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Parábolas e fabulações : uma investigação em arte

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Academic year: 2021

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LIA FERNANDA RAMOS DE OLIVEIRA

PARÁBOLAS E FABULAÇÕES:

UMA INVESTIGAÇÃO EM ARTE

CAMPINAS

2014

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LIA FERNANDA RAMOS DE OLIVEIRA

PARÁBOLAS E FABULAÇÕES:

UMA INVESTIGAÇÃO EM ARTE

Dissertação apresentada ao programa de Pós-Graduação em Artes Visuais do Instituto de Artes, da Universidade Estadual de Campinas, para obtenção do Título de Mestra em Artes Visuais

Orientadora: Profª Drª Marta Luiza Strambi.

CAMPINAS

2014

UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS

INSTITUTO DE ARTES

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vii RESUMO

Esta dissertação, “Parábolas e Fabulações: uma Investigação em arte”, estabelece uma relação entre obras de minha autoria - o que inclui desenhos, pinturas e grafites - e as análises desta mesma produção feitas através de uma pesquisa que contempla os referenciais teóricos aos quais ela se relaciona, implicando ainda num diálogo circunstanciado com a história da arte. O trabalho processa-se por meio de textos que abordam aspectos correlatos à Arte Lowbrow, numa hibridização desse movimento. Trata-se de uma estética atual, proveniente da arte urbana underground, que problematiza poéticas advindas do campo da arte contemporânea, como a cultura dos remakes e a Pattern Painting, com distintas modalidades; assim como pode absorver movimentos anteriores, estabelecendo relações com a contracultura e a cultura popular.

Palavras-chave: desenho, pintura, grafite, poéticas visuais, Arte Lowbrow

ABSTRACT

This thesis: “Parables and fabulations: An Investigation into art” is a relationship between my art production - which includes drawings, paintings and graffiti - and the analysis of this works, through a survey which includes its theoretical frameworks, implying in a dialog based on the history of art. This work goes through texts that connects themselves to aspects correlated to the Lowbrow Art, in an hybridization of this movement. It is a current aesthetic, from the underground urban art, which discusses poetics coming from the field of contemporary art, as the remake and Pattern Painting culture, with different modes; and can also absorb previous movements, establishing relationships with the counterculture and popular culture.

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ix SUMÁRIO 1. INTRODUÇÃO ... 01 2. PARÁBOLAS LOWBROW ... 07 2.1 LUDUS ...12 2.2 DOMINUS ... 59 3. PRIMEIROS CONTOS ... 78 3.1FABULAÇÕES ... 82 3.2 ATA-ME! ... 106 4. CONCLUSÃO ... 126 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ... 128 BIBLIOGRAFIA ... 131 APÊNDICE... 133 ANEXO... 137

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Dedico este trabalho à minha Mãe, por seu imenso amor, apoio e suporte, que me possibilitou a realização de mais esta etapa em minha carreira acadêmica.

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AGRADECIMENTOS

À Professora Marta Luiza Strambi, por sua extrema dedicação ao orientar e instruir-me sobre os caminhos da arte contemporânea, guiando-me poética e academicamente.

Ao Professor Mauricius, pelo incentivo à pesquisa acadêmica no campo das artes visuais e a todos os professores que participaram de minha formação e defesa dessa dissertação, contribuindo para a realização deste trabalho, direta ou indiretamente.

Ao meu namorado, pela imensa compreensão e paciência nos momentos de minha ausência e nas madrugadas de escrita.

À minha família, por todo apoio e estímulo, lembrando-me sempre da jornada a ser percorrida para a realização desta dissertação.

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xv LISTA DE FIGURAS

Fig. 01. Toulouse Lautrec, Jane Avril, Jardim de, Paris, 1893,

litografia, 88,9 x 124,5 cm... p. 17. Fig. 02. Alphonse Mucha, As artes: Dança, 1898, litografia,

60 x 38 cm... p. 17. Fig. 03. Gustav Klimt, Judith II (Salomé), 1909, óleo sobre tela,

178 x 46 cm ... p. 17. Fig. 04. Richard Hamilton, O que exatamente torna os lares de

hoje tão diferentes, tão atraentes? 1956, colagem,

26 x 25 cm ... p. 19. Fig. 05. Cavalgada I, 2010, lápis aquarela, caneta e colagem sobre

papel estampado, 30 x 30 cm... p. 22. Fig. 06. Cavalgada II, 2010, nanquim, caneta e acrílica sobre papel

estampado, 30 x 30 cm... p. 23. Fig. 07. Robert Kushner, Sail Away, 1983, acrílica sobre algodão e

tecidos mistos, 220,98 x 523,24 cm... p. 25. Fig. 08. Bolhas, 2012, acrílica e nanquim sobre papel estampado,

30 x 30 cm... p. 26. Fig. 09. Cirque du Soleil, 2013... p. 27. Fig. 10. Teatralidade, 2010, nanquim, caneta e acrílica sobre papel

estampado, 30 x 30 cm... p. 29. Fig. 11. Leve-me, 2010, nanquim, acrílica e caneta sobre papel

estampado, 30 x 30 cm... p. 30 Fig. 12. Trapezistas, 2010, nanquim, acrílica e caneta sobre papel

estampado, 30 x 15 cm... p. 32. Fig. 13. Sabor de infância, colagem, nanquim, acrílica e caneta

sobre papel estampado, 12 x 18 cm... p. 33. Fig. 14. Balões, 2010, colagem, nanquim, acrílica e caneta sobre

papel, 17 x 17 cm... p. 35. Fig. 15. Vendedora de sonhos, 2012, nanquim e acrílica sobre

papel, 30 x 25 cm... p. 37. Fig. 16. A Equilibrista, 2010, nanquim, caneta e acrílica sobre

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Fig. 17. O Descanso da Bailarina, 2010, nanquim, caneta e acrílica

sobre papel, 30 x 30 cm... p. 40. Fig. 18. Passeio, 2010, spray, purpurina, acrílica e caneta sobre

tela, 100 x 80 cm... p. 41. Fig. 19. Contato, 2011, caneta posca sobre papel, 30 X 30 cm... p. 45. Fig. 20. Festa do Chá, 2011, caneta posca sobre papel,

30 x 30 cm... p. 47. Fig. 21. Tesouro, 2009, lápis de cor, caneta posca e esferográfica

sobre papel, 15 x 12,4 cm... p. 49. Fig. 22. Aqui, 2011, caneta posca sobre papel reciclado colorido,

21 X 2,4 cm... p. 52. Fig. 23. Éden, 2010, nanquim, acrílica e caneta sobre papel,

17 x 17 cm... p. 54. Fig. 24. No Jardim, 2010, nanquim, caneta e acrílica sobre papel,

22 x 22 cm... p. 55. Fig. 25. Cubos Mágicos, 2010, naquim, acrílica, caneta e colagem

sobre papel, 16,50 x 12,50 cm... p. 56. Fig. 26. Nas Ondas, 2010, acrílica, nanquim e caneta sobre papel,

30 x 30 cm... p. 58. Fig. 27 Hans Bellmer, A Boneca, 1936-65, alumínio pintado sobre

base de latão, 46,4 x 22,9 cm... p. 61. Fig. 28 Meret Oppenheim, Objeto (Café da manhã de pele), 1936,

xícara, pires e colher revestidos de pele, 7,3 x 23,7 cm... p. 61. Fig. 29 Audrey Kawasaki, Sem título, 2006, óleo sobre madeira,

27,94 x 48,26 cm... p. 62. Fig. 30. Miss Van, Bailarinas 5, 2012, acrílica sobre tela,

140 x 170 cm... p. 62. Fig. 31. A imperatriz, 2011, PVA e nanquim sobre papel,

21 x 29,4 cm... p. 67. Fig. 32. Temporalidade, 2011, PVA e nanquim sobre papel,

21 x 29,4 cm... p. 68. Fig. 33. Degusta-me, 2011, PVA e nanquim sobre papel,

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xvii

Fig. 34. Rabbit, 2012, acrílica, PVA e colagem sobre lona,

40 x 40 cm... p. 73. Fig. 35. Ops, 2011, acrílica sobre tela, 60 x 80 cm... p. 74. Fig. 36. Toque, 2011, acrílica sobre tela, 70 x 70 cm... p. 75. Fig. 37. Meret Oppenhein, Ma Gouvernante, 1936, escultura... p. 77. Fig. 38. Devaneando, 2009, aquarela e nanquim sobre papel,

30 x 24,8 cm... p. 83. Fig. 39. Tempo, 2009, nanquim sobre papel, 12 x 12 cm... p. 85. Fig. 40. A luz, 2009, nanquim sobre papel, 15 x 12,4 cm... p. 87. Fig. 41. O Gato Branco, 2009, nanquim sobre papel, 15 x 10 cm... p. 90. Fig. 42. Doce Camélia, 2009, nanquim sobre papel, 15 x 10 cm... p. 91. Fig. 43. Luvas, 2012, acrílica sobre papel, 30 x 30 cm... p. 92. Fig. 44. O Leque, 2009, grafite, 220 x 180 cm. Casa do Hip Hop,

Diadema, SP... p. 95. Fig. 45. Musicalizando, 2009, 300 x 250 cm, grafite. Biblioteca

Municipal, São Carlos, SP... p. 96. Fig. 46. Em suas asas, 2009, grafite, 150 x 150 cm, Centro Cultural

da Juventude, São Paulo... p. 97. Fig. 47. Gustav Klimt, Judith, 1901, óleo sobre tela, 84 x 42 cm... p. 99. Fig. 48. Alphonse Mucha, Rêverie, 1897, litografia,

184,66 x 132,59 cm... p. 99. Fig. 49. Audrey Kawasaki, Lilian, (série Hint Mint), 2012, óleo e

grafite sobre madeira, 35,56 x 35,56 cm... p. 99. Fig. 50. Ronaldo Inc, Dark Jailbird, 2009, grafite, 230 x 150 cm... p. 99. Fig. 51. Alphonse Mucha, Gismonda, 1894, litografia,

216 x 74,2 cm... p. 100. Fig. 52. Katsushika Hokusai, Cinco mulheres bonitas, 1804-1818,

nanquim e cor em silk, 180,34 x 45,72 cm... p. 101 Fig. 53 Bem me quer, Mal me quer, 2009, nanquim e aquarela

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Fig. 54. Egon Schiele, Nu feminino em pé com cabelo preto, 1910,

lápis aquarela sobre papel. Museu Albertina de Viena ... p. 111 Fig. 55. Ata-me, 2009, aquarela e nanquim sobre papel,

20 x 20 cm... p. 112 Fig. 56. Suave Pulsar, 2009, nanquim e aquarela sobre papel,

20 x 20 cm... p. 114 Fig. 57. A Títere, 2009, nanquim e aquarela sobre papel,

20 x 20 cm... p. 116 Fig. 58. Frida Kahlo, As Duas Fridas, 1939, óleo sobre tela,

173,5 cm x 173 cm... p. 119 Fig. 59. Tara McPherson, 2009, Brincando com fogo, The Healer,

óleo sobre painel, 61 x 76 cm... p. 120 Fig. 60. Tara McPherson, 2008, O peso da água - parte III, óleo

sobre tela, 76 x 102 cm... p. 120 Fig. 61. Devaneio, 2012, acrílica sobre tela, 50 x 50 cm... p. 122 Fig. 62. Costura, 2010, grafite, 220 x 180 cm. Encontro de

grafiteiras, Salvador, BA... p. 124 Fig. 63. Esboço da fig. 19 “Contato”, p. 45... p. 133 Fig. 64. Esboço da fig. 13 “Sabor de infância”, p. 33... p. 133 Fig. 65. Esboço da fig. 38 “Devaneando”, p. 83... p. 134 Fig. 66. Esboço da fig. 62 “Costura”, p. 124... p. 134 Fig. 67. Esboço da fig. 21 “Tesouro”, p. 49... p. 135 Fig. 68. Esboço da fig. 36 “Toque”, p. 75... p. 135 Fig. 69. Esboço da fig. 44 “Leque”, p. 05... p. 136 Fig. 70. Esboço da fig. 31 “A Imperatriz”, p. 67... p. 136

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“A memória é um campo de ruínas psicológicas, um amontoado de recordações. Toda a nossa infância está por ser reimaginada. Ao reimaginá-la, temos a possibilidade de reencontrá-la na própria vida dos nossos devaneios de criança solitária.”

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INTRODUÇÃO

Esta dissertação de mestrado, “Parábolas e Fabulações: uma investigação em arte”, estruturou-se sob certas hibridizações e “linguagens” da arte contemporânea, manifestando-se a partir de relacionamentos conceituais e poéticos, que foram investigados em minha produção visual de desenhos, pinturas e grafites, inseridos nos capítulos e subcapítulos. A dissertação percorreu também os caminhos poéticos da Arte Lowbrow e suas influências como o grafite, a ilustração e as práticas circenses, referenciando-se na cultura dos remakes, nos recortes de vários passados diferentes, que absorvem influências estéticas próximas ao Surrealismo, à Art Nouveau, à Arte Pop; da pintura dos anos 80 (especificamente com as Pattern Painting, que são padronagens estampadas usadas como fundo nas pinturas) e dos grafite dos anos 80, de Alex Vallauri e Kaith Haring.

Por tratar-se de uma pesquisa em práticas e poéticas visuais, cujo projeto se insere na linha de pesquisa “Poéticas Visuais e Processos de Criação”, a justificativa deste trabalho está pautada na experiência expressiva e sua necessária contextualização, através da inserção acadêmica de leituras relacionadas ao objeto desta pesquisa. Portanto com alguns conceitos, absorvidos dos territórios da arte contemporânea, desenvolvi uma reflexão crítica sobre minha produção, mais particularmente sobre as poéticas e perspectivas da, já citada, Arte Lowbrow, que envolve, entre outras formas de expressão, também o grafite.

A influência urbana dos grafites, a partir da estética marginal, uma produção desinteressada que não se encaixa nos sistemas de legitimação da arte - por fazer parte da rua, fora do ambiente asséptico das galerias e museus - a coloca em contato direto com o público, numa relação descompromissada, porém incisiva e persistente por sua essência criativa frente ao caos urbano.

Ao perceber-me influenciada por essa específica mistura do grafite com a arte erudita, encontrei uma chave para poder refletir sobre a transposição dos

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trabalhos do muro ou parede para o papel, com temáticas de um universo

underground, que se apresentam como reflexos da sociedade e do seu imaginário.

As figuras de estilo Parábola e Fábula expressam características únicas que se distinguem das demais formas literárias, por possibilitarem ao autor desprender-se da realidade, criando universos paralelos repletos de seres animados e alegóricos que carregam em si significados e simbologias únicas, trazendo consigo o poder das analogias do devaneio e da fantasia criadora, de modo a potencializar os visionamentos poéticos propostos pelo ser onírico das obras desse objeto de estudo.

Os conceitos da Arte Lowbrow lidam ainda com influências das das pin-ups, do mangá e da arte figurativa, bem como absorvem outros movimentos da história da arte, estabelecendo assim associações com a contracultura.

A fundamentação metodológica, aplicada à esta dissertação, serviu-se também da semiótica de Charles Sanders Pierce, que estrutura-se analisando a forma, o contexto e o significado das imagens aqui elencadas, porém esse vocabulário encontra-se oculto, uma vez que utilizo apenas sua estrutura.

Ainda sobre a análise da forma escolhi como apoio Rudolf Arnheim, que tem seus estudos fundados na base da teoria da Gestalt1, para trabalhar os

fenômenos visuais de minha produção, dos “[...] princípios científicos extraídos principalmente de experimentos de percepção sensorial” (ARNHEIM, 2005, p. 4 da introdução). Arnheim ressalta ainda que “[...] toda a percepção é também pensamento, todo processo de raciocínio é também intuitivo, toda observação é também invenção". (Ibid., p. 5 da introdução). Essa teoria pressupõe o todo e, não se pode apenas por meio de suas partes, ter o conhecimento de si, pois ele conta com o critério da transponibilidade,

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[...] onde a forma que se sobressai pode nos remeter a outras imagens transpostas dessa abstrata memória, como por exemplo letras ou sons podem nos evocar sensações de mar, como seu odor, sua imagem e seu simbolismo, não exatamente relacionadas às letras ou a esses sons. As formas visuais, ao nível da superfície, se tornam incompletas e sem significado, pois não podem ser separadas daquilo que elas nos dizem. (STRAMBI, 2014).

Podemos afirmar que “[...] o conceito está divorciado do que se percebe, e o pensamento se move entre abstrações” (ARNHEIM, 2005, p. 13 da introdução), pois por mais que se busque “[...] é impossível comunicar as coisas visuais através da linguagem verbal”. (Ibid. p. 2 da introdução). Por exemplo, é uma diminuição dizer que “[...] as qualidades particulares da experiência despertadas por uma pintura de Rembrandt são apenas parcialmente redutíveis à descrição e explanação” (ARNHEIM, loc. cit). Não somente o campo da arte é assim, mas qualquer que seja o campo temos o objeto específico da experiência.

Assim, analiso a minha produção, em relação a sua forma, segundo o plano do conteúdo da expressão, como mencionado acima e, trabalhado também por Louis Hjelmslev, citado por Winfried Noth no livro “A Semiótica no Século XX”. Podemos analisar a forma a partir do ponto de vista de sua sintaxe visual, enquanto no plano do conteúdo podemos analisar a sua substância, como igualmente a sua lógica e significação em relação ao todo que as imagens compõem. Também foi importante considerar as relações contextuais dessas imagens e seu referencial teórico, tanto da história da arte como das teorias da arte.

Considerei ainda a sutileza poética e fenomenológica de Gaston Bachelard, com relacionamentos que rodeiam os devaneios humanos em suas inúmeras analogias metafóricas, diante do conhecimento empírico que envolve o homem sensível.

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[...] é preciso perceber que o conhecimento empírico, [...], envolve o homem sensível por todas as expressões de sua sensibilidade. Quando o conhecimento empírico se racionaliza, nunca se pode garantir que valores sensíveis primitivos não interfiram nos argumentos. De modo visível, pode-se reconhecer que a ideia científica muito usual fica carregada de um concreto psicológico pesado demais, que ela reúne inúmeras analogias, imagens, metáforas, e perde aos poucos seu vetor de abstração, sua afiada ponta abstrata. (BACHELARD, 2005, p. 19).

A proposição de Bachelard, permite uma nova interpretação do conhecimento científico livre, instaurado na criação artística, que nos dá o direito de sonhar, no “[...] qual a criatividade do espírito [...] associa-se à experiência, numa dialética movida pela contínua retificação dos conceitos.” (PESSANHA, 1978, p. x). Desta forma, os assuntos discutidos nesta dissertação surgiram da associação do processo entre práxis e poiesis, com a imagética da fantasia, da ludicidade pueril e da maturidade, estabelecendo relações que conduzem o leitor a um universo de lirismos característicos do meu processo criativo.

Composta por dois capítulos, que se subdividem em outros dois subcapítulos, respectivamente - 2. Parábolas Lowbrow contendo2.1 Ludus e 2.2 Dominus; 3. Primeiros Contos com 3.1 Fabulações e 3.2 Ata-me! - as análises desta dissertação relacionam o fazer expressivo com o conhecimento da pesquisa, mediante a contextualização acadêmica de uma experiência focada em minha produção visual, construindo uma narrativa pelos caminhos poéticos conexos à Arte Lowbrow, bem como às hibridizações contemporâneas que nos levam de encontro à cultura dos remakes, na apropriação e recodificação de signos remanescentes da sociedade atual.

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O capítulo Parábolas Lowbrow aborda de forma analítica relações poéticas que se estabelecem em seus subcapítulos Ludus e Dominus, numa espécie de arguição nostálgica da infância, surgindo no subcapítulo Ludus como um visionamento retórico e metafórico articulado na fantasia da atmosfera circense, possibilitando a comunicação entre o ego infantil e adulto, poeticamente cênico e lúdico, jogando com as possibilidade do real e do imaginário. Predominantemente circenses as personagens, apresentadas em Ludus, trazem os princípios jocosos e satíricos da Commédia dell’ arte e do imaginário popular, mesclando o burlesco e mambembe do circo a algo enigmático, cativando o espectador e povoando sua imaginação com inebriantes visionamentos, diante de figuras femininas delicadas e misteriosas.

Características nostálgicas, provenientes da infância, contrastam com a sensualidade adquirida na idade adulta, rompendo com alguns padrões e valores

sociais a partir de temas opostos que se completam

artisticamente na configuração plástica das obras e constroem um universo lúdico e fantasioso repleto de memórias e alegorias. Em minhas obras a criança interior manifesta-se pelas mãos adultas, em devaneios plurais, expressando poeticamente as raízes lúdicas em cores e formas nostálgicas, advindas do circo e dos parques de diversões itinerantes que povoam minha imaginação, com seu brilho melancólico e aroma de algodão doce, maçã do amor e pipoca.

Navegando por águas menos inocentes e, finalizando o subcapítulo

Dominus, apresento uma outra forma de feminilidade, quando a figura feminina

esbanja erotismo e suavidade, diante da retórica subversiva da Arte Lowbrow, em consonância com a potência das clássicas e burlescas pin-ups, mescladas ao conceito fetichista das voluptuosas dominatrixes, com conceitos aclarados em textos analíticos e poéticos, que apuram as relações jocosas de suas personagens.

Porém, ao longo desta pesquisa duas séries de obras ainda foram analisadas e agrupadas no terceiro capítulo 3. Primeiros Contos, são obras que

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antecedem a minha produção artística do mestrado e que se dividiram em dois subcapítulos intitulados Fabulações e Ata-me!

O subcapítulo Fabulações traduz num panorama lúdico aspectos oníricos da nostalgia e da solidão, bem como aspectos burlescos e a jocosidade circense, de modo a propiciar uma narrativa parabolar, controversa e polivalente, características advindas das influências da arte “popular” contemporânea e do grafite, numa construção analítica histórica, na apropriação de visionamentos atrelados à história da arte, particularmente da Art Nouveau, que se apresenta esmiuçada em textos poéticos analíticos.

Sentimental e alegórico, o subcapítulo Ata-me! surge como uma narrativa articulada em visionamentos simbólicos, materializados por obras metafóricas. Elementos mordazes, como anzóis, fechaduras e peitos dilacerados, contrapõem-se à corações e nuvens, trazendo nas trilhas do subconsciente e das parábolas relacionamentos singulares e sensíveis orientados pela emoção.

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7 2. PARÁBOLAS LOWBROW

Esse capítulo Parábolas Lowbrow se desenvolveu num processo fundamentado nas relações lúdicas e fantásticas, trabalhadas por uma produção visual composta por vinte e seis (26) obras de minha autoria, que apropriam-se do conceito metafórico das parábolas – narrativas visuais que estabelecem relações de ficção com certa realidade, mesclando o espírito alegórico do real com o do imaginário – de modo a elucidar uma trajetória oriunda de desdobramentos plásticos, firmados em devaneios de parábolas e associações nostálgicas.

Escolhi como título desse capítulo a palavra Parábola porque meus trabalhos práticos sugerem pequenas histórias visuais fantásticas, povoadas por personagens que interagem com o ambiente em que se encontram, suscitando uma narrativa simbólica e lúdica.

A parábola2 foi utilizada largamente no ato de contar histórias, bem

como na ilustração metafórica das artes e da literatura, por evocar essas outras realidades: narrativas ilógicas e alegóricas.

A palavra Lowbrow3, segunda palavra que compõe o título desse capítulo, de origem inglesa, surgida entre os anos 60 e 70, refere-se às características artísticas múltiplas, que se associam às questões inerentes à cultura underground, como o grafite, o mangá, a tatuagem e, ainda, alia-se ao circo e dedica-se às linguagens, até então desvinculada das galerias.

Concluindo, o título deste capítulo Parábolas Lowbrow sugere um visionamento artístico, organizado mediante relações narrativas e alegóricas dos

2 Tem sua origem etimológica no grego PARABOLÉ, uma “comparação”, união dos radicais, PARA,

“ao lado”, e BALLEIN, “lançar, atirar”.

3 Estilo artístico que baseia-se na oposição dos ideais hightbrow (sofisticado, elitizado), tomando

como ponto de partida a arte underground de subculturas ou ainda de cultura vanguardista, como o Surrealismo e a Pop Arte. (ANDERSON; MCCORMICK; REID, et al, 2004), fonte:

http://books.google.com.br/books?id=gkMr1b7YNh4C&printsec=frontcover&source=gbs_ge_summ ary_r&cad=0#v=onepage&q&f=false

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meus trabalhos visuais, que carregam aspectos undergrounds da Arte Lowbrow -

também chamada por alguns de Outsider Art, Urban folk, ou Surrealismo Pop -, como as influências poéticas do grafite, do mangá, de elementos do universo da ilustração e da chamada cultura dos remakes, que recodifica estilos ou movimentos clássicos e maneiras pictóricas, misturando-os aos “modos” de hoje, como por exemplo, o aproveitamento de “detritos” abandonados da cultura pop ou do surrealismo para a criação de novas obras. Deste modo, essa cultura proporciona hibridismos de discursos, numa abertura que recodifica e transforma realidades já conhecidas em algo singular e peculiar, onde relaciono elementos próprios de meu universo com essa diversidade de procedimentos citados.

Deste modo, buscando explorar os caminhos propostos por uma narrativa fabular este capítulo divide-se em dois subcapítulos: 2.1 Ludus, composto por vinte (20) obras e 2.2 Dominus, composto por seis (06) obras. A seguir apresento um panorama em tamanho reduzido dessas obras que posteriormente virão ampliadas, acompanhadas de suas respectivas análises.

2.1 LUDUS

Obras inclusas nesse subcapítulo em tamanho reduzido:

Fig. 05 – Cavalgada I, 2010, Fig. 06 - Cavalgada II, 2010, Fig. 08 - Bolhas, 2012,

lápis de cor aquarela, caneta nanquim, caneta e acrílica acrílica e nanquim sobre e colagem sobre papel, sobre papel, 30 x 30 cm. papel, 30 x 30 cm.

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Fig. 10 - Teatralidade, 2010, Fig. 11- Leve-me, 2010, Fig. 12- Trapezistas, nanquim, caneta e acrílica nanquim, acrílica e caneta 2010, caneta, acrílica sobre papel, 30 x 30 cm. sobre papel, 30 x 30 cm. e nanquim sobre papel,

30 x 15 cm.

Fig. 13 - Sabor de infância, Fig. 14 - Balões, 2010, Fig. 15 - Vendedora de 2010, colagem, nanquim, colagem, nanquim, acrílica sonhos, 2012, nanquim acrílica e caneta sobre e caneta sobre papel, e acrílica sobre papel, papel, 12 x 18 cm. 17 x 17 cm. 30 x 25 cm.

Fig. 16 - A Equilibrista, 2010, Fig. 17 - O Descanso da Fig. 18 - Passeio, 2010, nanquim, caneta e acrílica Bailarina, 2010, nanquim, spray purpurina, acrílica sobre papel, 30 x 30 cm. caneta e acrílica sobre e caneta sobre tela, papel, 30 x 30 cm. 100 x 80 cm.

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Fig. 19- Contato, 2011, Fig. 20 - Festa do Chá, 2011, Fig. 21-Tesouro, 2009, caneta posca sobre papel, caneta posca sobre papel, lápis de cor, caneta posca

30 x 30 cm. 30 x 30 cm. e esferográfica sobre papel, 15 x 12,4 cm.

Fig. 22 - Aqui, 2011, Fig. 23- Éden, 2010, nanquim, Fig. 24 - No Jardim, 2010, caneta posca sobre acrílica e caneta sobre nanquim, caneta e acrílica papel, 21 x 29,4 cm. papel, 17 x 17 cm. sobre papel, 22 x 22 cm.

Fig. 25 - Cubos Mágicos, 2010, naquim, Fig. 26 - Nas Ondas, 2010, acrílica, caneta e colagem sobre papel, acrílica, nanquim e esferográfica 16,50 x 12,5 cm. sobre papel, 30 x 30 cm.

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11 2.2 DOMINUS

Obras inclusas nesse subcapítulo em tamanho reduzido:

Fig. 31 - A imperatriz, Fig. 32 - Temporalidade, Fig. 33 - Degusta-me, 2011, PVA e nanquim 2011, PVA e nanquim 2011, PVA e nanquim sobre sobre papel, 21 x 29,4 cm. sobre papel, 21 x 29, 4 cm. papel, 21 x 29, 4 cm.

Fig. 34 - Rabbit, 2012, Fig. 35 - Ops, 2011, Fig. 36- Toque, 2011,

acrílica, PVA e colagem tinta acrílica sobre acrílica sobre tela, sobre lona, 40 x 40 cm. tela, 60 x 80 cm. 70 x 70 cm.

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12 2.1 LUDUS

Este subcapítulo, composto por vinte (20) obras, proporciona um visionamento dicotômico que transita pelos caminhos díspares do imaginário lúdico infantil e pelas contradições metafóricas e sensuais da libido humana adulta, gerando um discurso metafórico, como recordações nostálgicas de caráter poético que suscita uma abordagem fantástica, na qual a magia da atmosfera circense possibilita a comunicação onírica entre o ego infantil e o adulto de forma dramática, teatral e lúdica, num jogo de real X imaginário, semelhante ao processo de desenvolvimento lúdico dos devaneios da infância. A respeito deste assunto Gaston Bachelard diz:

Por alguns de seus traços, a infância dura a vida inteira. É ela que vem animar amplos setores da vida adulta. Primeiro, a infância nunca abandona as suas moradas noturnas. Muitas vezes uma criança vem velar o nosso sono. Mas também na vida desperta, quando o devaneio trabalha sobre a nossa história, a infância que vive em nós traz o seu benefício. É preciso viver, por vezes é muito bom viver com a criança que fomos. Isso nos dá uma consciência de raiz. Toda a árvore do ser se reconforta. Os poetas nos ajudarão a reencontrar em nós essa infância viva, essa infância permanente, durável, imóvel. (BACHELARD, 2001, pp. 20 - 21).

Na proposta de uma ludicidade onírica, a série Ludus desponta da conexão com a criança que já fomos no passado, com o adulto que nos tornamos no presente. A partir de devaneios poéticos, a infância e suas relações cognitivas, irrompem a realidade como um período que pode durar a vida toda, deixando seus rastros imaginativos.

Trabalhando ainda questões relacionadas ao processo do desenvolvimento lúdico infantil, o autor e psicanalista Donald Winnicot expõe em

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seu livro “O brincar e a Realidade” (1975) que a brincadeira faz parte do cotidiano da criança, sendo esta atividade fundamental para seu desenvolvimento físico, motor e principalmente psicológico, com o qual o uso do lúdico correlaciona-se intimamente para que este desenvolvimento ocorra de modo sadio, possibilitando à criança fantasiar e sonhar, interferindo diretamente em sua realidade psíquica pessoal e contribuindo para a constituição viva de sua personalidade individual. Na arte criamos também através do nosso fluxo psicológico, onde muitas vezes o processo criativo pode se assemelhar a uma brincadeira ou jogo, que transforma as simples linhas desenhadas em esboço de papel, como os apresentados nas páginas 133 à 136.

Presume-se aqui que a tarefa de aceitação da realidade nunca é completada, que nenhum ser humano está livre da tensão de relacionar a realidade interna e externa, e que o alívio dessa tensão é proporcionado por uma área intermediária de experiência (cf. Riviere, 1936) que não é contestada (artes, religião, etc). Essa área intermediária está em continuidade direta com a área do brincar da criança pequena que se "perde" no brincar. (WINNICOT, 1975, pp. 28 - 29).

Tangenciando realidades psíquicas à realidade social relaciono os devaneios lúdicos infantis, do brincar e fantasiar, ao procedimento de libertação artística da mente adulta, em obras como "Cavalgada I" (fig. 05), "Cavalgada II" (fig. 06), "Leve-me" (fig. 11), "Trapezistas" (fig. 12), "Sabor de infância" (fig. 13), "Balões" (fig. 14), "A Equilibrista" (fig. 16), "Passeio" (fig. 18), "Contato" (fig.19), "Festa do Chá" (fig. 20), "Tesouro" (fig. 21), "Éden" (fig. 23), "No Jardim" (fig. 24), e "Cubos Mágicos" (fig. 25). Numa espécie de brincadeira com situações inerentes de dois universos díspares, o adulto e o infantil, os assuntos abordados neste subcapítulo configuram-se a partir da distorção da realidade, percebida no decorrer da maturidade, gerando uma narrativa que traz do circo e seus

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personagens uma existência jocosa e satírica, próximas à minha produção visual que mantém esse elo de ligação entre a brincadeira e a “sátira”.

Deste modo, caminhando pelas trilhas do lúdico e do satírico, com a proposta circense, uma outra vertente referencial se faz presente: a Commedia

dell’arte4.

Representando uma “linguagem” teatral improvisada e satírica, a

Commedia dell’arte se opunha aos ditames da comédia erudita da época e, com

espírito artístico, de grupos itinerantes mambembes, apresentavam-se nas ruas e praças, dentro carroças ou palcos improvisados. Essa forma de apresentação é referenciada até os dias atuais, a exemplo dos circos familiares apresentados nas cidades do interior de São Paulo, como o “Stankowich” e o “Espacial”, que serviram de inspiração nostálgica para minhas obras.

Num misto de teatralidade e fantasia, apresentado por figuras femininas que aludem aos trejeitos e vestimentas de personagens clássicos como o Arlequim e a Colombina, com suas roupas em retalhos e delicadeza travessa, a Commedia dell’arte, surge nesta série Ludus como forte referencial para as narrativas visuais aqui apresentadas.

Ao longo dos anos a Commedia dell’arte influenciou-se e moldou-se a partir de uma série de temas, sendo eles o “[...] carnaval, com os cortejos dos mascarados, as apresentações acrobáticas e as pantomimas” (BERTHOLD, 2000

apud VIEIRA, 2005, p. 22), o maior propulsor da ideologia lúdica deste território

dramático. Tendo início nas Saturnais5 romanas, festas surgidas como forma de

expressão, que situam-se “[...] nas fronteiras entre a arte e a vida”. (VIEIRA, op. Cit., p. 22).

4 iniciada na Itália no século XV e desenvolvida na França, mantendo-se popular até o século XVIII

- uma forma de teatro improvisadorenascentista que rompeu com diversos parâmetros de seu tempo.

5 “As saturnais realizavam-se [...] no solstício de inverno, entre 21 e 25 de dezembro. O

homenageado era Saturno [...]. Enquanto durasse a festa os escravos não podiam ser punidos e seus senhores lhes dispensavam um tratamento mais humano”. (PORTINARI, 1989, p. 36).

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O carnaval não era uma forma artística de espetáculo teatral, era o triunfo da “liberação temporária” do regime vigente. Ocupava um importante lugar na vida do povo e era concebido como uma fuga provisória do cotidiano medieval. Durante as celebrações carnavalescas, que aconteciam nos últimos dias que precediam a quaresma, mudavam-se as concepções de mundo e sua forma de contemplação ficando o homem livre para as alegres distrações carnavalescas. (BAKHTIN, 2002; RODRIGUES, 1999 apud VIEIRA, 2005, pp. 22 - 23).

Assim, embriagados por esta alegria profana carnavalesca da qual a

Commedia dell”arte se apropriou, meus trabalhos aqui apresentados carregam

consigo algumas características mambembes, expressas por figuras femininas que aludem a seus trejeitos e vestimentas. Personagens clássicos da Commedia

dell’arte, como o Arlequim e a Colombina, com suas roupas em retalhos e

delicadeza travessa, surgemnum misto de teatralidade e fantasia.

É neste espirito despojado, reunido numa apresentação teatral libidinosa, dissimulada e satírica, que potencializaram-se os espetáculos burlescos dos cabarés franceses da Belle Époque e que também orientam as linhas compositivas de minhas obras. Nelas, lindas dançarinas esbanjavam sensualidade e eroticidade dançando o famoso cancan, uma dança provocativa e altamente acrobática que despertava a imaginação frente às saias esvoaçantes, corpetes e pernas torneadas, acompanhados de meias e ligas rendadas.

Neste ambiente sensual e exótico alguns artistas da contemporaneidade, entre os quais me incluo, inspirados pela Belle Époque parisiense, (final do século XIX), deixaram-se encantar e se influenciar, seja pela representatividade peculiar de luxúria e desejo ou pelo espírito burlesco e caricato da Commédia dell’arte, que se refletia nos cabarés e nas abordagens artísticas de expoentes poéticos como, por exemplo, em Toulouse Lautrec, em Alphonse Mucha e em Gustav Klimt.

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Toulouse (fig. 01), pintor pós-impressionista, destaca-se por seus cartazes Art Nouveau, de onde recebi mais influência, pelo emprego das formas estilizadas e suas linhas ágeis e certeiras, numa narrativa hábil e particularmente a frente de seu tempo, sintetizando a pintura em pinceladas essenciais. Já Mucha (fig. 02) trabalha a forma detalhadamente em arabescos complexos e sinuosos, criando uma atmosfera peculiar e delicada, compondo intricadas obras repletas de elementos ornamentais, referenciados em meus trabalhos a partir de longas e decorativas linhas que complementam os aspectos compositivos, no intento de gerar leveza e graça.

O austríaco Klimt (fig. 03), distingue-se por um ambiente ricamente trabalhado na poética onírica do seu imaginário, com técnicas diferenciadas e eximiamente aplicadas, na produção de uma poética sensualmente singular. Ele apresenta em suas obras, entre texturas e ornamentos dourados vivos, o refinamento e elegância, de figuras geralmente femininas que se completam em um ambiente complexo e caoticamente harmonioso. Figuras alongadas e ricamente adornadas surgem como expoentes máximos de beleza e exotismo, em meio às flores, espirais e corpos contorcidos ou amontoados como numa orgia dionisíaca. Suas influências podem ser notadas em minhas obras por meio dos tons metálicos em dourado e prata, bem como pelo detalhamento rebuscado, conferido, muitas vezes, pela apropriação plástica do papel em relação ao desenho por mim aplicado.

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Fig. 01- Toulouse Lautrec, Fig. 02- Alphonse Mucha, Fig. 03- Gustav Klimt, Jane Avril, Jardim de Paris, As artes: Dança, 1898, Judith II (Salomé), 1893, litografia, litografia colorida, 1909, óleo sobre tela, 88,9 x 124,5 cm. 60 x 38 cm. 178 x 46 cm.

Consolidando-se como um estilo representativo, o burlesco apresenta-se em minhas obras não apenas nas abordagens apresenta-sensuais, mas também nas organizações estéticas relacionadas ao espírito circense, a exemplo de suas acrobacias e peripécias mambembes, de luzes, paetês e brilhos, condensados em um universo onírico e encantador, ricamente povoado por seres exóticos e interessantes, que esbanjam elasticidade e graça perante um público ávido por diversão.

Exalando o misticismo exótico do circo, as obras que compõem este subcapítulo consideram as figuras míticas circenses, desmistificadas e abertas à apreciação, compactuando com toda luminosidade dourada e pouco confortável das arquibancadas rústicas e mal montadas, erguidas como um palacete mambembe, o que resgata uma narrativa de forma onírica e nostálgica.

Nesse ambiente saudosista alguns elementos foram inseridos em meus trabalhos com a intenção de causar a sensação ambígua de um universo que, embora belo e reluzente, mostra-se frágil e solitário numa composição lúdica, combinando várias potencialidades da nostalgia remanescente infantil, com as hibridizações possíveis da Arte Lowbrow e da contemporaneidade.

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As dicotomias contemporâneas, como assuntos divergentes, completam um sentido peculiar às obras, a exemplo da sensualidade inocente das personagens apresentadas ao longo deste subcapítulo, ou ainda, da miscigenação de cenários e gêneros artísticos que relacionam-se na sensibilidade absurda do fantástico e nos paradigmas do mundo real. Esses elementos integrando-se a uma retórica híbrida, que parte da nostalgia da infância, do circo, da ilustração, do grafite, dos joguetes adultos e apoiam-se na materialização dos conceitos trabalhados acima.

Nestes termos, a justaposição de temas afastados por uma moralidade controversa, engendra-se na construção de um discurso complexo e contaminado por linguagens, que se potencializam na sustentação de uma poética ambivalente e instigante, de modo que sua composição dá origem a mundos díspares e impossíveis, materializados mediante os parâmetros antagônicos e absurdos dessa Arte Lowbrow, aplicados às obras deste subcapítulo, na substituição do absurdo lógico dos homens, pela loucura compactuada.

Podemos ainda encontrar na Arte Pop (a partir dos anos 60) e na

Pattern Painting ou Pattern & Decoration (meados dos anos 70 e 80), reflexos de

uma também sociedade contaminada pela loucura, porém diferenciada em sua essência, como é o caso da “esquizofrenia” coletiva e consumista dos impulsos e facilidades de seu respectivo período.

Consequência do período pós-guerra e do domínio dos meios de comunicação de massa, bem como do desenvolvimento publicitário, um vasto desejo de consumo e, de produção de bens materiais, se apossou da população moderna a partir dos anos 60. As “[...] rápidas mudanças no estilo e nas propensões do mercado pós-guerra eram cuidadosamente projetadas através da propaganda [...]” (McCARTHY, 2002, pp. 7-8), voltando a atenção dos artistas “[...] para o ambiente cultura popular e os meios de comunicação de massa”. (Ibid., p.10).

A Arte Pop apropriou-se de praticamente tudo que se encontrava à disposição popular, sendo a forma de um anúncio “[...] uma de suas primeiras - e

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talvez mais famosas - imagens [...] a colagem de Richard Hamilton (fig. 04) “O que exatamente torna os lares de hoje tão diferentes, tão atraentes?” [...]”. (MAcCARTHY, 2002, p. 6). Nela o artista se utilizou basicamente de recortes de anúncios de revistas populares, formatando um ambiente retórico e alegórico, perante os novos ideais da sociedade, que se montava principalmente nos Estados Unidos e Inglaterra.

Fig. 04 - Richard Hamilton, O que exatamente torna os lares de hoje tão diferentes, tão atraentes?

1956, colagem, 26 x 25 cm.

Desta forma, os meios de comunicação também proporcionaram à Arte

Pop algo que ia além do subsídio temático, pois enveredava-se para os meios de

produção artísticas, gerando obras produzidas em série, impressões rápidas como as tipografias e, ainda, se utilizava de maquinaria industrial a fim de manter uma narrativa híbrida e retórica de equivalência mercadológica, próxima da linha de montagem, além de substanciar o kitsch, pela utilização de objetos vulgares, baratos e de “mau gosto”, que se destinavam ao consumo de massa.

Através destes meios a Arte Pop valorizava questões cotidianas banais, potencializadas em escalas agigantadas ou ainda com base na repetição serial,

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oferecendo e disponibilizando, duas décadas depois, material e inspirações ao Surrealismo Pop ou Arte Lowbrow. Surgindo em meados da década de 70 nos Estados Unidos, mais precisamente em Los Angeles na Califórnia, o Surrealismo Pop se fez cheio de contradições perante uma sociedade conformada e tomada pelo kitsch, instaurado pela Arte Pop, que explorava referenciais usuais da publicidade, propaganda, moda e cultura underground geral.

Esta série, apresenta também, referenciais da Pattern Painting ou na

Pattern & Decoration, que ficou conhecida como P&D no final dos anos 70 e início

dos anos 80, com o procedimento de utilização de tecidos e papéis decorados, recortados e colados sobre o suporte da pintura. Essa arte é representada por artistas americanos como Robert Kushner e Kim MacConell, pela canadense Miriam Schapiro e pelo alemão Sigmar Polke, cuja obra Pattern “Arco”, data de 1965, entre outros. A P&D se opunha às manifestações da Arte Minimal e da pintura analítica, pois possuíam forte riqueza de cores,

[...] gosto pelo ornamento, proscrito [...] e [...] uma audaciosa fusão dos aparelhos formais figurativo e abstracto, assim como o provocante recurso aos motivos folclóricos utilizados na estampagem comercial de tecidos [...]. (HONNEF, 1992, p. 62).

A Pattern Painting, teve como “padrinhos”

[...] a arte islâmica do Irão, com as suas magníficas cores e a sua complicada variedade de formas cinzeladas, os motivos eróticos e paisagísticos da arte do Extremo Oriente, os azulejos mexicanos, a arquitetura mourisca, a cerâmica marroquina e as primitivas cobertas acolchoadas americanas, assim como as Combine Paintings de Robert Rauschenberg. E, ainda, a Pop Art com sua preferência pelo trivial, assim como pelo mundo de formas constituído por motivos de tecidos impressos e papéis de parede de fabrico industrial. “[...] elementos que vão “buscar tanto às

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“prateleiras superiores” como às “inferiores” da história da cultura, às altas, como às baixas esferas, amalgamando-os em fascinantes criações [...]. (HONNEF, 1992, p. 68).

Nas similaridades conceituais, a exemplo do ecletismo e do pluralismo, a P&D encaixa-se neste subcapítulo na combinação das narrativas Lowbrow, no jogo compositivo das obras, na associação das personagens com os papéis estampados e padronizados de fábrica (Pattern), numa configuração contraditoriamente singular, surgindo como um jogo sinestésico que apoia-se na diversidade cognitiva, material e técnica, desenvolvendo-se na brincadeira burlesca e onírica, construindo um discurso parabolar diante de uma narrativa deturpada e ambígua, na qual a organização se dá na mistura do brilho dos holofotes, na purpurina metalizada das roupas de trapezistas e bailarinas, aguçando a nostalgia dos sentidos.

A brincadeira é extremamente excitante. Compreenda-se que é excitante não primariamente porque os instintos se acham envolvidos; isso está implícito. A importância do brincar é sempre a precariedade do interjogo entre a realidade psíquica pessoal e a experiência de controle de objetos reais. É a precariedade da própria magia, magia que se origina na intimidade, num relacionamento que está sendo descoberto como digno de confiança. (WINNICOTT, 1975, p. 71).

Partindo desta magia de descobertas e experimentações acerca do real e do imaginário, citada por Donald W. Winnicott (1975), as obras do subcapítulo Ludus tratam de uma atmosfera burlesca, num misto de boemia típica das noites de cabaré e o lirismo poético circense, considerando miscigenações nas quais o brincar infantil e adulto se completam em alegorias remanescentes,

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proporcionando uma narrativa na qual a brincadeira ultrapassa os liames do divertir-se, simplesmente, atingindo as esferas do sonhar, imaginar e fantasiar, devolvendo-se sob todos os privilégios da imaginação tardia.

A memória é um campo de ruínas psicológicas, um amontoado de recordações. Toda a nossa infância está por ser reimaginada. Ao reimaginá-la, temos a possibilidade de reencontrá-la na própria vida dos nossos devaneios de criança solitária. (BACHELARD, 2001, p. 94).

Fig. 05 – Cavalgada I, 2010, lápis aquarela, caneta e colagem sobre papel estampado, 30 x 30 cm.

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Nestas duas obras as percepções infantis regressam criando uma narrativa lúdica e teatral, que parte das encenações mambembes de trupes circenses itinerantes e familiares, justapondo-se aos estilos undergrounds como a ilustração e o mangá: transformando a figura da parábola num visionamento Lowbrow.

Fig. 06 - Cavalgada II, 2010, nanquim, caneta e acrílica sobre papel estampado, 30 x 30 cm.

Analisando suas estruturas compositivas (figs. 05 e 06), alguns elementos podem ser destacados como articuladores narrativos, manifestos em situações metafóricas e alegóricas, como as fantasias de cavalo que

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proporcionaram às obras uma potência lúdica, pautada nos parques de diversão com seus luminosos e musicais carrosséis.

As questões da materialidade plástica entram nesse jogo na obra “Cavalgada I”, por exemplo, me utilizei de uma técnica mista - lápis de cor, nanquim e colagem sobre papel - por proporcionar altas vibrações pictóricas e cromáticas, em oposição ao sóbrio, porém luminoso e metálico nanquim da obra “Cavalga II”, que estabelecer uma conexão com a luminosidade particular do universo circense e itinerante dos pequenos parques de diversão.

Reluzente e dourado, a obra “Cavalgada I” (fig. 05) apresenta em sua composição um coração, que parece dissimular o sentido humano da dor, na proposição de uma relação mecânica e artificial, desestruturada pelo sangue que pinga da fisga provocada pelo anzol, dramatizando uma cena lúdica e onírica, porém passional e sutilmente brutal. A jocosidade inocente da bailarina e seu cavalo teatral, neutralizam a cena a partir da oposição de forças pungentes que se equilibram num discurso Lowbrow, no qual os opostos se completam.

Opostamente à tal abordagem passional da obra “Cavalgada II” (fig. 06) apresenta um discurso puramente onírico, a personagem posta-se graciosa e teatral ao centro da obra, encantada com as estrelas que pendem da lateral superior do papel, num jogo lúdico e inocente de pura satisfação, representada por sua expressão faceira e jubilosa, conferindo à obra uma sensação de bem estar e simpatia.

Trabalhando questões semelhantes, relacionadas ao onírico e aos jogos teatrais circenses, as obras “Bolhas” (fig. 08), “Teatralidade” (fig. 10), “Leve-me” (fig. 11) e “Trapezistas” (fig. 12), abaixo elencadas, propõem um discurso baseado no circo e suas possibilidades mágicas e fantásticas, potencializadas na alegoria da encenação.

Claramente lúdicas e circenses essas obras surgem num misto de sensações inerentes à nostalgia infantil. Abordadas nas reminiscências pueris, com devaneios que nos colocam em contato com a nossa criança interior - a “[...] imagem poética testemunha uma alma que descobre o seu mundo, o mundo onde

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ela gostaria de viver, onde ela é digna de viver.” (BACHELARD, 2001, p. 15) -, expressos em elementos particulares do universo circense, com suas trapezistas e bailarinas exóticas e mágicas.

Num ambiente encantador, esquematizado nas composições gráficas preestabelecidas pelos suportes de papéis estampados, uma espécie de hibridismo surge da interação entre figura/fundo das obras acima citadas. Numa narrativa complementar os detalhes do papel completam o discurso das figuras por mim criadas, potencializando uma narrativa retórica de personagens teatrais e circenses, que exalam delicadeza e fantasia.

Podemos citar aqui muitos artistas que trabalharam com esse mesmo procedimento, partindo de padronagens prontas, já preestabelecidas, sob o conceito Pattern Decoration já citado. Sustentado pela concepção de que a arte devia apropriar-se dos modelos pictóricos pré-fabricados, subordinando seu significado e significante a uma recodificação visual, essa arte buscou uma superfície “legítima”, em vez de criar uma ilusão. (HONNEF, 1992, p. 68).

Em muitas obras dos anos 80, como por exemplo nas de Sigmar Polke e Robert Kushner (fig. 07), podemos observar os tecidos estampados como suporte de suas pinturas.

Fig. 07 - Robert Kushner, Sail Away, 1983, acrílica sobre algodão e tecidos mistos, 220,98 x 523,24 cm.

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Fig. 08 - Bolhas, 2012, acrílica sobre papel estampado, 30 x 30 cm.

Referenciadas principalmente no circo e suas potencialidades, as obras (figs. 05, 06 e 08) surgem como exponenciais poéticos da nostalgia materializada, trabalhada plasticamente, sendo o Cirque du Soleil (fig. 09) o principal articulador cênico de tal configuração formal. Sua ambientação teatral, estonteante, encanta os olhos e o coração, de modo que não é possível assistir a um espetáculo sem que os pensamentos voem e os sentidos se dispersem no show lírico que se apresenta, num misto de realidade e fantasia, como num acontecimento psicodélico, repleto de efeitos especiais, cativando e inspirando as mais loucas criações.

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Fig. 09 - Cirque du Soleil, 2013.

Fonte: http://www.agendaculturel.fr/cirque-du-soleil

A riqueza cognitiva do Cirque du Soleil (fig. 09) mescla magistralmente elementos das mais variadas culturas, traduzindo em cores, luzes, sons e vibrações, potências múltiplas que se expandem na cognição do espectador, gerando momentos catárticos; o que neste subcapítulo, assim como em outros, surgem relacionados da pluralidade cognitiva e sinestésica do circo.

Numa atmosfera cenográfica e ilusória, na qual peixes voadores, falsas ondas e bolhas flutuantes, recheadas com peixinhos dourados que se combinam às narrativas teatrais, em relações inebriantes, a obra “Bolhas” (fig. 08) se configura abordando a “linguagem” oriental do mangá, assim como as demais obras em questão (figs. 05 à 06 e 08), porém enfatizam as cores suntuosas e sublimes, que codificam uma estamparia referenciada nas tatuagens orientais, mediante o ornamento floral da roupa vestida pela personagem.

Proporcionando uma narrativa ficcional, alguns elementos surgem em “Bolhas” (fig. 08) afim de reforçar sua potência imagética e simbólica, a exemplo dos peixes voadores que se cruzam nas costas da personagem, como se a acariciassem.

Símbolo oriental “[...] positivo, amplamente ligado à fecundidade, felicidade sexual e ao falo [...]” (TRESIDDER, 2003, p. 265), “[...] emblema de

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coragem, virilidade e erudição acadêmica na China e de fortaleza samurai no Japão [...]” (TRESIDDER, 2003, p. 68), os peixes surgem na obra “Bolhas” fora da simbologia oriental que lhes é própria, sendo aqui representados quase de maneira “clownesca6”. Acariciam o corpo da jovem em um jogo delicado e sensual, típico dos gatos numa variação píscea, propondo-nos uma narrativa ilusionista e jocosa, própria da Arte Lowbrow.

Estes peixes acabam ocasionando uma significação irônica, que misturam clowns/peixes/gatos numa representação lúdica e teatral.

Surgindo como anéis ou bambolês e completando a atmosfera onírica da obra, com a evanescência e ludicidade das brincadeiras infantis de bolinhas de sabão, as “bolhas gráficas” mesclam a efemeridade do momento presenciado, com a sutileza dourada dos peixes reclusos em suas formas esféricas e herméticas, de modo a aprisioná-los em pequenos aquários flutuantes. Estão prestes a estourar ao se chocar contra algum obstáculo, a repetição destas formas aneladas conferem ritmo e unidade à composição da obra (fig. 08).

O mesmo se dá no trabalho a seguir, porém suas linhas circulares e gráficas libertam a personagem (fig. 10).

Sentada em elementos Art Nouveau, dispostos graficamente no papel estampado, com características que simulam um ambiente antigo e levemente desgastado, a cena se configura com graça e requinte diante de um ambiente que lembra um clássico e luxuoso teatro, no qual a personagem da obra “Teatralidade” (fig. 10) surge imponente e alegórica sob um mar cênico, composto por ondas prateadas e douradas que se misturam à tipologia gráfica do papel.

No mar fake de ondas metálicas, a alusão da teatralidade lírica se completa na personagem vestida de sereia, sentada nas linhas e arabescos Art

Nouveau que pendem da parte superior do papel. O discurso teatral se configura

nos elementos gráficos preestabelecidos do papel, que conferem à obra o ambiente dramático dos palcos da Belle Époque europeia, propondo uma narrativa

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como na obra “Bolhas” (fig. 08), que se completa com as intervenções pictóricas composicionais do suporte industrializado.

Fig. 10 - Teatralidade, 2010, nanquim e acrílica sobre papel estampado, 30 X 30 cm.

Numa sintaxe visual, baseada em suas linhas e cores envelhecidas, a obra “Teatralidade” (fig. 10) apresenta harmonia e dinâmica, devido ao fundo totalmente geometrizado numa composição livre e descompromissada, que transita confiante pelos caminhos do design e das culturas populares, como o teatro mambembe da Commedia dell’arte ou dos cabarés parisienses.

Essa obra propõe, ainda, uma abordagem levemente passional, entendendo-se como passional algo apaixonado, pois a personagem sereia e atriz brinca com os peixes cênicos amarrados aos arabescos, semelhante àquele que

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ela se encontra sentada, ao passo que o coração vermelho e pulsante pende do outro lado do “palco”, amarrado por uma fina linha como uma isca que pode ser interpretada num sonho de amar e deixar-se ser amada: uma proposta de amor ideal, onde o coração apresenta-se sem anzol.

Do mesmo modo que a narrativa da obra “Teatralidade” se completa no fundo geométrico, proporcionado pelas características do papel, a obra “Leve-me” (fig. 11) manifesta-se através dos pássaros estampados no papel, num discurso também teatral e circense, porém de maneira mais fantástica, no devaneio dos sonhos infantis oníricos, de poder voar segurando apenas um balão de gás hélio.

Fig. 11 - Leve-me, 2010, nanquim, acrílica e caneta sobre papel estampado, 30 X 30 cm.

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Segurando uma frágil linha, presa a um coração alado, a personagem da obra “Leve-me” (fig. 11) apresenta-se faceira e descomprometida, flutuando graças às asas do coração que embora pequeno é impulsionado pelo céu artificial, contendo nuvens cênicas e pássaros gráficos numa abordagem compositiva, que acompanha praticamente todas as obras que compõem este subcapítulo, nas quais, a relação figura/fundo acontece devido à composição gráfica do papel estampado.

No céu cênico, repleto de pássaros estampados, pequenas chaves aladas, douradas e prateadas pendem presas por essas frágeis linhas junto com algumas estrelas. Embora possuam asas as chaves não voam como o coração, ficando privadas de alcançá-lo em sua viagem aérea. Num discurso protetor, a fechadura do coração aparece a fim de preservá-lo das dores e dissabores dos sentimentos, a personagem prende-se a ele a fim de manter-se salva. Confortável em sua posição divagadora e, absente dos sentimentos passionais, a personagem coteja ser como a Colombina na Commedia dell’arte, que afasta-se tanto do Pierrot quanto do Arlequim, até entender seus sentimentos.

Como dito anteriormente, os elementos gráficos dos papéis decorados proporcionam todo o discurso composicional das obras neste subcapítulo. Com a obra “Trapezistas” (fig. 12) não é diferente, trabalhando conjuntamente com o papel estampado e as figuras por mim concebidas a estrutura pictórica dessa obra surge delicada e complexa, mediante personagens que se enroscam graciosamente por entre os ramos gráficos do papel, num diálogo jocoso e prazeroso no qual a influência direta do circo se percebe a partir do próprio título “Trapezistas”, de modo que a potência da obra se instaura mediante a elegância das personagens que brincam de colher borboletas.

Meio arlequinas ou colombinas as personagens apresentadas na obra “Trapezistas” (fig. 12), assim como as demais figuras femininas apresentadas nas obras deste subcapítulo, trazem em suas vestimentas padronizadas em losangos dourados e prateados uma referência à Commedia dell’arte, mediante o figurino típico destes personagens, Arlequim e Colombina.

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A roupa branca do pobre Arlequim, de tanto ser consertada com remendos de cores diferentes, cada vez mais numerosos, acabou desaparecendo debaixo dos remendos... que foram sendo dispostos em combinações simétricas, em quadrados, trapézios e losangos. (SCALA, 2003, p. 25).

Fig. 12 - Trapezistas, 2010, nanquim, acrílica e caneta sobre papel estampado, 30 x 15 cm. Exposta na Fresh Produce,

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Além das vestimentas, observamos outras características intrínsecas do Arlequim e da Colombina, como a graciosidade, a agilidade corporal e a sensualidade infantil, estabelecendo uma conexão com a obra “Trapezistas” (fig. 12), devido a essas mesmas características analisadas. Essa configuração lúdica da sensualidade pode instigar o imaginário do espectador, diante de suas garbosas acrobacias e contorcionismos aéreos.

Fig. 13 - Sabor de infância, 2010, colagem, nanquim, acrílica e caneta sobre papel estampado, 12 x 18 cm. Exposta na

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Brincando com esse universo da idade adulta, a partir de personagens que potencializam uma narração com distinções infantis, as três obras a seguir “Sabor de Infância (fig. 13), “Balões” (fig. 14) e “Vendedora de Sonhos” (fig. 15), acomodam-se em gestos infantis expressos por corpos adultos que proporcionam uma narrativa enunciada mediante a nostalgia dos devaneios da infância, anteriormente tocados ao longo deste subcapítulo, relacionando-se com as questões da lembrança, refletidas em imagens “distorcidas” pela suposta maturidade alcançada. Sobre tais imagens

[...] há um domínio em que a distinção se torna difícil, é o domínio das recordações da infância, o domínio das imagens amadas, guardadas, desde a infância, na memória. Essas lembranças que vivem pela imagem, na virtude de imagem, tornam-se, em certas horas de nossa vida, particularmente no tempo da idade apaziguada, a origem e a matéria de um devaneio bastante complexo: a memória sonha, o devaneio lembra. (BACHELARD, 2001, p. 20).

Assim, apropriando-me dos conceitos de devaneios de Bachelard, desperto a proposta de uma relação poética a partir de corpos parcialmente exibidos, num fundo graficamente concebido pelo papel decorado que simula um papel de parede desgastado e antigo.

Na intenção de aludir a um tempo elegíaco mostro aqui suas marcas positivas e negativas, com a recordação cromática dos padrões circenses das lonas, seus figurinos e cenários associados à psique adulta.

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Fig. 14 - Balões, 2010, colagem, nanquim, acrílica e caneta sobre papel estampado, 17 x 17 cm. Exposta na Fresch Produce,

Galeria Anno Domini, California/CA.

Semelhantes em suas características estéticas e poéticas, as obras “Sabor de infância” (fig. 13) e “Balões” (fig. 14) exibem em suas composições uma figura feminina, que propõem um discurso particularmente inocente e lúdico. Cada uma dessas obras revela um elemento infantil, por exemplo, o urso de pelúcia de “Sabor de infância” e dos balões metálicos potencializam discursos metafóricos e nostálgicos das obras.

“Clownescas”, as personagens destas obras (figs. 13 e 14) surgem recodificando a significação da ludicidade infantil. No palhaço, a condição sublime e catalizadora do universo circense, dialoga com o discurso único e contraditório,

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que intermeia o “[...] sério e o risível, o trágico e cômico, a morte e o riso, esfacelando os limites entre aparentes oposições [...]”. (BOLOGNESI, 2003, p. 8).

Vestimentas icônicas, compostas com pequenos pássaros e pompons, potencializam a narrativa divertida e circense proposta pelos palhaços, pelas mangas bufantes que nos lembram gigantescas pipocas e divertem-se e confortando-se diante da nostalgia, no intuito de saciar e satisfazer os sentimentos adultos, carentes de diversão inocente, instigando o despertar do “circo interno” que podemos ter dentro de nós.

Contrapondo-se à narrativa pura e onírica das obras anteriores (figs. 13 e 14) a obra “Vendedora de Sonhos” (fig. 15) mostra-se como uma composição na qual o referencial estético do mangá e das pin-ups são facilmente identificados em vestimentas jocosas, como o de uma Arlequina ou Colombina, que apresenta um corpo idealizado, estimulando o imaginário erótico mediante a potencialização sensorial das relações sinestésicas.

O título da obra (fig. 15) propõe uma narrativa retórica e subjetiva, que se orienta diante da comercialização dos sonhos, proporcionando e montando uma compreensão que vai além dos símbolos e ícones que nela se apresentam pictoricamente, expandindo-se para a essência lúdica e particular do espectador, de modo a ligar-se ao desejo material, psicológico ou erótico destes sonhos, ampliando as cognições para o que Pierce postulava como teoria do crescimento contínuo no universo e na mente humana. “[...] “O universo está em expansão”, onde mais poderia ele crescer senão na cabeça dos homens?”. (SANTAELLA

apud PIERCE, 2004, p. 25).

Composta por uma figura feminina central e vestida com trajes circenses, a obra apresenta uma personagem que segura uma rosa vermelha com a mão direita, enroscando-se em uma linha semelhante a uma nota musical. Ela também apresenta uma dinâmica gráfica que se aproxima da sensualidade, porém sem deixar de valer-se da estética nostálgica circense, num discurso levemente fetichista.

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Fig. 15 - Vendedora de sonhos, 2012, acrílica sobre papel estampado, 30 x 25 cm.

A abordagem sutil e delicada (fig. 15) das formas leves e sinuosas do corpo feminino, com fitas e laços que o sustentam e, com a singularidade particular da atmosfera lúdica presente proposta pelas cores do papel,

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potencializam uma narrativa paradoxalmente circense, estabelecendo um discurso

oposto às obras “Sabor de Infância” (fig. 13) e “Balões (fig. 14), diante da inocência singela dos palhaços, para potencializar a opulência “cabarética” da

Belle Époque, com suas bailarinas exóticas.

Fig. 16 - A Equilibrista, 2010, nanquim, esferográfica e acrílica sobre papel estampado, 30 x 30 cm.

Sentadas, despreocupadas com seus guarda-chuvas, as obras “A equilibrista” (fig.16) e “O descanso da Bailarina” (fig. 17) surgem mediante uma composição simples e relativamente vazia no espaço composicional. Apresentam-se poucos elementos compositivos, ficando a critério dos detalhes do papel a

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