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A CONQUISTA HOLANDESA. Introdução à História do Rio Grande do Norte.

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Arwnquisfãlíotãnâesa

As capitanias da P g a S ã ~ i Rio Grande desenhadas p elo a r tíã a holandês Fran2 Pcst, cfe a x t e de Maurício cfe Nassau, num mapa do século XVH.

Dentre as potências européias que disputavam com Portugal a posse de tenras do continente americano, a França constituiu a ameaça inicial, que foi combatida progressivamente com o avanço da ocupação portuguesa pelo litoral, através de lutas armadas seguidas do estabelecimento de núcleos de povoamento português ao longo da costa. Mesmo as duas tentativas francesas de colonização, isto é, de ocupação efetiva do território que viria a ser o Brasil - ocorridas no Rio de Janeiro, entre 1555 e 1567, e no Maranhão, entre 1594 e 1615 - foram rechaçadas por-Portugal. No entanto, no decorrer do século XVTI, uma nova investida seria feita por interesses do capital mercantil europeu, dessa vez por outra daquelas potênciasTa investida holandês!

Desde a Idade Média, a área européia quê hoje corresponde à Holanda apresentava um grande desenvolvimento comercial. Com uma rica burguesia de mercadores e usurários13 e cidades importantes nas rotas mercantis daquele continente, a Holanda constituía, no começo do século XVI, quando os europeus chegaram à América, a maior potência comercial do mundo, mas era, politicamente, uma possessão espanhola, chamada então de “Províncias Setentrionais”. Sua burguesia, se não havia participado do movimento inicial das grandes navegações, que implicaram na “descoberta” de novos territórios por Portugal e Espanha, far-se-ia presente no processo de incorporação da América ao capitalismo mercantil europeu através de sua frota mercante - a maior então existente na Europa - e do controle da distribuição dos produtos coloniais naquele continente. Era, -pxiucipalmentê, em seus navios que se transportavam as mercadorias que cruzavam o Atlântico e eram comerciantes holandeses que dominavam sua distribuição por cidades européias.

13 Usurários eram os negociantes que emprestavam dinheiro a juros, atividade que se desenvolveu, historicamente, ligada ao surgimentodo sistema capitalista na Europa e está na origem do sistema bancário de

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hoje.-40 DENISE MATrOS MONTEIRO

jL>essa iorma, os mieresses nojanaeses estavam presentes na coionia portuguesa na América, na medida em que a burguesia holandesa financiava, através de empréstimos de capital, a instalação de engenhos de açúcar no Brasil, transportava o produto para a Europa, realizava seu beneficiamento nas várias refinarias de açúcar existentes na Holanda e • comercializava-o entre os países europeus.

Esses interesses seriam, entretanto, abalados por fatos históricos que dizem respeito a acontecimentos políticos na própria Europa e que, em última instância, explicam a presença holandesa no Brasil.

Em primeiro lugar, devemos registrar as lutas pela independência da Holanda em relação à Espanha que se arrastaram por mais de 80 anos, a partir de meados do século XVI. Em segundo lugar, a passagem de Portugal para o domínio espanhol em 1580, devido a problemas de sucessão do trono português. Essa passagem deu início ao período conhecido como o da “União das Coroas Ibéricas”, que se estenderia até

1640, quando a Coroa portuguesa foi restaurada.

Durante esse período, e reagindo aos movimentos de independência na Holanda, a Coroa espanhola proibiu à burguesia holandesa continuar tendo acesso aos produtos das colônias ibéricas da América, entre elas o Brasil.

Na luta que essa burguesia passaria a travar pela manutenção de sua posição no comércio açucareiro, teve grande importância a fundação da “Companhia das índias Ocidentais”, em 1621. Formada pela concentração de capitais de numerosos negociantes holandeses, a essa Companhia caberia a conquista de áreas, para garantir a continuidade do comércio e navegação holandeses na América.

Dessa forma, foi organizado o primeiro ataque holandês às posses: de Portugal e Espanha na América, ocorrido na Bahia, sede da capitai da colônia, em 1624. A resistência luso-espanholá, porém, reunindo umai esquadra ibérica e reforços de várias capitanias, conseguiu, no ano; seguinte, expulsar os holandeses da área.

-Isso, entretanto, não implicou na desistência da Companhia: expedições de observação, que tinham por objetivo colher informações^ ~sübr^ crterritório-para uxnã-4iova4nves&áa^assaram-a-ser_envi adas ao;

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INTRODUÇÃO À HISTÓRIA DO RIO GRANDE DO NORTE 41

Brasil e, em 1630, foi iniciada a conquista de Pernambuco, maior área produtora de açúcar do mundo, então existente. A partir daí, o domínio holandês se estenderia por 24 anos, incluindo as capitanias vizinhas de Itamaracá, Paraíba e Rio Grande.

Antes mesmo da conquista de Pernambuco, a Companhia definira uma política de permanente aproximação e aliança com tribos indígenas locais de forma a facilitar a guerra de conquista. Uma vez estabelecido o poder holandês no Nordeste do Brasil, essa aproxim ação seria cuidadosamente preservada e a ela os indígenas corresponderiam com inúmeras alianças.

Para a execução e sucesso dessa política, foram fundamentais alguns funcionários da Companhia das índias Ocidentais, contratados com esse objetivo. Dentre eles, encontrava-se Jacob Rabe que atuaria junto áos indígenas do Rio Grande. Falando cinco idiomas (o alemão, o holandês, o português, o tupi e o tarairiu), Rabe viveu com os indígenas durante longo tempo e produziu um relatório, com informações importantes sobre sua cultura, que constituiu um dos raros textos produzidos sobre os indígenas do período e utilizado por diferentes historiadores. Um depoimento existente sobre o período narra que

os tapuias gostavam dele mais que de cem outros [e que] esse homem intrépido de tal forma se adaptara a estes selvagens em seus costumes e modo de viver, que se tomara como se fosse um deles, e estes de tal modo a ele se afeiçoaram, que o fizeram um de seus principais capitães.'4

Data de 1625 o registro da primeira incursão dos holandeses em área mais próxima à capitania do Rio Grande. N esse ano, uma esquadra, vinda da Bahia, aportou na Baía da Traição, para abastecer-se de agua e aumentos, de onde saiu uma patrulha terrestre de observação. 14

14 Depoimento de Roelof Baro - também funcionário da Companhia em contato com indígenas “tapuia”-, traduzido para o francês por Pierre Moreau em livro publicado em 1651, citado por MEDEIROS FILHO, O. No rastro dos flamengos, p. 41. Rabe constituiu família entre os indígenas e estabeleceu-se em uma propriedade no vale do Ceará-Mirim, onde criava gado e possuía _escravos-negFQs.—

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42 DENISE MATTOS MONTEIRO

Dos contatos então estabelecidos cõimnaig"éMsT0pÍ^^ipiara7resulton -

que alguns deles partiram com os holandeses de volta para a Europa, onde iriam aprender a ler, escrever, seriam catequizados, passariam informações importantes sobre sua terra de origem e serviriam, mais tarde, de intérpretes junto à população nativa.15

O que teria levado esses indígenas a aceitarem a aliança com os holandeses, ou, em outras palavras, preferirem os holandeses aos portugueses? Em primeiro lugar, é preciso considerar que, do ponto de vista indígena, frente à necessidade de viver com os invasores, fossem eles portugueses ou holandeses, aos indígenas cabia a decisão política da aliança que lhes parecesse menos danosa ao seu povo e à sua cultura. Em segundo lugar, enquanto a vivência com os portugueses havia implicado até então em massacres e na escravização indígena, os holandeses reconheceram e garantiram, oficialmente, o direito dos índios à liberdade.

Em 1631, quando já havia sido iniciada a conquista da capitania de Pernambuco, um indígena “tapuia” denominado Marciano (ou Marcial, segundo alguns autores) se apresentou ao Conselho Político Holandês daquela capitania e propôs uma aliança, em nome dos chefes indígenas do Rio Grande, Nhandui e Oquenou.

Pelos registros históricos existentes, não podemos determinar se Marciano estivera entre aqueles indígenas que viveram durante algum tempo na Holanda. Isso, entretanto, é bastante provável, considerando- se o papel que desempenhou com o intermediador de uma aliança necessária aos holandeses e desejada por grupos nativos. Da mesma forma, não foi possível até hoje precisar que tribos indígenas eram

j n j a G~d~ p. 1QR estavam. entre

os índios embarcados para a Holanda, “Gaspar Paraupaba, então de 50 anos, André Francisco, de 32 anos, ambos dq Ceará, Pieter Poty, Antônio Guiravassauay, Antônio e Luís Gaspar, todos da Baía da Traição”. Os prenomes em língua européia são indicativos do batismo desses indígenas no cristianismo. Observe-se que, nesta etapa “de nossa história, dezenas de indígenas foram levados para a Europa, muitos tendo lá permanecido e outros tantos tendo retornado a terra de origem. Sobre eles e essa sua experiência pouco sabemos, uma vez que os registros escritos são raros e mesmo assim de autoria européia.

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INTRODUÇÃO 4 HISTÓRIA DO RIO GRANDE DO NORTE 43

chefiadas por Nhandui e Oquenou. O ponto sobre o qual os historiadores não têm dúvidas é que foram, sobretudo, grupos indígenas do sertão - chamados na época de “tapuia”- que se aliaram, militarmente, aos holandeses. Ainda não atingidos pelo processo de catequese católica, ainda não’ tendo perdido suas terras e conhecedores do resultado dramático da convivência entre os brancos portugueses e os indígenas do litoral, esses “tapuia” optaram por uma aliança, apresentando um valor militar que foi sabidamente utilizado pelos holandeses nos tempos de guerra em que se vivia.

Ao final daquele mesmo ano de 1631, ocorreu a primeira tentativa holandesa de conquista do Forte dos Reis M agos, tentativa essa infrutífera visto que a resistência armada portuguesa fez retroceder a esquadra holandesa a Pernambuco. Dessa esquadra faziam parte alguns indígenas, como Marciano, que teriam a função de intermediar o contato com diferentes tribos.

O Rio Grande foi efetivamente incorporado ao domínio holandês em 1633, quando uma expedição organizada com esse objetivo foi composta por onze embarcações e 808 soldados e dirigiu-se à capitania. Aqui chegando, parte da tropa desembarcou em algum trecho do litoral compreendido entre a Cidade do Natal e onde é hoje a praia de Ponta Negra. Caminhando pela praia, dirigiu-se ao Forte e, posicionandó-se nas dunas próxim as, iniciou um ataque de artilharia terrestre, complementado com uma investida por mar.

Incapazes de resistir, os portugueses se renderam. O Forte, que recebeu a denominação holandesa de Castelo de Ceulen, passou a ser comandado - inicialmente - pelo capitão Joris Gartsman que recebeu ‘munições, víveres, oficiais, trabalhadores: 150-soldados e.2flLf><7ÍtHros cara as expedições em terra”.16

Essas expedições em terra eram fundamentais para a expansão erritorial da conquista holandesa e sua consolidação, assim como para larantir o abastecimento permanente de água e comida. Assim, uma rez conquistada a Cidade do Natal - cuja denominação passaria a ser

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44 DENISE MATTOS MONTEIRO .

“Nova Amsterdã” a frente holandesa dirigiu-se para a outra povoação então existente na capitania, cujo engenho constituía toda a sua riqueza - a povoação de Cunhaú. Contando com um pequeno forte aparelhado com canhões de ferro, que bem indicam a importância demográfica, militar e econômica da povoação, a resistência portuguesa aí ocorrida implicou em combates que não conseguiram impedir o processo de conquista, no ano de 1634.

Figura 6 - Mapa holandês retratando a conquista do Forte dos Reis Magos

Do ponto de vista da administração, a capitania do Rio Grande passou a ser subordinada à Paraíba, que constituía uma das quatro “províncias” em que se dividiram os domínios holandeses. O poder político local foi constituído por uma “Câmara deEscabinos”, composta, por um representante holandês - o “esculteto” - e dois portugueses, ou seus descendentes, nomeados pelo Supremo Conselho Político Holandês. A Câmara seria responsável pela administração, justiça, fazenda e

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segurançadaeapitania-INTRODUÇÃO À HISTÓRIA DO RIO GRANDE DO NORTE 45

Essa forma de administração, comum a outras áreas sob o controle holandês, é representativa da estratégia adotada pelos novos conquis­ tadores para viver com os proprietários rurais e senhores de engenho. Considerando-se que à Cia. das índias Ocidentais interessava, sobretudo, o lucro gerado pela cana-de-açúcar, motivo último da invasão, era necessário garantir a continuidade da produção e comércio dessa mercadoria. N esse sentido, o poder holandês lançou proclamas à população sob seu domínio, declarando que a propriedade dos engenhos seria respeitada, que seriam feitos empréstimos em dinheiro pára reconstrução daqueles que . haviam sido destruídos nas lutas e para a compra de escravos africanos, e que os impostos de exportação teriam seu valor diminuído. Além disso, a Cia. prometia respeitar a liberdade de culto da população local.17

17 Nb século XVÍ, a burguesia holandesa - ao contrário da portuguesa que se manteria fiel à Igreja Católica de Roma - havia aderido ao calvinismo, uma das seitas protestantes que tiveram origem na grande cisão do cristianismo europeu conhecida como Reforma - iniciada por Martim Lutero na Alemanha ~-&que4ria pôr-feirhegemOnia-drfgrejrCató'lÍCTTJe"Rorna na EurbpãT

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Figura 7 - Nos engenhos de açúcar era produzida a principal mercadoria da colônia (Engenho de açúcar)

Em troca, esperavam uma convivência .pacífica, ou seja, a cessação de qualquer forma de resistência. A conciliação de senhores de engenho com o invasor então ocorrida pode ser explicada pelo interesse desses últimos em manter, o quanto possível, o poder econômico e político até então desfrutado por eles na colônia. De qualquer forma, tiveram de submeter-se a algumas exigências holandesas, tendo sido

proibidos de marcar os escravos [permitiu-se-lhes castigá-lo; com chicote, vara e correia de couro, usar o tronco e corrente; no pescoço e nas pernas, cabendo à autoridade pública, depoii de certos trâmites, a decisão sobre a mutilação de algun membro, marcação a ferro e a morte], de derrubar cajueiro [visto que o seu fruto é um importante sustento dos índios] de jogar bagaço de cana ao rio [o que estraga as águas e caus

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INTRODUÇÃO À HISTÓRIA DO RIO GRANDE DO NORTE Al

-séria vmoléstias]"^, piorde túclõ, obrigados a plantar mandioca [eles que só se ocupavam com plantar cana]”.18

Com relação àqueles engenhos que haviam sido abandonados por seus proprietários no decorrer da guerra de conquista, a Companhia estabeleceu que deveriam ser confiscados e vendidos a crédito a particulares que por eles se interessassem. No Rio Grande, o único engenho de açúcar então existente - o Cunhaú - pertencia a Antônio de Albuquerque, um dos filhos de Jerônimo de Albuquerque Maranhão. Tendo Antônio e seu irmão Matias se refugiado em Portugal, naquele mesmo ano de 1634, o engenho, que contava então com 30 escravos negros, foi confiscado e adquirido, inicialmente, por Joris Gartsman, que casou-se com uma mulher da terra e era o capitão holandês do Forte dos Reis Magos, e um seu sócio, em 1637.19

Se a capitania do Rio Grande era bastante inferior à de Pernambuco em termos de extensão e importância da atividade açucareira, ela, por outro lado, apresentava uma atividade criatória importante: o gado existente, espalhando- se pelos campos da área povoada pelos brancos, já era enviado para as capitanias vizinhas ao sul, abastecendo-as de came e força motriz para os engenhos. Seria por esse gado, sobretudo, que os holandeses iriam se interessar. Assim, há registros de que já em 1631, por ocasião da primeira tentativa de conquista do Forte dos Reis, cabeças de gado existentes em áreas ao norte da Cidade do Natal foram apropriadas pela tripulação da expedição marítima que havia sido enviada à capitania.

O Conde João Maurício de Nassau, que de Recife governou o Brasil holandês por sete anos, visitou Natal em 1637 e num relatório enviado ao Supremo Conselho Político Holandês, em 1638, dizia;

[O Rio Grande] tem vastas e dilatadas terras, que pela maior parte se acham inabitadas e desertas, pois o Rio Grande não tem povoados mais do que l u ouTTIêgüás ao norte do rio Grande [rio Potengi], donde esta capitania tira o nome

18 MELLO, J. A. G. de. Tempo dos Flamengos, p. 137 e 234.

19 Conforme os documentos da época, a união entre holandeses e mulheres da terra, fossem elas de origem portuguesa ou indígena, foi bastante comum, especialmente na capitania do Rio Grande.

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[...] temlõrrienteumãcidacteTtenominada-NataC-si ta-alégua—

e meia do Castelo Ceulen, rio acima, a qual agora se acha decaída [...] Nesta capitânia os moradores se ocupam principalmente com a criação de gado que ali existia em abundância; a guerra o reduziu muito e fê-lo selvagem, mas trata-se de amansá-lo com toda a diligência e de levá- lo aos currais. O Rio Grande já está dando muito gado, que é conduzido para Paraíba, Itamaracá e Pernambuco, onde serve, quer para o corte, quer para trabalharem nos ' carros e engenhos.20(Grifo nosso).

Dos indígenas que habitavam a faixa litorânea das capitanias conquistadas - como os Tupi-Potiguara no Rio Grande os holandeses esperavam, provavelmente, não só o apoio nos combates com forças portuguesas, mas também o apoio em termos de provê-los de mantimentos, fosse caça e pesca, ou mão-de-obra na criação de rebanhos e plantio de roças. Dessa forma, aldeias de indígenas aliados foram subordinadas às autoridades holandesas. Nesse processo de aldeamento forçado, não faltou a tentativa holandesa de catequese calvinista, sempre um precioso -instrumento de dominação das populações nativas.

Essa tentativa, contudo, foi fruto da ação individual de alguns" missionários voluntários que percorriam as aldeias. Em 1642, o governo; holandês procurou estabelecer uma política definida de catequese. Essa; política, centrada nas crianças indígenas, determinava que seriariT escolhidas algumas a serem separadas de seus pais e enviadas para uma' escola na capitania de Pernambuco. Tal decisão esteve na origem déí revoltas, como um levante indígena ocorrido no Ceará, em 1644, contra" os holandeses. No que diz respeito à capitania do Rio Grande, não há' registros seguros de que tenha sido visitada por missionários.

20 LYRA, A. Tavares de. História do Rio Grande do Norte, p: 81-82. Nessaj viagem à sede’dà capitania do Rio Grande, Nassau se fez acompanhar dè, Franz Post, um dos pintores holandeses que compunham um grupo de artista? e cientistas que o conde trouxe para o Brasil. Post retratou com sua pintura; paisagens da capitania nesse período, déixando-nos registros históriccjá -preciosos—— '

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Èmbora, oftcialrnente, o governo holandês tenha proibido o trabalho escravo indígena, a exploração da população dessas aldeias tupis da faixa litorânea - principalmente aquelas geograficamente distantes de Pernambuco e longe da fiscalização existente r, era bastante comum, por parte das autoridades locais holandesas encarregadas de sua administração.

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Figura 8 - Osindígenas Tupi foram os primeiros nativos a sofrer o impacto da cultura européia (Mulher tupi)

Os conflitos que resultaram desse convívio deram origem a uma assembléia de chefes indígenas, em 1645, na qual ficou determinado que, a pàctir de então, as aldeias existentes formariam “grupos de aldeias” que seriam dirigidos, cada um deles, por um chefe indígena, sem anular os •epresentantes-do-poderholandêSTPârã ãs^raéiãs^potlguares da capitania

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do Rio Grande, foi escolhido Antonio Paraupaba, filho de GaspãfFãrãupBa, que estivera na Holanda em 1625?21

A relação entre holandeses e indígenas do sertão teve características diferentes. Como a presença holandesa na capitania se restringiu a uma estreita faixa litorânea - que ao norte chegava até o vale do rio .Maxaranguape e a oeste até o atual município de Macaíba o sertão continuou desconhecido pelo branco europeu e de domínio absoluto da população nativa. Apenas alguns agentes da Cia. das índias Ocidentais, como Jacob Rabe, chegaram a conhecê-lo, no papel a eles destinado de aproximação com os indígenas. Pela

figura 9

podemos observar a área conquistada pelos brancos europeus e sob o domínio holandês nesse período, aproximadamente. Assim, os chamados “tapuia”

tratavam os seus aliados brancos de igual para igual. Nhandui de sua taba enviou ao Conselho [Holandês] planos e sugestões para vencer a revolta dos portugueses [através de Jacob Rabe]. Eram, porém, aliados tão'“ferozes” que às vezes mais pareciam inimigos; procurava-se sempre mantê-los o mais afastado possível das zonas habitadas; quando desciam do Rio Grande em direção a Pernambuco o governo movimentava-se imediatamente: com - pedidos iam presentes para que tomassem às suas terras. Assim, por exemplo, em 1639, quando Nhandui com 2.000 tapuias - homens, mulheres e meninos - aproximou-se do povoado do Rio Grande, causando grandes danos aos moradores. Com a maior sem-cerimônia iam arrancando as roças, novas e velhas, que encontravam. O Conselho despachou logo os filhos de Nhandui que se achavam no Recife, recomendando-lhes que fizessem voitar os seus para o lugar donde haviam procedido; quando fossem necessários seriam chamados.22

~21 ^oom nrt.» r A.xrifFWI, t rin ^ uN+Ariri~r!n Rin Grande do Norte, p, 67, a aldeia de.

Itapecerica, onde se realizou a assembléia indígena, teria se localizado onde é hoje o município de Mamanguape, na Paraíba. Ainda segundo esse autor, à p. 67, as. aldeias indígenas de Tupi-Potiguara na capitania do Rio Grande seriam seis, assim localizadas: Mipibu, Papari, Igàpó, Pirangi, Goianinha e Taipu. LYRA, A. Tavares de, em seu livro Domínio hollandez no Brasil, especialmente no Rio Grande do Norte, p.82, considera que essa assembléia teria ocorrido no vale do rio Ipqjuca, em- Pernambuco. MÈLLO, José Antônio G. de., em sua obra Tempo dos Flamengos, p. 215, afirma qué “não possuímos até agora dados completos para a localização -das ald&ias-principais,-.as estáveis - dos índios aliados dos holandeses”.

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A partir de 1640, cora a restauração do trono português, novas alianças foram feitas na Europa e teriam repercussões sobre as áreas coloniais. Portugal, saindo do domínio espanhol, assinou um tratado de paz e amizade com a Holanda, tomando os dois países aliados e em oposição à Espanha.

Apesar dessa aliança, o território holandês no Brasil continuou existindo, mas seus dias estavam contados: os proprietários rurais, sobretudo os senhores de engenho de Pernambuco, que endividavam-se cada vez mais com comerciantes e usurários holandeses, passaram a preparar, à surdina, a chamada Insurreição Pernambucana, conseguindo armas e munições e incentivando a população em geral a adem à luta. Em 1645, eclodiu o primeiro combate, próximo a Recife, iniciando uma guerra que se arrastaria durante anos e se alastraria por todo o território holandês na colônia.

Na capitania do Rio Grande, nesse contexto de lutas e ameaça de perda dos territórios conquistados por parte da Holanda, a povoação de Cunhaú foi atacada sob o comando de Jacob Rabe, acompanhado de indígenas tapuia e, provavelmente, soldados holandeses. Alguns sobreviventes e outros colonos portugueses ergueram, então, um arraial - Uruaçu - onde, armados, esbõçaram uma luta de resistência, que terminou com sua rendição às forças holandesas.23

Em 1646, tendo Jacob Rabe sido assassinado, os indígenas “tapuia”, que até então haviam se mantido aliados dos holandeses, quebraram sua aliança e começaram a refluir para o sertão. Perdiam os holandeses um forte apoio militar.24

23 A localização do Arraial de Uruaçu é controversa. Provavelmente, .ele esteve — lucaiizado umie é hoje'0 município dè Macaiba. Arraial~efã~üma denominação comum, nessa época, para designar as povoações temporárias que se formaram no processo de resistência e luta contra os holandeses.

24 Jacob Rabe, como provavelmente outros funcionários da Companhia que desempenharam_a mesma função,, usufruiu de sua posição privilegiada. Contra ele pesavam acusações de insuflar periodicamente ataques indígenas contra a população da capitania e de se apropriar do produto de saques. Em função dessas denúncias, a Cia. das índias Ocidentais, através do Alto Conselho do Recife, ordenou sua demissão do cargo e autorizou sua prisão em 1643, o que no entanto não chegou a -ocorrerrRabe' foi assassinado a mando de JonsTJãrstman, militar holãndêsr

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Figura 9 - Territórios da capitania do Rio Grande: área conquistada pelos europeus, aproximadamente, durante o período holandês

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Figura 10 - Negros e mestiços foram incorporados nas guerras hplandesas (Soldado)

i terreno emPãmãmbuco e Paraíba, jtyançaram para o Rio Grande. Aqui iriam utilizar da mesma tática militar de “terra arrasada” que caracterizou, a ação portuguesa no processo de expulsão dos holandeses do Brasil. Essa tática consistia na destruição, através de incêndios, de canaviais e engenhos de açúcar. As medidas tomadas pelo Alto Conselho de Recife, empregando soldados holandeses pára evitar essa destruição, revelaram-se inúteis. Assimr

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.&mJA4J^mim-54 DENISE MATTOS MONTEIRO

ataque português à povoação de Cunhaú no Rio Grande, seu engenho foi completamente destruído, seu gado seqüestrado e muitos prisioneiros foram levados para Pernambuco, “principalmente escravos foragidos e mulheres extraviadas.”25

Os combates na capitania prosseguiram com novos ataques ao erígenho Cunhaü - comandados por André Vidal de Negreiros e Henrique Dias - e a um fortim holandês, então existente na lagoa de Guaraíras - atual município de Arês -, em 1648, onde encontravam-se entrincheirados soldados, índios e negros.

Foi depois de anos de lutas encarniçadas que os holandeses se renderam em Recife, em 1654, sendo definitivamente expulsos do Brasil. Nesse mesmo ano, o Forte dos Reis Magos, no Rio Grande, foi retomado pelos portugueses.

O que aconteceu aos grupos indígenas - fossem do litoral ou do sertão, da capitania de Pernambuco, Paraíba ou Rio Grande - que fizeram a opção política pelos holandeses e a eles se aliaram? Existem poucos registros históricos e pouca menção nos livros de história existentes. Certo é que, frente à retomada do poder colonizador pelos portugueses, milhares desses indígenas, temerosos dó revide lusitano, que efetivamente passou a ocorrer, refugiaram-se na Serra do Ibiapaba, no atual estado do Ceará. Membros de diferentes grupos e tribos para aí migraram, carregando sua experiência do contato com os brancos europeus.

RA.- 'A^-T^dft-/3«r»in.ia -hnllandez na Brasil especialmente no Rio Grande do Norte, p. 92.

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INTRODUÇÃO À HISTÓRIA DO RIO GRANDE DO NORTE 55

Figura11 - A Fortaleza dos Reis foi chamada de Castelo de Céulen

durante o período holandês (Castelo de Ceulen)

Não tardaram os portugueses em tentar penetrar nesse foco de resistência: durante toda a segunda metade do século XVII, mais .especificamente entre .1656 e 1690, várias missões jesuíticas tentaram se instalar na Serra, a partir do Maranhão, o que efetivamente só viria a ocorrer em 1695. Nesse processo, teve papel destacado o padre Antônio Vieira, jesuíta célebre na Colônia e no Reino de Portugal, por sua ação política contrária à escravização indígena por parte de colonos portugueses.

Pela documentação histórica existente, não é possível sabermos se Àntonio Paraupaba, ex-chefe das aldeias indígenas do Rio Grande, estava 'éntre_os que migraram-para o Ceará;-Sobre esse-pets-enageiR. Mstdrica. , entretanto, existem registros que relatam sua viagem à Holanda, em 1654, ronde fez uma exposição ao governo holandês pedindo ajuda para os dndígenas ex-aliados, que na Serra do Ibiapaba estavam agora vulneráveis ^aos ataques punitivos dos portugueses.-Inútil viagem: aos interesses dnercantis holandeses não mais interessava essa aliança,26

26 Veja-se, em Anexo C, a íntegra do documento de Antônio Paraupaba dirigido ~~~ãõgoverno holandês em 1654.

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