necessidades das máquinas, logo, excluindo tradições artesa- nais, considerando-as como trabalho menor e do atraso. Este posicionamento chega ao Brasil em meados dos anos 60, época onde iniciava-se uma rápida industrialização no país, resultando na busca por profissionais designados como designers. A relação entre design e artesanato toma um aspecto interessante que demonstra o pensamento da população brasileira em geral da época, principalmente a classe média em crescimento, o artesanato não só era visto como produto menor qualidade, mas como produto de uma classe mais baixa. O objeto artesanal passou a ser entendido como um objeto do atraso.

Ao longo das duas últimas décadas, houve um crescente interesse por parte de desig- ners, instituições de fomento ao empreendedorismo e ONGs pelo artesanato brasileiro, principalmente como referência a uma identidade estética nacional e como meio para o desenvolvimento econômico e social regionais. No entanto, há uma dificuldade na definição do que é artesanato em frente às várias manifestações existentes no Brasil.

Uma delas, selecionada como público principal da pesquisa é a condição de “tra- balhador manual”, definida pelo “Termo de referência para o artesanato do Sebrae”

(2010, p. 13). Este grupo é composto em grande maioria por mulheres, donas de casa, que têm este exercício como segunda ocupação, aprendem as técnicas do ofício por revistas especializadas e muitas vezes utilizam elementos simbólicos estrangeiros em seus trabalhos. Pode-se inferir que a denominação desse grupo como artesãos vem da definição de que um produto artesanal é algo feito manualmente.

O artesanato é o resultado de um ofício histórico de transferência de saberes de gera- ções. Ele tem alta conexão com a história, o território e com a experiência de vida de um povo. Como por exemplo, as panelas de barro de Goiabeiras - ES (Figura 1), que são fabricadas a partir de conhecimento passado dos povos indígenas que viviam ali para as gerações posteriores. De acordo com a Base Conceitual do Artesanato Brasileiro, o artesanato é definido como:

(11)

[...] compreende toda a produção resultante da transformação de ma- térias-primas, com predominância manual, por indivíduo que dete- nha o domínio integral de uma ou mais técnicas, aliando criativida- de, habilidade e valor cultural (possui valor simbólico e identidade cultural), podendo no processo de sua atividade ocorrer o auxílio limitado de máquinas, ferramentas, artefatos e utensílios. (2012, p 14).

A principal motivação que trouxe a realização deste projeto veio a partir da identifi- cação de uma falta de coerência visual e simbólica nos artefatos brasilienses produ- zidos manualmente, denominados como artesanato. Ao longo de pesquisas iniciais foi identificado que não se tratava de artesanato, como nas feiras e até mesmo nos catálogos de profissionais elaborados pelo Sebrae, mas sim de algo que vem antes do artesanato, que é a realização pessoal nas habilidades manuais.

O que nesta pesquisa se define como “trabalhos manuais” é a vontade dos indivíduos do fazer manual, não está inserido num processo histórico cultural, como o do arte- sanato tradicional, e em consequencia disto, não tem uma identidade estética fixa.

Ele está inserido em grande maioria no contexto urbano, produz moldes e padrões pré-definidos difundidos por matrizes comercializadas e publicações dedicadas exclu- sivamente a trabalhos manuais, possui uma produção assistemática e não origina-se de um processo criativo efetivo, utiliza matérias e técnicas de domínio público, produ- tos baseados em cópias, sem valor cultural que identifique sua região de origem ou o artesão que o produziu e recebe influência global, como representação de símbolos da indústria cultural, como os personagens Minions e Mickey Mouse (Base Conceitual do Artesanato Brasileiro, 2012, p. 16).

Por isso, o baixo reconhecimento de uma identidade nos artefatos diminui as poten- cialidades de valor agregado que sustentaria o ofício, como acontece com os arte- sanatos de alto valor cultural agregado. Lia Krucken relata que “para o consumidor, o valor de um produto associa-se diretamente à ‘qualidade percebida’ e à confiança que se constrói em relação a ele, a sua origem e ao local em que está exposto e é comercializado” (2009, p. 26). A história e a identificação dela através da estética de um produto, quando reconhecida por quem interage com a obra, tem como resultado uma qualidade percebida.

Uma vez que um trabalhador manual produz um artefato com a representação sim- bólica de um personagem da indústria cultural como os Minions, habitando a falsa percepção de valor agregado por serem personagens de prestígio mundial, ele se coloca num posicionamento competitivo com a indústria, que por sua vez, tem uma

(12)

imensa capacidade produtiva. E também torna o empreendimento em risco judicial por causa da atribuição dos direitos autorais. Krucken aponta essa problemática às pequenas produções locais, a qual pode ser atribuída também ao caso do trabalhador manual ou artesão, que “muitas vezes não podem competir no mercado fornecido pela distribuição em massa que caracteriza a sociedade atual” (2009, p. 62). A indústria padroniza os produtos intencionando oferecer um preço mais competitivo, dessa forma, o produtor manual não tem condição de competir por preço com a indústria, tendo como opção preencher o que a indústria não consegue totalmente, que é a ca- pacidade de customização e criação de produtos únicos e autênticos. A via é mudar o posicionamento de mercado e buscar a valorização do que é mais forte para o ar- tesanato, que é o valor cultural. Por isso, a proposta dessa pesquisa é encontrar uma metodologia ou modelo já utilizado nas áreas de estudo de poéticas visuais, processo criativo e educação artística que auxilie o trabalhador manual, se assim desejar, no caminho de sua própria poética artística, conectada a sua realidade, expressão pes- soal e experiência de vida.

O trabalhador manual pode entregar mais de si, mais do que meramente a mão de obra técnica, oferecer mais sobre sua história e memória, da sua verdade e da realidade de onde vive para gerar valor agregado. E também posicionar-se para um público que, em potencial, o valorizaria por isso. O papel do designer no projeto é entendido como um produtor de mediações para essa geração valor. A autora Adélia Borges aponta no livro Design+Artesanato que a gestão da identidade de produtos artesanais, pode ser um trabalho em que o designer possa intermediar a manutenção e desenvolvimento.

Ela expõe que “essa demanda surge principalmente nos lugares em que a prática ar- tesanal é mais recente ou em que o artesanato se encontra mais descaracterizado”

(2011, p. 97). Como resultado dessas reflexões, propõe-se um artefato, o livro interativo, que promova o resgate, a reconexão e amadurecimento de uma identidade estética.

Ao longo deste trabalho serão aprofundados conceitos teóricos sobre processo cria- tivo, identidade e valor, buscando entender as influências culturais que permeiam o fazer simbólico, a construção da identidade e a fixação do valor. Posteriormente, usa-se como referências ações de intervenções e mediações realizadas por designers no universo do artesanato. Também, apresentam-se exemplos de livros interativos e publicações destinadas ao público-alvo do projeto. A partir do entendimento dos conceitos teóricos, propõem-se três pilares que guiam o conteúdo editorial e as deci- sões de distribuição do conteúdo. E por fim, apresentam-se os resultados do projeto gráfico e do produto.

(13)

2. CONCEITOS EIXO DA PESQUISA

Considera-se apropriado apresentar conceitos teóricos que estão relacionados com a proposta. São três eixos principais: processo criativo, identidade e geração de va- lor. Mostra-se pertinente apresentar conceitos sobre o processos criativo no campo das Artes, para assim, identificar aspectos que se assemelham também ao ofício do artesanato. A partir de então, é possível entender como o processo se marca na identidade de um artefato e como este é percebido e como lhe é atribuído valor. Assim será possível fundamentar o que o projeto propõe.

2.1 Processo criativo

O processo criativo se manifesta em toda atividade humana. É composto por maneiras que os humanos lidam com as informações coletadas do mundo e a transformam em novas fontes de informações. É muito comum ter o direcionamento de que discutir sobre processos criativos está restritamente ligado a fazeres artísticos, como pintura, música, arquitetura e etc. Mas, apesar de este trabalho estar direcionado para uma atividade dita como criativa, o artesanato, é importante expor que estes processos não são exclusivos das áreas criativas, mas que habitam todo o fazer humano.

Segundo Ostrower (1987), para a execução criativa em qualquer atividade é importante conhecer a materialidade, o fazer. Por exemplo, no caso do público-alvo deste projeto, para se criar novas formas, o artesão de alguma forma deve ter familiaridade com alguma técnica ou ofício. Sua imaginação pode ser direcionada para a exploração da matéria do artefato, como a matéria prima ou sua imaginação pode ser direcionada para a imagem deste artefato. O artesão poderá cruzar a sua experiência de vida, seus pensamentos e questionamentos com a realidade da matéria, que por fim terá como resultado um artefato único ou uma linha de artefatos únicos. A autora expõe que cada materialidade demanda uma forma de mentalização diferente, usando como exemplo:

O pintor, por exemplo, não imagina em termos de palavras ou de pensa- mentos. De fato, nem imagina em termos de imagens, ou seja, imagens concluídas, quadros. Ele pode partir de idéias a respeito de pintura ou de outras coisas, ou pode partir de emoções, das quais nem sempre têm conhe- cimento consciente, ou, ainda, ele pode partir de temas literários, históricos, religiosos, de cenas visuais como paisagens, figuras humanas, objetos, natureza morta […] A imaginação do pintor consiste em ordenar, ou preorde- nar – mentalmente – certas possibilidades visuais, de concordâncias ou de dissonâncias entre cores, de sequências ou contrastes entre linhas, formas, cores, volumes, de espaços visuais, com ritmos e proporções. (1987, p. 35).

(14)

Por outro lado, o autor Ariano Suassuna apresenta o fazer artístico de forma mais abrangente, definindo-o em três campos, o do ofício, o da técnica e o da forma, o que podemos definir também como camadas sobrepostas no fazer artístico:

[...] no ofício e na técnica está tudo o que, numa Arte, pode ser ensinado, tudo aquilo que é governado pelas vias certas e determinadas da Arte, coisa indispensável ao iniciante, mas que, no máximo, forma um bom artesão.

Mas o terceiro campo, o da forma, governado pela regra única e soberana da imaginação criadora, é o que fará o artista, imprimindo indelevelmente sua marca peculiar e original à sua obra. (2009, p. 267).

A partir da exposição de Suassuna é possível compreender que o artesanato habita o campo do ofício e da técnica. Voltando ao exemplo das panelas de Goiabeiras - ES (Figura 1), o ofício é “fazer panelas de barro” e a técnica é o modo de fazer essas panelas, como a forma de recolha e tratamento do barro, a modelagem e a queima.

Neste caso, pode ser que não seja expresso na materialidade a imaginação criadora de cada indivíduo envolvido na fabricação, mas a marca ou identidade surja a partir do processos tradicionais e seu valor histórico regional. O artesão não ultrapassa para o campo da forma, o campo do artista. No entanto, o exemplo do autor nos serve aqui como apresentação dos papéis dessas camadas existentes no fazer artístico, e não se acredita que este argumento deva limitar o artesão ao ofício e à técnica. Temos exemplos existentes de artesãos que ultrapassaram estes dois primeiros campos no Brasil, como os bordados do grupo Martizes Dumont (Figura 2), que transcenderam o campo da técnica e do ofício, obtidos pela herança familiar, e passaram ao campo da forma para criarem novos sentidos e possibilidades a esse ofício tradicional. É como se os artesãos usassem a técnica do bordado como linguagem e aplicassem suas imaginações criadoras dentro dele, contando histórias e criando novos universos.

Figura 1 – Panelas de Barro de Goiabeiras

Fonte: Caixa Colonial Club

(15)

Figura 2 – Bordado do Grupo Matizes Dumont

Fonte: Grupo Matizes Dumont

Por meio dos conceitos apontados por Suassuna, pode-se interpretar na perspectiva de Ostrower, que o campo da forma está em todo o processo criativo, pois, ela mes- ma o considera um processo formador “os processos criadores são essencialmente processos formativos, processos configurados” (1987, p. 68). Mas, uma vez que o trabalhador manual consegue o domínio da técnica e do ofício, ele ganhará mais autonomia para dar mais de si:

[...] para poder ser criativa, a imaginação necessita identificar-se com uma materialidade. Criará em afinidade e empatia com ela, na linguagem es- pecífica de cada fazer. Mas sempre conta a visão global de um indivíduo, a perspectiva que ele tenha do amplo fenômeno que é o humano, o seu humanismo. (OSTROWER, 1987, p. 39-40).

Suassuna também comenta sobre essa autonomia, ele diz que é necessário que o ofício seja incorporado pelo artista a tal ponto que ele possa ser esquecido, assim como a técnica, “superando os obstáculos da realização” (2009, p. 262).

Podemos destrinchar mais sobre esses conceitos trazendo para a realidade do artesa- nato tradicional. O ofício seria passado entre gerações, mas a técnica, ensinada pelo mestre ou pelo grupo, poderia ser alterada pelas necessidades atuais do momento, sendo modificada pelo autor, imprimindo certa identidade particular até onde o campo da técnica permite. O campo da forma habita o fazer e a maior liberdade que o artesão pode chegar, o que pode-se dizer, chegando em face a condição do artista popular.

Talvez seja por isso que ainda existam dificuldades de delimitar quando se termina o artesanato e quando começa a arte popular. Como acontece no “Termo de referência do artesanato do Sebrae” (2010, p. 13):

(16)

Quadro 1 – Quadro de comparação do Termo de referência do artesanato do Sebrae Arte Popular Artesanato Trabalhos Manuais Produção de pecas

únicas

Produção de

pequenas séries com regularidade

Produção assistemática Arquétipo Produtos semelhantes,

porém diferenciados

entre si Reprodução ou cópia Compromisso

consigo mesmo Compromisso

com o mercado Ocupação secundária Fruto da criação

individual Fruto da necessidade Fruto da destreza Fonte: Sebrae Nacional

O compromisso consigo mesmo (Arte Popular) estaria no campo da forma e o compro- misso com o mercado (Artesanato) seria o do ofício e o da técnica, pois o mercado iria identificar as habilidades natas do artesão através desses dois campos. Entende-se como se o campo da forma estaria por completo na liberdade expressiva, por isso pode não haver certa adaptabilidade às demandas do mercado. A autora Geruza Viera (2014) também identificou a presença da técnica como principal aspecto no artesa- nato na cidade de Goiânia e regiões brasileira. Em sua pesquisa, ela percebeu que todos eles possuíam sua própria forma de construírem suas peças. No entanto, neste projeto, também se entende que o mercado preze por uma identidade mais autoral no produto artesanal, justamente pela questão da busca por produtos mais autênticos, o que será apontado mais à frente.

Vê-se importante também expor o papel do meio cultural onde o artista/artesão vive, e que de alguma forma está respondendo às demandas culturais do seu tempo e espaço contemporâneo. Mesmo que ele, o artista, esteja expressando seus sentimentos mais íntimos, esses sentimentos são também produtos do próprio meio cultural. Por isso, tudo o que produz de alguma forma está respondendo a algo que está na cultura, ele não é isolado da cultura. Ostrower expõe que:

“não só a ação do indivíduo é condicionada pelo meio social, como também as possíveis formas a serem criadas têm que vir ao encontro de conheci- mentos existentes, de possíveis técnicas ou tecnologias, respondendo a necessidades sociais e a aspirações culturais” (1987, p. 40).

Também é possível identificar esse pensamento na obra “Acasos e Criação Artística”, em que Ostrower diz que o indivíduo está sempre respondendo o contexto onde se vive:

(17)

Na elaboração destes pensamentos não desconsideramos o fato de o homem ser produto de sua época, mas nunca apenas seu produto. Ele é algo mais.

Cada homem é um indivíduo. Ao agir, interage com o mundo. Eventualmente ele agirá sobre o próprio contexto cultural, por motivos talvez de ordem pu- ramente pessoal e correspondentes a um potencial específico seu, podem desencadear-se no indivíduo respostas que, à medida em que se aprofundam certos valores e certas possibilidades existentes no contexto em que vive, modificam essas possibilidades para rumos diferentes. (1995, p. 103).

O processo criativo é a característica pela qual cada indivíduo resolve suas atividades, logo, influencia nas configurações finais dos artefatos, e marca a identidade, a presença desse indivíduo. Os graus de expressão dessa identidade varia de acordo com as esco- lhas individuais, podendo esta chegar até o campo da forma, expressando a máxima de si, ou permanecendo no campo natural do artesanato, o do ofício e da técnica, que também marca uma identidade. O meio cultural também influencia nesse processo e nos resultados dessa impressão de identidade, o homem interage com o seu espaço e o seu tempotempo; então, tudo que ele produz também é fruto do seu meio.

2.2 Identidade / poética visual

Considera-se nesta pesquisa que a identidade é um fator importante para a diferencia- ção entre os produtos artesanais. Por isso é preciso compreender o que é a identidade e como ela é construída ao longo do processo criativo.

O autor Stuart Hall entende que a identidade é um processo que surge desde o momento do nascimento e que é modificada durante todo um percurso, está sempre sendo formada.

Ele enfatiza que “assim em vez de falar da identidade como uma coisa acabada, deve- ríamos falar de identificação, e vê-la como um processo em andamento” (2006, p. 39).

Esse processo pode ser percebido nas palavras do autor Rafael Cardoso, sobre as quais é possível inferir que a identidade está ligada diretamente à memória. “A capaci- dade de lembrar o que já viveu ou aprendeu e relacionar isso com a situação presente é o mais importante mecanismo de constituição e preservação da identidade de cada um” (2012, p. 73). Ele explica que a memória tem um papel muito importante na cons- trução da identidade, como por exemplo, os indivíduos usam sua história para explicar no presente quem são e de onde vieram. Cardoso expõe também que a memória é sempre filtrada, os indivíduos selecionam o que será compartilhado. “Cada um extrai do passado aquilo que considera importante, ou relevante, e o assimila àquilo que considera ser sua identidade no presente” (2012, p. 91).

(18)

Como a memória está em constante construção e validação, cabe entender que a identidade também está em constante mudança de percepção, uma vez que as fa- ces e as vivências dos indivíduos estão em mutação na passagem do tempo. Tanto a edição das memórias feitas por quem quer comunicar uma identidade quanto para quem recebe essa comunicação:

A identidade está em fluxo constante e sujeita a transformação, equivalendo a um somatório de experiências, multiplicadas pelas inclinações e divididas pelas memórias. Quando se pensa que o sujeito existe, ao longo de sua vida, rodeado por enunciados e informações, produtos e marcas, design e projeto, começa-se a ter uma noção das múltiplas maneiras em que a memória e identidade podem interagir para moldar nossa visão do mundo material e condicionar nossa relação com os artefatos que nos cercam.

(CARDOSO, 2012, p. 91 – 92)

A globalização influencia na construção dessas identidades, uma vez que este fe- nômeno compressa o espaço e o tempo, torna presentes ocorrências e experiências de diversas parte do mundo. Por exemplo, o acesso a bens culturais como quimonos japoneses por brasileiros, ou a presença do prato italiano pizza em diversos países do mundo. Esses bens fazem parte da identidade cultural dessas nações, no entanto são introduzidos e adaptados a contextos culturais totalmente diferentes e geografi- camente distantes.

Stuart (2006) aponta que o tempo e espaço são coordenadas básicas de todo sistema de representação, o primeiro localizado no período histórico e o segundo no lugar his- tórico, por exemplo, o quimono japonês é uma vestimenta tradicional criada no Japão feudal, que ao longo dos anos se tornou um artefato utilizado em cerimônias ligadas à memória local, tornando-se um item de identificação do povo japonês. O autor relata

“todo meio de representação – escrita, pintura, desenho, fotografia, simbolização através da arte ou dos sistemas de telecomunicação – deve traduzir seu objeto em dimensões espaciais e temporais” (2006, p. 70). Esses artefatos são resultado das experiências espaciais e temporais dos indivíduos, por isso, a presença de hábitos e artefatos culturais estrangeiros podem interferir na produção local e na construção da memória de cada região.

Stuart aponta o fenômeno da globalização não como um problema, mas a maneira como ela funciona de forma desigual sobre as regiões do mundo. As nações com maior poder aquisitivo e que historicamente dominaram várias regiões permanecem com sua posição privilegiada de ser um modelo cultural a ser seguido (2006, p. 71),

(19)

o qual a valorização dos aspectos culturais das nações antes colonizadas é sempre voltada para a identidade étnica e exótica, provisório e de tendência temporal. Esta dominação se torna uma imposição cultural, influenciando na apreciação de artefatos culturais e na identidade das produções locais.

Conforme foi apontado anteriormente nesta proposta, os trabalhadores manuais uti- lizam-se de símbolos da indústria cultural, como os personagens Minions e Capitão América (Figura 4 e 5) para agregar valor em suas confecções manuais, não percebendo que estes não têm coerência com a própria vivência local e sua identificação, ou tam- bém, o tipo de posicionamento de mercado que gostariam de ter. A autora nigeriana Chimamanda Adichie (2009) relata na conferência TED que quando criança, ela escrevia histórias com personagens brancos, de olhos azuis, que brincavam na neve e comiam maçãs, porque eram o tipo de personagens comuns nos livros que ela lia, escritos por autores americanos e britânicos. Mas ela conclui que na Nigéria não tinha neve e a fruta mais presente era a manga.

“Porque tudo que eu havia lido eram livros nos quais as personagens eram estrangeiras, eu convenci-me de que os livros, por sua própria natureza, tinham que ter estrangeiros e tinham que ser sobre coisas com as quais eu não podia me identificar”. (2009).

No entanto, é importante pontuar aqui que entende-se também que os indivíduos não são isolados das influências culturais externas, como as ocorrentes na globalização, mas como Adichie aponta, prevalecer apenas um lado da história que não tem nenhuma relação próxima com esse indivíduo é um problema. Talvez o fato de receber influências massivamente e consumir manifestações culturais estrangeiras esteja substituindo a conexão mental com o local, e por isso Adichie aponta para a busca por um ponto de equilíbrio, em que seja possível os indivíduos consumirem produtos culturais de ambas as realidades, a global e a local. Não se trata de excluir um ou outro ícone estrangeiro, um certo purismo, mas de entender como ele pode afetar na percepção do outro em relação ao seu trabalho, e como também afeta no próprio posicionamento de merca- do e possibilidades de crescimento. Estes ícones da indústria cultural também fazem parte do nosso contexto cultural e a escolha de inseri-los ou não no próprio trabalho é decisão do produtor.

(20)

Fonte: Petites Figura 4 – Toucas de crochet

Fonte: Casa de Gato

Como exposto anteriormente, segundo Cardoso (2012) a identidade está em constante transformação, e pode-se entender que é devido também à acelerada mudança no contexto da globalização. Na criação artística, Ostrower explica que essas influências sempre existem, que o agir espontâneo não é oprimido por elas e tampouco está vin- culado a uma originalidade intocada. Ela fala que ser espontâneo é ser fiel e coerente consigo mesmo:

[...]para ser espontâneo, para viver de modo autêntico e interiormente co- erente, o indivíduo teria que ter podido integrar-se em sua personalidade, teria que ter alcançado alguma medida de realização de suas possibilidades específicas, uma medida de conscientização. Nessa medida ele será espon- tâneo diante das influências. (1995, p. 147).

(21)

Essa espontaneidade seria a expressão desse conjunto de memórias e experiências unidas no processo criativo e como resultado a identidade. Esta espontaneidade também é apontada pela autora Marisa Maass (2011) como “autonomia” em que o sujeito tem a independência e a identidade, e a obra autônoma é aquela configurada a partir desses fatores. Ela exemplifica a construção da identidade como um ciclo, e que se começa pelo autoconhecimento:

A construção da identidade (consciência de si) vem a partir do reconhe- cimento. O reconhecimento é possível pela via da autonomia. A auto- consciência se constrói a partir da identidade e a identidade é o pressu- posto da alteridade, considerar o outro como outro – consciente de si.

(MAASS, 2011, p. 44).

Ser coerente consigo vem a partir do reconhecimento e da conscientização das pró- prias motivações para a realização de uma tarefa. O indivíduo se reconhece a partir da identidade, que anteriormente é constituída pela memória, e esta identidade é re- conhecida pela diferenciação e comparação com a identidade do outro. Seria então que conhece-se por meio do autoconhecimento de que não se é o outro, e assim conhece-se a si mesmo. Voltando aos termos da autonomia apresentado por Maass e da espontaneidade por Ostrower, que desenvolve também como “ser livre”, a liber- dade de “[...] entendimento de si, uma aceitação em si da necessidade da existência em termos limitados. A vivência desse entendimento é a mais plena e mais profunda interiorização a que o indivíduo possa chegar. Ser livre é ocupar o seu espaço de vida”

(1995, p. 165). Ser livre também é ter a consciência de como as influências interferem nessa ocupação, e escolher quais entram e fazem coerência consigo.

Entende-se que o estilo é a expressão da identidade, ele pode ser uma assinatura, dentro de cada gesto no ato da criação, nos resultados materiais em que cada artista configura sua obra (OSTROWER, 1995, p. 265) ou de um movimento artístico. Ele está em todas as etapas do processo criativo, em que ao longo deste, vai deixando suas marcas, e é revelado a partir das decisões do artista, na sua função de configurador. Ostrower explica:

“[...] o estilo de um artista se revela em inúmeras decisões intuitivas (cons- cientes ou inconscientes), cobrindo todas as etapas e detalhes do trabalho, desde a escolha inicial da técnica e do material, dos elementos visuais e seus relacionamentos formais, à configuração da imagem”. (1995, p.18).

Também, pode-se identificar na pesquisa de campo realizada por Geruza Viera em Goiânia e regiões próximas que todos os artesãos entrevistados de alguma forma possuem seus jeitos singulares de construírem determinadas peças (2014, p.116).

(22)

A identidade está em constante processo de formação. Está ligada intimamente com a memória, esta que também se modifica e é selecionada pelo conciente e inconsciente dos indivíduos ou do coletivo. Nestes processos de formação, está em constantes trocas de símbolos e experiências com o externo, e também, graças ao fenômeno da globalização, com povos de regiões muito distantes. A assimilação e a seleção dessas influências é papel do próprio indivíduo como autônomo para sua criação, no entanto, ele precisa compreender que quando está criando novas informações para o espaço e época onde vive, ele está submetido também à percepção do outro.

2.3 Valor

Entende-se que a percepção de valor é um caminho para a sustentabilidade de um empreendimento artesanal. No entanto, são várias as dimensões de valor no ciclo de vida de um produto ou serviço. Neste projeto, tratamos do valor na dimensão da estética e do simbólico, que pode ser construído a partir da identidade, e que logo está criada e também está presente no processo criativo. Por isso, é importante traçar como, de maneira geral, é entendido o conceito de valor, sua aplicação no mercado arte, uma vez que se trabalha diretamente com o valor simbólico do objeto artístico, o valor no campo do artesanato e no território.

Compreende-se que o valor é uma qualidade percebida, esta é concebida a partir de um ponto de comparação. É feita dentro de uma categoria de grupo, que só poderia ser feita a partir da identificação. Segundo Kotler e Keller (2012) a disciplina Marketing tem como trabalho centro o valor que é o “resultado da soma dos benefícios tangíveis e intangíveis proporcionado por um produto e a somatória dos custos financeiros e emocionais envolvidos na aquisição desse produto” (2012, p. 9). Eles complementam numa visão mais mercadológica: “o valor percebido pelo cliente é a diferença entre a avaliação que o cliente potencial faz de todos os benefícios e custos relativos a um produto e as alternativas percebidas” (2012, p. 131). Segundo a autora Lia Krucken (2011), a qualidade percebida é resultado da experiência, um processo subjetivo e que tem influências culturais. Ela descreve que está envolvida em três momentos, o antes, o durante e o pós-consumo, que são todos os momentos da construção de valor, no caso do artesanato, a coleta de materiais, a fabricação, a comercialização, a utilização e a impressão que se tem do artefato. A autora classifica a qualidade percebida em seis dimensões: o valor funcional ou utilitário, o valor emocional, o valor ambiental, o valor simbólico e cultural, o valor social e o valor econômico (2009, p. 27). De acordo

(23)

com Krucken identificamos que os objetivos do projeto estão situados na dimensão do “valor simbólico e cultural”, que consiste em:

[...] desejo de manifestar a identidade social […] fortemente influenciado pelo contexto sociocultural (época, local) e os fenômenos contemporâneos, esta dimensão está relacionada ao ‘espírito do tempo’ e à condição de interpre- tação do produto em um referencial estético. (2009, p. 28).

Como o objeto de arte é considerado nesta pesquisa como a representação máxima da expressão do artista e também porque a atividade se situa diretamente com a cons- trução da dimensão do valor simbólico e cultural das sociedades, acha-se pertinente apresentar o Mercado de Arte na negociação desses valores. Baseado na explicação do autor Raymonde Moulin (2007), o mercado de arte tem dois eixos principais, o da Arte Classificada (as artes clássicas e históricas, em que o artista não está vivo) e o da Arte Contemporânea (as artes figurativas tradicionais e a considerada o movimento artístico arte contemporânea, onde os artistas ainda estão vivos). O primeiro tem a sua valoração constituída pela sua raridade, sua atribuição histórica e pelo consen- so social que a coloca na hierarquia de valoração dos objetos de arte, por exemplo, quando se descobriu que uma pintura, antes atribuída a Rembrandt, era na verdade de seu pupilo, o valor em termos tanto sociais e monetários daquela obra caiu. Dentro desse eixo, estão compostas categorias específicas de valoração como as obras de cunho histórico, como artefatos de arte egípcia, cujo valor está mensurado no seu importante posicionamento histórico, e a outra são as obras de artistas da história, em que sua valoração é mais variada de acordo com a ratificação do mercado de arte. O segundo eixo tem duas categorias de obras, como a de tradição rotinizada, denominada como figuração tradicional que alimenta os mercados regionais e locais, está nas paredes das casas das pessoas, “os argumentos de venda voltam-se para o valor decorativo das obras e não para o valor de posição histórica” (2007, p. 24). A categoria da Arte Contemporânea tem sua valorização mais especulativa e dinâmi- ca: o seu valor se fixa mais na ideia de que “[...] certificação da arte contemporânea não passa, como a da arte antiga, pela atribuição mas pela validação enquanto arte”

(2007, p.32), ela é submetida pela validação dos agentes do mercado de arte como

“[...] especialistas, críticos, historiadores da arte contemporânea, conservadores de museu, administradores da arte e curadores” (2007, p. 26) para a definição se aquele objeto é arte ou não.

Pode-se entender que o eixo de mercado e categoria que mais se aproxima da realidade do objeto artesanal contemporâneo, por enquanto, encaixa-se na situação do mercado

(24)

de arte de figuração tradicional, uma vez que sua característica não está submetida à validação de especialistas para a perícia de seu valor de posição histórica, mas dos próprios produtores, distribuidores e clientes. Outras características que Moulin aponta:

[...] a escolha dos artistas é efetuada em função das expectativas e dos meios de aquisição da clientela. Submissão à demanda contra fabricação da demanda; rotatividade rápida do estoque contra a capitalização dos não vendidos; técnicas comuns de marketing contra capitalização dos não ven- didos; técnicas comuns de marketing contra o estabelecimento de uma rede de valorização cultural. Tais são as principais diferenças entre as estratégias de administração de galerias de figuração tradicional e das galerias de arte contemporânea.” (MOULIN, 2007, p. 24).

Na obra da autora Marisa Maass (2011), também é possível identificar a dimensão do valor simbólico na perspectiva da experiência com o objeto de artesanato, uma vez que se entende que a qualidade percebida é resultado da experiência, classificada como: “experiências práticas, lidando com o uso, experiências técnicas, lidando com a dimensão fabril, e experiências poéticas, lidando com a estética” (p. 52). Como relatado, o projeto busca interferir no processo criativo, tendo como resultado na pro- dução do usuário o melhoramento das experiências poéticas da sua produção. Assim como a obra de arte, o objeto artesanal tem um de seus potenciais, não só o de uso e a da técnica, mas o potencial estético de evocar a cultura local e valores, situando e gravando no espaço e no tempo uma identidade cultural.

A percepção do objeto artesanal em seu valor simbólico contempla não só o artesão expressar a sua identidade pessoal e local, mas remover que alguma forma também ser um valor construído com quem tem essa experiência, a comunidade. De acordo com Evandro Perotto (2014), numa perspectiva das marcas contemporâneas e que podemos traçar como uma condição também presente aos artesãos, os produtos comunicam e são compostos a partir dos discursos das marcas, como o conceito

“missão, visão e valores” que norteiam as decisões das empresas, e na outra via “os consumidores procuram sentidos” de maneira que incorpore-os aos seus discursos existenciais. Essa nova dimensão do consumo procura não só satisfazer as neces- sidades básicas, como a função do objeto, mas o seu valor simbólico e agregador.

No artesanato, o consumidor final desse tipo artefato procura algo a mais do que meramente a função, mas uma história, uma identidade, uma identificação do proces- so, uma estética, uma aura que faça parte de seu próprio discurso e da sua própria construção de valor pessoal.

(25)

Apesar de o foco da pesquisa habitar no campo da identidade estética, da proble- mática da unidade que tornam os produtos relacionados uns outros, é importante ressaltar que no campo do valor no artesanato, os problemas na construção do valor estão relacionados com fatores de aceitação social. Como por exemplo, os artefatos oriundos de materiais reciclados e que mantêm muitas vezes aspectos de sua antiga vida sofrem com a aceitação do público. Como relatado na tese de pesquisa da autora Geruza Vieira:

Questionário 7 – As pessoas ainda olham o artesanato como uma atividade menor na sociedade, nas feiras e bazares que frequento percebo claramen- te a mudança de expressão da maioria das pessoas quando notam que os produtos que faço tem como matéria prima objetos descartáveis, como o cd e mais recentemente o vinil. As pessoas questionam o preço, pechincham exageradamente, pois não tem a noção do valor do trabalho que dá cada peça, desde a criação até à venda. (2014, p. 114).

O valor econômico contribui para a autoestima e para a sustentabilidade do empre- endimento do artesanato, e também para a percepção do valor geral de um artefato artesanal. “As percepções de valor aumentam com a qualidade e o serviço, mas dimi- nuem com o preço” (KOTLER; KELLER, 2012, p. 9). Uma vez que um indivíduo depende diretamente do empreendimento de artesanato para a sua subsistência, muitas vezes geram uma percepção de baixa qualidade diante do público:

Questionário 42 – Ainda existe certo preconceito. Pessoas acreditam que as peças tem que ser baratas, pois quem vende tem necessidade do dinheiro e acreditam que são peças de baixa qualidade. (VIERA, 2014, p. 115).

Esta situação pode fazer com que o artesão ceda a esse tipo de negociação, tornando o empreendimento não sustentável.

Mas o que é necessário entender, é que muitas vezes ignora-se a importância do ponto de venda para a aproximação do público-alvo e a confirmação desse valor através dele. A percepção de valor é relativa e subjetiva. Nem sempre um produto de alto valor agregado, os de luxo, como carros da marca Ferrari, será usufruído por todos justamente por conta da realidade financeira dos indivíduos. E nem todos irão perceber o valor da cadeia produtiva que oriunda de um objeto artesanal. A questão é comunicar esses valores para um público que está procurando-os, o que será um papel de outras propostas e iniciativas de promoção.

(26)

3. PAPEL DO DESIGNER COMO MEDIADOR, UMA REVISÃO

Neste capítulo, será feita uma revisão de alguns exemplos e indicações de iniciativas em que houve a interação entre designers e artesãos. Como relatado no início deste projeto, a motivação desta pesquisa foi a partir da identificação de falta de coerência visual entre produtos feitos manualmente por um único indivíduo em feiras temáticas da cidade de Brasília. A partir desse pré-diagnóstico, refletiu-se como um designer poderia realizar alguma interferência ou mediação para resolução dessa problemática, e se houve algum tipo de ação realizada por estes profissionais até a presente data.

Graças ao trabalho da autora Adélia Borges (2011), foi possível compreender as princi- pais frentes de interação entre designers e artesãos. Ela relata que na década de 1980 houve uma pequena aproximação de designers junto aos artesãos para a revitalização desse ofício. Esta ação buscou preservar técnicas produtivas tradicionais e a inclusão de novos elementos, como técnicas. Diante de muitas iniciativas bem-sucedidas, em que houve trocas importantes de conhecimento, uma forma de olhar para a produção local e a autoria brasileira, também houve equívocos, principalmente diante da postura que vê designers como superiores aos artesãos. A autora relata este pensamento “o poder, a clarividência, o domínio estão com os instruídos” (p. 138), limita a autonomia do artesão diante de suas iniciativas, e também, gera uma aproximação não saudável de troca, sem resultados efetivos.

Borges também questiona até onde pode ir essa interferência, e a definição desses limites depende principalmente das abordagem dos gestores do projeto. Ela aponta dois extremos, como as ações da instituição ArteSol, que defende uma alta proteção do artesanato considerado “raiz”, e as do Sebrae, uma intervenção mais radical, se submetendo a parâmetros do mercado (BORGES, 2011, p. 138). No âmbito do profissional do design, o respeito pela técnica e história do artesão é perceber de forma clara que tipo de ação deve-se tomar de acordo com cada caso e realidade. Borges defende um tipo de intervenção “do bem”, diferente dos outros agentes do mercado, que muitas vezes seguem tendências que não fazem sentido com o contexto cultural do local. “Que parta de uma postura não de adulteração e imposição, como fazem intermediários, e sim de respeito e diálogo, como fazem os (bons) designers” (2002, p. 66).

Diante de tantas pesquisas, neste projeto ressaltamos algumas iniciativas que cau- saram bons resultados com auxílio de designers, e que também possuem relação direta com os aspectos propostos neste trabalho. O projeto da pesquisadora Hyrla

(27)

Marianna Silva (2011) consistia em diagnóstico, processo de sensibilização, construção e apresentação de painéis visuais, e por fim, a validação com o grupo de artesãos e a aplicação. Na primeira fase ela buscou compreender quem é o grupo por meio de entrevistas, observação e análise de produtos. Para a sensibilização ela aplicou duas atividades como “Se fulano fosse…” para conceituação e entendimento de como é percebido, e a outra, jogo de “Memorização de Produtos”, jogo que identificou as diferenças e semelhanças entre os produtos. A construção dos painéis serviu para tornar mais evidente visualmente a identidade do grupo, e tinham três temas: Produção (fotografias do ambiente, dos produtos, dos materiais, das tramas e cores); Personali- dade (imagens e palavras que remetiam a sentimentos, adjetivação e características abstratas) e Universo Local e Cultural (imagens e palavras que definem geografia, sociedade, princípios que interagem com seus empreendimentos). E por fim, a valida- ção dos artesãos e edição desses painéis. Esta pesquisa serve como referência para este projeto, principalmente na sua característica de sensibilização a reflexão sobre a identidade local e do grupo.

Outra ação bem sucedida é a do Laboratório Piracema de Design, que aplicou suas metodologias visando principalmente à soberania do artesão. Eles levantaram dados sobre a paisagem natural, dos hábitos de vidas dos moradores da cidade de Inhamuns – CE. Convidaram os artesãos a saírem da cidade para “lavarem os olhos” e assim, quando retornaram perceberam o seu ambiente de maneira diferente. Discutiram so- bre suas percepções a partir daquela experiência e foram convidados a fazer alguns estudos visuais do que viram. Enfim, foi aplicado pelos próprios artesãos, utilizando técnicas de preferência, as imagens que construíram. Elaboraram uma exposição e convidaram a comunidade para visita. O laboratório relata que “o produto do artesão deve ser visto como a materialização de seu complexo patrimônio cultural”, qualquer mudança no produto ocorrerá a mudança no indivíduo e logo no contexto em que pertence (BORGES, 2011, p.107). A abordagem deste grupo serve como exemplo do direcionamento da autonomia dos artesões e a aproximação da cultura local.

Temos também como exemplo o Projeto Minas Raízes, descrito pela autora Alessandra Durante (2017). Consistia na formação de um grupo de 26 artesãos que participaram de oficinas itinerantes de capacitação e acompanhamento de pós-produção, que teve duração de dois anos na região de Nova Lima – MG. O objetivo do projeto era a valoração e aprimoração de técnicas, e também, a conexão da produção com valores culturais da região. A designer Daniela Menezes Martins utilizou como abordagem a cocriação, na qual “o designer e o artesão compartilham o processo” (p. 73). Primei-

(28)

ro houve o preenchimento da ficha cadastral do artesão, para a compreensão geral de quem são os indivíduos, foram também identificadas as técnicas e necessidades individuais. A designer também visitou as residências para entender os materiais e o espaço em que os artesãos trabalhavam para uma espécie de diagnóstico e docu- mentação. Posteriormente, foram realizadas aulas e palestras sobre “metodologia do design, a relação de design e artesanato, processos criativos e história da arte” (p. 74).

Também houve a sensibilização sobre produtos orientados para o mercado que fossem conectados à cultura local. Trabalhou-se com a orientação sobre a comercialização e exposição dos produtos. Na parte de processos criativos, a designer sugeriu que para que os artesãos mantivessem um “caderno de processo”, onde eles poderiam registrar as etapas e ideias. Foram realizados passeios de identificação iconográfica da região, onde cada artesão pôde identificar elementos que faziam conexão com suas próprias motivações. A partir de toda essa coleta de informações, os artesãos definiram três palavras conceitos que nortearam a coleção temática do grupo. A autora Alessandra Durante aponta a importância dessa intervenção, principalmente a implementação do caderno de processos e o passeio como incentivo para a autoria dos artesãos.

Podemos identificar que, em todos os projetos citados, houve a etapa de sensibilização, onde o artesão identifica o seu lugar no mundo e de sua produção, a capacitação, em que ele pôde aprender novas ferramentas para a melhora de seus processos, e por fim, o estímulo à autoria, como resultado das etapas anteriores.

4. PROPOSTA DE MEDIAÇÃO: O LIVRO “EU SOU O SEU CADERNO”

Empregando os conhecimentos teóricos que foram abordados neste projeto, como a compreensão de como se dá o processo criativo, a marcação ou florescimento de uma identidade e a geração de valor como resultado dos processos. Também utilizando-se como referência de conteúdo os experimentos e pesquisas já realizados por desig- ners com artesãos ou/e trabalhadores manuais, este projeto propõe como objeto de mediação o livro interativo “Eu sou o seu caderno”.

Entende-se que nesta proposta iremos trabalhar com o conteúdo, o que queremos motivar e instigar no público-alvo (os trabalhadores manuais), e a forma, a plataforma que habitará estes conteúdos, o livro interativo. É importante apontar que o livro, além de ser uma plataforma de conhecimento, propõe estimular o usuário à autorreflexão, por isso entende-se a necessidade de ser um livro que convide para a interação.

Assim, haverá a aproximação entre o fazer prático e o conteúdo em si de forma tátil.

(29)

4.1 Suporte: o livro interativo

O livro é um objeto reconhecido pela coletividade como fonte de informação, no qual o leitor tem uma relação passiva com o seu conteúdo. No entanto, dentro do mercado editorial podemos identificar diversos livros com potencial de interação, direcionados para diversos públicos. Os livros interativos também são relacionados à plataforma digital, mas neste projeto entendemos que o livro interativo pode ser compreendido como um objeto editorial que permite a interação direta do leitor com o conteúdo na sua materialidade física ou digital. Por isso adotamos a sua possibilidade física que é mais pertinente com os objetivos propostos no projeto.

O livro interativo é comumente direcionado para o público infantil, como objetivo de desenvolvimento cognitivo e tátil. Mas nas últimas décadas é possível identificar a aparição de livros com características interativas consumidos por adultos, como o lançamento do livro “Destrua este diário” e o livro de colorir “O Jardim Secreto”. Iden- tificamos como pertinente este formato por suas possibilidades físicas de interação, de registro e de personalização. Em entrevista para a matéria “Livros de colorir para adultos realmente alteram a atividade cerebral?” do site Galileu (2015), Nana Vaz de Castro, gerente de aquisições da editora Sextante, relata sobre o sucesso dos livros de colorir “[...] acredito que a tendência tenha começado com os livros interativos, como ‘Destrua este diário’, que fez muito sucesso. Desde então, as pessoas têm pro- curado uma forma de interagir com os livros e torná-los mais personalizados”. Outra característica importante que pode-se identificar nesta matéria, como os efeitos que estes livros possuem sobre os usuários, terapeutas utilizam livros de colorir como ferramenta de auxílio no tratamento de seus pacientes, mas eles frisam que o ato de colorir em si não é uma terapia, é uma ferramenta para o relaxamento. Aqui podemos entender que a interação com estes livros gera algum impacto nos usuários, como a autopercepção e efeitos emocionais.

Para a construção do livro interativo visando à autoria, utilizamos como principal refe- rência o livro “Destrua este Diário” da autora Keri Smith. Esta obra tem como principal característica comandos para a interação com o objeto, como por exemplo “Numere as páginas você mesmo” e derrubar um líquido sobre a página, e também o de registro da presença do usuário na materialidade do objeto. Vê-se como pertinente esta forma de comunicação pois convida o usuário a realizar as atividades. Ao longo do uso, é possível ver as características únicas que os leitores marcam nas páginas e na capa.

(30)

Fonte: Saraiva e obiousmag

Figura 6 – Interação dos usuários com a materialidade do livro versão portuguesa e espanhola Figura 6 – Interação dos usuários com a materialidade do livro versão portuguesa e espanhola

Fonte: Fernada Baredó e Brightbrenda

Outro livro usado como fonte de referência é o livro Question and Answer a day da editora Clarkson Potter. Seu projeto gráfico tem aspecto de agenda, em que, a cada dia, o usuário responde uma pergunta diferente. São perguntas que levam à reflexão pessoal como “Quem é você?” “Quando foi a última vez que chorou?” e é possível que, ao longo dos anos, ele possa voltar e registrar uma nova resposta. Desta ma- neira, o leitor resgata memórias e pensamentos que orientaram sua vida nos anos anteriores. Este aspecto de retorno e consulta é muito válido para atribuição que é o autoconhecimento.

Figura 7 – Capa e página do livro Question & Answer a day

Fonte: mightyape

(31)

A obra “Arte Brasileira para crianças”, das autoras Diegues, Fortes, Keiti e Lopes, que não se trata exatamente de um livro interativo, mas ele propõe atividades de aprendizagem sobre artistas, obras e técnicas, também é uma referência. De caráter expositivo e de proposições de atividades aplicadas ao conteúdo aprendido, serve como referência para a aplicação de conteúdos e exercícios do livro.

Figura 8 – Capa e página do livro Arte Brasileira para Crianças

Fonte: queenbooks

4.2 Revisão de publicações que comunicam com o público-alvo

Os principais meios que o público-alvo procura para se capacitar são oficinas, revis- tas, livros, apostilas cursos online e vídeos no YouTube. O trabalho trata-se especifi- camente de um trabalho editorial, por isso, é necessário a identificação de algumas publicações que fazem e fizeram parte da aprendizagem.

Foi identificado que a grande maioria das publicações tratam especialmente do campo da técnica, em que adquirindo cada edição, o usuário aprenderia mais sobre a técnica de preferência. Também há publicações que apresentam uma coletânea de técnicas, como o “Faça você mesmo e venda”. De acordo com o que foi apontado anteriormente, no tópico de processo criativo, Ariano Suassuna apresentou que o artesanato habita o campo do ofício e da técnica, e que o campo da forma seria um passo para a autoria da expressão. Ao longo da pesquisa, de maneira informal, conversamos com duas pessoas que se identificam como artesãs e percebemos um padrão em relação a como adotam um ofício e por consequente a técnica. Elas transitam entre mais de um tipo de ofício. O

“Ateliê da Cris”, da Cris Almeida, se especializa em confecção de bolsas, mas também

(32)

realiza alguns trabalhos fora dessa área, como fitas de cabelo. Ela relata que encontra dificuldades em se posicionar e no reconhecimento do valor de seu trabalho, também sobre a organização do estoque e dos custos na produção de um trabalho. A empre- endedora Helenice Garcia, dona da banca 309 na Torre de TV de Brasília, reveza entre confecção de camisetas de tema da Capital e de embalagens feitas de caixa de leite que não possuem relação com as camisetas. A partir desses dois casos, identificamos que linhas editoriais que promovessem uma variedade de técnicas não seriam perti- nentes ao objetivo do projeto. Adotamos por Suassuna, que o domínio de uma técnica específica seria o caminho para a autonomia no campo da forma.

Figura 9 – Revista Faça e Venda

Fonte: blog Artesdadai

Publicações que se dedicam exclusivamente a uma técnica, como as apostilas “Cro- chetando com Marcelo Nunes” e a revista “Trabalhos com Emborrachados EVA”, são favoráveis para o caminho da autoria, porque permitem o aprimoramento da técnica, logo, sua superação. O domínio da técnica oferece maior segurança para tomada de novos caminhos, favorece a marcação da personalidade do indivíduo no trabalho. Mas há um fator não encontrado nestas publicações, por não ser o objetivo delas, que é a promoção da independência de criação em relação ao mentor, tornando o leitor mero reprodutor estético a partir do nível de dependência que possui.

(33)

Figura 10 – Apostila Crochetando com Marcelo Nunes e revista Emborrachados EVA

Fonte: bazar horizonte

Figura 11 – Livro Crafting Tilda’s Friends e Homemade & Happy

Fonte: Roberta de Machi e Saraiva

Outros meios pelos quais os trabalhadores manuais obtêm conhecimento ligado ao ofício do artesanato são sites como as plataformas “eduK”, o site “artesanato passo a passo” e grupos do facebook “Arteiras e Artesãs”. No site eduK o usuário pode realizar uma assinatura na área de interesse, como a de “Artesanato” e assistir a vídeos com conteúdos que rodeiam a realidade do campo, como gestão de marca, divulgação, precificação e também técnicas.

4.3 Reconhecer, aprender, ressignificar

O conteúdo do livro é dividido em três campos que visam ao objetivo proposto, a co- nexão do trabalhador manual com a autoria. Esta divisão não será exposta claramente na interface do artefato, mas serve como guia para entendermos os elementos de conhecimento que propõe-se desenvolver.

(34)

RECONHECER

Procuramos levar o usuário do livro a refletir sobre a própria produção, suas motivações pessoais, resgatar elementos da sua história e do seu espaço. Aqui conterá perguntas e atividades que estimularão o autoconhecimento.

APRENDER

Com base em exercícios e textos teóricos de disciplinas essenciais na formação de ar- tistas visuais e designers, aqui propõe-se a compreensão dos elementos que compõem as imagens que são criadas e lidas. Também, incentivamos a prática do desenho como ferramenta para registro de processos, criação de novas formas e o apuramento na observação do mundo. Apresentamos esses conceitos e exercícios sempre voltados à reflexão sobre o trabalho do leitor.

RESSIGNIFICAR

Além de os próprios exercícios dos itens anteriores proporem a ressignificação do trabalho artesanal, neste campo, apresenta-se um espaço para o usuário praticar o registro de suas ideias e inspirações.

No Apêndice, na página 53, deste trabalho estará o detalhamento do conteúdo de cada um desses campos.

4.3.1 O campo aprender

Entende-se como pertinente registrar e esclarecer os motivos essenciais pelos quais foram selecionadas as disciplinas Desenho e Fundamentos da Linguagem Visual como ferramentas que norteiam este campo. São disciplinas bases de conhecimento para a maioria dos cursos do campo das Artes e Comunicação, como Arquitetura, Design, Artes Visuais e Publicidade e Propaganda, mas ainda, não muito utilizadas por trabalhadores manuais no contexto brasileiro, ou por indivíduos que não obtiveram o conhecimento de seu ofício através da academia.

O desenho é uma atividade que esteve presente desde o início do nosso desenvolvi- mento na infância. Ele é uma das primeiras formas de expressão, de contar o que se vê e o que se entende do mundo. No entanto, ao longo dos anos, muitos abandonam e criam tabus em frente a essa atividade, surgindo o preconceito de que o desenho é algo feito apenas para aqueles que possuem o “dom”. A autora Betty Edwards (2000) considera que desenhar não se trata de uma habilidade manual, de coordenação

(35)

motora, todos possuem essa habilidade, pois todos os que conseguem escrever de maneira legível possuem a destreza de desenhar bem. Ela pontua que o que precisa ser desenvolvido é o aprender a “ver”, que é algo muito diferente do que habitua-se ao processar imagens, mas é uma maneira diferente de fazer com que o cérebro seja usado no ato de ver. Outra habilidade que a autora relata é a de tomar decisões mais rapidamente. O que neste campo queremos desenvolver é a reintrodução aos usuários da prática do desenho, como uma ferramenta e habilidade para o registro de suas ideias e pensamentos, utilizando como base os métodos que Edwards empregou no ensino aos seus alunos e que expõe também em sua obra “Desenhando com o lado esquerdo do cérebro”.

Num mundo em que os indivíduos são continuamente expostos a imagens, entender o que se vê é de alguma forma um campo negligenciado na educação básica. Donis A. Dondis aponta como tragédia tratar o que ela considera alfabetismo visual nos currículos escolares como uma função irracional, ligada a intuição e a recreação, uma atividade não intelectual. Ela expõe:

O modo visual constitui todo um corpo de dados que, como a linguagem, po- dem ser usados para compor e compreender mensagens em diversos níveis de utilidade, desde o puramente funcional até os mais elevados domínios da expressão artística. (DONDIS, p. 3, 1997).

Em sua obra Sintaxe da Linguagem Visual, a autora apresenta conteúdos que permi- tem o manejo e favorecem a leitura dos elementos e características que compõem a linguagem visual, propondo exercícios de fixação no fim de cada capítulo. Ela também descreve como a obtenção desses conhecimentos pode favorecer diversos ofícios, um deles, objeto principal deste projeto, o artesanato. Neste ofício, ela expõe que “[...]

cada tipo de artesanato tem suas especificidades, no que diz respeito aos elemen- tos visuais básicos, mas todas elas tendem a ser dominadas pela dimensão e pela textura” (p. 211), e também destaca que um artesão, em qualquer tipo de formação, precisa compreender os aspectos do alfabetismo visual, porque assim, ele terá co- nhecimentos que ajudarão a crescer tanto na técnica quanto na estética. No caso do trabalhador manual, entende-se que esse conhecimento irá agregar na compreensão para reconhecer elementos visuais padrões no próprio trabalho, no auxílio de termos e vocabulários para registro, entender melhor o que vê e suas influências, e perceber as diferença estéticas de seu trabalho em comparação aos seus pares.

Ao readquirir o hábito do desenho, o trabalhador manual poderá o utilizá-lo como maneira rápida e espontânea para o registro de suas ideias. Aprender sobre os ele- mentos básicos que compõem as imagens o auxiliará nesses registros, e também na

(36)

percepção das configurações de suas peças. Agregar esses dois conhecimentos nos processos criativos do trabalhador manual tem potencial de favorecer o caminho para a autoria, de maneira independente.

5. PROJETO GRÁFICO

A partir dos conceitos e reflexões apresentados, propõe-se o seguinte projeto gráfi- co para o livro interativo “Eu sou o seu caderno”. Primeiro apresenta-se como será distribuído o conteúdo do livro, a definição do formato e grelha, a seleção da família tipográfica, os elementos gráficos e cor. Propõe-se também a produção gráficas e possibilidades de distribuição do material. Expõe-se os principais mecanismos de interação com as páginas. E finalmente, apresenta-se o resultado final do projeto.

5.1 Distribuição do conteúdo

Conforme já mencionado no item 4.3, o livro será composto por três campos, os quais poderão influenciar-se entre si. O campo reconhecer é o primeiro passo que o leitor irá percorrer, onde haverá perguntas, provocações e comandos. Segue-se no campo aprender que é dividido em dois grupos de conteúdo que são propostos como apren- dizagem: o Desenho e Fundamentos da Linguagem Visual. E por fim, a área em que ainda haverá uma mescla de questões do campo reconhecer, introduzindo o campo ressignificar, que são páginas em branco, para que dali, o leitor siga anotando suas ideias e processos. O detalhamento do conteúdo está no apêndice.

Figura 12 – Distribuição dos campos sobre páginas

Fonte: elaborado pela autora.

Referências

Outline

Documentos relacionados

É importante destacar também que nesse processo de desenvolvimento, é preciso que o professor entenda as fases evolutivas de leitura e escrita da criança, para que possa

um papel relevante do serviço públi- co em termos democráticos não pode deixar de significar a atribuição a este serviço de um lugar central no sistema geral dos media;

47 Maria José Pinheiro Corrêa – “Sistemas integrados de base ecológica para a agricultura familiar do estado do Maranhão” - Campus São Luís 48 Maria

Processo semelhante ocorre com átomos mais densos que o do hidrogênio; quanto maior a massa atômica, mais elétrons terá o átomo e mais complexo será seu espectro.. O

Distribuição percentual dos valores de recurso aprovado durante a vigência do Projeto e os valores repassados, segundo fonte financiadora (Projeto Vigisus e Teto Financeiro

•   O  material  a  seguir  consiste  de  adaptações  e  extensões  dos  originais  gentilmente  cedidos  pelo 

Tipo de freio Para motor de tamanho Trabalho realizado até à manutenção Espessura do disco do freio [mm] Binário de frenagem [10 6 J] máx.. 9 Trabalho realizado,

A Presidência do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo e a Corregedoria Geral da Justiça COMUNICAM aos Senhores Magistrados, Advogados, Promotores, Procuradores,