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A comida na antropologia brasileira: um balanço em construção.

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A COMIDA NA ANTROPOLOGIA BRASILEIRA: um balanço em construção

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Renata Menasche2

Maurício Dias Schneider Luciana Correia Villa Real

Resumo: O presente trabalho toma a produção acadêmica que circula no contexto das Reuniões Brasileiras de Antropologia (RBAs) como ponto de partida para a construção de um balanço dos estudos referidos à comida na antropologia brasileira. Dessa forma, a partir do material que pudemos reunir correspondente às RBAs realizadas no período compreendido entre 1996 e 2008, selecionamos, por um lado, os trabalhos apresentados em Fóruns de Pesquisa e Grupos de Trabalho temáticos recortados especificamente a partir da Antropologia da Alimentação e, por outro lado, trabalhos que, submetidos à discussão nos mais diversos espaços temáticos, trazem em seus títulos evidente associação à problemática alimentar. De modo a potencializar a análise do material selecionado, submetemo-lo à sistematização utilizando o software QSR NVivo 2.0. Os resultados obtidos permitem vislumbrar não apenas as variações no perfil dos pesquisadores que, de algum modo, têm se dedicado ao tema no âmbito da antropologia brasileira, mas especialmente a emergência e desaparecimento de assuntos, trajetórias e ênfases que, ao longo do período estudado, mereceram destaque entre os temas abordados.

Palavras-chave: antropologia da alimentação, antropologia brasileira

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Ar t i g o su bm et i d o à d i s cu ssã o n o Gr u p o d e T r a ba l h o Pra c t i c a s A l i me n t a ri a s e I n t e rv e nc i o n e s A n t ro p o l o g i c a s e n el Me rc o su r , n o â m bi t o d a VII I Reu n i ón d e An tr op ol og í a d el Mer c osu r – RAM. Bu en os Ai r es, 2 9 d e set em br o a 0 2 d e ou t u br o d e 2 0 0 9 .

2

Re na t a M e na sc he é p r o f ess or a d a Un i v er si d a d e Fed er a l d e Pel ot a s ( UFP el ) , vi n cu l a d a a o Ba ch a r el a d o em An tr op ol og i a e a o Pr og r a m a d e Pó s - Gr a d u a çã o em C i ên ci a s So ci a i s , e d o Pr og r a ma d e P ós - Gr a d u a çã o em De sen v ol vi m en t o Ru r a l d a Un i ver si d a d e Fed er a l d o Ri o Gr a n de d o Su l ( P GD R/ UF RG S ) . E - m a i l: r en a ta .m en asch e@ p q . cn p q . br. M a ur í c i o Di a s Sc hne i de r é est u d a n t e d o C u r so d e Ba ch a r el a d o em An tr op o l og i a d a UF Pel , b ol si st a I C - FAPE RGS. L uc i a n a

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ideia que deu origem a este trabalho surgiu, no verão de 2009, da confluência de alguns acontecimentos. Inicialmente, discussões realizadas em atividades do Grupo de Estudos e Pesquisas em Alimentação e Cultura3 vinham já apontando a ausência

de trabalhos recentes sistematizadores dos estudos referidos à comida na antropologia brasileira4

. Na sequência, o contato com o artigo de Carvalho e Schmidt (2008) forneceria a inspiração – uma vez que, neste estudo, as autoras, interessadas em analisar a produção brasileira de pesquisa em educação ambiental, tomam como universo de análise os trabalhos sobre o tema apresentados, em um período delimitado, em eventos científicos da área. Por último, em janeiro de 2009, mais uma vez no âmbito do Grupo de Estudos e Pesquisas em Alimentação e Cultura, tivemos a oportunidade de participar do curso Análise de dados qualitativos com o QSR NVIVO5, quando vislumbramos como poderíamos nos

mover diante de uma massa de dados como a representada pelo conjunto dos trabalhos referentes à alimentação apresentados ao longo da história das Reuniões Brasileiras de Antropologia – selecionadas como representativas da produção de pesquisa antropológica em contexto nacional.

Passamos, então, a reunir, digitalizar e sistematizar o material que pudemos encontrar referente às RBAs desde 1996, quando, segundo se sabe, pela primeira vez em evento nacional da Associação Brasileira de Antropologia – ABA organizou-se espaço temático específico dedicado aos debates sobre alimentação6. Estabelecemos este marco não por acreditar que antes disso a alimentação

não tenha sido tema abordado nas RBAs – que se realizam desde 1953 –, mas por considerar que a partir dele o tema está presente de forma mais acentuada e, também, que a tarefa de acessar o material

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C on st i t u í d o, em 2 0 0 7 , n o â m bi t o d o Pr og r a m a d e P ós - Gr a d u a çã o em De s en v ol vi m en t o Ru r a l d a Un i v er si d a d e Fed er a l d o Ri o Gr an d e d o Su l ( PGDR/ UFR GS) . Pa r a m a i s in for m a çõ es, v e ja o si t e d o Pr og r a ma : h t t p : // www6 . u fr g s. br / p g dr / 4 R e f er en t e a u m p er í od o a n t er i or a o a q u i f o ca d o, r e c om en d a m os v er o r el e va n t e a r t i g o d e C a n esq u i ( 1 9 8 8 ) . 5 Mi n i str a d o p or Lor en a Fl eu r y, a q u em a gr a d ece m os a op or t u n i d a d e. 6

Na p r op ost a – a ssi n a d a p or Ma r ia E un i ce Ma ci el ( UF RGS) e M ôn i ca C h a ves A bd a l a ( UF U) – r em et i d a à ABA p a r a c on st i t u i çã o , n a 2 2 ª R B A ( Br a sí l i a , 2 0 0 0 ) , d o Fó ru m d e Pe sq u i sa C o mi d a e S i mb o l i smo , esse é a p r esen t a d o com o c on t i n ui d ad e d o “g r u p o s o br e c om i d a e si m bol i sm o ” q u e t er ia se a r t i cu l a d o n a 2 0 ª R BA ( Sa l va d or , 1 9 9 6 ) . Por su a vez , a r eun i ã o d ess e g r u p o é m en ci on a d a , n essa p r op ost a , c om o i n i ci a t i va q u e t er i a r om p i d o c o m o l on g o p er í od o q u e s e su ced eu à s a t i vi d a d es d o “gr upo coor den ado por Velh o e Woor tmann , em 77, sobr e h ábitos e id eologias alimen tar es em gr upos de baixa r en da” – a r espeito, ver Woor tmann (1978) –, em que, dada “a ausên cia de r efer ên ci a s bi bl i og r á fi ca s e c om u n i ca çõ es em a n a i s d e c on g r ess os n o p er í od o” , a p en a s “ca s os isolad os” ter iam se articulado, e tempor ar iamente (MACIEL; ABDALA, 1999) . A pr op ósit o, ca be o bs er va r q u e, a p e sa r d e t er si d o p r op on en t e d o Fó ru m d e Pe sq u i sa C o mi d a e S i mb o l i smo r ea l i z ad o n a 2 2 ª RBA ( Br a sí l i a , 2 0 0 0 ), Môn i ca Ch a ves Abd a l a n ã o ch eg ou a c om p or f or m a lm en t e su a c o or d en a çã o, p oi s , a p esa r d e já vi r p ar ti ci p an d o d o esp a ç o d e d i scu s sã o q u e se c on f or m a va , a in d a n ã o er a a sso ci a d a d a ABA, r eq u i si t o q u e p a ss a v a a i m p or - se c om o cr i t ér i o p a r a a co or d en a çã o d e a t i vi d a d es n a s RBAs.

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mais antigo encontraria ainda mais dificuldades do que aquelas com as quais nos deparamos para realizar esta primeira aproximação, o que demandaria tempo e recursos não disponíveis.

Este trabalho se propõe a contribuir na construção de um balanço dos estudos sobre comida na Antropologia Brasileira.

Para isso, buscamos, em um primeiro momento, identificar o perfil dos pesquisadores que, ao longo do período analisado, apresentaram trabalhos sobre o tema nas Reuniões Brasileiras de Antropologia. Tal como realizado no estudo de Carvalho e Schmidt (2008), o fizemos a partir da observação de alguns dados referentes aos autores principais dos trabalhos: gênero, titulação, vínculo com Instituição de Ensino Superior (IES) e região do Brasil em que está sediada a IES a que o pesquisador é vinculado.

De modo a identificar a trajetória dos interesses temáticos expressos nos trabalhos apresentados, procedemos à análise dos títulos e resumos. Para a sistematização dos dados, empregamos o software QSR NVivo 2.07.

Reunindo o material

Ao buscar reunir o material a ser analisado, nos demos conta de que nem sempre a produção acadêmica que circulou(a) nas RBAs está facilmente acessível. Não se pode sequer afirmar que o registro em Anais de trabalhos na íntegra e resumos, particularmente em meio magnético ou eletrônico, seja uma prática consolidada na trajetória desses eventos e tampouco que as bibliotecas universitárias venham armazenando esses registros. Tentamos acessá-los a partir da ABA, constatando que, apesar da boa disposição de sua Secretaria em colaborar com a iniciativa, esses registros estão disponíveis de modo extremamente fragmentado em seus arquivos. Procuramos então, sem sucesso, resgatar o material junto a associados mais antigos da ABA e a colegas que pudessem tentar localizá-lo em bibliotecas de alguns dos centros da Antropologia brasileira. Foi quando tivemos notícia de que o acervo da ABA havia sido depositado no Arquivo Edgard Leuenroth – AEL, da UNICAMP. Junto ao AEL, empreendemos, via correio eletrônico, várias tentativas no sentido de saber se o material procurado estaria ali disponível. Sem que obtivéssemos resposta à nossa indagação, foi-nos recomendado pesquisar em seu site8, no qual pudemos averiguar que o acervo da

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Pa r a u ma a pr ox i m a çã o a r esp ei t o d o em p r eg o d e p a c ot es ( d o t i p o d o QS R NVi v o) p a r a an á l i se d e d a d os q u a l i t a t i vos, v er T ei x ei r a e Be ck er ( 2 0 0 1 ) .

8

Ver o si t e d o Ar q u i v o E d g a r d Leu en r oth : h t t p :// www. i f ch . un i ca m p. br / a el /, esp eci a l m en t e n o q u e se r e fer e a o Fu n d o d a A B A: h t t p :/ /www. i f ch . un i ca m p . br / a el / we bsi t e a el _ a ba / we bsi t e -a el _ -a b-a _ p l -a n i lh -a i s-a d.h t m

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ABA ali depositado (registrado como tendo sido doado, em 1995, por Mariza Correa) consiste em “38 fitas de vídeo; 26 volumes de documentação não avaliada; 13 metros lineares de documentação textual”, majoritariamente referentes ao período compreendido entre 1980 e 1995 – e, portanto, anterior ao período focado neste trabalho.

No que se refere aos eventos realizados em Gramado (23ª RBA, 2002) e Olinda (24ª RBA, 2004), tivemos acesso apenas ao material publicizado nos Anais. Já quanto aos eventos realizados em Brasília (22ª RBA, 2000), Goiânia (25ª RBA, 2006) e Porto Seguro (26ª RBA, 2008), dada a participação ou colaboração na coordenação dos Fóruns de Pesquisa (FP) ou Grupos de Trabalho (GT) específicos sobre o tema, pudemos reunir não apenas as informações publicizadas nos Anais acessados9, mas um material mais amplo.

Já com relação à 20ª RBA, realizada em Salvador (Bahia), em 1996, e à 21ª RBA, levada a cabo em Vitória (ES), em 1998, não logramos acessar seus registros. No entanto, temos notícia de que, enquanto que na reunião de Vitória o tema aqui em evidência não teve espaço temático específico a ele dedicado, como anteriormente mencionado, foi no evento de Salvador que, pela primeira vez, foi organizado em uma RBA um espaço temático específico sobre alimentação – o

Fórum de Pesquisa Comida e Simbolismo.

Ainda que não tenhamos tido acesso aos Anais da 20ª RBA, cabe comentar que, no mesmo ano em que se realizou a reunião de Salvador, Maria Eunice Maciel e Sérgio Alves Teixeira organizaram o número temático “Comida”, da revista Horizontes Antropológicos (1996), em que reuniram nove artigos relativos à temática. Acreditávamos que vários desses artigos pudessem ter correspondência com trabalhos apresentados no FP Comida e Simbolismo, que há pouco se realizara. No entanto, no volume não há qualquer menção ao evento e, ao consultarmos seus compiladores, não obtivemos resposta conclusiva referente à relação entre o evento e o conjunto de artigos publicados na coletânea. Mas esse quadro de incertezas reverter-se-ia ao analisarmos o documento, já antes mencionado, em que é apresentada à Associação Brasileira de Antropologia a proposição de constituição, na 22ª RBA (Brasília, 2000), do Fórum de Pesquisa Comida e Simbolismo. Trazendo dali as informações que aqui importam:

No grupo da ABA 96 destacaram-se os estudos de Maciel, cozinha gaúcha e identidade e de Sérgio Teixeira sobre a Comilança, ritual de descendentes alemães no Rio Grande do Sul. Rial, da UFSC, abordou os fast food. Outros trabalhos se concentraram na relação entre comida e religião, como os de Corrêa e Ferreti, do Maranhão e Sousa Júnior da PUC-SP.

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Na s ed i çõ es d e n ú m er o 2 2 , 2 3 e 2 5 d a s RBAs, os An a i s for a m p u bl i ci z a d os em C D - R OM. Já n a 2 4 ª Reu n i ã o os An a i s f or a m im pr ess os ( e a n ó s g en t i l m en t e d i sp on i bi l i z a d os p el a Se cr et a r ia d a ABA em ar quivo for mato “pd f”), en quanto que n a 26ª RBA, a ABA, de for ma in ovador a, d i sp on i bi l i z ou em seu si t e (h t t p : / / www. a ba n t . or g. br /) o “CD-Vir tual”.

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Compuseram também o grupo pesquisas sobre alimentação de indígenas brasileiros, como as de Espinola da UFSC e Van Velthen, do Museu Goeldi, e sobre hábitos alimentares em Fernando de Noronha, de Rocha Lima; uma abordagem histórica sobre consumo de chocolate entre os séculos XVI e XVIII, de Agnolim da USP, e a análise da cosmologia protestante a partir da Festa de Babette, de Lima da UFG. (MACIEL; ABDALA, 1999)

Dessa forma, ao cotejar os artigos publicados na revista (HORIZONTES ANTROPOLÓGICOS, 1996) com os mencionados no documento que lista os trabalhos apresentados no FP Comida e Simbolismo ocorrido na 20ª RBA (MACIEL; ABDALA, 1999), podemos concluir que sete dos artigos presentes na publicação tiveram versões anteriores submetidas à discussão em Salvador. Assim é que digitalizamos os resumos desses sete artigos, que passaram a fazer parte do

corpus de análise deste trabalho.

Como pode ser visualizado no Quadro 01, abaixo, reunimos, afinal, material referente a seis das sete Reuniões Brasileiras de Antropologia realizadas entre 1996 e 2008, todas em que, na história das RBAs, foram articulados espaços específicos de discussão em torno do tema comida.

Quadro 01: Informações referentes aos Fóruns de Pesquisa ou Grupos de Trabalho específicos sobre alimentação nas Reuniões Brasileiras de Antropologia (1996-2008) e material reunido para esta pesquisa

RBA Local Ano FP/GT Coordenação Material reunido

20ª Salvador (BA) 1996 FP Comida e Simbolismo Maria Eunice Maciel (UFRGS)

Sérgio Alves Teixeira (UFRGS)  artigos e resumos: 7

21ª Vitória (ES) 1998 - -  nenhum

22ª Brasília (DF) 2000 FP24 Comida e Simbolismo Maria Eunice Maciel (UFRGS)

 proposta de criação do FP  programação

 trabalhos completos com resumos: 12

 apenas resumos: 4 23ª Gramado (RS) 2002 FP8 Comida e Simbolismo

Sérgio Alves Teixeira (UFRGS)

Antônio Greco de Moraes

(CUCG/UNA)

 apenas resumos: 27 24ª Olinda (PE) 2004 FP18 Comida e Simbolismo Julie Cavignac (UFRN)

Maria Eunice Maciel (UFRGS)  apenas resumos: 24

25ª Goiânia (GO) 2006 GT49 Saberes e práticas da alimentação

Renata Menasche (UERGS)

Laura Graziela Gomes (UFF)

 proposta de criação do GT  programação

 trabalhos completos com resumos: 14

26ª Porto Seguro (BA) 2008

GT27 Saberes e práticas da alimentação: desigualdade, diversidade e identidade

Esther Katz (IRD)

Sandra Pacheco (UNEB)

 proposta de criação do GT  programação

 trabalhos completos com resumos: 20

 apenas resumos: 5

Além de reunir os trabalhos apresentados nos espaços específicos dedicados à temática da alimentação no âmbito das RBAs realizadas entre 1996 e 2008, procedemos a uma “varredura” dos Anais disponíveis – aí a exceção é a 20ª RBA, a cujos Anais não tivemos acesso –, buscando identificar, a partir dos títulos, trabalhos referidos à comida apresentados nos mais diversos Fóruns de Pesquisa ou Grupos de Trabalho.

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O conjunto desses trabalhos – constituído pelos apresentados nos espaços específicos dedicados à alimentação somados aos demais referidos ao tema submetidos a outros Fóruns de Pesquisa ou Grupos de Trabalho – compõe o corpus de análise desta pesquisa, como evidenciado no Quadro 02, a seguir.

Quadro 02: Informações referentes à constituição do corpus de análise para esta pesquisa: número de trabalhos cujos resumos foram selecionados, nos Fóruns de Pesquisa ou Grupos de Trabalhos específicos sobre alimentação, nos demais e total

RBA Local Ano NÚMERO DE TRABALHOS ANALISADOS [nº total: 143] dos FPs/GTs específicos

sobre alimentação dos demais FPs/GTs TOTAL

20ª Salvador (BA) 1996 07 0 07

22ª Brasília (DF) 2000 16 0 16

23ª Gramado (RS) 2002 27 05 32

24ª Olinda (PE) 2004 24 06 30

25ª Goiânia (GO) 2006 14 10 24

26ª Porto Seguro (BA) 2008 25 09 34

Este é o material analisado a partir da utilização do software QSR NVivo 2.0. O trabalho consistiu em eleger e operar algumas categorias classificatórias de autores e de conteúdos, buscando caracterizá-los e observando permanências e mudanças, como se verá na sequência.

Os autores

Inicialmente, há que comentar que, até a 25ª Reunião Brasileira de Antropologia, os trabalhos referentes à alimentação apresentados eram, em sua grande maioria (acima de 80%), assinados por um único autor. Já na 26ª RBA, quase 40% dos trabalhos na temática tiveram mais que um autor como proponente, o que, sugerimos, está associado a processos de elaboração por equipes de pesquisa e, especialmente, a co-autorias de estudantes com seus professores orientadores, crescentemente demandadas na avaliação dos Programas de Pós-Graduação brasileiros.

Tomando para análise sempre o primeiro autor dos trabalhos, passamos a levantar o perfil dos pesquisadores que têm atuado no tema, apresentando trabalhos nas RBAs. Para isso, valemo-nos das informações constantes nos trabalhos, complementando-as, sempre que necessário e possível, com dados disponibilizados em seus currículos, cadastrados na Plataforma Lattes10. É importante

mencionar que não se deve esperar precisão nos comentários que se seguem, dado que as informações

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De sd e 1 9 9 9 o C on sel h o Na ci on a l d e Des en v ol vi m en t o C i en t í fi c o e T e cn ol óg i c o – C NPq , a g ên ci a do Minist ér io da Ciência e T ecnologia brasileir o “ dest ina da ao foment o da pesquisa ci ent íf i ca e t ec nol ógi ca e à f or ma çã o de r ecu r sos hu ma nos pa r a a pes qu isa no pa ís”, mantém u m si st em a d e i n f or m a çõe s u n i fi ca d o q u e r eú n e da dos de cur r í cu l os e de i nst it u i ç ões da á r ea d e ci ênc ia e t ec nol ogia do P a ís, a Pl a ta for m a La t tes. Ver em : h t t p: / / la t t es. cn p q . br /

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disponíveis são bastante fragmentadas. Ainda assim, acreditamos que possam ser de interesse para constituir uma ideia a respeito do universo de pesquisadores investigado.

Com relação à distribuição da pesquisa no tema no território brasileiro, pode-se notar – como evidenciado no Gráfico 01 – que, excetuando-se a 20ª RBA, há uma grande concentração geográfica dos autores dos trabalhos apresentados: no período, nada menos do que 60 a 85% deles estavam sediados em instituições localizadas nas regiões Sul e Sudeste do Brasil. Pode-se também observar – sempre referindo-nos à temática alimentação – que, enquanto autores das regiões Nordeste e Centro-Oeste tiveram presença – ainda que pequena – em todas as RBAs, da região Norte houve participação – sempre pequena – em apenas três das seis Reuniões realizadas. Vale ainda menção à grande presença (20%) de autores originários do exterior no GT Alimentação organizado na 24ª Reunião, a de Olinda: naquela ocasião, apenas os autores da região Sudeste estiveram presentes em maior número do que os pesquisadores estrangeiros.

Gráfico 01 Gráfico 02

Gráfico 01: Distribuição (%) no território nacional dos autores de trabalhos apresentados nos FPs/GTs específicos sobre alimentação nas Reuniões Brasileiras de Antropologia

Gráfico 02: Distribuição (%) no território nacional dos associados da Associação Brasileira de Antropologia em 2009

Com concentração de tal magnitude, indagamo-nos o quanto essa distribuição geográfica dos autores seria ou não coincidente com o perfil dos participantes das Reuniões Brasileiras de Antropologia. Sem dispor, para a comparação, desses dados sistematizados, buscamos informação junto à Secretaria da ABA, que nos forneceu o número de seus sócios na atualidade (2009). Agrupamos, então, esses dados por região do País, e obtivemos a representação apresentada no Gráfico 02, acima. Ali pode-se notar que a somatória das participações das regiões Sul e Sudeste representa aproximadamente 60% dos associados da ABA. As regiões Nordeste e Centro-Oeste respondem por cerca de 15% dos associados cada, enquanto que na região Norte estão 5% deles, número que equivale aos associados residentes no exterior. Dessa forma, pode-se ver que ainda que entre os associados da ABA haja uma forte concentração no Sudeste e Sul, essa concentração é ainda

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maior entre os autores que, ao longo das RBAs, apresentaram trabalhos nos Fóruns de Pesquisa ou Grupos de Trabalho específicos sobre alimentação.

Ainda que, pelas informações disponíveis, não tenha sido possível precisar os vínculos de boa parte dos primeiros autores que apresentaram trabalhos sobre alimentação ao longo das RBAs, pode-se afirmar que aproximadamente a metade deles eram professores de Instituições de Ensino Superior (IES) e, também, que entre os professores e estudantes de IES, sua quase totalidade era pertencente a Universidades públicas, em sua maior parte federais.

No que se refere à titulação, pode-se observar que, no período analisado – aqui deixando à parte, mais uma vez, a 20ª RBA11 –, os trabalhos sobre alimentação submetidos à discussão nas RBAs

tiveram como primeiros autores uma expressiva quantidade de doutores (em torno de 40 a 50%) e doutorandos (aproximadamente cerca de 20 a 30%). No mais, eram mestres ou mestrandos, até a 26ª RBA, quando os graduandos estiveram pela primeira vez presentes como primeiros proponentes de trabalhos, respondendo por quase 20% deles, apresentados na modalidade pôster. Pode-se notar que, na 26ª RBA, quando os graduandos surgem entre os autores, os doutores permanecem com 40% da participação, enquanto que doutorandos, mestres e mestrandos têm sua presença reduzida a cerca de 10% para cada uma dessas categorias.

Já quando o foco recai sobre a área de formação, confirma-se o esperado: é majoritária a presença de pesquisadores com formação específica em Antropologia entre aqueles que apresentaram trabalhos sobre alimentação. Ao longo das RBAs, sua participação esteve frequentemente entre 60 e 70% dos trabalhos, mas em duas ocasiões – nas Reuniões de Olinda e de Porto Seguro – sua participação foi reduzida, ficando em torno de 40%. Aos antropólogos, seguiram-se pesquisadores com formação em outras disciplinas da grande área Ciências Humanas (segundo classificação da CAPES) –, cabendo aí destacar, entre as recorrentes, Sociologia e História –, oscilando entre 15 e 40% dos trabalhos sobre o tema apresentados, e pesquisadores das Ciências da Saúde – aqui o destaque recai na área de Nutrição –, que chegaram a representar, no Grupo de Trabalho sobre alimentação organizado na RBA de Olinda (2004), 20% dos trabalhos discutidos. É interessante notar que, nas Reuniões que se seguiram à de Olinda, vem se reduzindo a participação de nutricionistas entre os autores de trabalhos apresentados no GT Alimentação, o que talvez possa estar relacionado ao critério recentemente implantado de privilegiamento de trabalhos de autoria de associados da ABA.

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No q u e s e r ef er e a es se s a u t or es, t od o s a q u el es a c er ca d e q u em p u d em o s o bt er i n for m a ç õe s er a m , à ép o ca , d ou t or es.

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Um último quesito foi ainda analisado, para a elaboração do perfil dos primeiros autores dos trabalhos sobre alimentação apresentados nas RBAs. Pode-se observar a presença de uma ampla e constante maioria de mulheres (entre 70 e 80%) entre os pesquisadores dedicados à temática.

Dispondo dos dados, anteriormente mencionados, referentes aos sócios da Associação Brasileira de Antropologia, procuramos checar se a distribuição entre homens e mulheres associados correspondia àquela entre pesquisadores e pesquisadoras dedicados ao estudo da comida e, considerando que entre os atuais sócios cerca de 60% são mulheres, temos que ainda que, no Brasil, as antropólogas sejam em maior número do que os antropólogos, a participação de mulheres é ainda mais significativa entre os pesquisadores que elegem os saberes e práticas da alimentação como objeto de estudo.

Os temas

De modo a classificar os conteúdos abordados nos trabalhos referidos à alimentação apresentados nas Reuniões Brasileiras de Antropologia no período estudado, percorremos títulos e resumos. Identificamos, assim, 16 assuntos12, que reagrupamos em 10 grandes temas, como

evidenciado no Gráfico 03, a seguir.

Gráfico 03: Participação percentual dos temas predominantes nos trabalhos sobre alimentação apresentados nas RBAs (total: 143 trabalhos)

12

Os 1 6 a s su n t os i d en t i fi ca d o s sã o l i st a d o s a s eg u i r : 1 ) coz i n h a s l oca i s/ r eg i on a i s/ n a ci on ai s, 2 ) p r od u t os i d en t i t ár i os, 3 ) p a t r i m ôn i o, 4 ) et n i a / i mi gr an t es, 5 ) i n d í g en a s, 6 ) ca m p on eses, 7 ) t en d ên ci a s d o com er , 8 ) r el i gi ões/ ou t r a s co sm o l og i a s, 9 ) g ên er o, 1 0 ) gr u p os et á r i os, 1 1 ) fa m í l ia , 1 2 ) so ci a bi l i d a d e, 1 3 ) sa ú d e/ c or p o, 1 4 ) d i scu r so s so br e o c om er , 1 5 ) fom e/ seg u r a n ça a li m en t ar , 16 ) r efl ex i v os s o br e a t em á t i ca .

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O Gráfico 03 dá visibilidade à participação dos temas predominantes no conjunto dos trabalhos analisados13, ou seja, um total de 143 trabalhos referentes à alimentação, apresentados nas

Reuniões Brasileiras de Antropologia realizadas entre 1996 e 2008, sendo que, desses, 113 foram apresentados em Fóruns de Pesquisa ou Grupos de Trabalho específicos sobre a temática, enquanto que outros 30 o foram em outros FPs ou GTs.

Já os Gráficos 04 a 09, a seguir, indicam a participação dos temas predominantes em cada uma das RBAs, possibilitando a comparação entre os diversos momentos e a visibilidade da trajetória dos temas.

Gráfico 04: 20ª RBA (total: 7 trabalhos) Gráfico 05: 22ª RBA (total: 16 trabalhos)

Gráfico 06: 23ª RBA (total: 32 trabalhos) Gráfico 07: 24ª RBA (total: 30 trabalhos)

Gráfico 08: 25ª RBA (total: 24 trabalhos) Gráfico 09: 26ª RBA (total: 34 trabalho)

13 N o qu e c onc er ne à a ná l is e s obr e os t ema s, a discussã o a pr es ent a da s er á s empr e r ef er ent e a o c onj u nt o dos t r a ba l hos a na l isa dos , da do t er mos ver i fi ca do qu e nã o s er ia m s i gni f ica t i va s a s di f er ença s ca so f oca dos os F P s ou GT s esp ec íf i c os s o br e a l i m en t a çã o.

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A partir dos gráficos anteriormente expostos, pode-se observar que – à exceção da 20ª RBA, da qual apenas 7 trabalhos puderam ser incluídos nesta análise –, a cada evento, os trabalhos sobre alimentação apresentados contemplaram ao menos oito dos dez grandes temas identificados. Ainda que tal distribuição seja indicadora da pluralidade de interesses abarcados nos estudos dos pesquisadores da antropologia da alimentação, sua variação talvez possa sugerir ênfases e deslocamentos ao longo do período.

Assim, podemos, por exemplo, observar que a ênfase nas associações entre a comida e o sagrado, predominantes nos estudos apresentados no primero Fórum de Pesquisa específico sobre alimentação realizado em uma RBA, em 1996, desde então esteve presente em apenas 5 a 10% dos trabalhos apresentados, tendo ficado completamente ausente da 25ª RBA (Goiânia, 2006).

Chama atenção que os trabalhos que procuram apreender as mudanças/tendências do comer tenham estado presentes em todas as RBAs (representando 15% do total dos trabalhos sobre alimentação apresentados no período), enquanto que aqueles que se propõem a analisar os discursos sobre o comer, evidenciando percepções sobre o tema, tiveram aparição em apenas quatro dos eventos da ABA realizados no período, perfazendo 6% do total dos trabalhos. No que se refere aos trabalhos construídos a partir das temáticas relacionadas ao corpo e à saúde, pode-se observar que estão presentes desde a 22ª RBA (Brasília, 2000), representando cerca de 8% do total dos trabalhos analisados, fração equivalente à ocupada pelos trabalhos que focam as práticas alimentares a partir de sua associação com as sociabilidades estabelecidas e mantidas à mesa.

Por fim, cabe comentar a respeito de três dos grandes temas que aparecem com grande frequência no conjunto dos trabalhos analisados: cozinhas locais/regionais/nacionais + produtos identitários + patrimônio (22% do total dos trabalhos analisados); etnia/imigrantes + indígenas + camponeses (18%); gênero + grupos etários + família (8%). Somando a frequência desse conjunto de temas, temos praticamente a metade de todos os trabalhos sobre alimentação apresentados ao longo das Reuniões Brasileiras de Antropologia, o que permite evidenciar, nos estudos sobre alimentação e cultura realizados no Brasil, a significância das relações entre comida e identidade: sejam associadas a recortes territoriais ou étnicos, a grupos específicos ou a diferentes segmentos.

Vale também notar que os trabalhos dedicados a entender as dimensões culturais associadas à fome e à segurança alimentar vêm, embora ainda timidamente, consolidando-se como presença constante desde os últimos dois eventos. Ainda, merece menção a quase absoluta ausência de trabalhos voltados a entender o próprio campo dos estudos sobre alimentação e cultura no Brasil, o

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que nos estimula a buscar dar continuidade e aprofundamento ao esforço de sistematização iniciado neste trabalho, bem como, esperamos, deve servir de motivação para novas iniciativas neste sentido.

Referências

ARQUIVO EDGARD LEUENROTH. Campinas: UNICAMP, s.d. Disponível em: http://www.ifch.unicamp.br/ael/ CANESQUI, Ana Maria. Antropologia e alimentação. Revista de Saúde Pública, São Paulo, v. 3, n. 22, p.207-216, 1988. CARVALHO, Isabel Cristina de Moura; SCHMIDT, Leticia Santos. A pesquisa em educação ambiental: uma análise dos trabalhos apresentados na ANPED, ANPPAS e EPEA de 2001 a 2006. Revista Pesquisa em Educação Ambiental, v. 3, n. 2, jul/dez 2008.

HORIZONTES ANTROPOLÓGICOS: Comida. Porto Alegre: PPGAS/UFRGS, v. 2, n. 4, jan/jun 1996.

MACIEL, Maria Eunice; ABDALA, Mônica Chaves. Comida e simbolismo – justificativa. Proposição de Fórum de Pesquisa remetida à Associação Brasileira de Antropologia. Porto Alegre, 1999. (mimeo)

REUNIÃO BRASILEIRA DE ANTROPOLOGIA, 22., 2000, Brasília. 22ª Reunião Brasileira de Antropologia. Brasília: ABA, 2000. CD-ROM.

REUNIÃO BRASILEIRA DE ANTROPOLOGIA, 23., 2002, Gramado. 23ª Reunião Brasileira de Antropologia. Gramado (RS): ABA, 2002. CD-ROM.

REUNIÃO BRASILEIRA DE ANTROPOLOGIA, 24., 2004, Olinda. XXIV Reunião Brasileira de Antropologia: Nação e Cidadania. Olinda (PE): ABA, 2004. 593 p.

REUNIÃO BRASILEIRA DE ANTROPOLOGIA, 25., 2006, Goiânia. 25ª Reunião Brasileira de Antropologia: saberes e práticas antropológicas, desafios para o século XXI. Goiânia: ABA, 2006. CD-ROM.

REUNIÃO BRASILEIRA DE ANTROPOLOGIA, 26., 2008, Porto Seguro. 26ª Reunião Brasileira de Antropologia. Porto Seguro (BA): ABA, 2008. CD-Virtual disponível em: http://www.abant.org.br/

TEIXEIRA, Alex Niche; BECKER, Fernando. Novas possibilidades da pesquisa qualitativa via sistemas CAQDAS.

Sociologias, Porto Alegre, v. 3, n. 5, p. 94-113, jan/jun 2001.

WOORTMANN, Klaas. Hábitos e ideologias alimentares em grupos sociais de baixa renda: relatório final. Série

Referências

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