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Saúde das mulheres no presídio de Florianópolis: Uma discussão de direitos sexuais e direitos reprodutivos.

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Academic year: 2021

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DEPARTAMENTO DE SERVIÇO SOCIAL

CAMILA AZEVEDO DOS REIS

SAÚDE DAS MULHERES NO PRESÍDIO DE FLORIANÓPOLIS: UMA DISCUSSÃO DE DIREITOS SEXUAIS E DIREITOS REPRODUTIVOS

Florianópolis/SC 2017/2

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UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA CATARINA CENTRO SÓCIO ECONÔMICO

DEPARTAMENTO DE SERVIÇO SOCIAL

CAMILA AZEVEDO DOS REIS

SAÚDE DAS MULHERES NO PRESÍDIO DE FLORIANÓPOLIS: UMA DISCUSSÃO DE DIREITOS SEXUAIS E DIREITOS REPRODUTIVOS

Trabalho de Conclusão de Curso submetido à avaliação pela Comissão Examinadora para obtenção do título de Bacharel em Serviço Social pelo Curso de Graduação em Serviço Social da Universidade Federal de Santa Catarina.

Orientadora: Profa. Luciana Patrícia Zucco.

Florianópolis/SC 2017/2

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CAMILA AZEVEDO DOS REIS

SAÚDE DAS MULHERES NO PRESÍDIO DE FLORIANÓPOLIS: UMA DISCUSSÃO DE DIREITOS SEXUAIS E DIREITOS REPRODUTIVOS

Trabalho de Conclusão de Curso submetido à avaliação pela Comissão Examinadora para obtenção do título de Bacharel em Serviço Social pelo Curso de Graduação em Serviço Social da Universidade Federal de Santa Catarina.

Banca Examinadora: __________________________________ Dra. Luciana Patrícia Zucco - Orientadora

__________________________________ Dra. Teresa Kleba Lisboa - 1ª Examinadora

__________________________________

Dra. Andréa Márcia Santiago Lohmeyer Fuchs - 2ª Examinadora Florianópolis/SC 2017/2

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Eu não serei livre enquanto houver mulheres que não são, mesmo que suas algemas sejam muito diferentes das minhas. Audrey Geraldine Lorde

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AGRADECIMENTOS

Em maio de 2002, entrei para o curso de graduação em Serviço Social, onde tive encontros com pessoas que marcaram a minha trajetória acadêmica, o professor Nelson dos Santos Machado, que na primeira fase do curso me apresentou aos clássicos da Sociologia, e a professora de filosofia Doroti Martins, ambos motivaram-me a mudar para o curso de Ciências Sociais logo nos semestres iniciais.

Durante o curso de Ciências Sociais tive outros grandes encontros, entre eles, com a professora e minha orientadora Sônia Maluf, a professora Miriam Grossi, e o professor Rafael Bastos. Minha pesquisa foi na área de antropologia e estudos de gênero, e já tinha grande interesse pela antropologia visual. Graduei-me em Ciências Sociais em 2007 e minha monografia ficou classificada em segundo lugar no prêmio Silvio Coelho dos Santos de Monografias, realizado em 2010 pela Fundação Catarinense Franklin Cascaes.

Este ano faz exatamente dez anos que me graduei em Ciências Sociais, e que finalizo este importante ciclo, me formo em Serviço Social, primeiro curso que ingressei na Universidade Federal de Santa Catarina. E quantas mulheres estiveram presentes e tenho a agradecer.

Agradeço primeiramente à professora e orientadora desta pesquisa, Luciana Patrícia Zucco, pela disponibilidade e orientação para a realização do trabalho.

À banca de defesa composta pelas professoras Teresa Kleba Lisboa e Andréa Márcia Santiago Lohmeyer Fuchs, professoras que tenho muito respeito e carinho, e que contribuíram significativamente para minha formação acadêmica.

À ASBEDIM, em especial à Taise Zanotto, assistente social e minha supervisora de campo, obrigada pelo acolhimento, conhecimento e amizade.

Às mulheres privadas de liberdade, jamais serei livre enquanto houver outras mulheres que não o são.

À minha mãe, por mostra-me que nunca é tarde para lutar por nossos sonhos e desejos, me espelho na sua trajetória de vida e de luta.

Em especial agradeço toda minha família, as de sangue e as que escolhi com o coração, por estarem ao meu lado, pela paciência e compreensão.

E por fim, um agradecimento especial ao meu querido filho Caetano, que hoje talvez não tenha a compreensão do que significou, mas muitas vezes foi necessário dividir seu tempo com meus estudos, obrigada meu filho!

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RESUMO

A presente pesquisa discute o acesso à saúde sexual e reprodutiva das mulheres em privação de liberdade, a partir dos direitos sexuais e reprodutivos, numa perspectiva interseccional de gênero e de integralidade de saúde das mulheres. Existe uma histórica omissão dos poderes públicos, que não tem olhos para as mulheres como detentoras de direitos e suas especificidades advindas das questões de gênero. As mulheres são tratadas como ‘presos que menstruam’, com o entendimento que suas diferenças se resumem à diferença biológica entre os homens e a necessidade em fornecer absorventes higiênicos e garantir pré-natal para as gestantes e seus bebês, quando elas engravidam. Os direitos das mulheres presas são violados desde a construção de unidades prisionais projetadas para os homens, até a atenção a direitos essenciais, como a saúde, a educação, o trabalho, a preservação de vínculos familiares, e a (re) socialização. Há uma grande deficiência de dados e indicadores sobre o perfil de mulheres em privação de liberdade, o que contribui para a invisibilidade de suas necessidades. Tal invisibilidade e omissão também reforçam padrões de comportamentos, preconceitos e violências por parte do Estado e demais setores da sociedade. A metodologia da pesquisa foi qualitativa e de cunho etnográfico, com destaque às narrativas das mulheres e profissionais, bem como as fotografias. O trabalho está estruturado em duas seções, na primeira uma breve história dos presídios femininos, sobretudo na América Latina e Brasil, e a história do Presídio Feminino de Florianópolis. Trago também dados estatísticos e as principais demandas dos atendimentos sociais. Na segunda seção, trabalho os aspectos conceituais sobre os direitos sexuais e reprodutivos, e as prisões como espaços de controle dos corpos feminino. Por fim, analiso os dados coletados com as mulheres e profissionais sobre o acesso à saúde sexual e reprodutiva das mulheres em privação de liberdade, a partir das políticas que garantam os direitos sexuais e direitos reprodutivos, que evidenciam as precárias condições em que vivem as mulheres em privação de liberdade e as dificuldades de acesso à saúde, sobretudo, quando se trata da saúde sexual e da saúde reprodutiva.

PALAVRAS CHAVES: Direitos Sexuais, Direitos Reprodutivos, Saúde das Mulheres, Presídio Feminino, Gênero.

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LISTA DE FIGURAS

Figura 01: Livro de registro de presas (1995)...19

Figura 02: Entrada do Presídio Feminino...20

Figura 03: Janelas cobertas por tijolos...21

Figura 04: Alojamento...22

Figura 05: Alimentação...23

Figura 06: Pátio interno...24

Figura 07: Banho de sol...25

Figura 08: Tela enferrujada...25

Figura 09: Sala Setor Social...28

Figura 10: Unidade Básica de Saúde do Complexo Penitenciário...32

Figura 11: Mulher presa à espera de atendimento médico...33

Figura 12: Mulher presa amamentando...44

Figura 13: Alojamento “Materno-Fetal”...45

Figura 14: Alojamento “Seguro”...46

Figura 15: Gestante no Alojamento “Seguro”...46

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LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLA

ASBEDIM Associação Beneficente São Dimas CEMAS Conselho Municipal de Assistência Social DEAP Departamento da Administração Prisional SJC Secretaria de Estado da Justiça e Cidadania IST Infecções Sexualmente Transmissíveis ITTC Instituto Terra, Trabalho e Cidadania LEP Lei de Execução Penal

LAFAM Legião de Assistência à Família SUS Sistema Único de Saúde

PNSSP Plano Nacional de Saúde no Sistema Penitenciário PNAISM Política Nacional de Atenção Integral à Saúde da Mulher PAISM Programa de Assistência Integral à Saúde da Mulher

CIPD Conferência Internacional sobre População e Desenvolvimento CNPCP Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO ... 9

1. HISTÓRIA DOS PRESÍDIOS FEMININOS NO BRASIL ... 14

1.1 História do Presídio Feminino de Florianópolis ... 18

1.2 Campo de Estágio e Demandas dos Atendimentos ... 26

2. SAÚDE E DIRETOS SEXUAIS E REPRODUTIVOS ... 34

2.1 Aspectos conceituais sobre a Saúde Sexual e Saúde Reprodutiva ... 36

2.2 O Acesso à Saúde Sexual e Reprodutiva ... 42

Da gestação, ao parto e pós-parto ... 44

Do exercício da sexualidade à visita íntima ... 51

NOTAS CONCLUSIVAS ... 57

REFERÊNCIAS ... 59

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INTRODUÇÃO

Sistema humanizado, cidadania respeitada! Frase que saltou-me aos olhos nos muros altos da Penitenciária, a caminho do Presídio Feminino de Florianópolis no dia 08 de março de 2016. Pela primeira vez entrava em um presídio, lugar que se tornaria meu campo de estágio do Serviço Social por 15 meses. Nos últimos sete meses, acompanhei e realizei os atendimentos sociais às mulheres em privação de liberdade, sob a orientação da minha supervisora de campo, a assistente social Taise Zanotto.

O estágio foi realizado na Associação Beneficente São Dimas (ASBEDIM), que situa-se dentro do complexo penitenciário de Florianópolis/SC. A Associação atua diretamente com a Política de Segurança Pública, bem como com a Política de Assistência Social e Saúde, e, atualmente, faz parte do Conselho Municipal de Assistência Social (CEMAS) e do Conselho da Comunidade na Execução Penal1.

Fazem parte do complexo penitenciário de Florianópolis às seguintes unidades: Penitenciária; Presídio Masculino de Florianópolis; Presídio Feminino de Florianópolis; Hospital de Custódia e Tratamento Psiquiátrico; Casa do Albergado de Florianópolis. O Complexo Penitenciário é uma instituição pública, de âmbito estadual, subordinada ao Departamento da Administração Prisional (DEAP) da Secretaria de Estado da Justiça e Cidadania (SJC).

A ASBEDIM tem como objetivo principal assistir aos encarcerados/as, bem como às suas famílias em suas necessidades básicas, sejam de ordem material, educacional, cultural, religiosa ou promocional. Para o desenvolvimento deste objetivo, promove campanhas de arrecadação, recebe doações de pessoas físicas ou jurídicas, entidades de caráter religioso e de órgãos Públicos ou Privados.

Tal experiência de estágio me fez perceber as questões e necessidades relativas à privação de liberdade das mulheres, e entender este espaço restrito no que tange aos direitos humanos, principalmente com relação ao acesso à saúde destas mulheres.

O sistema penitenciário brasileiro possui graves problemas e têm se intensificado ao longo das últimas décadas, devido às crescentes taxas de encarceramento, às deficiências

1 A Lei de Execução Penal (LEP), Lei Nº 7.210, de 11 de julho de 1984, estabelece em seu Art. 69 o Conselho Penitenciário, um órgão consultivo e fiscalizador da execução da pena, integrado por profissionais da área, bem como representantes da comunidade. Cabe aos Conselhos de cada Comarca emitir parecer, inspecionar e supervisionar os estabelecimentos penais, bem como dar assistência aos egressos. Durante o período de estágio participei de algumas reuniões do Conselho, bem como fiz uma visita de inspeção no Presídio Feminino de Florianópolis no dia 25/08/2016, no qual entrevistei algumas mulheres presas e auxiliei no relatório de inspeção daquele trimestre.

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estruturais e à precariedade das condições físicas oferecidas nos presídios. Somam a isso, o déficit de vagas e a absoluta insalubridade nas unidades de aprisionamento.

No caso do encarceramento feminino, existe uma histórica omissão dos poderes públicos, que não tem olhos para as mulheres como detentoras de direitos e suas especificidades advindas das questões de gênero. As mulheres são tratadas como ‘presos que menstruam’ (CERNEKA, 2009), com o entendimento que suas diferenças se resumem à diferença biológica entre os homens e a necessidade em fornecer absorventes higiênicos e garantir pré-natal para as gestantes e seus bebês, quando elas engravidam. Os direitos das mulheres presas são violados desde a construção de unidades prisionais projetadas para os homens, até a atenção a direitos essenciais, como a saúde, a educação, o trabalho, a preservação de vínculos familiares, e a (re) socialização.

Segundo o levantamento mais recente do InfoPen Estatística2, do Ministério da Justiça, o Brasil é o quarto país com maior número de população encarcerada no mundo, e o encarceramento feminino tem aumentado expressivamente nos últimos anos. A população penitenciária feminina no Brasil apresentou crescimento de 567,4% entre 2000 e 2014, enquanto a dos homens, no mesmo período, foi de 220,20%. O Relatório sobre as mulheres encarceradas no Brasil3, publicado em 2007, aponta que a prioridade no atendimento aos homens encarcerados, somada a políticas públicas que não incluam as discussões de gênero, acentuam as violações sofridas pelas mulheres em privação de liberdade.

Para o Infopen Mulheres4 (BRASIL, 2014), há uma grande deficiência de dados e indicadores sobre o perfil de mulheres em privação de liberdade nos bancos de dados oficiais governamentais, o que contribui para a invisibilidade de suas necessidades, projetando a discussão como importante e necessária. Tal invisibilidade e omissão também reforçam padrões de comportamentos, preconceitos e violências por parte do Estado e demais setores da sociedade.

Observa-se esta mesma deficiência de dados no âmbito das pesquisas acadêmicas ao

2 O InfoPen é um programa de coleta de Dados do Sistema Penitenciário, para a integração dos órgãos de administração penitenciária de todo Brasil, possibilitando a criação dos bancos de dados federal e estaduais sobre os estabelecimentos penais e populações penitenciárias.

3 O Relatório foi resultado de uma iniciativa impulsionada pelo Centro Pela Justiça e pelo Direito Internacional (CEJIL) e pelas entidades que constituem o Grupo de Estudos e Trabalho Mulheres Encarceradas, quais sejam, Associação Juízes para a Democracia (AJD), Instituto Terra, Trabalho e Cidadania (ITTC), Pastoral Carcerária Nacional, Instituto de Defesa do Direito de Defesa (IDDD), Centro Dandara de Promotoras Legais Populares, Associação Brasileira de Defesa da Mulher, da Infância e da Juventude (ASBRAD), Comissão Teotônio Vilela e Instituto Brasileiro de Ciências Criminais (IBCCRIM).

4 O Departamento Penitenciário Nacional lançou de forma inédita em 2014 a versão do INFOPEN MULHERES, com o objetivo de identificar as mulheres em situação de privação de liberdade, para a melhoria das práticas institucionais, bem como para as pesquisas e formulação de políticas públicas de proteção a este público.

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se ater aos direitos sexuais e reprodutivos das mulheres em privação de liberdade. Ao fazer uma busca de trabalhos as na página eletrônica Scientific Electronic Library Online (SciELO), utilizei como filtro de pesquisa artigos em português e no Brasil. Ao colocar as palavras-chaves ‘mulheres prisão’ houve um total de 39 artigos, sendo apenas 34 relacionados de fato à prisão de mulheres. Destes 34 artigos, 10 estavam relacionados à saúde em geral, cinco sobre maternidade no cárcere, três sobre sexualidade e apenas um sobre direitos sexuais e reprodutivos.

Ao retirar a seleção Brasil, houve mais um artigo sobre direitos sexuais e reprodutivos, somando no total duas produções acadêmicas sobre este tema. Ao colocar ‘mulheres prisão’ and ‘direitos sexuais e reprodutivos’ nenhum artigo foi encontrado. Então, busquei por ‘direitos sexuais e reprodutivos’ e apareceram 75 artigos, destes, nenhum estava relacionado ao encarceramento de mulheres.

É neste cenário que o estudo discute o acesso à saúde sexual e reprodutiva das mulheres em privação de liberdade, a partir dos direitos sexuais e reprodutivos, numa perspectiva interseccional de gênero e de integralidade de saúde das mulheres. Alguns questionamentos atravessam o recorte do objeto, como: quais as necessidades de saúde das mulheres privadas de liberdade? Quais as ações desenvolvidas no Presídio Feminino de Florianópolis? Quais os acessos à saúde sexual e reprodutiva destas mulheres? Como pensar o conceito de integralidade e suas vulnerabilidades em um território fechado e determinado como a prisão? Como pensar a saúde destas mulheres sem reduzir os atendimentos numa ótica médico heteronormativa centrada e direcionada apenas para o ciclo gravídico puerperal e prevenção de Infecções Sexualmente Transmissíveis (IST)? E mais, estas mulheres tinham acesso a saúde das mulheres antes de chegarem à prisão?

Para alcançar o objetivo proposto, a abordagem da pesquisa é qualitativa, de cunho etnográfico. A etnografia5 envolve desde a pesquisa bibliográfica, a observação participante com o grupo estudado, a realização de entrevistas e registros no diário de campo. Para DaMatta (1987), é no campo que o etnólogo pode vivenciar a diversidade humana na sua essência e nos seus dilemas, problemas e paradoxos. Minha inserção no campo se deu através de um convite para fazer fotografia para o registro civil das mulheres em privação de liberdade. Foi quando entrei pela primeira vez em um Presídio e conheci a Assistente Social da ASBEDIM, ali, lhe contei sobre meu interesse em pesquisar no Presídio Feminino e ela aceitou ser minha supervisora.

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A pesquisa se desenvolveu no Presídio Feminino de Florianópolis, localizado no bairro da Agronômica, no período de outubro de 2016 a novembro de 2017, com autorização da direção e de todas as envolvidas nas entrevistas e no grupo focal, por meio da assinatura do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido.

Os instrumentos para coleta e análise de dados abarcaram: a observação direta registrada em diário de campo, sem interferência de terceiros; o relato dos atendimentos de mulheres privadas de liberdade em diferentes ciclos de vida no transcorrer do estágio curricular em Serviço Social; entrevista semiestruturada com uma das mais antigas profissionais na área de saúde que atua no Sistema e com uma agente prisional responsável pelo Setor Social; grupo focal com as gestantes e mães com bebês; e levantamento de documentos institucionais.

Durante toda a pesquisa, realizei fotografias e gravação de imagens, que contribuíram também para análise de dados e construção de uma narrativa visual sobre o cotidiano das mulheres em privação de liberdade6. Apresento durante o decorrer deste trabalho imagens do cotidiano destas mulheres. A fotografia me possibilitou o contato com as mesmas, e, de certa forma, uma maneira de dialogar com elas e coletar dados: “a fotografia é antes de tudo resultado de uma relação” (RIAL, 1998, p.05).

A análise e organização dos dados ocorreram no transcorrer da coleta de dados, durante a experiência de estágio e a sistematização do trabalho final, considerando os aspectos etnográficos. Logo, na produção textual, busquei construir uma narrativa que contivesse, em cada momento, minha trajetória de campo, com destaque às narrativas das mulheres e profissionais, bem como as fotografias.

O trabalho está estruturado em duas seções, na primeira dedico-me a relatar uma breve história dos presídios femininos, sobretudo na América Latina e Brasil, e contextualizo a história do Presídio Feminino de Florianópolis, o primeiro presídio exclusivamente feminino do Estado de Santa Catarina. Trago também dados estatísticos e as principais demandas dos atendimentos sociais. Na segunda seção, trabalho os aspectos conceituais sobre os direitos sexuais e reprodutivos, e as prisões como espaços de controle dos corpos feminino. Por fim, analiso os dados coletados com as mulheres e profissionais sobre o acesso à saúde sexual e reprodutiva das mulheres em privação de liberdade, a partir das políticas que garantam os direitos sexuais e direitos reprodutivos. Ao final, faço algumas considerações, respondendo às

6 O material fotográfico, em forma de trabalho “Elas no Cárcere - uma perspectiva visual da vida das mulheres no sistema prisional”, foi apresentado no I Seminário Feminista Sobre Encarceramento, realizado pela

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1. HISTÓRIA DOS PRESÍDIOS FEMININOS NO BRASIL

- Ela é tão livre que um dia será presa. - Presa por quê? - Por excesso de liberdade. - Mas essa liberdade é inocente? - É. Até mesmo ingênua. - Então por que a prisão? - Porque a liberdade ofende. (Clarice Lispector)

Historicamente, a prisão moderna se justifica pela sua direta relação com o entendimento de crime, de criminoso, de pena e de prisão e a ressocialização seria o objetivo almejado por esta instituição. Nesse sentido, a ressocialização teria o propósito de reforma moral da pessoa, de que ela fosse habilitada a retornar à sociedade extramuros apta a viver em harmonia com os padrões sociais instituídos (PIRES, 2013).

Segundo Foucault (2009), a prisão moderna é um espaço de contradições, pensada como uma empresa que modifica os indivíduos com o objetivo de ressocializar. Contudo, estudos apontam para a incapacidade de cumprir este objetivo (FOUCAULT, 2009; WACQUANT, 2001; ANGOTTI, 2012; PIRES, 2013), devido não somente às condições do cárcere, mas a própria natureza da instituição.

A primeira prisão de mulheres no mundo que se tem conhecimento é a de Spinhuis, na Holanda, de 1597. Seu objetivo era promover a reforma moral das mulheres através do trabalho de fiação (GARCIA, 2001 apud VIEIRA, 2013).

O modelo holandês de casas de correção pautadas no trabalho foi copiado em diferentes países europeus, como a Inglaterra, com trabalhos voltados tanto para a indústria têxtil - as internas costuravam e teciam -, quanto para a comunidade prisional, exercendo tarefas nas áreas de limpeza, cozinha e lavanderia (ANGOTTI, 2012, p.22).

As prisões para mulheres, ou casas de correções como eram chamadas, surgiram na América Latina durante a segunda metade do século XIX. Antes, as presas eram confinadas em estabelecimentos penais especialmente concebidos para homens (AGUIRRE, 2009), porém, com tratamentos diferenciados. Se para os homens presos buscava-se restaurar o sentido de legalidade e de trabalho, para as mulheres presas a prioridade era reinstalar o sentimento de pudor (ESPINOZA, 2003).

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religiosos, como a Congregação de Nossa Senhora da Caridade de Bom Pastor d`Angers, fundada por Santa Maria Eufrásia Pelletier (1796-1868). Posteriormente, houve a expansão dessas casas para países como o Canadá e a França, e na América Latina ocorreu no século XIX em Santiago do Chile (1857), Lima (1871) e Buenos Aires (1880) (VIEIRA, 2013).

Segundo Aguirre (2009), os baixos índices de criminalidade e detenção de mulheres reforçou a despreocupação do Estado com relação a este tema, que tratou as instituições femininas como entidades semiautônomas, não sujeitas à regulação ou supervisão estatal.

No Brasil, igualmente ocorreu a invisibilidade do fenômeno e das instituições carcerárias para mulheres, sendo retratada na ausência de documentos históricos e bibliográficos sobre o encarceramento feminino.

Bruna Angotti (2012) foi pioneira na organização das informações sobre a situação da mulher prisioneira no Brasil, com sua dissertação “Entre as leis da ciência, do Estado e de Deus: O surgimento dos presídios femininos no Brasil”. A autora traz elementos que pautaram os projetos e as práticas das prisões femininas nas décadas de 30 e 40. Observou que as prisões femininas foram edificadas a partir de elementos morais e religiosos. As instituições religiosas tinham o papel reformador, com o objetivo de devolver para a sociedade boas mães e esposas, tendo como entendimento de criminalidade feminina o desvio de um comportamento esperado socialmente (ANGOTTI, 2012).

As primeiras prisões femininas no Brasil foram criadas a partir da década de 1930. Datam de 1937 o Instituto Feminino de Readaptação Social no Rio Grande do Sul, de 1941 O Presídio de Mulheres de São Paulo e o de 1942 a Penitenciária Feminina do Distrito Federal, em Bangu. O pequeno número de mulheres justificava, por vezes, o adiamento de soluções para a situação degradante na qual se encontravam. Algumas dessas instituições foram adaptadas em espaços já existentes, como no caso do Instituto de Readaptação Social do Rio Grande do Sul, bem como o Presídio de Mulheres de São Paulo. Já a Penitenciária de Mulheres de Bangu foi especialmente construída para tal finalidade (ANGOTTI, 2012, p.21).

Na época, os motivos pelos quais aprisionavam-se as mulheres, geralmente, eram relacionados a escândalo, histeria, alcoolismo e vadiagem. Segundo Pires (2013), nos quase três séculos de história da prisão moderna, a ressocialização sempre denotou este propósito de reforma moral sobre a pessoa presa, para retornar à sociedade extramuros com os padrões sociais instituídos, sob os interesses do capital.

Associado ao processo de modernização e industrialização no Brasil, surgem novas expressões da questão social. Nas últimas décadas, devido à política de guerra às drogas, o

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perfil das mulheres presas tem mudado. Atualmente, 68% das mulheres em privação de liberdade são por tráfico de drogas, sendo sua maioria presas provisórias, que ainda não foram julgadas (BRASIL, 2014). Segundo os últimos dados do Levantamento Nacional de Informações Penitenciárias (Infopen Mulheres), entre 2000 e 2014 houve um aumento expressivo de mulheres presas, de 5.601 para 37.380, um aumento de 567,4% (BRASIL, 2014). Em 2016, o número saltou para 44.721, um aumento de 19,6%.

Segundo Chernicharo (2014), a população feminina foi afetada de maneira mais intensa com o neoliberalismo desenfreado da década de 1990, que trouxe grandes modificações nas relações socioeconômicas das famílias. Houve um aumento exponencial do número de famílias que passaram a ser chefiadas por mulheres, principalmente entre famílias mais pobres. Este fenômeno é conhecido como ‘feminização da pobreza’.

O conceito ‘feminização da pobreza’ foi introduzido por Diane Pearce, em 1978, em “Feminização da pobreza: mulher, trabalho e assistência social”, publicado na Urbanand

Social Change Review. Chernicharo (2014) utiliza dados do relatório do PNUD para discorrer

sobre a feminização da pobreza: dos 1,3 bilhões de pessoas pobres, 70% são mulheres.

Segundo Novellino e Belchior (2008), a feminização da pobreza significa que as mulheres vêm se tornando mais pobres do que os homens ao longo do tempo, devido a inúmeros fatores. Dentre eles, as/os autoras/es também destacam a mudança na estrutura familiar, e discorrem sobre algumas delas. As mulheres passam a: ser provedoras do domicílio; ter jornada dupla de trabalho e diferença de salário comparado aos homens; exercer o trabalho domiciliar não remunerado.

A feminização da pobreza expõe as mulheres as mais diversas vulnerabilidades, como a busca por trabalhos informais para complementar a renda familiar, e muitas acabam na comercialização de substâncias ilícitas. Importante destacar que as mulheres no tráfico de drogas ocupam espaços de maior visibilidade e se expõem a maiores riscos do que os homens, geralmente, são as chamadas ‘mulas’, metáfora utilizada para o transporte de drogas, e ocupam posições subalterna no tráfico e pouco remunerada (ODRZYWOLEK, 2012; CHERNICHARO, 2014; ANGOTTI, 2015; NASCIMENTO, 2016).

As mudanças na estrutura familiar, bem como nas relações de trabalho nas últimas décadas e o fenômeno da ‘feminização da pobreza’ estão estritamente relacionados com o aumento das mulheres no comércio e transporte de drogas ilícitas. O aumento do encarceramento de mulheres está diretamente relacionado à aprovação da Lei Nº 11.343/2006, que institui o Sistema Nacional de Políticas Públicas sobre Drogas e estabelece normas para

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repressão à produção não autorizada e ao tráfico ilícito de drogas.

Há um avanço na lei com relação ao/à usuário/a de drogas, que não é mais preso em flagrante, porém houve um aumento e um agravamento da pena para o/a traficante, e cabe a critérios subjetivos de quem prende em flagrante e de quem julga distinguir o/a usuário/a do/a traficante.

Na prática, e os dados confirmam7, o que ocorre é a criminalização da pobreza, o aprisionamento em massa, sobretudo de pobres, negros e mulheres: Das 37.380 mulheres presas, 68% são negras, 50% não chegaram a completar o ensino fundamental e 50% possuem entre 18 e 29 anos. Sendo que 30,1% destas mulheres aguardam julgamento, ou seja, não possuem condenação.

Para Wacquant (2001), no sistema prisional encontram-se os mais afetados com a precarização das relações de trabalho e o fenômeno da pauperização, tornando os presídios espaços de regularização da miséria.

Segundo o Projeto Gênero e Drogas do Instituto Terra, Trabalho e Cidadania (ITTC)8, a política de drogas é uma questão de mulheres, pois os impactos da guerra às drogas na vida destas mulheres vão desde o encarceramento em massa até a violência e abusos de policiais no cotidiano nas comunidades.

A maioria das mulheres encarceradas são mães, chefes de família, não possuem antecedentes criminais, possuem baixa escolaridade e dificuldade de acesso a empregos formais, muitas acabam no tráfico para complementar as rendas, e por ocuparem posições mais visibilizadas no tráfico, acabam ficando mais vulneráveis a prisão (ANGOTTI, 2015).

Com o aumento expressivo do encarceramento feminino, faz-se necessário e emergencial ampliar a discussão da lógica patriarcal e reformadora da prisão, como espaço de ressocialização, discutir as atuais políticas de combate às drogas, e dar visibilidade as diversidades que compreendem a realidade prisional feminina, que se relacionam com sua raça e etnia, idade, deficiência, orientação sexual, identidade de gênero, nacionalidade, situação de gestação e maternidade, saúde da mulher, entre tantas outras nuances relacionadas a estas mulheres.

7 Segundo Levantamento Nacional de Informações Penitenciárias e Infopen Mulheres, ambos publicados em 2014. Disponível em: http://www.justica.gov.br/seus-direitos/politica-penal/documentos/infopen_dez14.pdf e http://www.justica.gov.br/seus-direitos/politica-penal/documentos/relatorio-infopen-mulheres.pdf

8 Disponível em: http://ittc.org.br/projeto-genero-e-drogas-lanca-video-a-politica-de-drogas-e-uma-questao-de-mulheres/

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1.1 História do Presídio Feminino de Florianópolis

A separação dos presídios em masculinos e femininos está prevista pela Lei de Execução Penal (LEP) (BRASIL, 1984). Portanto, separar os estabelecimentos segundo o sexo é um dever do Estado, e é fundamental para a implementação de políticas públicas voltadas para as mulheres presas (BRASIL, 2014).

Segundo dados do Infopen Mulheres (BRASIL, 2014), das 1.420 unidades prisionais, 75% são masculinas, 17% são mistas, 1% não informou e apenas 7% são voltadas ao público feminino (BRASIL, 2014). No último levantamento de dados9, Santa Catarina possuía 46 unidades prisionais, destas, 34 são masculinas, 02 são femininas e 09 são mistas. Além do Presídio Feminino de Florianópolis, o Estado possui o Presídio Feminino de Tubarão.

O Presídio Feminino de Tubarão era uma Instituição mista, e somente a partir de 2011 que começou a receber exclusivamente mulheres. Sua capacidade é para 119 mulheres e, atualmente, tem em torno de 129. Sobre o Presídio Feminino de Florianópolis, encontrei dificuldades na busca por seu histórico, até mesmo em documentos institucionais. Observa-se que a ausência de documentos históricos sobre o encarceramento feminino no Brasil, relatadas por Aguirre (2009) e Angotti (2012), aplica-se também no Presídio Feminino de Florianópolis.

Ao questionar a administração do Presídio sobre documentos históricos, os mesmos me indicaram dois trabalhos de autoria de Vanessa Maciel Lema (LEMA, 2011; LEMA, 2015), além do Memorial do Presídio, lançado em 201510. Segundo um agente prisional, que também é historiador, o Memorial teve como referência os trabalhos de Lema (2011, 2015), e possui como único documento histórico um livro de registros manual, com data de 1995.

Figura 01: Livro de registro de presas (1995)

9 Disponível em:

http://dados.mj.gov.br/dataset/infopen-levantamento-nacional-de-informacoes-penitenciarias/resource/5652dceb-d81a-402f-a5c8-e4d9175241f5. Acesso dia 11/11/2017. Importante destacar que o Presídio Feminino de Tubarão consta como masculino na planilha do Sistema; pode ser esta a razão de no Relatório do Infopen Mulheres de 2014 constar apenas uma unidade feminino em Santa Catarina e 35

masculinas.

10 Notícia disponível em: http://www.sc.gov.br/index.php/noticias/temas/justica-e-defesa-da-cidadania/memorial-registra-historia-do-presidio-feminino-de-florianopolis. Acesso dia 12/11/2017.

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Fonte: Acervo Memorial Presídio Feminino de Florianópolis.

A primeira prisão masculina foi construída na antiga Vila Nossa Senhora do Desterro, atual cidade de Florianópolis, entre 1771 e 1780, e localizava-se no térreo da antiga Casa de Câmara. O prédio ainda pode ser visto ao lado da praça XV, no centro de Florianópolis (BARROS, 2010 apud LEMA, 2011).

Segundo a Secretaria de Estado da Justiça e Cidadania11, a Penitenciária Estadual, localizada no bairro da Agronômica, foi inaugurada somente em 21 de setembro de 1930, por meio da Lei 1.547, de 21 de outubro de 1926. A Instituição está instalada dentro do Complexo Prisional da Agronômica, que inclui hoje, além da Penitenciária, os Presídios Masculino e Feminino, a Casa do Albergado e o Hospital de Custódia e Tratamento Psiquiátrico.

Conforme Oliveira (1984), nos anos de 1930 a 1940, a penitenciária constituía-se somente por um pavilhão com capacidade para sessenta sentenciados divididos em duas alas, sul e norte, hoje este pavilhão é identificado pelos funcionários e internos como “Casa Velha”. Em 1940 há a primeira ampliação da instituição, com a construção de um pavilhão composto por três galerias formadas por celas individuais, sete oficinas aparelhadas, uma capela e uma escola. (OLIVEIRA, 1984 apud LEMA, 2011, p.24).

O prédio passou por inúmeras reformas desde então, e, em 1989, foi construída uma casa aos fundos da Parte Interna, denominada Máxima, local onde são internados aqueles julgados perigosos e os que cometem faltas disciplinares dentro do Presídio. No mesmo ano, o

11 Disponível em: http://www.sjc.sc.gov.br/index.php?option=com_content&view=article&id=983:penitenciaria-estadual-de-florianopolis-completa-84-anos&catid=19&Itemid=260. Acesso dia 11/11/2017.

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Presídio Feminino de Florianópolis foi adaptado em uma parte de trás de todo o Complexo Penitenciário, lugar que recebia antes presos políticos, e onde elas permanecem até hoje (LEMA, 2015). Antes, segundo Lema (2011), as mulheres eram recolhidas em uma ala que ficava situada no segundo andar da Cadeia Pública, dentro do Complexo Penitenciário.

No período de 1992 a 1998, o presídio ficou conhecido como Presídio Feminino de Biguaçu, pois, apesar de ainda existirem presos do sexo masculino, a maioria eram mulheres transferidas do Presídio de Biguaçu (FLORIANÓPOLIS, 2015). No Memorial disponibilizado pelo Presídio, o Presídio Feminino de Florianópolis adquiriu este nome somente em janeiro de 1999, na direção da Coronel da Polícia Militar Maria de Fatima Martins. Nesta gestão, o Presídio passou a ser exclusivamente de mulheres, tendo a Instituição como data comemorativa dia 01/01/1999.

Figura 02: Entrada do Presídio Feminino

Fonte: Acervo Pessoal, fotografia Camila Reis.

Segundo Lema (2015, p.70):

O presídio feminino de Florianópolis não foi construído para abrigar mulheres, sua estrutura física é antiga e, apesar de ainda até hoje passar por várias reformas, o que resultou em ampliações em cima de uma estrutura obsoleta, continua um local sem ventilação, sem espaço físico adequado para comportar a população carcerária atual, sem condições de abrigar pessoas com dificuldade de locomoção, deficientes, gestantes ou ainda seus filhos.

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A estrutura física do Presídio foi adaptada e é precária, situa-se em um dos prédios mais antigos do Complexo Penitenciário, com inúmeros problemas de: umidade, eletricidade, estrutura física, iluminação e ventilação, conforme demonstram as fotos.

Figura 03: Janelas cobertas por tijolos

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Figura 04: Alojamento

Fonte: Acervo Pessoal, fotografia Camila Reis.

As mulheres reclamam constantemente das condições da alimentação, que é terceirizada, e dependem da ajuda das famílias para não passarem fome. No entanto, muitas não recebem visitas, estando submetidas à dinâmica Institucional, gerando entre elas o pagamento por serviços prestados, como, por exemplo, a lavação de roupas em troca de alimentos, entre outros. Soma-se a isso, o não acesso à água potável, o que conforma contextos de vulnerabilidades à saúde.

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Figura 05: Alimentação

Fonte: Acervo Pessoal, fotografia Camila Reis.

Outras duas maiores queixas são: o tamanho do pátio interno para o banho de sol, que é muito pequeno e desnivelado (Figura 06 e 07), no qual elas não podem fazer nenhuma atividade, como jogar bola; a ociosidade e a falta de trabalho para elas.

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Figura 06: Pátio interno

Fonte: Acervo Pessoal, fotografia Camila Reis.

Os alojamentos são divididos por: tipos de penas, condenadas ou provisórias (Galeria A e B); tipos de crimes, aceito por elas ou não (alojamento denominado de Convívio12); facções (denominado de Seguro); medida disciplinar (denominado de Zero); recém chegadas (denominado de Triagem); gestantes, lactantes ou com bebês (denominado de Materno-Fetal); mulheres que se encontram adoecidas ou possuem deficiências, assim como as mais velhas (denominado de Clínica); mulheres em relacionamentos homoafetivos (denominado de LGBT ou Galeria C); e as que trabalham internamente (denominado de Regalias). Independente do regime (fechado, semi-aberto ou aberto), as mulheres têm direto a somente duas horas de banho de sol por dia.

12 A denominação oficial dos alojamentos segundo o Sistema de Identificação e Administração Penal é por Galerias: A; B; C; D; E; F; G; H; I; J; K, porém, todos informalmente denominam com os termos entre parênteses.

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Figura 07: Banho de sol

Fonte: Acervo Pessoal, fotografia Camila Reis.

Figura 08: Tela enferrujada

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O prédio que foi construído com capacidade para 58 mulheres, hoje abriga em torno de 140. Durante o período da minha pesquisa, o número de mulheres oscilou entre 125 a 142. A galeria que recebe presas provisórias chegou a ter 40 mulheres que dividiam um único banheiro, com um apenas um vaso sanitário e um chuveiro. Esses dados também expressam o aumento de presas em Santa Catarina: em 2014, o número de mulheres reclusas eram de 1.129; de 2007 a 2014 houve um aumento de 65%, sendo este número ainda maior hoje, visto o aumento exponencial das prisões de mulheres.

1.2 Campo de Estágio e Demandas dos Atendimentos

O estágio foi realizado na Associação Beneficente São Dimas (ASBEDIM), no período de abril de 2016 a julho de 2017, com a supervisão da Assistente Social Taise Zanotto. A Associação foi fundada em 20 de janeiro de 1971, sob a denominação de Legião de Assistência à Família (LAFAM), como sociedade civil, sem fins econômicos, dotada de personalidade jurídica de direito privado, com duração indeterminada e sede e foro na cidade e Comarca de Florianópolis.

A ASBEDIM tem como objetivo principal assistir aos/às encarcerados/as, bem como às suas famílias em suas necessidades básicas, sejam de ordem material, educacional, cultural, religiosa ou promocional. Situa-se dentro do complexo penitenciário de Florianópolis/SC e, por isso, enfrenta desafios de ordem sócio-ocupacional, uma vez que os presídios são instituições denominadas totais (GOFFMAN, 2008).

Segundo Goffman (2008), de modo geral, as instituições são estabelecimentos sociais, locais em que ocorrem atividades de um determinado tipo. Contudo, existe uma categoria de instituição que é isolada e considerada como natural e produtiva, reunindo pessoas com aspectos em comum: são as chamadas instituições totais. Todas as instituições partem do tempo e interesse de seus participantes, têm tendências de fechamento, porém as instituições totais apresentam as mesmas estruturas, a saber: são simbolizadas pela barreira em relação ao mundo externo; têm portas fechadas; paredes altas, entre outros muros físicos e sociais.

Suas dinâmicas, igualmente, comungam de características similares, como, por exemplo: todos os aspectos da vida de um sujeito são realizados no mesmo local e sob uma única autoridade; todas as atividades são impostas de forma hierárquica, por um sistema de regras formais; as várias atividades obrigatórias são planejadas para atender os objetivos e

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interesses das instituições; os internos são supervisionados sob o aspecto da vigilância e inspeção periódica; há uma divisão bem definida entre grupos dos vigilantes e dos vigiados, estabelecendo relações de poder; há contato restrito com o mundo externo e controle da comunicação e informações (GOFFMAN, 2008).

Tais características, bem como relações hierárquicas e de poder, atravessaram o estágio, sendo perceptível a disputa entre os diferentes atores sociais – agentes penitenciários, chefe de segurança, mulheres presas e organizações da sociedade civil que atuam lá dentro, a exemplo da ASBEDIM. Destaco que todas as profissionais eram mulheres, e reproduziam com as mulheres presas as subordinações institucionais a que estavam submetidas. Outro dado histórico e de natureza das instituições totais é o controle da comunicação e da informação, que, igualmente, foi possível identificar, através do uso do memorando13, tanto para se comunicar com seus superiores, quanto para pedir uma informação, uma saída, um medicamento, um atendimento médico, jurídico ou social.

É neste campo de disputa política e institucional que se encontra o desafio da prática profissional do Assistente Social e dos profissionais da saúde. Compreender os desafios e as particularidades do trabalho profissional na contemporaneidade requer a apreensão de como as esferas públicas e privadas se relacionam e orientam as políticas públicas. As ONG’s expressam um campo de atuação contraditório, pois corre tanto o alargamento das formas de mobilização, organização e participação da sociedade civil, quanto a diminuição das funções pertencentes ao Estado nos processos de planejamento das políticas públicas (ALMEIDA, ALENCAR, 2011).

Segundo a LEP (BRASIL, 1984), em seu artigo Art. 10 e 11, a assistência ao preso e ao internado é dever do Estado, objetivando prevenir o crime e orientar o retorno à convivência em sociedade. A assistência será de ordem material, à saúde, jurídica, educacional, social e religiosa. Ainda de acordo com a legislação, artigo Art. 22 e 23, a assistência social tem por finalidade amparar o preso e o internado e prepará-los para o retorno à liberdade e incumbe ao serviço de assistência social: conhecer os resultados dos diagnósticos ou exames; relatar, por escrito, ao Diretor do estabelecimento, os problemas e as dificuldades enfrentadas pelo assistido; acompanhar o resultado das permissões de saídas e das saídas temporárias; promover, no estabelecimento, pelos meios disponíveis, a recreação; promover a orientação do assistido, na fase final do cumprimento da pena, e do liberando, de modo a facilitar o seu retorno à liberdade; providenciar a obtenção de documentos, dos

13 Memorando é o nome de um “documento” que elas recebem semanalmente para se comunicar com os setores dentro do Presídio.

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benefícios da Previdência Social e do seguro por acidente no trabalho; orientar e amparar, quando necessário, a família do preso, do internado e da vítima.

Porém, segundo o Memorial do Presídio, somente em 2014 houve a implantação do Setor Social, que tem como responsável uma agente penitenciaria, pois, o Presídio não possui profissional da área. Segundo o documento, até o início do referido ano não havia Setor Social atuante diariamente (FLORIANÓPOLIS, 2015). Como o Presídio Feminino não possui em seu corpo técnico uma Assistente Social, o trabalho da ASBEDIM é de caráter voluntário, porém a Assistente Social Taise Zanotto é contratada da Associação. Os atendimentos acontecem desde dezembro de 2016, duas vezes por semana, com um período em média de três horas total de atendimento, em torno de duas a seis mulheres atendidas por dia, dependendo do efetivo14.

Figura 09: Sala Setor Social

Fonte: Acervo Pessoal, fotografia Camila Reis.

Ao analisar a estatística dos atendimentos às mulheres no Presídio Feminino de Florianópolis, no período de 16/12/2016 a 19/09/2017, período aproximado de 08 meses, foi realizado 302 atendimentos. É comum solicitarem atendimento para conversar com as

14 Houve semanas que o atendimento não pode acontecer com a justificativa da Instituição não ter efetivo. Observamos que isso ocorria dependendo do plantão das agentes penitenciárias, que também nos questionavam quando realizávamos alguma ação ou roda de conversa com as mulheres. Um dos principais fatores que dificultam a ação do Serviço Social na Instituição é o fato de a ASBEDIM atuar de forma voluntária e qualquer ação contrária interna à Instituição pode resultar no afastamento da assistente social do Presídio e no não atendimento social a estas mulheres.

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assistentes sociais, para relatar algo específico, e sair um pouco do alojamento. Muitas vezes, as demandas eram para mais de um setor, por isso, o número de demandas é maior que o número de atendimento.

A principal demanda das mulheres era o contato familiar, principalmente notícias dos filhos/as, seguida de notícias dos seus companheiros, que, em sua maioria, também se encontravam presos. A segunda maior demanda estava voltada ao campo jurídico, tanto para verificar o processo delas e entrar em contato com o advogado, quanto para solicitar o atendimento voluntário da advogada da ASBEDIM. A terceira maior demanda era de saúde, solicitação de atendimento odontológico, oftalmológico, saúde sexual e reprodutiva, saúde mental e outros. Por último, demandavam informações ou solicitação para emissão de documentos, seja certidão de nascimento ou união estável, conforme gráfico abaixo:

Gráfico I - Atendimentos sociais e principais demandas

Fonte: Gráfico produzido pela autora.

Particularmente em relação à saúde, a ausência da assistência à saúde das mulheres, bem como a ausência de ações de promoção e prevenção, me chamou a atenção, motivo que me levou pesquisar sobre o tema. A saúde no contexto prisional é legalmente garantida pela Constituição Federal de 1988, pela Lei n.º 8.080, de 1990, que regulamenta o Sistema Único de Saúde (SUS); pela Lei n.º 8.142, de 1990, que dispõe sobre a participação da comunidade na gestão do Sistema Único de Saúde; pela LEP n.º 7.210, de 1984. Em 2004 foi criado o Plano Nacional de Saúde no Sistema Penitenciário (PNSSP), que prevê a inclusão da

74% 13%

10% 3%

Atendimento Social

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população penitenciária no SUS, garantindo que o direito à cidadania se efetive na perspectiva dos direitos humanos. No entanto, somente em 2014 tornou-se uma Política Nacional de Atenção Integral à Saúde das Pessoas Privadas de Liberdade no Sistema Prisional, do qual o município de Florianópolis não aderiu.

A respeito da saúde das mulheres em privação de liberdade, houve um avanço jurídico, com a inclusão da Saúde da Mulher em Situação de Prisão na Política Nacional de Atenção Integral à Saúde da Mulher (PNAISM) de 2004, da Política Nacional de Atenção às Mulheres em Situação de Liberdade e Egressas do Sistema Prisional, de 2014, e recentemente, com as Regras de Bangkok - Regras das Nações Unidas para o tratamento de mulheres presas, de 2016, que propõem um olhar diferenciado para as especificidades de gênero no encarceramento feminino. Porém, apesar dos avanços nas legislações, no cotidiano do contexto da prisão, estas políticas públicas não são consistentes, principalmente no que tange à saúde sexual e à saúde reprodutiva.

No gráfico abaixo, apresento as principais solicitações de atendimento de saúde nos atendimentos sociais:

Gráfico II - Solicitação para atendimento de saúde e principais demandas

Fonte: Gráfico produzido pela autora.

Importante ressaltar que os dados de saúde são das demandas solicitadas nos atendimentos sociais, sendo este número maior, uma vez que as mulheres também solicitam atendimento diretamente com o Setor de Saúde. Na maioria das solicitações de saúde não foi

44%

26% 15%

9%6%

Saúde

Solicitou médico e não relatou o motivo (15) Saúde sexual e reprodutiva (09)

Dentista (05) Oftamologista (03) Saúde mental (02)

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informado o motivo porque necessitavam de atendimento. As principais demandas relatadas pelas mulheres estavam no campo da saúde sexual e reprodutiva, e envolveu a necessidade de se fazer teste de gravidez, orientação para a visita íntima, solicitação de exames de preventivo, realização de pré-natal, e solicitação de métodos contraceptivos.

Com relação à saúde mental, ainda que o percentual de solicitação de atendimento tenha sido baixo (6%), dados do mês de novembro do corrente ano referentes ao Setor de Saúde revelam que 23 mulheres utilizavam medicação controlada para ansiedade e depressão. Em um universo de aproximadamente 140 mulheres, quase 20% são medicalizadas para transtornos mentais. Este índice pode ser ainda maior, pois têm mulheres que recebem remédios controlados de seus familiares, sendo que entre elas há um comércio paralelo de medicamento e de automedicação. Segundo a Agente penitenciária: “Tinha uma época que tinha bastante, das 130 mulheres 80 eram medicalizadas, mas tentamos diminuir e conseguimos”. Sobre a saúde mental e a ansiedade, ela ainda discorre:

Ansiedade é uma coisa que prejudica bastante elas, elas ficam muito sem ocupação, e ficar o dia todo numa cela não tem quem não fique ansiosa, é uma população jovem, estão ali com aquela energia toda presa naquelas celas, naqueles cubículos, que meu deus né, então não tem como não ficar ansiosa, acabam dormindo muito durante o dia e a noite não tem sono. Tem algumas que são realmente portadoras de transtornos mentais, mas a grande maioria é ansiedade por conta da ociosidade (Agente penitenciária).

Cabe destacar que não há um corpo técnico específico de saúde para prestação da assistência às mulheres privadas de liberdade. Atualmente, existe apenas um enfermeiro contratado para atender um universo de 140 mulheres. Segundo o Memorial:

Os atendimentos (...) no setor de saúde se intensificou com a contratação do enfermeiro – ACT (...) para esta Unidade, e a partir de março de 2014 foram sendo efetivadas parcerias com a Rede Feminina de Combate ao Câncer, na execução de exames preventivos (papa-nicolau), ultrassom e mamografia. Quando necessário, passando por avaliação de um profissional especializado em Ginecologia (FLORIANÓPOLIS, 2015).

Em 2015 foi construído uma Unidade Básica de Saúde dentro do Complexo Penitenciário, porém não há equipe suficiente de saúde para prestar a assistência. Segundo a Agente penitenciária responsável pelo Setor Social, um dos maiores problemas hoje no Presídio é a ausência de uma equipe de saúde e de um ginecologista para atendimento das mulheres. Quando elas precisam da assistência à saúde, elas passam por um médico clínico

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geral e quando necessário vão para uma Unidade de Saúde fora do Presídio.

A Agente afirmou que a falta de efetivo de agentes penitenciárias dificulta na escolta para levar as mulheres para atendimento de saúde interno e externo ao Presídio. Relatou, ainda, a importância da parceria com a Rede Feminina de Combate ao Câncer de Florianópolis para a coleta de preventivos e exames de mama, que sem esta seria mais demorado a realização dos mesmos.

Figura 10: Unidade Básica de Saúde do Complexo Penitenciário

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Figura 11: Mulher presa à espera de atendimento médico

Fonte: Acervo Pessoal, fotografia Camila Reis.

É notável a ausência do Estado na garantia dos direitos mínimos tanto de atendimento social, como de saúde destas mulheres, contando a Instituição com parcerias de ONGs para a realização da assistência à saúde, bem como realização de exames. As ONGs atuam nas lacunas da ausência do Estado nas políticas públicas. No entanto, é fundamental a responsabilidade do Estado na promoção de condições que contribuam para a ampliação de escolhas e efetivação de diretos destas mulheres, entre eles o direto à saúde, em especial, à saúde sexual e reprodutiva (DIUANA et al., 2016).

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2. SAÚDE E DIRETOS SEXUAIS E REPRODUTIVOS

Nunca se esqueça de que basta uma crise política, econômica ou religiosa para que os direitos das mulheres sejam questionados. Esses direitos não são permanentes. Você terá que manter-se vigilante durante toda a sua vida. (Simone de Beauvoir).

A saúde é um direito de todos e dever do Estado, de acesso universal e igualitário, garantidos através de políticas sociais e econômicas, que visem à redução de doenças e serviços de promoção, proteção e recuperação (BRASIL, 1988). Segundo o artigo terceiro da Lei 8.080, de 19 de setembro de 1990, a saúde tem como fatores determinantes e condicionantes, a alimentação, a moradia, o saneamento básico, o meio ambiente, o trabalho, a renda, a educação, o transporte, o lazer e o acesso aos bens de serviços essenciais (BRASIL, 1990). Neste sentido, as políticas públicas devem priorizar ações que possibilitassem o acesso das pessoas presas à saúde de forma integral e efetiva, fugindo da lógica assistencial e emergencial.

As condições de confinamento em que se encontram as pessoas privadas de liberdade são determinantes para o bem-estar físico e psíquico. Quando recolhidas aos estabelecimentos prisionais, as pessoas trazem problemas de saúde, vícios, bem como transtornos mentais, que são gradualmente agravados pela precariedade das condições de moradia, alimentação e saúde das unidades prisionais. É preciso reforçar a premissa de que as pessoas presas, qualquer que seja a natureza de sua transgressão, mantêm todos os direitos fundamentais a que têm direito todas as pessoas humanas, e principalmente o direito de gozar dos mais elevados padrões de saúde física e mental. As pessoas estão privadas de liberdade e não dos direitos humanos inerentes à sua cidadania (BRASIL, 2004, p.11).

Apesar das legislações garantirem o acesso à saúde das pessoas em privação de liberdade, alguns estudos (DIUANA et al., 2016; LEAL et al, 2016) são enfáticos em apontarem que no cotidiano das prisões há uma ausência da assistência a esta população, principalmente no tange à saúde sexual e reprodutivas das mulheres. Como a referência masculina sempre foi tomada como regra para o contexto prisional, a discussão da saúde sexual e da saúde reprodutiva se impõem como demandas, que foram até então relegadas neste contexto. Para Sonia Correa e Rosalind Petchesky (1996, p.149):

Definimos o terreno dos direitos sexuais e reprodutivos em termo de poder e recursos: poder de tomar decisões com base em informações seguras sobre a própria fecundidade, gravidez, educação dos filhos, saúde ginecológica e atividade sexual; e recursos para levar a cabo tais decisões de forma segura.

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Porém, a compreensão dos direitos sexuais e reprodutivos como liberdade ou escolha individual não cabe quando analisamos determinados grupos sociais ausentes de condições que permitem tais escolhas, como o caso das mulheres presas. A privação de liberdade silencia uma série de violações sofridas antes da prisão, pelas assimetrias sociais, inclusive de gênero, que tem como regra o controle da sexualidade feminina pelas instituições de poder. São mulheres que rompem com as expectativas da sociedade patriarcal, de serem dóceis e maternal (OLIVEIRA, 2017). As históricas desigualdades de poder entre homens e mulheres implicam em um forte impacto para as condições de saúde das mulheres (ARAÚJO, 1998 apud BRASIL 2004), sendo as questões de gênero determinantes da saúde na formulação das políticas públicas.

Os estudos de gênero vêm problematizar e avançar na discussão estática e binária dos papéis de mulheres e homens, a partir da determinação biológica dos sujeitos, compreendendo estas determinações como construção social e histórica e suas multiplicidades, que dialogam de forma dialética com seu tempo (GROSSI, 1998; LOURO, 1996). A abordagem interseccional de gênero (MATTOS, 2010; CRENSHAW, 2004) aponta os marcadores sociais dessa construção e materializa as mulheres em sua realidade, pois ao falar em mulheres em privação de liberdade deve-se sempre ter a compreensão de quem são estas mulheres, quais as diferenças reais e simbólicas entre elas.

Para Mattos (2010, p.21):

(...) a abertura das categorias de diferenciação permite que se tornem visíveis as construções dos eixos das diferenças, que são naturalizadas e hierarquizadas nas relações, práticas sociais e institucionais, gerando, das mais variadas formas, exclusão social, dor e sofrimento. Dessa maneira, é possível desvelar a violência simbólica que legitima e justifica a dominação social em suas diversas manifestações cotidianas.

As escolhas reprodutivas se dão em condições de desigualdades de gênero, classe e cultura, fazendo-se necessária a ampliação do debate sobre as desigualdades e violências de gênero na execução penal, para uma efetivação dos direitos sexuais e direitos reprodutivos das mulheres em privação de liberdade (DIUANA et al 2016).

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2.1 Aspectos conceituais sobre a Saúde Sexual e Saúde Reprodutiva

A saúde da mulher foi incorporada às políticas nacionais de saúde nas primeiras décadas do século XX, limitada às demandas relativas à gravidez e ao parto. Os programas tinham uma visão restrita sobre a mulher, baseada em sua especificidade biológica e no seu papel social de mãe e doméstica, responsável pela criação, pela educação e pelo cuidado com a saúde dos filhos e demais familiares (BRASIL, 2004). O movimento feminista foi fundamental para o avanço destas discussões, principalmente nas questões de saúde e direitos sexuais e reprodutivos (VENTURA, 2009; BRASIL, 2004).

A atenção à saúde integral da mulher passou a ter destaque como política pública somente em 1983, com a criação do Programa de Assistência Integral à Saúde da Mulher (PAISM). Tratou-se de um documento histórico que incorporou o ideário feminista para a atenção à saúde integral, inclusive responsabilizando o Estado brasileiro com os aspectos da saúde reprodutiva (BRASIL, 1983). O PAISM incorporou como princípios e diretrizes as propostas de descentralização, hierarquização e regionalização dos serviços, bem como a integralidade e a equidade da atenção, arcabouço conceitual que embasaria a formulação do SUS (BRASIL, 2004).

O PAISM teve avanços na perspectiva até então reducionista, centrada no ciclo gravídico-puerperal, com que tratavam a mulher e trouxe questões antes restritas ao espaço e às relações privadas.

Naquele momento tratava-se de revelar as desigualdades nas condições de vida e nas relações entre os homens e as mulheres, os problemas associados à sexualidade e à reprodução, as dificuldades relacionadas à anticoncepção e à prevenção de doenças sexualmente transmissíveis e a sobrecarga de trabalho das mulheres, responsáveis pelo trabalho doméstico e de criação dos filhos (ÁVILA; BANDLER, 1991 apud BRASIL, 2004, p.16).

Porém, na prática, ainda que se tenha ampliado a atenção integral à saúde da mulher, há uma ausência da transversalidade de gênero, raça e classe nas ações voltadas à saúde sexu-al e reprodutiva (CORREA; PIOLA, 2002 apud BRASIL, 2004).

Nesse balanço são apontadas ainda várias lacunas como atenção ao climaté-rio/menopausa; queixas ginecológicas; infertilidade e reprodução assistida; saúde da mulher na adolescência; doenças crônico-degenerativas; saúde

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ocu-pacional; saúde mental; doenças infecto-contagiosas e a inclusão da perspecti-va de gênero e raça nas ações a serem desenvolvidas (BRASIL, 2004, p.19). Para assegurar uma visão interseccional das mulheres e de modo integral, em 2004 foi lançada a Política Nacional de Atenção Integral à Saúde da Mulher (PNAISM). A Política consolida os avanços do PAISM, rompe conceitos e amplia ações focadas na assistência à mulher gestante e puérpera, além de destacar a diversidade das mulheres brasileiras.

Este documento incorpora, num enfoque de gênero, a integralidade e a promo-ção da saúde como princípios norteadores e busca consolidar os avanços no campo dos direitos sexuais e reprodutivos, com ênfase na melhoria da atenção obstétrica, no planejamento familiar, na atenção ao abortamento inseguro e no combate à violência doméstica e sexual (BRASIL, 2004, p.05).

A PNAISM inclui aspectos relevantes, como: a assistência às doenças ginecológicas, a prevenção, a detecção e o tratamento do câncer de colo uterino e de mama; a assistência ao climatério, à mulher vitima de violência doméstica e sexual, aos direitos sexuais e reproduti-vos; a promoção da atenção à saúde de segmentos específicos, grupo vulneráveis, dentre eles as mulheres em privação de liberdade. A atenção à saúde destas mulheres deve se considerada a partir das suas diversas particularidades, contextos socioculturais, econômicos e de respeito à garantia de direitos. É previsto que as ações contemplem as especificidades do ciclo vital feminino e do contexto de onde as necessidades advêm (COELHO, 2005 apud BRASIL, 2004).

A PNAISM abriu precedentes para outras políticas como a Política Nacional de Saúde Integral da População Negra (2007), a Política Nacional de Saúde da Pessoa Portadora de Deficiência (2008), a Política Nacional de Saúde Integral de Lésbicas, Gays, Bissexuais, Tra-vestis e Transexuais (2013), a Política Nacional de Saúde Integral das Populações do Campo e da Floresta (2013), e a Política Nacional de Atenção Integral à Saúde das Pessoas Privadas de Liberdade no Sistema Prisional (2014).

Os direitos das mulheres, entre eles os direitos reprodutivos, passaram a ser concebi-dos como direitos humanos a partir da Conferência Internacional sobre População e Desen-volvimento (CIPD), realizada na cidade do Cairo, em 1994. A partir dessa Conferência, houve uma mudança do paradigma que referenciava às políticas populacionais. Segundo a definição da CIPD sobre direitos reprodutivos, capítulo VII:

(...) se baseiam no reconhecido direito básico de todo casal e de todo indivíduo de decidir livre e responsavelmente sobre o número, o espaçamento e a oportunidade de seus filhos e de ter a informação e os meios de assim o fazer,

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e o direito de gozar do mais alto padrão de saúde sexual e de reprodução. Inclui também seu direito de tomar decisões sobre a reprodução, livre de discriminação, coerção ou violência, conforme expresso em documentos sobre direitos humanos. No exercício desse direito, devem levar em consideração as necessidades de seus filhos atuais e futuros e suas responsabilidades para com a comunidade (CIPD, 1994, p.62).

O Brasil, ao ser signatário desta Conferência, assumiu acordos internacionais, ampliados com a IV Conferência Mundial sobre a Mulher, realizada na cidade de Pequim, em 1995, quando os Movimentos Feministas avançaram com as discussões de direitos sexuais. Se em Cairo o termo foi utilizado como estratégia de barganha para que os direitos reprodutivos fossem garantidos, em Pequim, foi possível a inclusão dos direitos sexuais de maneira mais ampla:

Os direitos humanos das mulheres incluem seu direito a ter controle sobre as questões relativas à sexualidade, incluída sua saúde sexual e reprodutiva, e decidir livremente a respeito dessas questões, sem se verem sujeitas à coerção, à discriminação ou à violência. As relações sexuais e a reprodução, incluindo o respeito à integridade da pessoa, exigem o respeito e o consentimento recíprocos e a vontade de assumir conjuntamente a responsabilidade das consequências do comportamento sexual (CNDM, seção C, parágrafo 97).

A defesa das premissas de direitos humanos, bem-estar social e igualdade de gênero foram princípios que passaram a orientar as questões da saúde, bem como dos direitos sexuais e dos direitos reprodutivos (CORREA, S.; ALVES, J.E.; JANNUZZI, P.M., 2006), incorporados como dimensões de políticas públicas.

Segundo Ventura (2009), a natureza dos direitos reprodutivos envolve direitos relativos: à vida e à sobrevivência; à saúde sexual e reprodutiva, inclusive, aos benefícios ao progresso científico; à liberdade e à segurança; à não-discriminação e ao respeito às escolhas; à informação e à educação para tomada de decisão; à autodeterminação e livre escolha da maternidade e paternidade; ao casamento, à filiação, à constituição de uma família; à proteção social à maternidade, paternidade e à família, inclusive no trabalho.

A partir destes avanços, a concepção de direitos reprodutivos não se limita mais a proteção da reprodução do ser humano, mas envolve direitos individuais e sociais, que por meio de políticas públicas estabelecem equidade, e para tal, é necessário identificar desigualdades e vulnerabilidades que impeçam a efetivação destes direitos (VENTURA, 2009). Segundo a autora, os direitos sexuais acabaram sendo associados aos direitos reprodutivos e, por isso, reduzidos ao âmbito das ações de saúde reprodutiva e de prevenção e

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