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A transformação do mundo na sociedade em rede - Manuel Castells

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Academic year: 2021

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(1)

Manuel Castells

Redes de indigna«;ao

e esperan«;a

Movimentos sociais na era da internet

Posfacio do autor

a

edi~ao brasileira

Tradu~ao:

Carlos Alberto Medeiros

(2)

Redes de indignap'io e esperanra

a i nda vive fora dos n6dulos territoriais que administram e controlam o pac;:o dos fluxos financeiros dos lugares que habitam.

Ao desafiar a inviolabilidade do poder financeiro absoluto nas praias ocefmicas do capital global, materializaram a resistencia, dando urn rosto

a

fonte da opressao que asfixiava a vida das pessoas e estabelecendo seu dominio sabre os dominadores. Formaram uma comunidade de convi-vencia nos lugares em que antes estavam apenas as sedes do poder e da cobic;:a. Criaram experienc!a a partir do desafio. Automediaram sua cone-xao com o mundo, assim como entre eles mesmos. Opuseram-se

a

ameac;:a da violencia com uma positividade pacifica. Acreditaram em seu direito de acreditar. Conectaram-se e chegaram aos outros. Encontraram signifi-cado em estar juntos. Nao recolheram dinheiro nem pagaram suas dividas. Colheram a si mesmos. Colheram o sal da terra. E tornaram-se livres.

6. A

transforma\ao do

mundo

na

sociedade em rede

"N6s derrubamos o muro do medo Vc derrubou o muro de nossa casa N6s vamos reconstruir nossos lares

Mas vc nunca vai erguer aquele muro do medo."

Tuite de @souriastrong (Rawia Alhoussaini)

Ao LONGO DA HISTORIA, os movimentos sociais foram e continuam a ser a alavancas da mudanc;:a social.I Geralmente se originam de urn a ri nas condic;:oes de vida que torna insustentavel a existencia cotidiana para a maioria das pessoas. Sao induzidos por uma profunda desconfianc;:a nas instituic;:oes politicas que administram a sociedade. A conjuminancia de degradac;:ao das condic;:oes materiais de vida e crise de legitimidade dos governantes encarregados de conduzir os assuntos publicos leva as pessoas a tamar as coisas em suas pr6prias maos, envolvendo-se na ac;:ao coletiva fora dos canais institucionais prescritos para defender suas demandas e, no final, mudar os governantes e ate as regras que moldam suas vidas.

Mas esse e urn comportamento arriscado, pois a manutenc;:ao da or-dem social e a estabilidade das instituic;:oes politicas expressam relac;:oes de poder exercidas, se necessaria, pela intimidac;:ao e, em ultimo recurso, pelo uso da forc;:a. Assim, na experiencia hist6rica e na observac;:ao dos movimentos analisados neste livro, os movimentos sociais muitas v z 'S sao desencadeados por emoc;:oes derivadas de algum evento signifi ill ivo

(3)

l " Redes de indignariio e esperanra

qu · ajuda os manifestantes a superar o medo e desafiar os poderes cons-tituidos apesar do perigo inerente a suas a<;:6es.

De fato, a mudan<;:a social envolve uma a<;:ao individual e/ou coletiva

que e, em sua essencia, emocionalmente motivada, da mesma forma que todo comportamento humano, segundo recente pesquisa em neurociencia sociai.Z No contexto das seis emo<;:6es basicas identificadas por neuropsi-c6logos (medo, aversao, surpresa, tristeza, felicidade e raiva3

), a teoria da

inteligencia afetiva em comunica<;:ao politica4 argumenta que o gatilho e

a raiva, e o repressor, o medo. A raiva aumenta com a percep<;:ao de uma a<;:ao injusta e com a identifica<;:ao do agente por ela responsavel. 0 medo desencadeia a ansiedade, associada

a

evita<;:ao do perigo. Ele e superado pelo compartilhamento e pela identifica<;:ao com outros num processo de a<;:ao comunicativa. Entao a raiva assume o controle, levando ao compor-tamento de assumir os riscos.

Quando se desencadeia o processo de a<;:ao comunicativa que induz a

as:ao e a mudan<;:a coletivas, prevalece a mais poderosa emo<;:ao positiva: o

entusiasmo, que refor<;:a a mobiliza<;:ao societaria intencional. Individuos entusiasmados, conectados em rede, tendo superado o medo, transfor-mam-se num ator coletivo consciente. Assim, a mudan<;:a social resulta da a<;:ao comunicativa que envolve a conexao entre redes de redes neurais dos cere bros humanos estimuladas por sinais de urn ambiente comunicacional formado por redes de comunica<;:ao. A tecnologia e a morfologia dessas redes de comunica<;:ao dao forma ao processo de mobiliza<;:ao e, assim, de mudan<;:a social, ao mesmo tempo como processo e como resultado.

Nos ultimos anos, a comunica<;:ao em ampla escala tern passado por profunda transforma<;:ao tecnol6gica e organizacional, com a emergencia do que denominei autocomunica<;:ao de massa, baseada em redes

horizon-tais de comunica<;:ao multidirecional, interativa, na internet; e, mais ainda,

nas redes de comunica<;:ao sem fio, atualmente a principal plataforma de munica<;:ao em toda parte.5 Esse e o novo contexto, no cerne da socie -d -d em re-de como nova estrutura social, em que os movimentos sociais

do s • ulo XXI se constituem.

( s movimentos estudados neste livro, assim como movimentos seme

-llt.IJ\1 ·s surgid em todo o mundo, tiveram origem numa crise economica

A transformariio do mundo na sociedade em rede J I

estrutural e numa crise de legitimidade cada vez mais profunda (vn A nc o

E). A crise financeira que sacudiu os alicerces do capitalismo informa tott,tl

global a partir de 2008 questionou a prosperidade na Europa e nos E tados

Unidos; amea<;:ou de colapso financeiro governos, paises e grandes emprc

sas; e levou a urn substancial encolhimento do Estado de bem-estar social responsavel, durante decadas, pela sustenta<;:ao da estabilidade social.6

A crise global de produs:ao de alimentos teve impacto sabre a sub-sistencia da maioria das pessoas nos paises arabes, quando OS pre<;:OS dos generos de primeira necessidade, em particular o pao, atingiram niveis insuportaveis para uma popula<;:ao que gasta a maior parte de sua escassa renda com comida. A imensa desigualdade social presente em todos eles tornou-se intoleravel aos olhos de muitos dos que sofriam a crise sem es-peran<;:a nem confian<;:a. 0 caldeirao de indigna<;:ao social e politica atingiu o ponto de ebuli<;:ao.

Mas movimentos sociais nao nascem apenas da pobreza ou do de

-sespero politico. Exigem uma mobiliza<;:ao emocional desencadeada pela indigna<;:ao que a injusti<;:a gritante provoca, assim como pela espera ns:a

de uma possivel mudan<;:a em fun<;:ao de exemplos de revolta exit as

em outras partes do mundo, cada qual inspirando a seguinte por meio de imagens e mensagens em rede pela internet. Alem disso, a despeito das profundas diferen<;:as entre os contextos em que esses movimentos surgiram, ha certas caracteristicas que constituem urn padrao comum: o modelo dos movimentos sociais na era da internet.

Movimentos sociais em rede: urn padrao emergente?

Os movimentos sociais estudados neste livro, assim como outros que sur-giram pelo mundo nos ultimos anos,7 apresentam uma serie de caracte-risticas comuns.

sao conectados em rede de multiplas formas. 0 uso das redes de comu

-nicas:ao da internet e dos telefones celulares e essencial, mas a forma d • conectar-se em rede e multimodal. Inclui redes sociais on-line n·l i Ill''

(4)

IIIII Redes de indignas;tio e esperans;a

,1 si m como redes preexistentes e outras formadas durante as ac;6es do movimento. Formam-se redes dentro do movimento, com outros movi -mentos do mundo todo, com a blogosfera da internet, com a midia e com a sociedade em geral. As tecnologias que possibilitam a constituic;ao de redes sao significativas por fornecer a plataforma para essa pratica conti-nuada e que tende a se expandir, evoluindo com a mudanc;a de formato do movimento.

Embora os movimentos tenham em geral sua base no espac;o urbano, mediante ocupac;oes e manifestac;6es de rua, sua existencia continua tern lugar no espac;o livre da internet. Por serem uma rede de redes, eles podem dar-se ao luxo de nao ter urn centro identificavel, mas ainda as-sim garantir as func;oes de coordenac;ao, e tambem de deliberac;ao, pelo inter-relacionamento de multiplos nucleos. Desse modo, nao precisam de uma lideranc;a formal, de urn centro de comando ou de controle, nero de uma organizac;ao vertical, para passar informac;6es ou instruc;6es. Essa estrutura descentralizada maximiza as chances de participac;ao no movimento, ja que ele e constituido de redes abertas, sem fronteiras definidas, sempre se reconfigurando segundo o nivel de envolvimento da populac;ao em geral. Tambem reduz a vulnerabilidade do movimento a ameac;a de repressao, ja que ha poucos alvos especificos a reprimir, exceto nos lugares ocupados; e a rede pode se reconstituir enquanto houver urn numero suficiente de participantes, frouxamente conectados por seus objetivos e valores comuns. A conexao em rede como modo de vida do movimento protege-o tanto dos adversarios quanto dos pr6prios perigos internos representados pela burocratizac;ao e pela manipulac;ao. Embora esses movimentos geralmente se iniciem nas redes sociais da internet, eles se tornam um movimento ao ocupar o esparo urbano, seja por ocupac;ao permanente de prac;as publicas seja pela persistencia das manifestac;oes de rua. 0 espac;o do movimento e sempre feito de uma int rac;ao do espac;o dos fluxos na internet e nas redes de comunicac;ao s •m fio como espac;o dos lugares ocupados e dos predios simb6licos visnd s em seus atos de protesto. Esse hibrido de cibernetica e espac;o

111 h.1no n titui urn terceiro espac;o, a que dou o nome de espac;o da

A transformas;tio do mundo na sociedade em rede lfll

autonomia, porque s6 se pode garantir autonomia p •Ia 1 .ap.u td adc de

se organizar no espac;o livre das redes de comunicac;ao; mas, .au I Ill 11141

tempo, ela pode ser exercida como forc;a transformadora, d •s,lfi.111du ,,

ordem institucional disciplinar, ao reclamar o espac;o da cidade para st·u~ cidadaos. Autonomia sem desafio torna-se retirada. Desafio sem um.1 base permanente para a autonomia no espac;o dos fluxos equivale a um ativismo interrompido. 0 esparo da autonomia

e

a nova forma espacial dos

movimentos sociais em rede.

Os movimentos siio simultaneamente locais e globais. Comec;am em con-textos especificos, por motivos pr6prios, constituem suas pr6prias redes e constroem seu espac;o publico ao ocupar o espac;o urbano e se conectar as redes da internet. Mas tambem sao globais, pois estao conectados com o mundo inteiro, aprendem com outras experiencias e, de fato, muitas vezes sao estimulados por essas experiencias a se envolver em sua propria mobilizac;ao. Alem disso, mantem urn debate continuo na internet e algumas vezes convocam a participac;ao conjunta c imulta nea em manifestac;6es globais numa rede de espac;os locais. Exprcssam uma profunda consciencia da interligac;ao de quest6e pr bl ma da humanidade em geral e exibem claramente uma cultura m p lit , embora ancorados em sua identidade especifica. Prefiguram, em certa medida, a superac;ao da atual divisao entre a identidade comunallocal e a constituic;ao de redes inviduais globais.

Tal como muitos outros movimentos sociais da hist6ria, eles gera-ram suas pr6prias formas de tempo: o tempo atemporal, uma forma trans-hist6rica que combina dois tipos diferentes de experiencia. Por urn lado, nos lugares ocupados, vivem urn dia ap6s o outro, sem saber quando vira a expulsao, organizando sua vida como se essa pudesse ser a sociedade alternativa de seus sonhos, ilimitada em seus horizontes e livres das res-tric;6es cronol6gicas de suas disciplinadas vidas anteriores. Por outro lado, em seus debates e projetos, referem-se a urn horizonte de possibilidades ilimitado, e novas formas de vida e comunidade emergem da pratica do movimento. Vivem no momenta em termos de sua experiencia e proj tam seu tempo no futuro do processo de construc;ao hist6rica, por ant cip<l~',IO.

(5)

Redes de indignQfao e esperanra

Entre essas duas praticas temporais, recusam o subserviente tempo cro-nol6gico impasto pelos cronometros de sua existencia. Ja que o tempo hu-mane s6 existe em nossa pratica, esse tempo atemporal dual nao e menos real que

0 tempo medido do operario de linha de montagem ou o tempo ininterrupto do executive financeiro.

E

urn tempo emergente, alternative, constituido de urn hibrido do agora com o para sempre.

Em termos de genese, esses movimentos sao amplamente espontaneos em sua origem, geralmente desencadeados por uma centelha de indignarao, seja relacionada a urn evento especifico, seja a urn acesso de aversao pelas

a~6es

dos governantes. Em todos os casas, tern origem num apelo

a

a~ao

prove-niente do

espa~o

dos fluxos, que visa a criar uma comunidade instantanea de pratica insurgente no

espa~o

dos lugares. A fonte do apelo e menos relevante que

0 impacto da mensagem sabre receptores multiples e inespecificos, cujas

emo~6es

se conectam

a

sua forma e a seu conteudo. 0 poder das imagens

e.

soberano. 0 YouTube foi provavelmente uma das mais poderosas ferra

-mentas de mobiliza~ao nos estagios iniciais do movimento.

Os movimentos sao virais, seguindo a 16gica das redes da internet. lsso se da nao apenas pelo carater viral da difusao das mensagens em si, particu -larmente das imagens de

mobiliza~ao,

mas em

fun~ao

do efeito demons

-tra~ao

de movimentos que brotam par toda parte. Temos observado essa

capacidade viral de urn pais para outro, de uma cidade para outra, de uma

institui~ao

para outra. Ver e ouvir protestos em algum outro lugar, mesmo

que em contextos distantes e culturas diferentes, inspira a

mobiliza~

a

, porque desencadeia a esperanra da possibilidade de

mudan~a.

A passagem da indignarao

a

esperanra reaiiza-se por deliberarao no espap>

da autonomia. As tomadas de decisao em geral ocorrem em assembleias

e em comites par elas designados. Na verdade, trata-se de movimento., sem Iideranra, nao pela falta de lideres em potencial, mas pela profun 1.1

e espontanea

desconfian~a

da maioria dos participantes do movim nto

em

rela~ao

a qualquer forma de

delega~ao

de poder. Essa caracteri t h ·' s encial dos movimentos observados resulta diretamente de uma d u.1 cau a : a

rejei~ao

dos representantes politicos pelos representados, d po1 qut• s • s ntiram traidos e manipulados em sua experiencia com a p lith·'

A transformarao do mundo na sociedade em rede 101

instituida. Ha multiples exemplos em que alguns participantt·s s.1o 111.1is

ativos ou influentes que outros, apenas parse compromet r •m intt•gr.d mente como movimento. Mas esses ativistas s6 sao aceitos ems u p.IJWI enquanto nao tomam individualmente decis6es importantes. Assim, .IJH' sar das 6bvias tens6es na pratica cotidiana do movimento, a regra impli cita, amplamente aceita, e que ele seja autogovernado pelos participant •s.

Trata-se, a urn s6 tempo, de urn procedimento organizacional e de urn objetivo politico: estabelecer os alicerces de uma futura democracia de

verdade praticando-a no movimento.

As redes horizontais, multimodais, tanto na internet quanta no

es-pa~o urbana, criam companheirismo. Essa e uma questao fundamental para o movimento, porque e pelo companheirismo que as pessoas superam o medo e descobrem a esperan~a. Companheirismo nao e comunidade porque esta implica uma serie de valores comuns, e isso e uma obra em progresso no movimento, ja que a maio ria das pessoas nele ingr a m seus pr6prios objetivos e motiva~6es, vindo a descobrir denominador ·s

comuns na pratica do proprio movimento. Assim, a continuidacl · · p nto de partida e a fonte de acesso ao poder: "Juntos con guimo ".

A horizontalidade das redes favorece a cooperarao e a solidaricdadc, ao mesmo tempo que reduz a necessidade de lideranra formal. Assim, o que pa -rcce ser ineficaz como forma de delibera~ao e tomada de decisao e de fa to o alicerce necessaria para gerar confian~a, sem a qual nenhuma a~ao

l omum poderia ser empreendida contra o cenario de uma cultura politica l '' racterizada pela competi~ao e pelo cinismo. 0 movimento produz seus pr6prios antidotes contra a disseminac;ao dos valores sociais que deseja ombater. Esse e o principia constante que surge dos debates de todos os muvimentos: nao apenas os fins nao justificam os meios, mas os meios,

lc· fino, encarnam os objetivos da transforma~ao.

ao movimentos profundamente autorrejlexivos. Questionam-se perma-1\l'llt •mente como movimento, e seus participantes como individuos, sabre llJliC SaO, 0 que desejam e 0 que pretendem realizar, que tipo de democra

-1.1 c• s ciedade estao almejando e como evitar os imprevistos e armadilha

(6)

Redes de indignas;ao e esperans;a

nismos do sistema que queriam mudar, em particular no que se refere

a

delega~ao politica da autonomia e da soberania. Essa autorreflexividade manifesta-se no processo de delibera~ao das assembleias, mas tambem em multiplos f6runs da internet, assim como numa miriade de blogs e grupos de discussao nas redes sociais.

Urn dos principais temas do debate e a questao da vioH~ncia com que os movimentos, por toda parte, se defrontam em sua pratica. Em principia,

eles sao nao violentos, em geral se envolvendo, em sua origem, na

desobe-diencia civil, pacifica. Mas tendem a se engajar na ocupa~ao do espac;:o publico e em taticas contenciosas com o prop6sito de pressionar autori-dades politicas e organiza~6es empresariais, de vez que nao reconhecem a viabilidade de uma participa~ao justa nos canais institucionais. Assim,

a repressao, com diferentes niveis de violencia, dependendo do contexto institucional e da intensidade do desafio apresentado pelo movimento, e uma experiencia recorrente em todo o processo de a~ao coletiva.Ja que o objetivo de todos os movimentos e manifestar-se em nome da sociedade como urn todo, e fundamental eles sustentarem sua legitimidade pela justaposi~ao de seu carater pacifica

a

violencia do sistema. De fato, em todos os casos, as imagens da violencia policial ampliaram a simpatia dos cidadaos pelo movimento, assim como o reativaram.

Por outro lado, e dificil, seja individual, seja coletivamente, reprimir o instinto basico de autodefesa. lsso foi muito importante no caso dos levantes arabes, em que, confrontados por repetidos massacres nos quais

se empregou uma violencia militar extrema, alguns movimentos demo

-craticos acabaram se tornando contendores em guerras civis sangrentas.

A situa~ao e obviamente diferente em democracias liberais, mas a arbi

-trariedade e a impunidade da violencia policial abrem o caminho, em muitos casos, para a a~ao violenta de grupos pequenos e determinados,

pr ntos a confrontar o sistema com violencia, a fim de expor seu carater viol •nt . A violencia proporciona

a

midia imagens espetaculares, refinadas,

,. · I ·svantajosa para os politicos e formadores de opiniao, cujo objetivo

11p1 imir mai depressa possivel a critica que o movimento encarna. I pllllHlSO probl ma da Violencia naO e SOIDente UIDa questaO de tatica.

8

A transformas;ao do mundo na sociedade em rede

a questao definidora da vida e da mort· tlos movtllH tllos, ;:1 qu • l'Sil'S s6 tern chance de promover a mudan~a i,ll se su.1 pr •. lltc,1 l' Sl'll disrurso gerarem consenso na sociedade com um todo (os t>t>'~1)."

Esses movimentos raramente sao progra mtlt in>s, exr •to qu.mdo Sl' ron ·en

tram claramente num unico pont :<baixo o rq,\im· ditatorial. L · f~no

eles tern muitas demandas, na mai r part • dot •mp , t das as d manda possiveis vindas de cidadaos avido por · olh r a condi~6es de suas vidas.

Mas, sendo multiplas as demandas e ilimitadas as motiva~6es, eles nao con

-seguem formalizar uma organiza~ao ou lideran~a porque seu consenso, seu companheirismo, depende de uma delibera~ao e de urn protesto ad hoc,

nao da concretiza~ao de urn programa elaborado em torno de objetivos especificos. Isso e tanto sua forc;:a (urn amplo poder de atra~ao) quanto sua fraqueza (como se pode realizar alguma coisa quando os objetivos a serem alcan~ados sao indefinidos?).

De modo correspondente, eles nao podem se concentrar num s6 pro

-jeto ou tarefa. Por outro lado, nao podem ser canalizados para uma a~ao politica que seja instrumental, do ponto de vista estrito. Desse modo di

-ficilmente podem ser cooptados por partidos politicos

(universalme~te

desacreditados), embora estes possam lucrar com a mudan~a de percep~ao que os movimentos provocam na opiniao publica. Assim, sao movimentos sociais voltados para a mudanra dos valores da sociedade, e tambem podem ser movimentos de opiniao publica, com consequencias eleitorais.

Pretendem transformar o Estado, mas nao se apoderar dele. Expres-sam sentimentos e estimulam o debate, mas nao criam partidos nem apoiam governos, embora possam se tornar alvo do marketing politico.

Mas sao muito politicos num sentido fundamental. Particularmente, quando

propoem e praticam a democracia deliberativa direta, baseada na demo -cracia em rede. Projetam uma nova utopia de democracia em rede baseada em comunidades locais e virtuais em intera~ao. Mas utopias nao sao meras fantasias. A maioria das ideologias politicas modernas que estao nas raizes d s sistemas politicos (liberalismo, socialismo, comunismo) originou-se

t•m utopias. Porque as utopias tornam-se for~as materiais ao se incorpora r ,\ m nte das pessoas, ao inspirar seus sonhos, guiar suas a~6es e indu:r.ir

(7)

166 Redes de indignas:ao e esperans:a

suas reac;:6es. 0 que esses movimentos sociais em rede estao propondo em sua pratica e uma nova utopia no cerne da cultura da sociedade em rede: a utopia da autonomia do sujeito em relac;:ao as instituic;:6es da sociedade.

Quando as sociedades falham na administrac;:ao de suas crises estru-turais pelas instituic;:6es existentes, a mudanc;:a s6 pode ocorrer fora do sistema, mediante a transformac;:ao das relac;:6es de poder, que comec;:a na mente das pessoas e se desenvolve em forma de redes construidas pelos projetos dos novos atores que constituem a si mesmos como sujeitos da nova hist6ria em processo. A internet, que, como todas as tecnologias, en-carna a cultura material, e uma plataforma privilegiada para a construc;:ao social da autonomia.

A internet e a cultura da autonomia

0 papel da internet e da comunicac;:ao sem fio nos atuais movimentos ociais em rede e fundamental, como esta documentado neste livro. Mas a compreensao delas tern sido obscurecida por urn debate sem sentido, na midia enos circulos academicos, ao negar que as tecnologias de comunica-c;:ao estejam na raiz dos movimentos sociais. Isso e 6bvio. Nem a internet nem qualquer outra tecnologia, nesse sentido, pode ser fonte de causac;:ao social. Os movimentos sociais surgem da contradic;:ao e dos conflitos de sociedades especificas, e expressam as revoltas e os projetos das pessoas resultantes de sua experiencia multidimensional.

Ao mesmo tempo, porem, e essencial enfatizar o papel basilar da comunicac;:ao na formac;:ao e na pratica dos movimentos sociais, agora

e ao longo da hist6ria.9 Porque as pessoas s6 podem desafiar a domina -c;:ao conectando-se entre si, compartilhando sua indigna-c;:ao, sentindo o companheirismo e construindo projetos alternativos para si pr6prias para a sociedade como urn todo. Sua conectividade depende de redes d comunicac;:ao interativas. Em nossa sociedade, a forma fundamental d

comunicac;:ao horizontal em grande escala baseia-se na internet e nas red scm fi . Alem disso, e por meio dessas redes de comunicac;:ao digital que

A transformas:ao do mundo na sociedade em rede

movimentos vivem e atuam, certamente interagindo com a omunir,

1

~·,

10

face a face e com a ocupac;:ao do espac;:o urbano. Mas as rede d Olll\lllir,1 c;:ao digital sao urn componente indispensavel na pratica e na organiz.

1

~·.

10

desses movimentos tal como existem.

Os movimentos sociais em rede de nossa epoca sao amplament fun damentados na internet, que e urn componente necessaria, embora na )

suficiente, da ac;:ao coletiva. As redes sociais digitais baseadas na intern t

e nas plataformas sem fio sao ferramentas decisivas para mobilizar, orga -nizar, deliberar, coordenar e decidir. Mas o papel da internet ultrapassa a instrumentalidade: ela cria as condic;:6es para uma forma de pratica co

-mum que permite a urn movimento sem lideranc;:a sobreviver, deliberar, coordenar e expandir-se. Ela protege o movimento da repressao de seus espac;:os fisicos liberados, mantendo a comunicac;:ao entre as pessoas do movimento e com a sociedade em geral na longa marcha da mudanc;:a social exigida para superar a dominac;:ao institucionalizada.1o

Alem disso, ha uma conexao fundamental, mais profunda, ntr · a

internet e os movimentos sociais em rede: eles comungam de uma cultum especijica, a cultura da autonomia, a matriz cultural btisica das so iedadcs co11

temporaneas. Os movimentos sociais, embora surjam d frim mo da

pessoas, sao distintos dos movimentos de protesto. Eles sao essencial -mente movimentos culturais, que conectam as demandas de hoje com os projetos de amanha. Os movimentos que observamos encarnam 0 projeto fundamental de transformar pessoas em sujeitos de suas pr6prias vidas, ao afirmar sua autonomia em relac;:ao as instituic;:6es da sociedade.

E

por isso que, embora ainda exigindo medidas terapeuticas para as atuais miserias de urn amplo segmento da populac;:ao, os movimentos, como atores coletivos, nao confiam nas instituic;:6es atuais e se envolvem no caminho incerto de criar novas formas de convivencia, na busca de urn novo contrato social.

Nos bastidores desse processo de mudanc;:a social esta a transformac;:ao cultural de nossas sociedades. Tentei documentar em outros textos 0 fato dt• que as caracteristicas basicas dessa transformac;:ao cultural se referem

a

t•rnergencia de urn novo conjunto de valores definidos como individu 5o

(8)

"'"

Redes de indignafa:o e esperanfa

,. ,

1uwnomia, os quais nascem nos movimentos sociais da decada de 1970

t', · m crescente intensidade, permeiam toda a sociedade nas decadas

$ ·guintes.11 Individuac;:ao e a tendencia cultural que enfatiza OS projetos

do individuo como supremo principia orientador de seu comportamentoP Individuac;:ao nao e individualismo, pois o projeto do individuo pode ser adaptado

a

ac;:ao coletiva e a ideais comuns, como preservar o meio am-biente ou criar uma comunidade, enquanto o individualismo faz do bem-estar do individuo o principal objetivo de seu projeto particular.

0 conceito de autonomia e mais amplo, ja que pode se referir a atores individuais ou coletivos. Autonomia refere-se

a

capacidade de urn ator social tornar-se sujeito ao definir sua ac;:ao em torno de projetos elaborados independentemente das instituic;:oes da sociedade, segundo seus pr6prios valores e interesses. A transic;:ao da individuac;:ao para a autonomia opera-se por meio da constituic;:ao de redes que permitem aos atores individuais construirem sua autonomia com pessoas de posic;:ao semelhante nas redes de sua escolha. Eu afirmo que a internet fornece a plataforma de comu-nicac;:ao organizacional para traduzir a cultura da liberdade na pratica da autonomia. Isso porque a tecnologia da internet incorpora a cultura da liberdade, como mostra o registro hist6rico de seu desenvolvimento.13 Ela foi deliberadamente programada por cientistas e hackers como uma rede descentralizada de comunicac;:ao por computadores capaz de resistir ao controle de qualquer centro de comando. Emergiu da cultura de liberdade prevalescente nos campi universitarios na decada de 1970.14 Baseia-se em protocolos de fonte aberta desde sua criac;:ao, os protocolos TCP/IP desen-volvidos por Vint Cerf e Robert Kahn. Tornou-se amplamente amigavel ao usuario grac;:as

a

Rede Mundial de Computadores, outro programa de fonte aberta criado por Tim Berners-Lee.

Prosseguindo na enfase sobre a construc;:ao da autonomia, a mais pro-funda transformac;:ao social promovida pela internet ocorreu na primeira

de ada do seculo XXI, com a passagem da interac;:ao individual e empre-sarial na internet (o uso de correio eletronico, por exemplo) para a cons

-\ I'll 5 autonoma de redes sociais controladas e guiadas por seus usuarios.

'l't-vt· Ol'ig m em aperfeic;:oamentos na banda larga e no software social,

A transformafa:o do mundo na sociedade em rede I(Uj

tam bern no surgimento de uma ampla gama de sistemas d dis\ n hu1 .In

que alimentam as redes eletronicas.

Alem disso, a comunicac;:ao sem fios conecta dispositivos, dados, JH'' soas, organizac;:6es, tudo isso com a nuvem emergindo como reposit >rio de uma ampla constituic;:ao de redes sociais, como uma teia de comu11i cac;:ao que envolve a tudo e a todos. Assim, a atividade mais important • da internet hoje se da por meio dos sites de rede social (SNS, de Social Networking Sites), e estes se tornam plataformas para todos os tipos de atividade, nao apenas para amizades ou bate-papos pessoais, mas para marketing, e-commerce, educac;:ao, criatividade cultural, distribuic;:ao de midia e entretenimento, aplicac;:6es de saude e, sim, ativismo sociopolitico.

Os SNS sao espac;:os vivos que conectam todas as dimens6es da vida das pessoas.15 Esta e uma tendencia importante para a sociedade em geral.

Ela transforma a cultura ao induzir ao compartilhamento. Os usuarios dos SNS transcendem o tempo e o espac;:o, mas produzem conteudo, estabele-cein vinculos e conectam praticas. Temos agora urn mundo permanente-mente em rede em cada dimensao da experiencia humana. As pessoas em suas redes evoluem conjuntamente em interac;:6es multiplas e constantes. Mas elas escolhem os termos de sua coevoluc;:ao. Os SNS sao construidos pelos pr6prios usuarios a partir de criterios de combinac;:ao especificos e de redes de amizade mais amplas, projetadas por pessoas, com base em plataformas fornecidas por empresarios da comunicac;:ao livre, com dife-rentes niveis de constituic;:ao de perfis e de privacidade.

A chave do sucesso de urn SNS nao e o anonimato, mas, pelo contrario, a autoapresentac;:ao de uma pessoa real conectando-se com pessoas reais. As pessoas constituem redes para estar com outras, e para estar com outras com as quais desejam estar, com base em criterios que incluem aquelas que ja conhecem ou as que gostariam de conhecer.16 Assim, e uma sociedade

em rede autoconstruida com base na conectividade perpetua. Mas nao

e

uma sociedade puramente virtual. Ha uma intima conexao entre as red s virtuais e as redes da vida em geral. 0 mundo real em nossa epoca ' u m mundo hibrido, nao urn mundo virtual nem urn mundo segregado q 1 • s pararia a conexao on-line da interac;:ao off-line.17 E e nesse mundo

(9)

movimentos sociais em rede vieram a luz, numa transi~ao - natural, para muitos individuos - do compartilhamento de sua sociabilidade para o compartilhamento de sua indigna~ao, de sua esperan~a e de sua luta.

Assim, a cultura da liberdade no plano societal e a da individua~ao e autonomia no plano dos atores sociais estimularam simultaneamente as redes da internet e os movimentos sociais em rede. Na verdade, ha urn efeito sinergico entre esses dois eventos. Permitam-me ilustrar a analise com os resultados de duas pesquisas do tipo survey que orientei em 2002 e 2007, com Tubella e outros, sobre uma amostra representativa da

po-pula~ao catala.18 Da popula~ao como urn todo, definimos empiricamente seis projetos de autonomia estatisticamente independentes: pessoal, profis-sional, empresarial, comunicativa, corporal e sociopolitica. Descobrimos que, quanto mais as pessoas eram autonomas em cada uma dessas seis dimens6es, mais frequente e intensamente usavam a internet. E, num determinado periodo, quanto mais usavam a internet, mais aumentava seu grau de autonomia. Ha de fato urn circulo virtuoso entre as tecnologias da liberdade e a luta para libertar a mente das estruturas de domina~ao. Essas descobertas sao cognitivamente coerentes com urn estudo de 2010 realizado na Gra-Bretanha pelo soci6logo Michael Willmott, com base em dados globais obtidos pelo World Values Survey da Universidade de Michigan. Ele analisou 35 mil respostas individuais entre 2005 e 2007.

0 estudo mostra que o uso da internet qualifica as pessoas, ao refor~ar

seus sentimentos de seguran~a, liberdade pessoal e influencia - todos com efeito positive sobre 0 bem-estar pessoal. 0 efeito e particularmente po

-sitive para individuos com baixa renda e pouca qualifica~ao, habitantes

do mundo em desenvolvimento e mulheres.19 Aprova~ao, autonomia e

refor~o da sociabilidade parecem intimamente conectados a pratica de

ntrar frequentemente em rede pela internet.

Os movimentos sociais em rede, como todos os movimentos sociais

I

a

hi t6ria, trazem a marca de sua sociedade. Sao amplamente constituidos d(.· individuos que convivem confortavelmente com as tecnologias digitais

tto mundo hibrido da realidade virtual. Seus valores, objetivos e estilo

ell 1,11\i~a i nal referem-se diretamente a cultura da autonomia que ca

A transformafao do mundo na sociedade em rede

racteriza as novas gera~6es de urn novo seculo. Nao poderiam xrsur sem a internet. Mas seu significado e muito mais profundo. Eles sao talhados

para o papel de agentes da mudan~a na sociedade em rede, num contrast(.'

agudo com as

institui~6es

politicas obsoletas herdadas de uma estrutura

social historicamente superada.

Movimentos sociais em rede e reforma politica: urn amor impossivel?

0 consenso parece ser, afinal, que os sonhos de

mudan~a

social terao de se diluir e canalizar por meio das

institui~6es

politicas, seja mediante

reforma, seja por

revolu~ao

.

Mesmo oeste ultimo caso, os ideais revolu

-cionarios serao interpretados (traidos?) pelos novos poderes constituidos e

sua nova ordem constitucional. Isso cria urn grande dilema, tanto analiti

0

quanto pratico, quando se avalia a produtividade politica de movim nt s

que, na maioria dos casos, nao acreditam nas atuais institui~6 s p lfti as

e se recusam a crer na viabilidade de sua participa~ao no anai d r pre senta~ao politica predeterminados.

E

verdade que a experiencia paradigm;hica da Islandia mostra a po

s-sibilidade de urn novo curso de

a~ao

tanto nas

in

s

titui

~6es

de

governan~a

quanta na organiza~ao da economia sem urn processo traumatico de

mu-dan~a

.

No entanto, na maioria dos movimentos estudados, assim como em movimentos similares por todo o mundo, a passagem fundamental da

esperan~a a implementa~ao da mudan~a depende da permeabilidade das

institui~6es

politicas as demandas do movimento e da

disposi~ao

deste se envolver num processo de

negocia~ao.

Quando as duas

condi~6es

sao atendidas em termos positives, uma serie de demandas pode ser satisfeita, e a reforma politica pode acontecer, com diferentes graus de

mudan~a

.

Poi o que ocorreu no caso de IsraeJ.2°

Entretanto, como o desafio fundamental que vern desses movimen

-to diz respei-to a

nega~ao

da legitimidade da classe politica, assim como

(10)

Redes de indignarao e esperanra

para uma verdadeira aceitac;ao desses valores pela maioria dos governos.

Uma resenha abrangente dos estudos empiricos sobre as consequencias

politicas dos movimentos sociais, concentrando-se sobretudo nos Estados Unidos, mostra que, por urn lado, os maiores movimentos do passado

foram politicamente influentes de varias maneiras, em particular ao

con-tribuir para estabelecer agendas de politicas publicas. Por outro lado, "para

que urn movimento seja influente, atores do Estado precisam ve-lo como

potencialmente capaz de facilitar ou prejudicar seus proprios objetivos

-ampliar ou solidificar novas coaliz6es eleitorais, ganhar a opiniao publica, aumentar 0 ap0i0 aS ffiiSSQeS daS agendaS governamentais".Zl

Em outras palavras, a influencia dos movimentos sociais sobre a

poli-tica e os programas de governo depende amplamente de sua contribuic;ao potencial para as agendas preestabelecidas dos atores politicos. Isso con-traria totalmente a principal critica dos movimentos sociais em rede que estudei, referente a falta de representatividade da classe politica, ja que as eleic;6es sao condicionadas pelo poder do dinheiro e da midia, e limitadas

por leis eleitorais tendenciosas, elaboradas pela classe politica em beneficia

proprio. Contudo, a resposta usual das elites aos movimentos de protesto

e

referir-se a vontade do povo, tal como expressa nas eleic;6es anteriores,

e a oportunidade de mudar a politica segundo os resultados das proximas.

E

precisamente a isso que se op6e a maioria dos movimentos, juntamente

com uma proporc;ao substancial dos cidadaos de todas as partes do mundo, como se mostra no Anexo E.

Os movimentos nao tern objec;ao ao principia da democracia repre

-sentativa, mas denunciam a pratica dessa democracia tal como se da hoje e nao reconhecem sua legitimidade. Nessas condic;6es, ha poucas chances

de uma interac;ao positiva direta entre movimentos e politicos visando a

promoc;ao de uma reforma politica, ou seja, uma reforma das instituic;6es

de governanc;a que amplie os canais de participac;ao politica e limite a in

-fluencia dos lobbies e grupos de pressao no sistema politico, reivindicac;6es

fundamentais da maioria dos movimentos sociais.

A influencia mais positiva dos movimentos na area politica pode ocor

-n:r indiretamente com a assunc;ao, por partidos ou lideres politicos, de

A transformarao do mundo na sociedade em rede

171

alguns de seus temas e demandas, em espe iall]ll.llldo 1 tc· 111 •Ill\

111 po

pularidade entre amplos setores da sociedadc.

1

1

o r.1so, pot 1 1uplo, do

Estados Unidos, onde a referenda a clivagem son.tl c·rllll' 11

•v,,

1 0 t%

passou a simbolizar o grau da desigualdade. No cnt ,1111 o 1 ldc•Jl•

1 lUI In 0 ,

como Obama, embora afirmem representar as

aspira~t

11

·s

,. Jill' pc·lo

movimento, preferem nao fazer nada para endoss.11• sc·11 ,

11 ivl 11111, 1 0111

medo de serem vistos como condescendentes em r

Ia~

·

au ,1 pr :u11 u 1 dic

Ja que a rota que leva a mudanc;as de diretriz ·s p.rss.r pl'l.r 11111 J

11\ 1

politica, e esta

e

moldada pelos interesses dos politicos 11() podc·r, •• 1111111 Ill I

do movimento sobre os programas de governo em gcral (• limit.td 1, p lo

menos a curto prazo, na ausencia de uma crise impon.11111• q

111 ,.

l

revisao do sistema como urn todo, como ocorr u na lsi. ndi.r. N 11 oh

tante, ha uma conexao muito mais profunda mrc movinu•rrt11s c11:1.tl c•

reforma politica que poderia desencadear a

mudan~\1

son.tl· 1

1.

1 111 011 {

11,1

mente das pessoas. 0 Verdadeiro objetiVO d SS('S tnOVIIIII'IIIIIS (• olllllliiii,IJ

a consciencia dos cidadaos em geral, qu, lifid los pc·l,1 p.11111 tp.t 11 1111s

proprios movimentos e num amplo pro ('SSo dt•

dc•lclwr.t~

,1 11 sohr" s

11,t.

vidas e seu pais, e confiar em sua capa idadc de tont,ll' su.1s pr6pri,ls dcri

s6es em relac;ao a classe politica.

A influencia do movimento na populac;ao em geral se da pclos ur

-. . . zz

sos mats msuspettos. Se a influencia social e cultural do movimento se

amplia, particularmente entre as gerac;6es mais novas e ativas, politicos

astutos abordarao seus valores e interesses, buscando ganhos eleitorais. Eles o farao dentro dos limites de sua propria lealdade para com seus

pa-trocinadores. Mas, quanto mais o movimento consegue transmitir suas

mensagens pelas redes de comunicac;ao, mais cidadaos conscientes apare-cem, mais a esfera publica da comunicac;ao se torna urn terreno contestado e menor e a capacidade dos politicos de integrar demandas e comunicac;6es com ajustes meramente cosmeticos.

A derradeira batalha pela mudanc;a social e decidida na mente das

pessoas, e nesse sentido os movimentos sociais em rede tern feito grande

progresso no plano internacional. Como se mostra no Anexo E, num J _

vantamento internacional realizado em 23 paises, em novembro de 2011,

(11)

Redes de indignafao e esperanfa

om excec;:ao do Japao, mais pessoas eram favoraveis que desfavoraveis

ao movimento Occupy e similares em seus contextos, e a maioria dos

cidadaos concordava com a critica que os movimentos faziam a governos, politicos e instituic;:6es financeiras. Isso

e

especialmente notavel em relac;:ao a movimentos que se colocam fora do sistema institucional e se envolvem na desobediencia civil. Na verdade, quando se indagava sabre as taticas do movimento nos Estados Unidos, apenas uma minoria as apoiava, mas ainda assim o fa to de 25% a 30% concordarem com suas ac;:6es turbulentas indica uma onda de apoio a contestadores de instituic;:6es que perderam a confianc;:a dos cidadaos.

A incerteza de urn processo de mudanc;:a politica inexplorado parece constituir a principal barreira a superar para movimentos que ja expuse-ram a ilegitimidade dos atuais poderes constituidos. No entanto, o amor entre ativ\smo social e reformismo politico nao parece impossivel. E sim-plesmente oculto da vista do publico, enquanto os cidadaos oscilam men-talmente entre desejo e resignac;:ao.

Para alem da indigna<;ao, a

esperan~·a:

Vida e morte dos movimentos sociais

"Nao

e

uma crise, e que nao amo mais vo

c."'

Faixa na Puerta del Sol ocupada, Madri, maio de 2011

Os MOVIMENTOS sociAlS em rede, cuja experiencia voce e eu compartilha-mos neste livro, vao continuar a lutar, debater, evoluir e, por fim, a se ·dissolver em suas atuais condic;:6es de existencia, como aconteceu com todos os movimentos sociais da hist6ria. Mesmo no caso improvavel de se transformarem num ator politico, num partido ou em alguma forma nova de agenda, deixarao, por isso mesmo, de existir. Porque a unica questao relevante para se avaliar o significado de urn movimento social

e

a produtividade hist6rica e social de sua pratica e seu efeito sobre os partici-pantes como pessoas e sobre a sociedade que ele tentou transformar. Nesse sentido,

e

muito cedo para avaliar o resultado final desses movimentos, embora ja possamos dizer que regimes mudaram, instituic;:6es foram de-safiadas e a crenc;:a no capitalismo financeiro global triunfante foi abalada, possivelmente de maneira irreversivel, na mente da maioria das pessoas.

Em ultima analise, o legado de urn movimento social consiste na mu -danc;:a cultural que produziu com sua ac;:ao. Como pensamos de modo diferente sabre algumas dimens6es fundamentais de nossas vidas pes -soais e sociais, as instituic;:6es tern de ceder em algum momenta. Nada

e

imutavel, embora as mudanc;:as ao longo da hist6ria nao sigam urn rumo predeterminado, porque o suposto sensa hist6rico as vezes nao faz sentid . A esse respeito, qual seria o possivellegado dos movimentos sociais ·m

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