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Facebook : arquitetônica que organiza interações

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Academic year: 2021

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UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS

INSTITUTO DE ESTUDOS DA LINGUAGEM

KATIA SAYURI FUJISAWA

FACEBOOK:

arquitetônica que organiza interações

CAMPINAS,

2015

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KATIA SAYURI FUJISAWA

FACEBOOK: arquitetônica que organiza interações

Dissertação de mestrado apresentada ao Instituto de Estudos da Linguagem da Universidade Estadual de Campinas para obtenção do título de Mestra em Linguística Aplicada, na área de Linguagem e Educação.

Orientadora: Profa. Dra. Roxane Helena Rodrigues Rojo

Este exemplar corresponde à versão final da Dissertação defendida pela aluna Katia Sayuri Fujisawa e orientada pela Profa. Dra. Roxane Helena Rodrigues Rojo.

CAMPINAS,

2015

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Ficha catalográfica

Universidade Estadual de Campinas Biblioteca do Instituto de Estudos da Linguagem

Crisllene Queiroz Custódio - CRB 8/8624

Fujisawa, Katia Sayuri,

F955f FujFacebook : arquitetônica que organiza interações / Katia Sayuri Fujisawa. – Campinas, SP : [s.n.], 2015.

FujOrientador: Roxane Helena Rodrigues Rojo.

FujDissertação (mestrado) – Universidade Estadual de Campinas, Instituto de Estudos da Linguagem.

Fuj1. Bakhtin, M. M. (Mikhail Mikhailovitch), 1895-1975. 2. Facebook (Rede social on-line). 3. Redes sociais on-line. 4. Gêneros discursivos. 5.

Multimodalidade (Linguística). I. Rojo, Roxane Helena Rodrigues,1952-. II. Universidade Estadual de Campinas. Instituto de Estudos da Linguagem. III. Título.

Informações para Biblioteca Digital

Título em outro idioma: Facebook : architectonic that organizes interactions Palavras-chave em inglês:

Bakhtin, M. M. (Mikhail Mikhailovitch), 1895-1975 Facebook (Online social network)

Online social networks Discursive genres

Multimodality (Linguistics)

Área de concentração: Linguagem e Educação Titulação: Mestra em Linguística Aplicada Banca examinadora:

Roxane Helena Rodrigues Rojo [Orientador] Raquel da Cunha Recuero

Inês Signorini

Data de defesa: 27-08-2015

Programa de Pós-Graduação: Linguística Aplicada

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À minha orientadora Profª Drª Roxane Helena Rodrigues Rojo, meu sincero e profundo agradecimento, por sua valorosa orientação, por seu apoio e por todo ensinamento para trilhar o caminho da pesquisa científica de forma ética e comprometida. Suas palavras sempre me auxiliaram e me levaram a reflexões preciosas, que resultaram na produção deste trabalho.

À Profª Drª Sheila Vieira Camargo Grillo e à Profª Drª Cláudia Hilsdorf Rocha pelas importantes contribuições no momento da Qualificação.

À Profª Drª Inês Signorini e à Profª Drª Raquel da Cunha Recuero, por integrarem a Banca Examinadora para a defesa de minha Dissertação, o que certamente contribuirá, de modo inestimável, para o aprimoramento desse trabalho.

À Profª Drª Jacqueline Peixoto Barbosa e ao Prof Dr. Petrilson Alan Pinheiro da Silva, pelo aceite da Suplência e pelo apoio assim demonstrado.

Às minhas amigas Joana de São Pedro e Flávia Sordi, pelo carinho, incentivo e apoio na finalização do texto e na preparação da defesa.

Aos funcionários do IEL, pelo apoio para a realização da defesa deste trabalho.

A toda minha família, pelo carinho e apoio incondicional.

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propriamente dito, acessado mensalmente, em 2014, por 89 milhões de brasileiros, segundo informações da própria empresa1. No Facebook, os usuários, atores da

rede, conectam-se com outros atores e fazem suas enunciações por mensagens privadas, fotos, vídeos, diversos enunciados verbais ou multimodais, que compõem a cadeia de comunicação discursiva dentro dos limites do site (transposto pelo cadastramento de e-mail e senha válidos). A base teórica abrange o conceito de arquitetônica de Bakhtin e seu Círculo, alicerçado na avaliação social (mediadora entre os sistemas de avaliação – diversas linguagens – e a realidade concreta), a teoria dos gêneros do discurso, na perspectiva bakhitiniana, o conceito de rede social na internet, das lógicas comunicacionais e culturais, das gerações tecnológicas, dos multiletramentos, dos novos letramentos e de remidiação. A pesquisa fez uso da metodologia qualitativa observacional e com base em “documentos”, documentos gerados a partir de navegação na web, utilizando o recurso de captura de tela para o registro, além de artigos da esfera jornalística. Pelo estudo, a arquitetônica do site de rede social Facebook tem por base os valores da cultura da visibilidade, das aparências e do espetáculo, na qual estão envolvidos, principalmente, valores de aspectos relacional e cognitivo do capital social, os valores da mentalidade da modernidade tardia, a valorização das práticas seletivas da cultura das mídias e da cibercultura e uma sociabilidade baseada no individualismo, em que, na maioria das vezes, estabelecem-se, entre as pessoas, laços fracos que não necessitam de comprometimento, de reciprocidade. Assim sendo, compreender a arquitetônica do site de rede social Facebook conduz a reflexões sobre as relações estabelecidas nesse espaço, sobre a construção de sentidos, além de estimular a reflexão sobre outras criações ideológicas produzidas na contemporaneidade.

Palavras-chave: Facebook, Redes sociais, Arquitetônica bakhtiniana.

1 Disponível em:

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This work aims to analyse Facebook, a social networking site, accessed monthly by 89 million of Brazilians, in 2014, according to Facebook’s information2. On

Facebook, networking users connect to other users and make enunciations through private messages, photos, videos and through verbal or multimodal utterances, forming the chain of speech communication inside Facebook limits (transposed by valid e-mail and password registration). It is theoretically based on Bakhtin´s point of view and his circle architectonic concept, scaffolded on social evaluation (mediator of evaluation systems – several languages – and concrete reality), bakhtinian speech genres, the concepts of social networking in the internet, cultural and communication logics, technological generations, multiliteracies, new literacies (late modernity mind-set) and remediation. This research has used observation qualitative methodology and it was based on documents, these documents were generated by screen capture feature, others were journalistic sphere articles. According to this investigation, the architectonic of Facebook social networking site is based on values of visibility, appearances, spectacle culture, in which values of relational and cognitive aspects of social capital are involved, values of late modernity mind-set, appreciation of selective practices of media culture and of cyberculture, and sociability based on individualism, in which, in most cases, weak bonds are set and these are not committed or mutual bonds. Thereby, understanding the architectonic of Facebook social networking site leads to reflecting on relations established in this place, on meaning-making process, besides stimulating reflection on ideological creations produced in the contemporary world.

Key words: Facebook, Social Networks, Bakhtinian Architectonic.

2 Available on-line at:

<http://www.meioemensagem.com.br/home/midia/noticias/2014/08/22/Facebook-tem-89-milhoes-de-usuarios-no-Brasil.html>. Access in: July 07, 2015.

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Introdução ... 9

Capítulo 1: A construção de sentidos na contemporaneidade ... 13

Capítulo 2: Tecnologias, relacionamentos, novo ethos... 39

Capítulo 3: Metodologia ... 80

Capítulo 4: Análise do SRS Facebook ... 88

Capítulo 5: Considerações Finais ...127

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1. Introdução

A fase atual da globalização tem como grande diferencial a internet, que, segundo o United Nations Report on Human Development (1999, p. 29), está mudando a paisagem do mundo comprimindo o espaço-tempo e fazendo as fronteiras desaparecerem. Essas mudanças já haviam sido intensificadas com o capitalismo, mas atualmente são mais impactantes e resultam em alterações significativas no modo de trabalhar, na vida cívica e no modo como as identidades multifacetadas dos sujeitos se definem, âmbitos em que os estudantes precisam desenvolver capacidades para atuarem de maneira crítica e consciente.

Para tanto a proposta do Grupo Nova Londres (2006[1996]) é a Pedagogia dos Multiletramentos pela qual os alunos devem aprender a ler o mundo criticamente e atuar de maneira ativa, elaborando seus designs de futuros sociais. Nessa pedagogia, o conceito-chave é o design, sendo o processo de design uma maneira de se refletir sobre a construção de sentidos. O conceito de Multiletramentos refere-se às novas práticas sociais, caracterizadas pela multimodalidade dos textos contemporâneos e pela diversidade cultural em que estamos imersos. Esse conceito e sua noção design pode ser potencializados pela teoria dos gêneros do discurso e também pelo conceito de arquitetônica do Círculo de Bakhtin, alicerçados na avaliação social, essencial para construção de sentidos.

Nesse cenário de novos enunciados, de construtos digitais multimodais contemporâneos, destacam-se os sites de redes sociais propriamente ditos ou apropriados (RECUERO, 2011[2009]), que facilitam interações relacionadas às práticas de atividades específicas (compartilhamento de remixagens, por exemplo) e também o compartilhamento de conteúdos ampliando as possibilidades de relações entre atores (RECUERO, 2011[2009]). Assim, é importante que se estude esses sites para compreender seu funcionamento, as possibilidades geradas para a construção de sentidos.

Por isso, neste trabalho estudamos o Facebook, site de rede social (SRS) que atingiu, segundo a própria empresa Facebook, 1,4 bilhão de usuários no mundo em janeiro de 2015, sendo 890 milhões, os ativos diariamente, e 745 milhões, os

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que acessam o site todo dia pelo dispositivo móvel3, além de ser o mais utilizado no

Brasil. Segundo divulgado pelo Facebook, no segundo trimestre de 2014, eram 89 milhões de brasileiros que acessaram a rede mensalmente e 59 milhões diariamente4.

Como em outros sites de rede social os atores se constroem, ou seja, escolhem diversos conteúdos para se autorrepresentar; aumentam o número de conexões sociais, que não seria possível na vida off-line (RECUERO, 2011[2009]); interagem por enunciados multimodais ou utilizam esse site para se agrupar com atores com interesses semelhantes ou simplesmente para manter contato, sem interações, expondo sua popularidade conforme o número de conexões.

Nos onze anos de existência do Facebook (lançado em 2004), foi possível acompanhar várias alterações na organização/disposição do leiaute de suas páginas, além de outras mudanças, como por exemplo, a forma de interação entre os usuários e os conteúdos postados por eles. Isso graças às características do ciberespaço, ou melhor, da linguagem binária por trás de todas essa materialização em tela.

As várias possibilidades de interação entre os usuários e os vários enunciados em circulação não caracterizam esse site como um enunciado, de maneira que o conceito de gêneros de discurso não seja suficientemente potente para estudar o SRS Facebook. Assim sendo, recorremos ao conceito de arquitetônica desenvolvido pelo Círculo de Bakhtin, na década de 1920, conceito primeiramente utilizado pelos formalistas ocidentais.

O conceito de arquitetônica do Círculo de Bakhtin apresenta aspectos bastante relevantes sobre a concepção e a seleção dos materiais. Mas, principalmente, alicerçando-se ainda mais na questão da avaliação social, conceito-chave. Isso porque em uma situação sócio-histórico, os autores a partir de sua avaliação social (em relação à realidade concreta, ao contexto em que se dá a enunciação e a seus ouvintes), concebem um conteúdo e selecionam formas, materializando e organizando a obra de maneira que ela revele o que querem

3 Disponível em:

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expressar. Sendo assim, um conceito mais potente, ao nos oferecer possibilidades de análise, auxiliando-nos no entendimento desse objeto.

Utilizando esse e outros conceitos bakhitinianos, o conceito de Novos letramentos de Lankshear e Knobel, partindo do entendimento sobre redes sociais na internet apresentado por Recuero, dos conceitos de Santaella, responderemos às seguintes perguntas de pesquisa:

1. Como se caracteriza a arquitetônica do Facebook?

2. Qual era o contexto sócio-histórico em que foi criado e como as alterações ocorridas podem ser compreendidas para revelar a arquitetônica do site?

Para tanto, no primeiro capítulo, apresentamos o cenário da contemporaneidade, trazendo brevemente algumas características da nova fase da globalização, em que a presença da internet é responsável por várias mudanças. Nosso foco é compreender a construção de sentidos, conhecendo a noção de Design do Grupo Nova Londres e relacionando-o com as teorias de Bakhtin e seu Círculo, considerando as novas tecnologias e mídias.

No segundo capítulo, com o surgimento de uma nova mentalidade, a mentalidade da modernidade tardia, com um novo ethos, damos continuidade à apresentação de mudanças para a construção de sentidos, mas, em especial, salientamos os relacionamentos, as práticas sociais possibilitadas pela comunicação mediada por computador. Além de expormos conceitos para análise de redes sociais.

No terceiro capítulo, apresentamos a metodologia de investigação.

No quarto capítulo, iniciamos com a contextualização histórica do surgimento do Facebook, já que é um importante aspecto para entendermos a arquitetônica desse SRS, além de abordar algumas de suas mudanças, relacionando-as às interações possíveis entre os atores conectados e os espaços pelos quais as interações ocorrem.

4 Disponível em:

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Por fim, as considerações finais, em que enfatizamos a importância do conceito de arquitetônica bakhtiniana para o estudo de construtos ideológicos como o SRS Facebook.

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Capítulo 1: A construção de sentidos na contemporaneidade

Muitos enunciados estão a nossa volta – faixas e cartazes espalhados pelas ruas; notícias e comerciais, via monitores, no interior do metrô, por exemplo –, mas também podemos escolher onde os encontrar: pela TV (aberta ou por assinatura), pelo rádio, pelos impressos – jornais e revistas –, pelo telefone celular, ou ainda, via internet, pelo smartphone, pelo notebook etc.

Vivemos em um momento no qual podemos buscar informações individualizadas, uma busca dispersa, alinear, fragmentada (SANTAELLA, 2009, p. 68), que nos permite ler uma notícia internacional em um jornal brasileiro, mas também inteirar-nos sobre o mesmo assunto em um jornal russo, via internet, para talvez conhecermos um outro ponto de vista, ou ainda buscando comentários em blogs diversos que não pertençam a nenhuma corporação.

Começamos a aprender esse procedimento de busca de informações, de acordo com Santaella (2009, p. 68), quando diversas tecnologias possibilitaram uma cultura do disponível e do transitório. A fita K7, o CD, a fita de VHS, o DVD, os videogames, a TV por assinatura possibilitaram nossas escolhas, tirando-nos “da inércia da recepção de mensagens impostas de fora” e acostumando-nos a buscar a informação e o entretenimento desejados (SANTAELLA, 2009, p. 68). Alugamos, ou alugávamos, um DVD ou um Blue-ray para assistir a um filme na hora em que melhor nos conviesse; gravávamos em uma fita K7 e, posteriormente, em um CD as músicas de álbuns diversos e, mais tarde, passamos a organizar nossas playlists nos aparelhos de MP3; passamos a comprar o filme ainda não disponível em locadoras pela TV por assinatura e recentemente podemos assistir a filmes, série de TV, via internet, em nossas televisões. Nossas práticas se alteraram com o auxílio das tecnologias do disponível 5 (SANTAELLA, 2011, 2013), com as quais

selecionamos e organizamos nossas próprias coleções6, por exemplo, um repertório

5 A expressão “tecnologias do disponível” será retomada adiante, mas para situar o leitor, ela se

refere a fotocopiadoras, gravadores de K7 e VHS etc.

6Segundo García-Canclini (2003, p. 302), as coleções eram modos de organizar “os bens simbólicos

em grupos separados e hierarquizados”. As coleções de arte culta, por exemplo, eram separadas das de folclore. Além disso, bastava ter conhecimento dessa organização para possuir as coleções, alcançando certo prestígio, um diferencial.

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musical combinando culto e popular não mais separados (GARCíA-CANCLINI, 2003, p. 304). Assim, nos dispositivos que permitem a cultura do disponível e do transitório, ou através deles, as coleções que separavam obras cultas das obras populares se perdem, “desestruturam-se as imagens e os contextos, as referências semânticas e históricas que amarravam seus sentidos”, havendo uma nova organização personalizada. Da mesma forma que as fotocopiadoras possibilitaram a junção de capítulos de diversos livros e fontes, “itinerários sinuosos ausentes nas classificações rotineiras das livrarias e das bibliotecas”, seguindo a lógica dos usos, hoje também fazemos nossas coleções digitais em nossos dispositivos (com materiais digitalizados ou materiais originalmente em formato digital) (GARCíA-CANCLINI, 2003, p. 304).

Esse momento em que nossas práticas se alteram é chamado por Santaella (2003, 2009) de “cultura das mídias”, um dos seis tipos de lógicas comunicacionais e culturais da humanidade, propostos pela autora em suas obras. O critério de Santaella (2003, 2009, 2011) para demarcar essas lógicas é baseado “na gradativa introdução de novos meios de produção, armazenamento, transmissão e recepção de signos no seio da vida social” (SANTAELLA, 2011, p. 124), imprescindíveis para a inovação nas formas de comunicação e no tratamento dos conteúdos, propiciando novas práticas sociais. Os seis tipos de lógicas comunicacionais e culturais são: cultura oral, cultura da escrita, cultura do impresso, cultura de massas, cultura das mídias e cibercultura ou cultura digital. Contudo, vale destacar, como afirma García-Canclini (2003, p. 307), que o significado final dessas mudanças culturais “depende dos usos que lhes atribuem diversos agentes”.

Cada tipo de lógica comunicacional e cultural tem seu processo de produção e distribuição, pressupondo as diferentes linguagens que podem ser mescladas em cada mídia, conforme seu potencial e seus limites. Na cultura das mídias, esse processo é diferente daquele que ocorre na cultura de massas (lógica anterior à da cultura das mídias, mas que não desaparece com o advento da nova lógica), pois o conteúdo passa a ser produzido para uma audiência segmentada, sendo o consumo individualizado, diferente do consumo massivo moderno em que o conteúdo é produzido para uma audiência de massa. Na cultura de massas, “uma mensagem similar era enviada ao mesmo tempo de alguns emissores centralizados

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para uma audiência de milhões de receptores”, sendo “conteúdo e formato das mensagens [...] personalizados para o denominador comum mais baixo” (CASTELLS, 2000[1999], p. 356).

Vale ressaltar que, neste trabalho, entendemos “mídias” na acepção de Santaella (2009, p. 70): “as mídias são meios, canais físicos, nos quais “as linguagens se corporificam e através dos quais perpassam”7. Cada mídia, com

potenciais e limites específicos, é o meio pelo qual os enunciados circulam. Assim, mídias são os códices, a imprensa (o jornal, a revista, o livro), a televisão, o rádio, o cinema, o computador, o smartphone etc.8

Além disso, consideramos as cinco gerações tecnológicas, também conceituadas por Santaella (2011, 2013), surgidas desde o início do século XIX, às quais a autora relaciona às lógicas citadas acima. Essas gerações tecnológicas são: (1) as tecnologias do reprodutível (jornal, foto e cinema – sementes da cultura de massas), em que os meios de armazenamento (negativo e fitas) permitiam a reprodução a qualquer momento (SANTAELLA, NÖTH, 2013[1997], p. 174); (2) as tecnologias da difusão (rádio e televisão); (3) as tecnologias do disponível (tecnologias que permitem às pessoas fazerem suas escolhas e organizarem-nas, de maneira a assistir a um filme no momento desejado, gravar suas músicas preferidas em um K7 e mais tarde tê-las em um aparelho MP3 etc.), um meio de armazenamento, entre outros é a memória em computadores, universo lógico-matemático a partir do qual a linguagem informática torna-se audível e visível, podendo “reiniciar em qualquer ponto, reatualizar em qualquer momento a passagem das entidades abstratas da memória para as imagens visualizáveis na tela” (SANTAELLA, NÖTH, 2013[1997], p. 174); (4) as tecnologias do acesso (internet9, Web10, comunicação via computador, em que imagem, som, texto são

7Não nos referimos ao sentido estrito de jornalismo impresso, em que se destaca a palavra com o

artigo feminino, “a mídia”, que se refere aos meios noticiosos e informativos em geral (SANTAELLA, 2000, p. 24).

8CD-ROMs, DVDs, pen-drives são tecnologias para conservação e armazenamento de conteúdo e

não propriamente mídias.

9“Internet é um sistema global de redes de computadores interligadas que utilizam o conjunto de

protocolos padrão da internet (TCP/IP) para servir vários bilhões de usuários no mundo inteiro.”

Disponível em: <http://pt.wikipedia.org/wiki/Internet>. Acesso em 02 jul. 2014.

10“A World Wide Web (termo da língua inglesa que, em português, se traduz literalmente por "teia

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transformados em uma única linguagem binária, na qual a unidade mínima é o bit11)

e, por fim, (5) as tecnologias da conexão contínua (telefone celular, smartphones, tecnologias móveis etc.).

Essas duas últimas gerações tecnológicas (do acesso e da conexão contínua) possibilitaram a “liberação do pólo de emissão, diferentemente dos mass media que sempre controlaram as diversas modalidades comunicativas” (LEMOS, 2002, p. 2), ou seja, há uma maior liberdade para expressar-se do que na época das tecnologias do reprodutível e da difusão, as pessoas com acesso a essas duas últimas gerações tecnológicas podem publicar, no ciberespaço, suas opiniões ou quaisquer outras produções sejam elas escritas, em vídeo etc.

Assim, através dessas tecnologias, recentes ou mais antigas, presentes na atualidade, estão disponíveis conteúdos diversos, produzidos por corporações ou por pessoas, com éticas e mentalidades diferentes e que podem ser consumidos por diversos públicos, fiéis ou migratórios, cujas buscas e seleções individuais são feitas de maneira fragmentada.

Esse fluxo de conteúdo, sua produção, circulação e consumo é denominado por Jenkins (2008, p. 27) de Cultura da Convergência. Assim, um usuário pode obter notícias locais ou internacionais por um site corporativo ou por um blog de um conhecido, de um amigo, de um jornalista ou de um desconhecido, abandonar o uso de determinado site ou blog por encontrar outro que contemple melhor seus interesses, pode replicar informações que acha relevantes, acessar através do smartphone informações de determinada cidade turística por aplicativos que recolhem opiniões/conteúdos produzidos por outros visitantes (conteúdo construído coletivamente) etc. A convergência, segundo o autor, não é um processo tecnológico, mas uma transformação cultural, “à medida que consumidores são incentivados a procurar novas informações e fazer conexões em meio a conteúdos midiáticos dispersos.” (JENKINS, 2008, p. 28)

são interligados e executados na Internet.” Disponível em:

<http://pt.wikipedia.org/wiki/World_Wide_Web>. Acesso em 15 ago. 2014.

11“Bit (simplificação para dígito binário, "BInary digiT" em inglês) é a menor unidade de informação

que pode ser armazenada ou transmitida. [...] Um bit pode assumir somente 2 valores, por exemplo: 0 ou 1, falso ou verdadeiro respectivamente.” Disponível em: <http://pt.wikipedia.org/wiki/Bit>. Acesso em 15 ago. 2014.

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Segundo Santaella (2003, p. 130), essa “densa rede de produção e circulação de bens simbólicos”, ou esse intenso fluxo de conteúdo, é marca da cibercultura ou cultura digital, a lógica comunicacional e cultural mais recente, em que há convergência das mídias das lógicas precedentes (cultura oral, cultura da escrita, cultura do impresso, cultura de massas, cultura das mídias) e intensificação de práticas seletivas aprendidas, em especial, na cultura das mídias.

Para essa transformação cultural tomar forma, a comunicação digital através da internet e da Web – tecnologias do acesso – possibilita o acesso a informações antes encontradas somente em bibliotecas ou em ambientes restritos, como os museus (espaços físicos que poderiam localizar-se geograficamente distantes e selecionar o público pela cobrança de ingressos), além de dar visibilidade a produções diversas, cuja circulação era restrita por não serem aceitas pelos meios anteriores (imprensa, TV e rádio).

Quanto à internet, é importante ressaltar que ela é considerada o grande diferencial na fase atual da globalização, que, segundo o Relatório do Desenvolvimento Humano 1999 (UNITED NATIONS DEVELOPMENT PROGRAMME, 1999, p. 29, tradução nossa), “está mudando a paisagem do mundo de três modos distintos”: (a) a distância espacial tem diminuído – as vidas das pessoas são afetadas por eventos, que em geral elas não têm conhecimento e que ocorrem em lugares muito distantes; (b) a distância temporal também tem diminuído – “os mercados e as tecnologias agora mudam em uma velocidade sem precedente, com ações distantes ocorrendo em tempo real” e (c) as fronteiras estão desaparecendo – “as fronteiras nacionais estão se rompendo, não somente em termos de comércio, capital e informação, mas também em relação a ideias, normas, culturas e valores. Fronteiras de políticas econômicas também se rompem com acordos multilaterais e pressões para continuar competitivos no mercado global.”12

Rapidamente, sabemos de catástrofes acontecidas nas Filipinas ou no Japão e podemos facilmente enviar auxílio financeiro ou mensagens de apoio de qualquer parte do mundo; podemos efetuar compras por sites chineses e receber os

12Esse último ponto, García-Canclini (2003, p. 309) denomina de desterritorialização, ou seja,

perde-se a relação “natural” dos bens simbólicos com os territórios geográficos e sociais; vale ressaltar também a reterritorialização: “a relocalização territorial relativa, parcial, das velhas e novas produções simbólicas”.

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produtos no endereço que desejamos; podemos comprar cosméticos estrangeiros pelo blog de uma brasileira que vive na Alemanha. Esse é um modo de olhar a globalização, que pode ser vista a partir de diversos ângulos. Por exemplo, “para o gerente de uma empresa transnacional, a ‘globalização’ abrange sobretudo os países em que sua empresa atua, suas atividades e a concorrência com outras empresas” (GARCÍA-CANCLINI, 2010a, p. 10); para um trabalhador da indústria têxtil brasileira, a globalização pode ser simbolizada pelo desemprego, já que os produtos estrangeiros apresentam custos muito baixos, fazendo com que empresas brasileiras não consigam concorrer nesse mercado. Assim, é importante lembrar que, para pessoas diferentes, aquilo que se imagina como globalização pode ser muito diverso (GARCÍA-CANCLINI, 2010a, p. 10).

Apesar das diferentes percepções, que não podem ser desconsideradas, a globalização com a presença da internet, da Web e das novas tecnologias digitais da informação e da comunicação (TDIC), ou as tecnologias do acesso e da conexão contínua, tem alterado as “vidas socioculturais de muitas pessoas em todo o mundo.” (KUMARAVADIVELU, 2006, p. 131)

Essas mudanças têm sido acompanhadas por diversos estudiosos no mundo todo como, por exemplo, pelo Grupo Nova Londres (doravante GNL). Esse grupo, formado por pesquisadores da área de educação e linguagem (atuantes na Austrália, nos Estados Unidos e na Inglaterra), reuniu-se em 1994, em New London, New Hampshire, EUA, para discutir o quê deveria ser ensinado nas escolas na hipermodernidade e como isso deveria ser feito em um futuro próximo, envolto por tantas mudanças (COPE, KALANTZIS, 2006, p. 3). Verificou-se que a pedagogia do letramento, focada na leitura e na escrita da língua nacional impressa, restrita ao formal, monolíngue e monocultural, não era mais suficiente diante do novo cenário, no qual surgia grande variedade de formas textuais associadas à informação e às TDIC (COPE, KALANTZIS, 2006, p. 9), além do surgimento de videogames em que seus jogadores são acostumados a escolher seus avatares (representação simbólica no ambiente virtual), participar de simulações através de jogos, pelos quais podem aprender, solucionando problemas, o que resulta em importantes experiências (GEE, 2009). Esses jogadores fazem parte de uma nova geração que quer ser ator em vez de público ou espectador; que prefere ser agente em vez de observador, receptor ou

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leitor de narrativa (COPE, KALANTZIS, 2009, p. 172-173); que dificilmente ajusta-se a uma pedagogia focada em instrução homogênea e, muitas vezes, de transmissão de conhecimento.

Assim, a partir de estudos e discussões sobre essas mudanças, o GNL propôs a Pedagogia dos Multiletramentos, exposta em seu artigo-manifesto publicado em 199613. O termo Multiletramentos foi cunhado pelo grupo para abarcar

duas importantes questões trazidas pelas ordens cultural, institucional e global emergentes: “a primeira está relacionada à multiplicidade de canais e meios de comunicação. A segunda com a crescente relevância da diversidade cultural e linguística.” (COPE, KALANTZIS, 2006, p. 5, tradução nossa) Dessa forma, dois “multi” são abrangidos em multiletramentos: a) as multimodalidades, múltiplas semioses transmitidas pelas mídias, em que há uma convivência e entrelaçamento do verbal com o visual, com o sonoro, com o espacial, sendo os sentidos construídos a partir da mesclagem de diversas linguagens, implicando “interagir com outras línguas e linguagens, interpretando ou traduzindo; [...] criando sentido da multidão de dialetos, acentos, discursos, estilos e registros presentes na vida cotidiana, no mais pleno plurilinguismo bakhtiniano.” (ROJO, 2013, p. 16) e b) a multiplicidade cultural, ou seja, a diversidade local e a conectividade global, um processo de mudança intensificado pela migração, pelo multiculturalismo e pela integração econômica global, que faz com que tenhamos “de negociar diferenças em nossas comunidades locais, no trabalho crescentemente interconectado globalmente e em nossas comunidades” (COPE, KALANTZIS, 2006, p. 6, tradução nossa).

Quanto à multimodalidade, vale ressaltar que não foram as mudanças recentes que trouxeram as múltiplas modalidades associadas, visto que, como afirma Lemke (2010, s/p), o verbal não cria sentido isoladamente. Quando impresso, o sentido do texto também é construído por sua diagramação (como o texto é disposto na página), pela escolha dos tipos de fontes (com serifa ou sem, em caixa alta, em negrito ou itálico ou redondo, por exemplo), ou pela letra cursiva utilizada14.

13Artigo intitulado A Pedagogy of Multiliteracies: Designing Social Futures, publicado em Harvard

Educational Review, v. 66, n. 1, Spring 1996.

14Santaella (2000, p. 46) afirma que o jornal, mídia da cultura de massas, tem caráter intermídia, ou

seja, é composto por vários códigos e linguagens. O jornal é composto pela interação de linguagem verbal escrita, linguagem fotográfica e linguagem gráfica. Como linguagem gráfica, a autora cita a

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Na fala, o verbal é acompanhado pela entonação de voz, pela voz do falante, pelos gestos e expressões faciais. Assim, percebemos que as modalidades já se mesclavam antes do advento de enunciados digitais, mas, como lembra Lemke, muito pouco disso foi ensinado aos alunos nas escolas. A leitura e a escrita de textos que associam o verbal e o não verbal não foram ensinados com a devida atenção nas escolas da era do impresso.

As novas tecnologias vêm intensificar as associações das diversas modalidades para produção de sentidos, exigindo novas habilidades para produção e leitura de textos, diferentes das exigidas anteriormente. Por exemplo, de acordo com Bolter (1998, p. 10), na leitura de hipertextos15, é necessário compreender como

a composição é pensada, o funcionamento dos links e, na escrita, o aluno precisa saber inter-relacionar textos e os materiais já existentes, assim, novas habilidades de interpretação e novas habilidades de autoria são requeridas.

Na Pedagogia dos Multiletramentos, o conceito-chave desenvolvido pelo grupo para elucidar sua proposta, ou o eixo estruturador da teoria dos Multiletramentos como afirma Bevilaqua (2013, p. 106), é o Design, termo que pode se referir à estrutura de um produto, sua configuração (do quê e como um objeto é composto) e também ao processo de concepção, envolvendo ideias, intenção e o que pode ser representado (COPE, KALANTZIS, 2009, p. 175). Por exemplo, um carro, além de ter uma estrutura composta por peças e materiais diversos (plástico, ferro, couro etc.), também possui linhas, formas, detalhes especiais, tudo pensado para posicionar estrategicamente um produto no mercado, talvez, mostrando-se moderno, sofisticado, único, visando um público determinado.

Essa noção de design, segundo o GNL (NEW LONDON GROUP, 2006[1996], p. 20; COPE, KALANTZIS, 2009, p. 175), envolve três momentos: Available Designs, Designing e The Redesigned, momentos que ressaltam o

linguagem dos tipos do jornal, que adquirem uma “linguagem plástica”, e também a “linguagem diagramática, isto é, os diagramas de distribuição da informação no espaço da página [que] são quase tão importantes para a geração do sentido quanto a própria linguagem verbal impressa que preenche esses diagramas.”

15 O termo hipertexto foi cunhado pelo americano Ted Nelson, por volta de 1965 (AARSETH, 1997,

s/p; BOLTER, 2002, p. 34). O hipertexto, segundo Aarseth (1997, s/p, tradução nossa), é “uma estratégia para organizar fragmentos textuais de forma informal e intuitiva, com ‘links’ entre seções relacionadas de um texto e entre partes relacionadas de textos diferentes em um mesmo sistema de recuperação”.

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processo, um processo dinâmico de criação de sentidos, em que partimos de convenções, de padrões, de enunciados anteriores, de sentidos já existentes (Available Designs), reformulando-os (Designing), para criarmos sentidos próprios (The Redesigned). Assim, a noção de pedagogia é compreendida como design (NEW LONDON GROUP, 2006[1996], p. 19) e cada sujeito designer ativo de sentidos, “e, como designers de sentidos, nós somos designers de futuros sociais”, isto é, podemos ter papéis ativos para transformar nossos futuros no âmbito do trabalho, da cidadania e da vida pessoal (COPE, KALANTZIS, 2006, p. 7, tradução nossa).

Assim, a proposta para uma educação linguística na contemporaneidade, conforme o GNL (NEW LONDON GROUP, 1996, s/p), é aquela que leve os alunos a serem designers de seus próprios futuros, de modo que eles possam alcançar mudanças em seus futuros sociais, nos âmbitos do trabalho, da vida pública como cidadãos e da vida pessoal como membros de suas diferentes comunidades (assumindo suas identidades multifacetadas). Por isso, é importante compreender cada um dos três âmbitos.

Em relação ao âmbito do trabalho, o GNL (NEW LONDON GROUP, 2006[1996], p.11-13; COPE, KALANTZIS, 2009, p.168-171) ressalta o fato de o mercado estar mais flexível, com qualidade e nichos distintos, atendendo a públicos muito variados. Trabalhos repetitivos de linha de produção (Fordismo), graças ao desenvolvimento tecnológico e encolhimento do quadro funcional de uma empresa, vão cedendo espaço para atividades que exigem do profissional pró-atividade, flexibilidade, capacidade de negociação e de trabalho em equipe, havendo, assim, a emergência de uma nova linguagem de trabalho. Uma linguagem que carrega termos conhecidos de profissionais da educação, como “conhecimento, aprendizagem, colaboração, avaliações alternativas, comunidades de prática, redes e outros.” (GEE, 1994b apud NEW LONDON GROUP, 2006[1996], p. 11, tradução nossa) Nesse cenário profissional, a hierarquia vai perdendo força, vão surgindo equipes de trabalho que dependem mais do discurso informal, oral e interpessoal (NEW LONDON GROUP, 2006[1996], p. 12), sendo necessárias novas habilidades para manifestar-se, negociar e engajar-se criticamente (NEW LONDON GROUP, 2006[1996], p. 13).

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Por outro lado, é interessante ressaltar que, além dessas novas demandas do mercado de trabalho, existem é claro dificuldades que emergem com a globalização. García-Canclini (2010b, p. 24) destaca a existência, por exemplo, de empresas transnacionais, que podem fabricar peças de um televisor em quatro países diferentes, montar o produto em um quinto e ter escritórios em outros países, tornando, consequentemente, os poderes da empresa anônimos e translocalizados, que dão ordens de lugares obscuros, ditam regras indiscutíveis e inapeláveis. Isso torna instáveis as condições de trabalho, que “é rígido porque é incerto”, tendo o trabalhador de cumprir à risca os horários, os rituais de submissão, a adesão a uma ordem alheia que acaba sendo interiorizada para não se perder o salário (GARCÍA-CANCLINI, 2010b, p. 24). Além disso, a competitividade por uma vaga no mercado de trabalho não mais ocorre entre pessoas de um mesmo local geográfico, mas de vários locais dentro de um mesmo território nacional ou entre pessoas de vários locais do mundo. Um funcionário brasileiro, por exemplo, é contratado por uma empresa terceirizada para prestar serviços para uma outra empresa localizada na cidade em que reside, porém, devido aos menores custos, este funcionário perde seu emprego para outro que mora na Índia e, antes de sua demissão, ele ministra um treinamento ao seu futuro substituto através da internet. Assim, é válido destacar que, no âmbito do trabalho, não basta ter habilidades e competências para se garantir um espaço no mercado de trabalho, como destacado pelo GNL, apesar de elas serem essenciais.

No âmbito da prática cidadã, também há mudanças (NEW LONDON GROUP, 2006[1996], p.13-15; COPE, KALANTZIS, 2009, p. 171-172). O fim da Guerra Fria, nos últimos anos do século XX, fez com que os países capitalistas não precisassem mais sustentar governos intervencionistas que assegurassem boas condições aos seus cidadãos como argumento do capitalismo frente ao comunismo. O liberalismo foi a nova ordem que prevaleceu globalmente (FUKUYAMA apud NEW LONDON GROUP, 2006[1996], p. 14), predominando a lógica do mercado e reduzindo o poder dos estados que dominavam, controlavam e padronizavam suas populações.

A educação era uma maneira de manter a velha ordem, pois padronizava os cidadãos, ensinando-lhes uma língua nacional e seus cânones, além de formar

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trabalhadores nos moldes fordista (NEW LONDON GROUP, 2006[1996]; COPE, KALANTZIS, 2009). A escola era uma instituição importante para a formação e estabelecimento de estados-nações, por fortalecer culturas nacionais, compostas por instituições culturais como a escola e também por símbolos e representações.

Com o neoliberalismo, iniciaram-se as privatizações e o estado passou a encolher ainda mais; reduziram-se a qualidade e o status da educação, que passa a ser entendida como um serviço, como qualquer outra prestação de serviço no mercado, e não mais como um benefício proporcionado pelo estado para os cidadãos (COPE, KALANTZIS, 2009, p. 171).

Assim, enfraquece-se a escola como padronizadora de cidadãos e abrem-se espaços para as diferenças locais, que passam a ter contato entre si e também com o diferente de outros locais geográficos, especialmente, através das tecnologias do acesso e da conexão contínua. Esse novo cenário leva o GNL a pensar em um pluralismo cívico, em que todos devem ter acesso à riqueza, ao poder e aos símbolos (NEW LONDON GROUP, 2006[1996], p. 15). Com o pluralismo cívico, tem-se uma ordem social em que as diferenças são reconhecidas e negociadas para que elas se complementem e as pessoas ampliem seus repertórios linguísticos e culturais (COPE, KALANTZIS, 1997a apud NEW LONDON GROUP, 2006[1996], p. 15). Dessa forma, conforme o GNL, há a necessidade de desenvolver nos alunos a capacidade de serem cidadãos ativos, que saibam negociar as diferenças, respeitando-as e percebendo seus valores.

Sobre o âmbito em questão, a prática cidadã, vale acrescentar palavras de García-Canclini (2010b, p. 19) afirmando que, ao mesmo tempo em que ocorre a expansão “da potencialidade econômica das sociedades, a globalização reduz a capacidade de ação dos Estados nacionais, dos partidos, dos sindicatos e dos atores políticos clássicos em geral”. Os governos nacionais se enfraquecem, transferindo suas decisões políticas para “uma vaga economia transnacional”, além de deixarem de lado políticas de planejamento de longo prazo. “Esse esvaziamento simbólico e material dos projetos nacionais deprime o interesse pela participação na vida pública”.

Dessa forma, além da convivência com a diferença, é necessário pensar a realidade e proporcionar aos estudantes habilidades e ferramentas para

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analisarem criticamente o cenário de forma global e para se manifestarem e reclamarem, lutarem por seus direitos e seus espaços.

Por fim, no âmbito da vida pessoal, em decorrência da globalização e da presença de tecnologias que possibilitam a cultura da convergência, há uma “tensão entre homogeneização cultural e heterogeneização cultural” (APPADURAI, 2000[1996], p. 32), que foi chamada por Robertson de “glocalização, onde o global está localizado e o local está globalizado”, havendo trocas culturais em que as culturas modelam-se e remodelam-se direta ou indiretamente. “O global está em conjunção com o local, e o local é modificado para acomodar o global.” (KUMARAVADIVELU, 2006, p. 133-134) Com essa tensão, tem-se

um mundo onde as certezas locais perdem sua exclusividade e podem, por isso, ser menos mesquinhas, onde os estereótipos com que representávamos o distante se decompõem na medida em que o encontramos com frequência, um mundo que oferece a chance (sem muitas garantias) de que a convivência global seja menos incompreensiva, com menos mal-entendidos, do que nos tempos da colonização e do imperialismo. (GARCÍA-CANCLINI, 2010b, p. 28) As possibilidades de modelagem e remodelagem ocorrem, em especial, devido à compressão de distâncias espaciais e temporais, havendo diversas mídias que expõe, por exemplo, crianças às produções da cultura de massa, às narrativas e às commodities globais (LUKE, 1995 apud NEW LONDON GROUP, 2006[1996], p. 16). Conteúdos que fazem parte das culturas da infância e perpassam “televisão, brinquedos, embalagens de fastfood, videogames, camisetas, sapatos, roupa de cama, estojos e lancheira”, causando certa homogeneização. Isso, conforme Bolter (2000, p. 69), constitui um meio hipermidiado16, ou seja, um ambiente que possibilita

a criança vivenciar seu dia a dia com o personagem que assistiu em um filme ou em um desenho animado através de diversos produtos que medeiam essa relação.

Diante de tantas mudanças principalmente devidas à fase atual da globalização, a Pedagogia dos Multiletramentos preocupa-se em proporcionar um ensino-aprendizagem nesse contexto em que os estudantes podem fazer parte de diferentes comunidades (apreciadores de um determinado esporte, aficionados de jogos eletrônicos ou certos personagens de HQ, de filmes, de desenhos animados etc.), sendo a proposta capacitar e desenvolver pessoas com identidades

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multifacetadas – identidades que são influenciadas pelo global, mas também pelo local –, respeitando seus novos comportamentos (por exemplo, dos jogos eletrônicos – participação ativa), que possam compreender criticamente o mundo, percebendo os poderes envolvidos nas relações, e que saibam respeitar e negociar as diferenças, exercendo uma cidadania ativa e encontrando seu espaço no mundo do trabalho.

Nesses três âmbitos, do trabalho, da prática cidadã e da vida pessoal, privilegiados pela Pedagogia dos Multiletramentos, o conceito-chave do Design é essencial para a compreensão e a construção de sentidos em tempos dos multiletramentos.

Construindo sentidos: a noção de Design

Como já foi citado, a noção de Design para o GNL é constituída por três momentos: available designs, designing e the redesigned.

O primeiro elemento, available designs, abrange todos os designs disponíveis, ou seja, recursos de diferentes sistemas semióticos que representam ou estruturam sentidos. O segundo elemento, designing, é o processo de associar, mesclar, contrapor para construir sentidos, não devendo ser uma reprodução dos available designs, mas a transformação do “conhecimento pela produção de novas construções e representações da realidade”. Isso se dá através de um coengajamento em que as pessoas transformam a si mesmas e as relações das quais participam (NEW LONDON GROUP, 2006[1996], p. 22). Ao final do processo de design, tem-se the redesigned, isto é, novas configurações de sujeitos, de relações sociais, de representações, um novo available design.

Esse processo de design remete-nos à “cadeia de criatividade e de compreensão ideológicas” (VOLOCHINOV/BAKHTIN, 1995[1929], p. 33-34), formada por signos e repleta de relações dialógicas. Nessa cadeia de elos de natureza semiótica, o signo ideológico apreendido é colocado em relação com outros signos ideológicos já conhecidos, de modo que “a compreensão é uma resposta a um signo por meio de signos” (VOLOCHINOV/BAKHTIN, 1995[1929], p. 34). O signo é um produto ideológico que “reflete e refrata uma outra realidade, que lhe é exterior”, ou seja, possui “um significado e remete a algo situado fora de si

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mesmo”. “Tudo que é ideológico é um signo.” (VOLOCHINOV/BAKHTIN, 1995[1929], p. 31) Por exemplo, “o pão e o vinho [...] tornam-se símbolos religiosos no sacramento cristão da comunhão. Mas o produto de consumo enquanto tal não é, de maneira alguma, um signo.” (VOLOCHINOV/BAKHTIN, 1995[1929], p. 32)

Qualquer objeto, produto natural, tecnológico (instrumentos de trabalho, por exemplo) ou de consumo “pode tornar-se signo e adquirir, assim, um sentido que ultrapasse suas próprias particularidades.” (VOLOCHINOV/BAKHTIN, 1995[1929], p.32) Esses signos podem estar materializados “como som, como massa física, como cor, como movimento do corpo ou como outra coisa qualquer”, sendo fenômenos do mundo exterior (VOLOCHINOV/BAKHTIN, 1995[1929], p. 33). São também signos ideológicos fenômenos como “um quadro, uma peça musical, um ritual ou um comportamento humano” (VOLOCHINOV/BAKHTIN, 1995[1929], p. 37-38), podendo ser citada também uma obra arquitetônica, uma construção que ordena e organiza o espaço físico de modo a pensar os valores e os usos dos espaços internos e externos em consonância com a sua época, com as práticas sociais e com o momento histórico. Essas criações ideológicas (obras de arte, trabalhos científicos, símbolos etc.) e sua compreensão ocorrem no processo de comunicação social e tornam-se realidade ideológica através de algum material elaborado (palavras, ações, roupas, organizações de pessoas e de objetos), não podendo “ser estudados fora do processo social que os compreende como um todo.” (MEDVIÉDEV, 2012[1928], p. 48-49) Aqui já podemos perceber certa congruência com o processo de design proposto pelo GNL, os available designs são os signos ideológicos e as criações ideológicas, o designing pode ser associado à compreensão e a elaboração de uma réplica, que resulta na criação tornada realidade ideológica, ou the redesigned.

Assim, os signos materializados em diversas semioses, the redesigned ou os novos available designs, circulam como elos da cadeia ideológica através do processo de interação social entre consciências individuais; nessa cadeia, os signos estão em relação dialógica17 graças à interação dos sujeitos. Uma consciência só se

17Na abordagem enunciativa bakhtiniana, o termo diálogo pode ser compreendido em um sentido

mais amplo, como “toda a comunicação verbal, de qualquer tipo que seja” (BAKHTIN, 1995[1929], p. 123). Nessa compreensão, o termo dialógico refere-se às relações dos sentidos construídos nos enunciados, elos da cadeia da comunicação discursiva, que podem remeter a enunciados

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torna consciência porque está impregnada de conteúdo ideológico (semiótico) produzido no processo de interação social através dos signos ideológicos (VOLOCHINOV/BAKHTIN, 1995[1929], p. 34). Esses signos são criados por grupos organizados no curso de suas relações sociais (VOLOCHINOV/BAKHTIN, 1995[1929], p. 35), na “interação semiótica de um grupo social” (VOLOCHINOV/BAKHTIN, 1995[1929], p. 36), e são colocados em relação pela própria consciência, quando concorda ou diverge, confronta ou associa sentidos de grupos diversos, que podem ser de épocas diferentes.

Toda criação ideológica (available designs) é produzida na interação social, na comunicação, e faz parte da realidade social e material que circunda o homem (MEDVIÉDEV, 2012[1928], p. 50).

Assim, uma maneira de cumprimentar-se, um gesto, certos comportamentos, palavras de um certo grupo social, monumentos, edifícios, etc. são materiais ideológicos que compõem as culturas. Essas materializações, que possuem valor e significado atribuídos pelos grupos que as utilizam, são criadas e penetram em nossas experiências na interação social (WHITE, 1965, p. 182), formando as culturas que se tornam duradouras e dinâmicas graças a essas interações (WHITE, 1965, p. 188).

Por exemplo, em um cenário urbano, monumentos, museus e escolas, por seus prédios grandiosos e suas localizações destacadas, são objetos ideológicos que compõem “um cenário legitimador do culto tradicional” (GARCÍA-CANCLINI, 2003, p. 291). Esses signos ideológicos contribuem para enaltecer certas ideologias, visto que os monumentos apresentam vários estilos e referências a diversos períodos históricos e artísticos. Entretanto, podem também circular pela trama urbana diversos tipos de manifestações, a saber, grafites, publicidades, movimentos sociais, discursos religiosos etc., resultando em um cruzamento de interesses mercantis com os históricos, os estéticos e os comunicacionais. Essas presenças simultâneas geram lutas semânticas, tentativas de “neutralizar, perturbar a mensagem dos outros ou mudar seu significado, e subordinar os demais à própria

precedentes de outros sujeitos, de outro momento histórico, social e espacial, opondo-se, concordando, combinando muitas vozes (posições integrais, ideológicas) etc., e ainda relacionar-se também com enunciados subsequentes (BAKHTIN, 2006c[1952-53/1979]).

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lógica, simultaneamente” (GARCÍA-CANCLINI, 2003, p. 301), ou seja, realiza-se o processo de design na interação social. Essas lutas são “encenações dos conflitos entre as forças sociais: entre o mercado, a história, o Estado, a publicidade e a luta popular para sobreviver” (GARCÍA-CANCLINI, 2003, p. 301), constituindo momentos para o desing de futuros sociais.

São nesses espaços sociais repletos de materiais ideológicos que as interações entre os sujeitos (as consciências individuais) compreendem e ressignificam os signos ideológicos.

Apesar de Volochinov/Bakhtin (1995[1929]) discorrerem sobre os signos que podem se materializar em diversas semioses e não somente a verbal, os autores, no início do século XX, em uma época em que havia o predomínio da letra, do impresso, ressaltam a linguagem verbal, afirmando que “a palavra é o fenômeno ideológico por excelência”, que ela é “o modo mais puro e sensível de relação social” (VOLOCHINOV/BAKHTIN, 1995[1929], p. 36). Diferente de outros signos criados por uma função ideológica precisa para uma esfera da atividade humana específica (ou seja, espaços sociais que funcionam de maneira particular, determinando relações sociais e conteúdos temáticos possíveis, como as esferas escolar, familiar, da propaganda, jornalística, científica, artística, burocrática, religiosa etc. (ROJO, 2013, p. 27)), a palavra “é neutra em relação a qualquer função ideológica específica”, podendo “preencher qualquer espécie de função ideológica: estética, científica, moral, religiosa” e acompanhar e comentar “todo ato ideológico” (VOLOCHINOV/BAKHTIN, 1995[1929], p. 37). Além disso, a palavra, material semiótico do discurso interior (da consciência individual) pode ser externada sem a necessidade de qualquer aparelhagem ou material extra corporal (VOLOCHINOV/BAKHTIN, 1995[1929], p. 37).!

As palavras compõem enunciados concretos e através deles “a língua passa a integrar a vida.” (BAKHTIN, 2006b[1952-53/1979], p. 265) As palavras ligam-se organicamente ao sentido pela comunicação em “um ato histórico concreto do enunciado”, existindo dessa maneira apenas nesse enunciado e em determinadas condições de sua realização, porém, uma ligação que depois será destruída e recriada nas condições de novos enunciados (MEDVIÉDEV, 2012[1928], p. 184).

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O enunciado “organiza a comunicação que é voltada para uma reação de resposta, ele mesmo reage a algo; ele é inseparável do acontecimento da comunicação.” (MEDVIÉDEV, 2012[1928], p. 183) “Os enunciados concretos continuam e desenvolvem ativamente uma situação, esboçam um plano para uma ação futura e organizam esta ação”, isto é, há uma análise da situação, de modo que a situação seja “uma parte constitutiva essencial da estrutura” da significação do enunciado (VOLOCHINOV/BAKHTIN, 1976[1926], s/p) que é “um elo na cadeia da comunicação discursiva de um determinado campo.” (BAKHTIN, 2006b[1952-53/1979], p. 296) Esse elo é constituído por sua materialidade, considerando a entonação com a qual é produzido e pela parte presumida, o contexto extraverbal (“horizonte espacial comum dos interlocutores”, a localidade; “o conhecimento e a compreensão comum da situação por parte dos interlocutores”; “sua avaliação comum dessa situação”, importando a época, os grupos sociais, interlocutores conhecidos ou não) (VOLOCHINOV/BAKHTIN, 1976[1926], s/p). Graças à integração do enunciado concreto com seu contexto extraverbal da vida, sua significação pode ser perdida se estas ligações com o contexto imediato forem desconsideradas. Além disso, é importante ressaltar que a entonação é a pura expressão do julgamento de valor, que estabelece uma forte ligação entre a materialidade verbal e o contexto extraverbal.

“A entoação só pode ser compreendida profundamente quando estamos em contato com os julgamentos de valor presumidos por um dado grupo social, qualquer que seja a extensão deste grupo. A

entoação sempre está na fronteira do verbal com o não-verbal, do dito com o não-dito. Na entoação, o discurso entra diretamente em

contato com a vida. E é na entoação sobretudo que o falante entra em contato com o interlocutor ou interlocutores – a entoação é social por excelência. Ela é especialmente sensível a todas as vibrações da atmosfera social que envolve o falante. [...]

Quando uma pessoa entoa e gesticula, ela assume uma posição social ativa com respeito a certos valores específicos e esta posição é condicionada pelas próprias bases de sua existência social. É precisamente este aspecto objetivo e sociológico da entoação e do gesto [...] que deveria interessar os teóricos das diferentes artes, uma vez que é aqui que residem as forças da arte responsáveis pela criatividade estética e que criam e organizam a forma artística.”(VOLOCHINOV/BAKHTIN, 1976[1926], s/p)

Dessa maneira, formam-se elos da cadeia da comunicação discursiva em que os sujeitos do discurso, locutores e interlocutores, participantes ativos,

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apreendem os enunciados concretos relacionando-os com outros enunciados precedentes e produzindo réplicas ativas com ressonâncias dialógicas (concordam, participam, fazem uma objeção, executam uma ação etc., sempre mantendo em menor ou maior grau os tons e ecos de enunciações individuais alheias18).

Esses enunciados, emoldurados e definidos pela alternância dos falantes e pela “inteireza acabada do enunciado, que assegura a possibilidade de resposta (ou de compreensão responsiva)” (BAKHTIN, 2006b[1952-53/1979], p. 279-280), são produzidos a partir de formas típicas relativamente estáveis de enunciações, denominadas gêneros do discurso.

Os gêneros correspondem a situações típicas da comunicação discursiva, a temas típicos, por conseguinte, a alguns contatos típicos dos significados das palavras com a realidade concreta em circunstâncias típicas. (BAKHTIN, 2006b[1952-53/1979], p. 293). Cada gênero do discurso em cada campo da comunicação discursiva tem a sua concepção típica de destinatário que o determina como gênero. (BAKHTIN, 2006b[1952-53/1979], p. 301)

Os elementos essenciais dos gêneros do discurso são tema, estilo e forma composicional que estão estreitamente relacionados entre si (BAKHTIN, 2006b[1952-53/1979], p. 262). Os temas, aos quais os signos estão indissoluvelmente ligados (VOLOCHINOV/BAKHTIN, 1995[1929], p. 45), circulam em formas de discurso social que fazem parte do repertório de determinada época e grupo social (VOLOCHINOV/BAKHTIN, 1995[1929], p. 43). O tema, atributo da enunciação completa, “é determinado não só pelas formas linguísticas [...], mas igualmente pelos elementos não verbais da situação” (VOLOCHINOV/BAKHTIN, 1995[1929], p. 128), sendo inseparável desses elementos (MEDVIÉDEV, 2012[1928], p. 197), concreto, não reiterável e situado sócio-historicamente. Ele se apoia sobre certa estabilidade de significação, o que permite ter elo com o que o precede e o segue (VOLOCHINOV/BAKHTIN, 1995[1929], p. 129). Ele “só é acessível a um ato de compreensão ativa e responsiva”, em que o interlocutor opõe à palavra do locutor uma contrapalavra, associada a uma série de palavras próprias, para formar uma réplica (VOLOCHINOV/BAKHTIN, 1995[1929], p. 131-132), realizando-se por meio

18Segundo Bakhtin (2006b[1952-53/1979], p. 294-295), “nosso discurso, isto é, todos os nossos

enunciados (inclusive as obras criadas) é pleno de palavras dos outros, de um grau vário de alteridade ou assimilabilidade, de um grau vário de aperceptibilidade e de relevância.”

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de gêneros (por exemplo, novela, romance, peça lírica, carta, etc.) (MEDVIÉDEV, 2012[1928], p. 197)

O tema, propriedade de cada enunciação formada por um ou mais signos (um signo linguístico pode corresponder a uma enunciação global), realiza-se completa e exclusivamente através de um acento de valor ou apreciativo ou, ainda, uma entonação expressiva ou um tom emotivo-volitivo, que está relacionado com a situação social imediata (VOLOCHINOV/BAKHTIN, 1995[1929], p. 134), sendo inseparável dela (MEDVIÉDEV, 2012[1928], p. 197), determina o estilo e a composição do enunciado (BAKHTIN, 2006b[1952-53/1979], p. 296).

O acento apreciativo em cada enunciação é possibilidade de uma reavaliação de sentido, variando os índices de valor, alargando ou modificando o sentido absorvido pelo tema, resultando na evolução semântica relacionada à evolução do horizonte apreciativo de um dado grupo social (VOLOCHINOV/BAKHTIN, 1995[1929], p. 135-136).

Aqui cabe mencionar que Bakhtin (2010[1920-1924]) caracteriza cada ser humano como um centro de valores situado em um lugar único no seu existir singular, em determinado tempo e espaço, a partir do qual se relaciona com o mundo. “Do lugar único da minha participação no existir, o tempo e o espaço na sua singularidade são individuados e incorporados como momentos de uma unicidade concreta e valorada” (BAKHTIN, 2010[1920-1924], p. 121), ou seja, “cada tempo e cada espaço matematicamente possíveis (infinitos possíveis passado e futuro) adquire uma consistência de ordem valorativa” (BAKHTIN, 2010[1920-1924], p. 122) a partir de um sujeito, um centro de valores. Esse centro de valores está submetido a uma arquitetônica concreta com três momentos emotivo-volitivos centrais: eu-para-mim, o outro-para-eu-para-mim, eu-para-o-outro. A estes momentos, “caracterizados em termos da alteridade” (PONZIO, 2010, p. 23), tendem “todos os valores e as relações espaço-temporais e de conteúdo-sentido” (BAKHTIN, 2010[1920-1924], p. 115), sendo os “valores da vida real e da cultura: valores científicos, estéticos, políticos (incluídos também os éticos e sociais) e, finalmente, religiosos.” (BAKHTIN, 2010[1920-1924], p. 114-115) É somente nessa situação, envolto pela arquitetônica concreta, que um sujeito enuncia, compreende e replica ativamente fazendo uso dos

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gêneros, que possibilitam a comunicação discursiva através da elaboração de enunciados.

Além do tema, outro elemento essencial dos gêneros do discurso é o estilo da linguagem, caracterizado “pela seleção de recursos lexicais, fraseológicos e gramaticais da língua” (BAKHTIN, 2006b[1952-53/1979], p. 261). Essas escolhas são impregnadas “da atitude avaliativa do autor com relação ao conteúdo”, considerando seu ouvinte, a concordância ou a discordância dele, para expressar sua posição social básica (VOLOCHINOV/BAKHTIN, 1976[1926], s/p). Pode aparecer como estilo individual, quando estiver associado a gêneros do discurso que requerem uma forma menos padronizada, além de depender do aspecto expressivo, ou seja, “a relação subjetiva emocionalmente valorativa do falante com o conteúdo do objeto e do sentido do seu enunciado.” (BAKHTIN, 2006b[1952-53/1979], p. 289), levando em conta seu ouvinte.

A forma composicional assim como o estilo é determinada pelo elemento semântico-objetal (BAKHTIN, 2006b[1952-53/1979], p. 296), ou melhor, o tema, além de serem influenciados também pela percepção e representação que o falante tem de seus interlocutores (BAKHTIN, 2006b[1952-53/1979], p. 301). A forma composicional é o elemento que organiza, ordena composicionalmente o material linguístico, expressando a ativa avaliação do falante em direção do ouvinte e em direção do objeto do enunciado, o herói, seu conteúdo (VOLOCHINOV/BAKHTIN, 1976[1926], s/p). As formas de gênero

são bem mais flexíveis, plásticas e livres que as formas da língua. Também neste sentido a diversidade dos gêneros do discurso é muito grande. Toda uma série de gêneros sumamente difundidos no cotidiano é de tal forma padronizada que a vontade discursiva individual do falante só se manifesta na escolha de um determinado gênero e ainda por cima na sua entonação expressiva. Assim são, por exemplo, os diversos gêneros cotidianos breves de saudações, despedida, felicitações, votos de toda espécie, informação sobre saúde, as crianças, etc. A diversidade desses gêneros é determinada pelo fato de que eles são diferentes em função da situação, da posição social e das relações pessoais de reciprocidade entre os participantes da comunicação [...]. (BAKHTIN, 2006b[1952-53/1979], p. 283)

Outros exemplos de formas composicionais de gênero são: o poema, o conto, a novela, o anúncio de propaganda, o comercial etc., formas mais complexas e elaboradas (ou melhor, gêneros secundários que “incorporam e reelaboram

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diversos gêneros primários (simples), que se formaram nas condições da comunicação discursiva imediata” (BAKHTIN, 2006b[1952-53/1979], p. 263). Vale lembrar que “o capítulo, a estrofe, o verso são articulações puramente composicionais.” (BAKHTIN, 1993[1924], p. 24)

Esses três elementos essenciais compõem os gêneros do discurso, importantes para nossa comunicação, pois, conforme Bakhtin (2006b[1952-53/1979], p. 282), “falamos por gêneros diversos”, ou melhor, moldamos nosso discurso nas formas de gênero (BAKHTIN, 2006b[1952-53/1979], p. 283) que são aprendidos por nós, como a língua materna, que nos chega pelas enunciações concretas. Dessa forma,

quanto melhor dominamos os gêneros tanto mais livremente os empregamos, tanto mais plena e nitidamente descobrimos neles a nossa individualidade (onde isso é possível e necessário), refletimos de modo mais flexível e sutil a situação singular da comunicação; em suma, realizamos de modo mais acabado o nosso livre projeto de discurso. (BAKHTIN, 2006b[1952-53/1979], p. 285)

Ao nos aproximarmos da noção de Design, do Grupo Nova Londres (GNL), e também da cadeia de criatividade e de compreensão ideológicas ou cadeia de comunicação discursiva, do Círculo de Bakhtin, podemos perceber certa consonância entre esses conceitos. Isso porque envolvem a interação entre locutores e elementos já apreendidos por eles, os available designs e os gêneros do discurso aprendidos via enunciados concretos. O segundo momento da noção do Design, o designing, pode ser relacionado à compreensão ideológica em que o interlocutor coloca em relação os signos ideológicos conhecidos com os do enunciado daquele momento, compreendendo e formulando sua réplica ativa. O terceiro momento the redesigned está relacionado com essa réplica, em que um novo enunciado concreto é expresso com a entonação, a avaliação apreciativa, daquele locutor envolvido naquele contexto social-histórico específico. Desse modo, compõe-se uma cadeia em que nos apropriamos cada vez mais de outros available designs, gêneros do discurso que circulam através das diversas esferas da atividade humana, ocorrendo aprendizagem, possibilitando a criação de designs de futuros sociais19, já que mais e mais dominamos os diversos gêneros do discurso, o que nos

19Utilizamos a palavra design, entendendo-na nos dois sentidos (COPE; KALANTZIS, 2009, p. 175): a

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