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Desafios e perspectivas dos sistemas participativos de garantia

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Desafios e perspectivas dos sistemas participativos de garantia

FONSECA, Maria Fernanda de A.C..PESAGRO-RIO/EENF, representante do CONSEPA na Câmara Setorial de Agricultura Orgânica do MAPA no Comitê de Agroecologia do CONDRAF

Apresentação

Nos últimos tempos, a maneira de plantar e de criar animais demonstra sinais de desequilíbrio, gerando problemas econômicos, sociais, ambientais e de segurança alimentar. Por outro lado, vários produtores começaram a plantar e a criar os animais resgatando princípios e técnicas antigas, aliadas às inovações tecnológicas de baixo impacto ambiental e aos valores éticos e filosóficos. Produtores e técnicos começaram assim a produzir alimentos sem utilização de insumos sintéticos e de agrotóxicos, respeitando o princípio da biodiversidade, buscando sempre utilizar os resíduos orgânicos da unidade rural ou da sua localidade (restos de culturas, estercos de animais, palhadas, sobras de produção, entre outros, e resíduos agroindustriais).

Com o objetivo de ter uma melhor qualidade de vida, cada vez mais os consumidores procuram uma alimentação saudável e começam a se preocupar com a forma como os alimentos são produzidos, com a proteção ao meio ambiente e com direitos dos agricultores e trabalhadores rurais. Interessados em diferenciar os alimentos produzidos de acordo com as práticas da agricultura orgânica, os produtores passaram a chamar os seus produtos de alimentos orgânicos. Mas, na hora da comercialização, como separar os alimentos produzidos com adubos químicos ou com agrotóxicos dos que são produzidos de uma forma justa ambiental e socialmente?

Este documento tem por objetivo facilitar o entendimento da questão jurídica na Lei da Agricultura Orgânica e sua regulamentação (Decreto presidencial e instruções normativas). É dada ênfase a aspectos ligados a venda direta dos produtos orgânicos ao consumidor final e aos Sistemas Participativos de Garantia. Estes são processos que vêm sendo praticados no Brasil e em outros países por redes de produtores, técnicos e consumidores, para dar garantia das qualidades dos produtos orgânicos produzidos por agricultores familiares.

Este documento pretende harmonizar conhecimentos para subsidiar as discussões sobre as instruções normativas no campo da avaliação da conformidade. Seu conteúdo é fruto das discussões ocorridas no Grupo de Trabalho de Certificação Participativa do Grupo de Agricultura Orgânica (GAO), hoje GT SPG. Os agradecimentos da autora a todos que contribuíram para a construção destes conhecimentos.

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A agricultura orgânica é definida como o manejo agropecuário, florestal e do extrativismo que se utiliza da água limpa, dispensa o uso de adubos químicos, agrotóxicos ou de medicamentos veterinários de natureza sintética. Ela busca desenvolver um sistema ecologicamente equilibrado,

socialmente justo e economicamente viável.

Os princípios da agricultura orgânica são:

A ECOLOGIA: Deve ser baseada em sistemas e ciclos ecológicos vivos, trabalhar com

eles, estimulá-los e mantê-los.

A SAÚDE: Deve manter e promover a saúde dos solos, das plantas, dos animais, dos seres

humanos e do planeta, como uma unidade, indivisível.

A JUSTIÇA: Deve ser baseada em relações que assegurem justiça para o ambiente comum

e as oportunidades de vida.

A PRECAUÇÃO: Deve ser planejada e desenvolvida de forma responsável e cuidadosa, de

modo a proteger a saúde e o bem estar das pessoas e das gerações futuras, bem como a qualidade do ambiente.

Quem pratica esta agricultura e consome estes produtos se preocupa com a conservação do ambiente, com a saúde dos trabalhadores e dos consumidores, e com a oferta de produtos e serviços a um preço justo.

Um Produto Orgânico é aquele obtido através dos princípios da Agricultura Orgânica, em conformidade com as normas e os critérios de avaliação da conformidade das qualidades orgânicas. De acordo com manejos, práticas e filosofias diferentes, a produção na agricultura orgânica pode receber outras denominações, e o Produto Orgânico também é conhecido como ecológico, agroecológico, natural, biodinâmico, alternativo ou da permacultura.

A importância de se consumir produtos orgânicos é:

•Evitar problemas de saúde nos trabalhadores e nos consumidores causados por alimentos que contenham resíduos tóxicos;

•Proteger o meio ambiente e a paisagem; •Preservar a biodiversidade;

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•Estimular a criação de raças nativas ou adaptadas ao meio;

•Economizar energia, principalmente as de fontes não renováveis, e insumos como os fertilizantes e agrotóxicos;

•Estimular relações comerciais justas e consumo consciente;

•Valorizar a mão-de-obra, gerando emprego e renda no campo e fortalecendo assim a agricultura familiar;

•Reduzir o êxodo rural.

O crescimento do mercado de consumo de produtos orgânicos gerou a necessidade de se criar normas jurídicas para permitir uma concorrência saudável e leal entre os fornecedores (produtores primários, processadores, comerciantes, supermercados, restaurantes e etc.), bem como para garantir a proteção da saúde e segurança do consumidor através do acompanhamento da qualidade. Assim, veio ao mundo jurídico em 23 de Dezembro de 2003, a Lei Federal 10.831 denominada como Lei da Agricultura Orgânica, que dispõe no artigo 3º sobre a necessidade de avaliação da conformidade sob a forma de certificação destes produtos conforme se depreende a seguir: “Para sua comercialização, os produtos orgânicos deverão ser certificados por organismo reconhecido oficialmente, segundo critérios estabelecidos em regulamento”.

Hoje existem mais de vinte organismos de certificação (certificadoras) atuando no País e a função principal, é a de garantir aos consumidores através de rotulagem com o selo (marca de qualidade) na embalagem, de que o produto foi elaborado segundo as normas da produção orgânica estabelecidas na legislação brasileira.

Existe uma exceção onde os agricultores familiares, caso realizem a venda direta ao consumidor final, não precisam contratar uma certificadora conforme dispõe o parágrafo 1º do mesmo artigo 3° da Lei da Agricultura Orgânica como se lê a seguir:

“No caso da comercialização direta aos consumidores por parte dos agricultores familiares, inseridos em processos próprios de organização e controle social, previamente cadastrados junto ao órgão fiscalizador, a certificação será facultativa, uma vez assegurada aos consumidores e ao órgão fiscalizador a rastreabilidade do produto e o livre acesso aos locais de produção e processamento.” Desta forma, os agricultores familiares que participam de uma associação com outros agricultores familiares, ainda que de maneira informal (não registrada em cartório), poderá vender seus produtos ao consumidor final. Para isso é necessário efetuar um cadastro junto ao Ministério da

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Agricultura, Pecuária e Abastecimento (MAPA) ou órgão fiscalizador conveniado nos Estados e municípios.

Torna-se importante ressaltar, que a venda direta só valerá se o agricultor familiar estiver submetido a alguma forma de controle social, cadastrado no município e vender diretamente ao consumidor.

Enquanto a Lei da Agricultura Orgânica não está regulamentada, produtores, técnicos e consumidores devem se basear na instrução normativa número 007/99 e na instrução normativa 16/2004. Maiores informações, procurar em www.agricultura.gov.br

Assim, concluindo a indagação de como saber se o produto disponibilizado no mercado de consumo é orgânico, respondemos que hoje, é necessário conferir o rótulo do produto para encontrar o selo de uma certificadora que garante a qualidade orgânica conforme dispõem as instruções normativas acima citadas.

A venda direta está prevista na Lei da Agricultura Orgânica (art. 3º § 1º), bem como no texto da instrução normativa relativa aos mecanismos de garantia que está sendo elaborada sob a coordenação do MAPA, senão vejamos o conceito segundo o glossário da referida instrução, a saber:

“Venda Direta: relação comercial entre o produtor e o consumidor final, sem intermediários, aceitando-se a presença de prepostos, desde que sejam membros de sua família, inseridos no processo de produção, ou outros produtores que façam parte da sua própria estrutura organizacional.”

Assim, da leitura da definição, dá a entender que o agricultor familiar, na venda direta, deve vender apenas para aquela pessoa física ou jurídica que vai consumir o produto, ou seja, o consumidor final.

Sendo assim, a venda direta não pode ser aplicada à indústria, porque ela transforma o bem no processo de produção para gerar um novo bem que vai ser vendido, ou seja, ela não consome o produto. Se por exemplo, o agricultor familiar vende laranjas em uma feira para uma pessoa física que vai se alimentar daquele produto, trata-se da venda direta porque quem comprou o produto vai consumi-lo conforme dispõe a definição de consumidor do Código de Defesa do Consumidor (CDC), a saber: “Consumidor é toda pessoa física ou jurídica que adquire ou utiliza produtos ou serviços como destinatário final.”

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transformar o alimento em suco concentrado, a venda não é direta porque quem comprou o produto vai transformá-lo e vendê-lo, não sendo o destinatário final 1. Nesse caso da venda indireta, a regulamentação da agricultura orgânica que está sendo elaborada, prevê a inspeção e a certificação da unidade produtora e/ou distribuidora.

Desta forma, comercialização direta ou venda direta significa dizer que existe uma relação comercial direta entre o agricultor familiar e o destinatário final do produto, sendo desnecessário o preciosismo da expressão “consumidor final” pois, afinal, parece querer dizer tão somente, consumidor.

No decorrer da análise do artigo supra citado, Fonseca e Carrano (2006) chamaram a atenção para a presença de uma outra figura jurídica denominada de preposto 2 a indicar a atuação de uma pessoa que direta ou indiretamente pode auxiliar ao agricultor familiar para a comercialização.

Ocorre que este preposto idealizado pela lei da agricultura orgânica não pode ser comparado ao preposto 3 em sentido mais amplo, adotado pelo direito civil, nem mesmo aquele idealizado pelo Código de Defesa do Consumidor (CDC) no artigo 34, a saber:“O fornecedor do produto ou serviço é solidariamente responsável pelos atos de seus prepostos ou representantes autônomos.” Na visão da Lei da Agricultura Orgânica, este preposto não pode ser um empregado, mas, tão somente um membro da família do próprio agricultor familiar ou outro agricultor familiar envolvido na estrutura organizacional e a responsabilidade civil sobre a qualidade do produto recairá sobre o agricultor e nunca sobre o preposto, salvo as previsões legais que não cabem aqui se comentar.

Em hipótese, cogitar o caso de um grupo de agricultores familiares que pertencem a uma associação informal onde um deles possui um meio de transporte e, por tal motivo, se incumbe de levar as mercadorias produzidas pelos outros agricultores para a feira local, bem como de vendê-las. É o caso típico idealizado pela lei em análise, ou seja, os agricultores familiares organizados se ajudam mutuamente e mesmo que um agricultor não possa acompanhar seu produto, alguém do grupo poderá fazê-lo, sem, com isso, obter alguma remuneração.

Desta forma, a venda direta pode se concretizar através do próprio agricultor familiar, seu familiar ou membro da estrutura organizacional (preposto) onde ele está inserido, pois, a garantia perante o consumidor, continua sendo o controle social.

Neste sentido, para melhor visualizarmos os canais de comercialização possíveis de serem usados na venda direta, apresentamos o quadro a seguir.

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Quadro 01: Possibilidades da venda direta com controle social na Lei 10.831

EQUIPAMENTOS FORMAS

ORGANIZACIONAIS CONTROLE SOCIAL EXEMPLOS

Feiras

Produção individual / produção própria

Feira organizada

Grupo * Grupo e/ou Feira

Intermediário Não se aplica

Entregas aos consumidores

Produção individual / produção própria

Não se aplica

Grupo Grupo

Intermediário Não se aplica

Vendas na Propriedade Grupo Grupo

Produção Individual Não se aplica

Consumidores organizados sem vendas a terceiros

Produção individual / produção

própria ** Grupo de consumidores

Grupo Grupo de consumidores e/ou

produtores

Intermediário Não se aplica

Mercados Institucionais privados sem revendas

Grupo Não se aplica

Produção individual Não se aplica

Intermediário Não se aplica

Cozinhas empresariais, de hospitais, de escolas particulares; etc. para seus funcionários.

Compras Governamentais*** Produção individualGrupo Grupo / compradorNão se aplica

Escolas, creches, organizações religiosas, hospitais, cadeias e outras instituições públicas para oferecimento aos usuários. Lojas e restaurantes

“orgânicos” de agricultores ****

Grupo Grupo

Fonte: GT Comercialização do GAO (2005)4

OBS1: * Grupo não significa produção coletiva, mas sim, sua forma de organização (estrutura organizacional). OBS2: ** Inserido numa organização.

OBS3: *** Realizadas na mesma unidade da federação em que é produzida e consumida no local de entrega pelo produtor/preposto.

OBS4: **** Vendendo exclusivamente produção orgânica própria da estrutura organizacional não certificada (o resto dos produtos orgânicos vendidos são certificados).

1 Avaliação da conformidade5

A avaliação da conformidade é um processo sistematizado, com regras pré-estabelecidas, devidamente acompanhado e avaliado, de forma a propiciar adequado grau de confiança de que um produto, processo ou serviço, ou ainda um profissional, atende a requisitos pré-estabelecidos por normas ou regulamentos.

A atividade de avaliação da conformidade apóia-se em dois fundamentos básicos:

• Reconhecimento da competência técnica: instalações, sistema da qualidade, pessoal, calibração dos instrumentos de medição.

• Credibilidade (reputação): ética, imparcialidade, comprometimento.

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outras ações:

• Selecionar norma ou regulamento. • Coletar amostras

• Realizar ensaios • Realizar inspeções

• Realizar auditorias no sistema de qualidade do fornecedor. • Avaliar e acompanhar o produto no mercado.

Resumidamente, a avaliação da conformidade tem por objetivo estabelecer “as regras do jogo”.

Os tipos de avaliação da conformidade podem ser definidos quanto:

- ao agente econômico

Dependendo de quem realiza a avaliação e, portanto, tem a responsabilidade de garantir a conformidade, esta pode ser classificada como:

• De primeira parte: quando é feita pelo produtor/fabricante ou fornecedor • De segunda parte: quando é feita pelo comprador/cliente

• De terceira parte: quando é feita por uma organização com independência em relação ao fornecedor e ao cliente, não tendo, portanto, em tese, interesse na comercialização do produto.

- à aplicação

A avaliação da conformidade pode ser usada voluntariamente ou compulsoriamente. É compulsória (obrigatória) quando o órgão regulador entende que o produto, processo ou serviço pode oferecer riscos à segurança do consumidor ou ao meio ambiente, ou quando o desempenho do produto, se inadequado, pode trazer prejuízos econômicos à sociedade. É voluntária quando parte de uma decisão do fornecedor ou do comprador. É obrigatória quando parte do governo.

1.1 Os mecanismos de avaliação da conformidade

A avaliação da conformidade possui diferentes mecanismos para verificar e garantir a conformidade de um produto, processo ou serviço em relação aos critérios estabelecidos por normas ou regulamentos técnicos.

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Para se selecionar um mecanismo de avaliação da conformidade é necessário a realização de um estudo de viabilidade de avaliação da conformidade. Devem ser levados em consideração diversos aspectos relacionados às características do produto, processo ou serviço avaliado, como o risco, o impacto e a freqüência da falha, o volume de produção, a velocidade do aperfeiçoamento tecnológico no setor, o porte dos fabricantes envolvidos, o impacto sobre a competitividade do produto, entre outros.

Com base na análise destes aspectos é que se determinará o agente econômico que realizará a avaliação (1ª parte, 2ª parte ou 3ª parte), a obrigatoriedade ou não do mecanismo e as ferramentas de avaliação da conformidade a serem utilizadas.

Por ferramentas de avaliação da conformidade entende-se todos aqueles processos nos quais o produto, processo ou serviço em questão é avaliado. Algumas ferramentas usadas são: Ensaio de tipo; Ensaio de rotina; Avaliação do sistema de qualidade de produção; Julgamento de um serviço executado; Amostragem; Controle social (reuniões, trocas de experiências, etc.).

Nesta avaliação do sistema de qualidade existem ferramentas que avaliam a conformidade técnica e outras ferramentas que avaliam a conformidade social (controle social feito por meio da participação em reuniões, visitas à campo, contratos assinados, tomadas de decisões).

Feita por primeira, segunda ou terceira parte, a avaliação da conformidade pressupõe uma relação de confiança. Há necessidade da criação de mecanismos contínuos de acompanhamento e avaliação dessa relação de confiança. Nesse sentido, merece destaque o acompanhamento no mercado, com ênfase na verificação da conformidade, técnicas que permitem verificar se o produto chega até o ponto de venda preservando suas características.

Existe, portanto, a possibilidade de se adotar diferentes mecanismos de avaliação da conformidade em função das especificidades de cada produto, processo ou serviço, para cada situação na comercialização. Antes da institucionalização da agricultura orgânica ou do comércio justo e solidário (CJS) 6, por exemplo, na comercialização feita por pequenos empreendimentos, a garantia da conformidade é dada pelo produtor (Declaração de conformidade do fornecedor), pelo comprador (Declaração de conformidade do comprador) ou por um organismo “independente” (Certificação).

A conformidade de um produto, processo ou serviço pode ser evidenciada por uma das seguintes formas: documento emitido; marca no produto; selo de conformidade; banco de dados informatizado. A marca da certificação tem que ser diferente da marca da Declaração de conformidade do fornecedor.

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As formas de avaliar a conformidade dos produtos orgânicos previstas na Lei 10.831 são três. O espírito da Lei 7 da Agricultura Orgânica, permite não só a venda certificada e a venda direta, mas também a utilização de outros mecanismos de avaliação da conformidade, pois o parágrafo 2° do artigo 3º da Lei da Agricultura Orgânica dispõe sobre diferentes sistemas de certificação existentes no país, senão vejamos:“A certificação da produção orgânica de que trata o caput deste artigo, enfocando sistemas, critérios e circunstâncias de sua aplicação, será matéria de regulamentação desta Lei, considerando os diferentes sistemas de certificação existentes no país”.

Desta sorte, pode-se cogitar que a expressão “considerando os diferentes sistemas de certificação existentes no país” poderia ser interpretada como “considerando as diferentes formas de avaliação da conformidade existentes no país”. Desta forma, a agricultura orgânica será contemplada com modelos diferentes e variados de garantia das qualidades a serem colocados à disposição dos consumidores, o que por certo, se revela em um grande benefício para o desenvolvimento social atrelado ao setor.

A certificação é uma das formas de avaliação da conformidade, podendo-se sustentar ainda que, outros mecanismos que levem a garantir as qualidades8 da produção na agricultura orgânica, desde que, reconhecidos pelos órgãos competentes, podem também ser utilizados para dar aos consumidores as certezas de tratarem-se de produtos oriundos de sistema de produção na agricultura orgânica. Este é o caso dos Sistemas Participativos de Garantia.

Já existe a previsão legal para a utilização dos Sistemas Participativos de Garantia no texto do Decreto.

1.2 Sistemas Participativos de Garantia

Originalmente, a avaliação da conformidade na agricultura orgânica consistia de declarações de produtores, associação de produtores e organizações de assessoria, de que os produtores seguiam as normas estabelecidas pelo setor privado (associações de produtores, técnicos, professores, cooperativas de consumidores). Quando da normalização internacional e das regulamentações na agricultura orgânica nos países de alta renda, os critérios adotados para garantir a conformidade orgânica foram os da inspeção e da certificação de produtos.

Os movimentos de agroecologia e os do comércio justo na América Latina e Caribe, com expressiva participação brasileira, vêm se posicionando contra a imposição da certificação de produtos orgânicos e do comércio justo como a única forma de garantir a conformidade dos produtos e processos que envolvem a comercialização de produtos de qualidade dos pequenos

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agricultores familiares, preferindo adotar os Sistemas Participativos de Garantia.

Os SPGs consistem em um conjunto de atividades desenvolvidas em determinada estrutura organizativa regida por princípios, normas de organização e de funcionamento, visando assegurar a garantia de que um produto (termo que inclui produto, processo ou serviço) atende a regulamentos técnicos da agricultura orgânica e que foi submetido a uma avaliação participativa da conformidade.

Os SPGs abrigam diferentes métodos de geração de credibilidade, adequados a diferentes realidades sociais, culturais, políticas, territoriais, institucionais, organizacionais e econômicas. 1.2.1 Elementos chaves básicos dos Sistemas de Garantia Participativos

- Visão compartilhada de produtores e consumidores quanto aos princípios centrais que guiam o programa. Os programas dos Sistemas Participativos de Garantia (SPG) podem variar no nível da participação, mas tem em comum a ativa preocupação com o por quê, como e quem está sendo beneficiado.

- Participativo, ou seja, utiliza uma metodologia que pressupõe um intenso envolvimento dos interessados diretamente na produção e no consumo destes produtos. Os princípios e critérios são concebidos e aplicados com a contribuição de todos os atores – produtores, consultores e consumidores. A credibilidade da qualidade na produção é uma conseqüência da participação e das relações sociais estabelecidas.

- Transparência, onde todos os atores das redes devem estar cientes de como o mecanismo de garantia geralmente funciona, o processo e como as decisões são tomadas. Isto implica que deve haver alguns documentos escritos disponíveis sobre SPG e estes documentos devem estar disponíveis para todas as partes interessadas em linguagem acessível.

- Confiança, “Enfoque baseado na integridade”, onde o SPG deve refletir a capacidade das comunidades de demonstrar esta confiança por meio da aplicação dos seus diferentes mecanismos de controle social e cultural. Portanto, uma variedade de mecanismos quantitativos e qualitativos específicos culturalmente (local) para demonstrar e medir a integridade orgânica são reconhecidos e celebrados (compromissados, contratados).

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por todos os atores envolvidos na produção e no consumo destes produtos. O efetivo envolvimento de produtores, consultores e consumidores na elaboração e verificação dos princípios e regras não somente leva à geração de credibilidade, mas também a um permanente processo de aprendizagem nas comunidades envolvidas.

- Horizontalidade, significando divisão de poder. A verificação da qualidade dos produtos e dos processos não está concentrada na mão de poucos. Todos os envolvidos no processo do SPG têm o mesmo nível de responsabilidade e capacidade para estabelecer a qualidade de um produto ou processo.

1.2.2 Características fundamentais dos Sistemas Participativos de Garantia

São características dos SPGs o Controle Social, a Participação e a Responsabilidade Solidária. O controle social é estabelecido pela participação direta dos membros nas atividades de SPG. Estes atores estabelecem e dinamizam ações coletivas de avaliação da conformidade dos fornecedores ao regulamento técnico da produção orgânica. A participação e a responsabilidade solidária são características complementares que possibilitam o controle social e o poder compartilhado e regem as avaliações e decisões relativas à conformidade dos produtos.

Poder compartilhado é um processo horizontal de avaliação da conformidade orgânica, onde a tomada de decisão está compartilhada entre todos os envolvidos, que possuem o mesmo nível de responsabilidade e de poder na determinação da qualidade orgânica de um produto.

Além disso, podemos observar como características fundamentais dos SPG: a) normas concebidas pelos atores envolvidos no processo;

b) organização de base;

c) é apropriada à pequena agricultura;

d) princípios e valores que melhoram o meio de vida e o bem estar das famílias e promovem a agricultura orgânica;

e) sistemas de gerenciamento e procedimentos documentados;

f) mecanismos para verificar o cumprimento das normas pelos produtores; g) mecanismos para apoiar os produtores;

h) contrato firmado pelos produtores; i) selos ou rótulos;

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1.2.3 Composição, funções e etapas

Um SPG é formado, basicamente, por dois componentes: os Membros do Sistema e o Organismo Participativo de Avaliação da Conformidade – OPAC. Os membros do Sistema são pessoas físicas e/ou jurídicas que fazem parte de um grupo, classificados em duas categorias: Fornecedores e Colaboradores. Os Fornecedores poderão ser: produtores primários, processadores, distribuidores e comerciantes. Os Colaboradores poderão ser: consumidores e suas organizações, técnicos, ONGs, organizações de representação de classe e demais atores.

OPAC é a personalidade jurídica que assume a responsabilidade formal pelo conjunto de atividades desenvolvidas num SPG, apresentando as seguintes características:

a) O OPAC possuirá estatuto social que caracterize suas atribuições e regimento interno ou caderno de normas que explicite sua organização, seu funcionamento participativo e como se responsabiliza por determinado SPG .

b) O OPAC deve ter na sua estrutura, no mínimo, uma comissão de avaliação e o Conselho de Recursos, ambos compostos por representantes dos membros do SPG.

Os fornecedores possuem as seguintes funções: a) Solicitar a avaliação da conformidade de seus produtos.

b) Fornecer as informações necessárias, com os detalhes e com a freqüência estipulados pelo SPG, solicitadas pelo OPAC.

c) Contribuir para a geração da credibilidade através de sua participação no SPG.

d) Atender as orientações preventivas e providenciar a correção das não-conformidades de acordo com as recomendações da comissão de avaliação.

e) Garantir, individual e solidariamente, a conformidade dos produtos avaliados. Os colaboradores apresentam as seguintes funções:

a) Contribuir com a geração da credibilidade através de sua participação ativa no SPG. b) Assumir a responsabilidade solidária pelos produtos avaliados.

O OPAC apresenta as seguintes funções:

a) Ser o representante legal do(s) SPG(s) perante os órgãos competentes. b) Assumir a responsabilidade legal pela avaliação da conformidade. c) Emitir documentos relativos ao funcionamento do SPG.

d) Organizar e guardar os registros e documentos relativos à avaliação da conformidade.

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fornecedores.

A avaliação da conformidade nos SPGs dar-se-á por meio de 3 etapas: a) Solicitação da avaliação da conformidade; b) verificação por meio de revisão de pares; c) decisão a ser tomada na instância adequada. Na etapa de revisão por pares, poderá haver a participação de outras partes que representem diferentes interesses, como consumidores e técnicos. A revisão de pares é o mecanismo utilizado pelos SPGs para verificar a conformidade dos fornecedores com dinâmicas que garantam o efetivo controle social.

1.2.4 Limites e desafios dos Sistemas Participativos de Garantia

Nas últimas três décadas o sistema alimentar orgânico evoluiu de uma oferta fraca de redes de produtores e consumidores locais independentes para um sistema comercial global, formal e regulado. As atividades de mercado não são puramente relações econômicas. Elas abrangem normas sociais e instituições que mediam seus efeitos. Governos envolvem e refletem convenções desenvolvidas entre atores chaves sociais, políticos e econômicos engajados no desenvolvimento e enforcando idéias e práticas particulares.

Nos SPGs as avaliações da conformidade visam:

a) Realizar as orientações preventivas em relação aos regulamentos da produção orgânica; b) Identificar as não-conformidades;

c) Assessorar os fornecedores para a resolução das não-conformidades e para o aperfeiçoamento dos sistemas produtivos;

d) Promover a troca de experiências entre os participantes. Como limites e desafios dos SPG, mencionamos:

- Envolvimento dos atores dos canais de comercialização e consumidores na discussão e prática dos SPG. Ter consciência da responsabilidade solidária e de que participarem do sistema de garantia da qualidade é uma ação de longo prazo.

- Estabelecer relações nos circuitos longos de comercialização (venda indireta). O desafio é criar reputação (longo prazo) sem onerar muito.

- Uniformizar não é padronizar. O limite é manter a diversidade de relações sociais nos arranjos produtivos e comerciais tendo como desafio a multiplicação destas garantias de qualidades identificadas e valoradas pelos consumidores no âmbito local, regional, nacional, continental e internacional.

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ações de longo prazo, têm participação de organizações de assessoria privada (ONGs), envolvem um alto grau de organização e gerenciamento, e, envolvem ações de cooperação muito grandes. O desafio é quanto ao alto montante e ao longo prazo de investimentos financeiros e humanos nestas atividades.

- Estabelecer transversalidade nas políticas públicas e privadas nos âmbitos nacional, estadual e municipal.

- Ter consciência que os princípios da Agricultura Orgânica e do Comércio Justo e Solidário (CJS) trabalham com bens públicos. Há uma cultura no Brasil de pouco investimento do setor privado em bens públicos. O Estado é o responsável por fornecer e cuidar de bens públicos como ecologia, justiça social preconizados pela agricultura orgânica e pelo comércio justo e solidário.

- De que os SPG são ferramentas para auxiliar a comercialização, tem que se investir também na organização da produção para atender as diferentes exigências dos diferentes canais de comercialização e nas relações comerciais e de consumo.

Movimentos sociais são tão importantes quanto autoridades estatais e organizações econômicas em fluir e regular o comércio internacional. Continua a haver valores contraditórios no comércio global de produtos orgânicos dentro das principais convenções mercantis. Valores mercantis e industriais enraizados na eficiência, padronização, e competição por preço estão levando para longe convenções sociais ligadas a confiança pessoal nas relações, diversidade ecológica e justiça social. A globalização tem, até hoje, estendido as convenções de mercado mais rapidamente que os compromissos sociais. A institucionalização dos SPG é um sinal promissor de novas iniciativas que revitalizam as normas sociais e práticas na agricultura orgânica. Eles são uma realidade para ser estimulada e apoiada, junto com esquemas formais de certificação como mecanismos para dar garantia de que um produto segue determinada norma e/ou regulamento. Legislações de agricultura orgânica na América Latina (Brasil, Peru, Costa Rica, Chile, Bolívia e Uruguai) que possibilitam o reconhecimento dos SPG é uma realidade. Precisamos estabelecer trocas de experiências entre os países para depois podermos solicitar reconhecimento internacional deste mecanismo de avaliação da conformidade. A institucionalização deste mecanismo de avaliação da conformidade para atividades de comércio justo é uma nova realidade que se coloca na mesa.

Notas

1. Existem juristas que defendem um conceito mais abrangente para consumidor (destinatário final), e, nesse caso, a venda direta poderia ser feita entre o agricultor e uma indústria, um hospital, uma

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escola ou um restaurante, sem se preocupar com quem seria o destinatário final, bastando ser uma relação entre fornecedor e consumidor na forma do Código de Defesa do Consumidor.

2. Preposto significa empregado, subordinado do fornecedor (agricultor), pessoa que recebe ordens de outra, que direta ou indiretamente auxilia no negócio ou representa o fornecedor.

3. Se o preposto, por exemplo, vende tomates danificados, ocorre o que chamamos de vício do produto e a responsabilidade civil pelos danos suportados pelo consumidor recai sobre o fornecedor (produtor), cabendo-lhe honrar com a qualidade e sanar o problema segundo dispõe o CDC.

4. O GAO – Grupo de Agricultura Orgânica integra pessoas e organizações que discutem o marco legal da agricultura orgânica. Criado em outubro de 2002 e dinamiza as discussões sobre normalização da agricultura orgânica desde então. Este quadro é produto das discussões do Grupo de Trabalho da Comercialização.

5. Baseado em INMETRO (2006).

6. Comércio Justo e Solidário tem como base a autogestão do empreendimento e a justiça nas relações de produção, de comercialização e de consumo.

7. Toda lei denota uma finalidade específica e o desafio dos advogados, juízes, promotores e defensores, enfim, dos operadores do direito, é exatamente entender o significado, o sentido e o alcance de uma lei. A boa interpretação jurídica deve visar o caráter social, ou seja, que a norma jurídica possa atender de forma isonômica ao maior número de pessoas envolvidas no segmento atendido pela lei que a ele se destina. Desta forma, é perfeitamente possível uma interpretação do texto legal a fim de considerar que na verdade, quando o legislador idealizou aquela lei, queria dizer mais do que está propriamente escrito, e, que por alguma limitação de tempo ou de mera redação, não pode ser mais explícito. Daí a denominação de espírito da lei em contraposição à letra da lei. 8. Qualidades agronômicas, biológicas, éticas, nutricionais, sanitárias, sensoriais, territoriais, zootécnicas.

Bibliografia consultada

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Referências

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