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A Lei nº 12.564/2012 e a coleta de perfil genético como meio de identificação criminal no Brasil: entre a eficiência e as garantias

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GRANDE DO SUL

ADRIANA BENTZ

A LEI Nº 12.564/2012 E A COLETA DE PERFIL GENÉTICO COMO MEIO DE IDENTIFICAÇÃO CRIMINAL NO BRASIL: ENTRE A EFICIÊNCIA E AS

GARANTIAS

Ijuí (RS) 2019

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ADRIANA BENTZ

A LEI Nº 12.564/2012 E A COLETA DE PERFIL GENÉTICO COMO MEIO DE IDENTIFICAÇÃO CRIMINAL NO BRASIL: ENTRE A EFICIÊNCIA E AS

GARANTIAS

Trabalho de Conclusão de Graduação em Direito objetivando a objetivando a aprovação no componente curricular Trabalho de Conclusão de Curso – TCC. UNIJUÍ – Universidade Regional do Noroeste do Estado do Rio Grande do Sul. DCJS – Departamento de Ciências Jurídicas e Sociais.

Orientador: Dr. Maiquel Ângelo Dezordi Wermuth

Ijuí (RS) 2019

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Dedico este trabalho à minha família que é a minha mola propulsora para enfrentar todos os desafios, a qual se manteve firme ao meu lado durante toda esta jornada.

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AGRADECIMENTOS

Aos meus pais pelo empenho na construção do meu caráter e por todo o amor, carinho e incentivo em mim depositado. Sem vocês eu nada seria.

Às minhas irmãs Andréia e Andressa pelo companheirismo, afeto, cumplicidade, e por não me deixarem desistir.

À minha afilhada Lorena que chegou quando tudo estava difícil e, com sua inocência e seu amor puro, me reacendeu.

Ao meu orientador Maiquel Ângelo Dezordi Wermuth, por todo o conhecimento compartilhado, pela atenção, paciência e disponibilidade.

Aos colegas do Ministério Público, por todo o aprendizado e valores repassados, especialmente à Dra. Fernanda Broll Carvalho, pelo exemplo de humildade e de ser humano, e ao Jonathan Gazolla e à Gabriela Camozzato Gazolla que me acolheram em sua família e, por todo o período, mantiveram-me motivada a continuar.

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“Que o castigo, se assim posso exprimir, fira mais a alma do que o corpo.” Gabriel de Mably

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O presente trabalho de conclusão de curso faz uma análise da Lei nº 12.654/2012, responsável por alterar as Leis nºs 12.037, de 10 de outubro de 2009, e 7.210, de 11 de julho de 1984 (Lei de Execução Penal), para prever a coleta de perfil genético como forma de identificação criminal, trazendo, ainda, outras providências. Assim, em um primeiro momento, far-se-á um retrospecto histórico do uso de dados de DNA e do surgimento dos bancos de dados de perfis genéticos para fins de persecução criminal, bem como analisar-se-ão os principais tratados internacionais que regulamentam a prática sobre o tema. Na sequência, a abordagem discorrerá sobre o surgimento dos bancos de dados de perfis genéticos no Brasil, além de abordar as correntes doutrinárias que buscam justificar os pontos pelos quais são contrários ou favoráveis à coleta de material genético, e a violação dos princípios constitucionais e processuais penais que limitam o poder punitivo do Estado. De modo geral, o trabalho tem por escopo demonstrar que a aplicação da Lei nº 12.654/2012 é responsável por gerar exclusões sociais, contrárias ao Estado Democrático de Direito. A metodologia empregada foi a de pesquisa hipotético-dedutiva, com adoção de técnica de pesquisa bibliográfica.

Palavras-Chave: Identificação Criminal. Coleta de Material Genético. Princípios constitucionais e processuais penais. Estado Democrático de Direito. Exclusão Social.

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This work completes the course of Law 12.654/2012, responsible for amending Laws 12.037, of October 10 2009 and 7.210, of July 111984 (Criminal Enforcement Law), to provide for the collection of genetic profile as a form of criminal identification, bringing, also, other measures. Thus, in the first instance, a historical review of the use of DNA data and the emergence of databases of genetic profiles for criminal prosecution will be done, as well as the main international treaties that regulate practice on the topic. The approach will focus on the emergence of genetic profiling databases in Brazil, as well as addressing doctrinal trends that seek to justify the points for which they are contrary or favorable to the collection of genetic material, and violation of constitutional and procedural principles punitive power of the State. In general, the purpose of this study is to demonstrate that the application of Law No. 12.654/2012 is responsible for generating social exclusion, contrary to the Democratic Rule of Law. The methodology used was that of hypothetical-deductive research, with the adoption of a bibliographic research technique.

Keywords: Criminal Identification. Collection of genetic material. Constitutional and procedural principles. Democratic state. Social exclusion.

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INTRODUÇÃO ... 8 1 OS BANCOS DE DADOS DE PERFIS GENÉTICOS E SUA REGULAÇÃO NOS TRATADOS INTERNACIONAIS DE DIREITOS HUMANOS ... 10 1.1 Conceito de bancos de dados de perfis genéticos e a contextualização histórica do uso de dados de DNA e da criação dos bancos de perfis genéticos para fins de persecução criminal ... 11 1.2 Contextualização histórica do uso de dados de DNA e da criação dos bancos de perfis genéticos para fins de persecução criminal ... 14 1.3 Os tratados internacionais e a regulação acerca da utilização de material genético e da criação de bancos de dados de armazenamento ... 17

2 A LEI Nº 12.654/2012 E A INSTITUIÇÃO DOS BANCOS DE DADOS DE PERFIS GENÉTICOS NO BRASIL: O TENSIONAMENTO DE GARANTIAS PROCESSUAIS PENAIS EM NOME DA EFICIÊNCIA ... 24 2.1 Surgimento dos bancos de dados de perfis genéticos no Brasil e as correntes favoráveis e contrárias à sua criação ... Erro! Indicador não definido.25 2.2 O tensionamento de princípios constitucionais e processuais penais a partir da instituição dos bancos de dados de perfis genéticos no Brasil ... 41 CONCLUSÃO ... 49

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INTRODUÇÃO

O presente trabalho apresenta um estudo acerca da Lei nº 12.654/2012, publicada em 29 de maio de 2012, responsável por alterar as Leis nºs 12.037, de 10 de outubro de 2009, e 7.210, de 11 de julho de 1984 (Lei de Execução Penal), para prever a coleta de perfil genético como forma de identificação criminal no processo penal brasileiro e a criação de bancos de dados de perfis genéticos. Essa pesquisa se faz necessária levando-se em consideração o reiterado desrespeito a direitos fundamentais dos acusados, ainda que assegurados por Tratados Internacionais e previstos no ordenamento jurídico brasileiro, bem como face a discussão no tocante ao tema.

Dessa forma, o estudo pretende responder em que medida a criação dos bancos de dados de DNA no Brasil, por meio da Lei nº 12.654/2012, viola as garantias processuais penais do acusado, bem ainda se tal norma se coaduna com o Estado Democrático de Direito. Busca, também, verificar em que medida a aplicação da Lei nº 12.654/2012 encaminha o Brasil para um processo de retrocesso ao colocar indivíduos em situação de desigualdade.

Para a realização deste trabalho foram efetuadas pesquisas bibliográficas e por meio eletrônico, analisando-se também os tratados internacionais que regulamentam o tema e os textos legais que integram o ordenamento jurídico brasileiro, a fim de enriquecer o texto elaborado e permitir um aprofundamento no estudo que ainda se mostra incontroverso, após sete anos de promulgação da Lei.

Inicialmente, no primeiro capítulo, será analisado o conceito de bancos de dados de perfis genéticos, perpassando por uma contextualização histórica acerca da

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utilização do DNA e da criação dos bancos de perfis genéticos para fins de persecução criminal. Ainda, será feito um estudo dos tratados internacionais que regulamentam a utilização de material genético e da criação de bancos de dados de armazenamento, destacando-se a importância destes na construção dos limites da utilização de material genético e da criação de bancos de dados de armazenamento, tendo em vista que não podem ser revogados por lei ordinária posterior, vez que possuem status material constitucional.

No segundo capítulo, será apresentado um retrospecto histórico acerca do surgimento dos bancos de dados de perfis genéticos no Brasil, analisando-se a incorporação da Lei nº 12.654/2012 no ordenamento jurídico brasileiro e as alterações trazidas nas Leis nºs 12.037/2009 e 7.210/1984 (Lei de Execução Penal). Além disso, investigará as teses contrárias e favoráveis à criação dos bancos de perfis genéticos no Brasil, com exposição dos elementos utilizados para formular o convencimento da sociedade e, ao final, serão explanados os princípios constitucionais e processuais penais que orientam o sistema, tecendo-se considerações sobre o afrontamento destes, especialmente no que concerne ao princípio nemo tenetur se detegere, princípio da presunção de inocência e princípio da dignidade da pessoa humana.

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1 OS BANCOS DE DADOS DE PERFIS GENÉTICOS E SUA REGULAÇÃO NOS TRATADOS INTERNACIONAIS DE DIREITOS HUMANOS

O avanço da tecnologia e da ciência em prol da sociedade foi responsável por solucionar, a partir da análise das moléculas de DNA, diversos problemas sociais, especialmente no que concerne às questões relacionadas ao âmbito da saúde, sendo que o uso frequente destas moléculas permitiu a criação de bancos de dados de perfis genéticos. Dessa forma, considerando o rápido avanço do desenvolvimento biotecnológico, surge a chamada genética forense e os bancos de dados para fins de persecução criminal.

A partir de então, os bancos de DNA passaram a ser utilizados com a finalidade de armazenamento de informações genéticas criminais, obtidas a partir do acesso ao corpo humano, ou parte dele, para alcançarem os fins desejados. Neste diapasão, surgem questionamentos éticos e legais, no meio jurídico, acerca do conflito entre a utilização do avanço tecnológico e o respeito à dignidade da pessoa.

É preciso lembrar que o ordenamento jurídico brasileiro é composto por institutos internacionais garantidores dos direitos humanos, capazes de sobreporem-se às normas jurídicas internas. No tocante ao tema, sobreporem-serão analisados os sobreporem-seguintes documentos normativos: a Declaração Universal sobre o genoma humano e os direitos humanos; a Declaração Internacional sobre dados genéticos humanos; e a Declaração Universal sobre Bioética e Direitos Humanos.

Ante o exposto, o presente capítulo tem como foco principal conceituar bancos de dados de perfis genéticos, perpassando, posteriormente, pela contextualização histórica acerca do uso do material genético e da criação dos bancos de DNA para fins de persecução criminal. Ainda, far-se-á, ao final, uma análise dos principais institutos internacionais que regulamentam o tema, a fim de proporcionar uma reflexão sobre a eticidade da implantação destes bancos face aos riscos de violação à dignidade humana.

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1.1 Conceito de bancos de dados de perfis genéticos e a contextualização histórica do uso de dados de DNA e da criação dos bancos de perfis genéticos para fins de persecução criminal

No que tange à identificação do ser humano, tem-se que, desde os primórdios, este sempre foi considerada um desafio para a sociedade, seja no âmbito civil ou penal. Apesar disso, se faz necessária, uma vez que é responsável por diferenciar pessoas ou coisas entre si. Como afirmam Araújo e Pasquali (2018) “mais do que apenas reconhecer uma pessoa, é preciso individualizá-la, estabelecendo uma identidade”. Diante disso, hodiernamente, a referida identificação tornou-se um recurso indispensável à sociedade civilizada, possibilitando, inclusive, o desenvolvimento de novas formas de identificação dos autores de fatos delitivos, conforme prevê a Lei nº 12.654/2012, de modo que, é imprescindível um retrospecto histórico para que se possa entender o que hoje conhecemos e usufruímos.

Moreno (2008, p. 224), buscando conceituar dados genéticos, afirma que el genoma humano es el conjunto de todo el material genético; es decir, de todos los factores hereditarios de la persona contenidos em los cromosomas, entendiendo que todas las células de dicho organismo contienen tal información genética; por lo tanto, el genoma es información sobre cada individuo, sobre su familia biológica y sobre la espécie a la que pertenece.

Da mesma forma, Moreno (2008, p. 229) discorre que a expressão dados genéticos

también se refiere a todos los datos sobre cualquier información genética que el individuo porte (genes) y a los datos de la línea genética relativos a cualquier aspecto de la salud o la enfermedad, ya se presente con características identificables o no.

A partir de tais considerações, imprescindível salientar que, tendo em vista que os dados genéticos estão presentes em qualquer elemento do corpo humano, a coleta destes pode ser obtida pelos mais diversos meios, como por exemplo o sangue, o sêmen, a saliva, os pelos e os tecidos (MORENO, 2008).

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Dito isso, segundo Poster (1991, p. 284), os bancos de dados de DNA são conceituados como sendo

formas de discurso, pois constituem o sujeito através dos símbolos de sua linguagem escrita e conferem poder a quem os opera e possui, pois porta informações acerca dos sujeitos que subjuga ao inseri-los em seu interior. Eles são formas de escrita, bem como de inscrição de traços simbólicos, e estendem o princípio básico da escrita como uma diferenciação, ou seja, têm sua maior realização no tornar diferentes e divididas as informações neles inseridas, amplificando o poder do seu controlador.

Ainda, nesse sentido, Fornasier e Wermuth (2018, p. 8) asseveram que

mediante o banco de dados, o sujeito foi multiplicado e descentrado, capaz de sofrer ações de computadores em muitas localizações sociais sem a menor consciência pelo indivíduo interessado ainda apenas tão certamente quanto se o indivíduo estivesse presente, de alguma forma, dentro do computador.

Santana e Abdalla-Filho (2012, p. 32), por sua vez, discorrem que os bancos de dados de perfis genéticos

são bases estruturadas de resultados de análises de perfis genéticos indivíduo-específicos. Podem servir para indicar a autoria de um ato delituoso ou para inocentar suspeitos, por meio da comparação dos perfis obtidos em locais de crimes ou de pessoas envolvidas nestes crimes, com os padrões genéticos armazenados nas bases de dados que formam o banco.

Neste diapasão, pode-se dizer que os bancos de dados de perfis genéticos dividem-se quanto ao seu conteúdo e finalidade. Em relação ao conteúdo, diferenciam-se em: bancos de dados de identificação genética; bancos de dados de arquivos de amostras biológicas; e bancos de dados de arquivos de DNA, sendo os dois últimos também conhecidos como “biobancos”1. No tocante à finalidade, os

bancos de dados compreendem as finalidades genéricas, profissionais e forenses, de modo que, quanto a última, pode ser dividida em forenses criminais e forenses civis (BONACCORSO, 2010, p. 57).

1 Os biobancos são reservatórios de longa duração, cujos materiais armazenados podem ser utilizados em várias pesquisas, e ficam sob responsabilidade da instituição (FIOCRUZ, 2019).

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No que tange ao conteúdo, somente os bancos de dados de identificação genética são caracterizados como bancos de dados propriamente ditos2, tendo em

vista que os arquivos de DNA não acumulam dados que possam ser acessíveis automaticamente e os arquivos de amostras biológicas possuem potencial imediato como fonte de informação menor em comparação com os arquivos de DNA, uma vez que o DNA não foi extraído das células dessas amostras (BONACCORSO, 2010). Assim, o real interesse deste trabalho serão os bancos de dados de identificação genética.

Destarte, os bancos de dados de identificação genética contêm dados alfanuméricos, com letras e números que identificam os indivíduos e os diferem dos demais, os quais são divididos em duas colunas, sendo que a primeira coluna abrangerá os dados de identificação e a segunda coluna demonstrará o genótipo, de modo que, ao final serão relacionadas, a fim de obter-se as mais diversas variações (BONACCORSO, 2010).

Relativamente à finalidade, Bonaccorso (2010) destaca que os bancos de dados forenses criminais são utilizados como meios de identificação da prática delituosa e como prova apta a inocentar suspeitos, uma vez que ocorrerá a comparação dos perfis genéticos obtidos no local do crime ou de pessoas envolvidas com o delito, com o perfil genético armazenado nas bases de bancos de dados.

Nesse sentido, preleciona que

a análise forense de DNA se presta, no núcleo principal de sua finalidade, a estabelecer a existência ou não de vínculos genéticos entre amostras-questionadas (vestígios de origem biológica desconhecida) e amostras-referência (retiradas de pessoas conhecidas), concluindo-se pela exclusão ou pela determinação da origem individual de cada vestígio e, a partir desse ponto e mesmo coligado a outros meios de prova, eventualmente reconstruir parcial ou totalmente a dinâmica do ato infracional (BONACCORSO, 2010, p. 54).

2 Bancos de dados propriamente ditos são aqueles que contém apenas dados alfanuméricos, inseridos

em um suporte de informática (ou copiados em papel para garantir sua segurança) (BONACCORSO, 2010, p. 57).

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No que diz respeito ao tempo de permanência e a forma de armazenamento dos perfis genéticos coletados, insta consignar que não há uma regra a ser seguida, de modo que, em alguns casos, os dados permanecem por tempo indefinido, como ocorre na Inglaterra, na Noruega e na Áustria. Gize-se, porém, que, em princípio, os materiais acondicionados pertencem a indivíduos condenados, suspeitos ou amostras anônimas, os quais, comumente, são armazenados separadamente, a fim de tornar possível a diferenciação da atual situação da pessoa a quem concernem. Contrariamente a isto, cita-se a Alemanha que, por sua vez, é considerada o único país que não dissocia os dados pessoais dos dados genéticos de cada indivíduo, mantendo-os em uma mesma base (SANTANA; ABDALLA-FILHO, 2012).

Ante o exposto, é sabido que a criação de bancos genéticos ocorre com finalidades distintas. No que concerne ao presente trabalho, far-se-ão considerações acerca dos bancos de dados de identificação genética e dos bancos de dados forenses criminais, analisando-se a complexidade e as implicações trazidas por estes, uma vez que, mormente tratam-se de casos de acesso ao material biológico (genético) humano.

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A utilização de perfis genéticos para fins de elucidação de crimes foi iniciada no ano de 1984, por Alec Jeffreys, em Leicester, no Reino Unido, o qual, observando as regiões hipervariáveis do genoma humano, foi responsável por descobrir os chamados “minissatélites”3. A partir da análise de pequenas quantidades de DNA, que se encontravam nas cenas de investigações criminais, Jeffreys constatou as sequências repetitivas únicas de bases nitrogenadas de cada indivíduo, denominando-as de “DNA fingerprinting” ou “impressões digitais do DNA” (ALMEIDA, 2014).

De acordo com Pinheiro (2018),

a identificação genética pressupõe sempre o estabelecimento da individualidade biológica que cada ser humano representa e fundamenta-se na exclusividade do seu DNA e na igualdade e invariabilidade deste em todas as células do organismo ao longo da vida. Ou seja, o DNA é único para cada ser humano e este fica

3Os minissatélites ou locos VNTR ('Variable Number of Tandem Repeats') são regiões dispersas no

genoma que contém um número variável de sequências repetidas e enfileiradas (tandem) de DNA que têm um núcleo comum de 10 a 15 pares de bases (Jeffreys et al. apud Nodari et al., 2016).

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perfeitamente identificado através do seu estudo em qualquer vestígio biológico que lhe pertença.

Ainda, em meados da década de 1980, as impressões digitais do DNA foram utilizadas em amostras forenses por laboratórios do Reino Unido, Estados Unidos e Canadá. Esse trabalho foi responsável por demonstrar que o DNA encontrado nas amostras forenses era suficiente para a aplicabilidade do teste (BONACCORSO, 2005).

Entretanto, no ano de 1985, um ano após a descoberta histórica de Jeffreys, o material genético foi utilizado oficialmente como meio de prova para a resolução de um conflito de imigração, quando uma jovem, ao retornar de uma viagem a Gana, seu país de origem, teve seu acesso proibido no Reino Unido, país em que residia, sob suspeita de utilização de documentação falsa. Diante desse entrave, solicitou-se a Jeffreys a utilização de sua técnica, por meio da qual se comprovou que a família biológica do rapaz de fato residia na Inglaterra, permitindo, assim, o seu regresso (BONACCORSO, 2005). A partir de então a técnica passou a ser utilizada para fins criminais, tornando-se meio indispensável para identificação dos autores dos delitos praticados, até então sem culpados, vez que permitiam que pequenas quantidades de vestígios encontrados no local fossem objetos de análises laboratoriais.

Na esfera criminal, a primeira identificação utilizando a técnica de Jeffreys ocorreu no ano de 1986 na Inglaterra, conhecida como Caso Leicester. Em suma, o caso narra a história de duas meninas com 15 anos de idade, as quais foram mortas após violência sexual, sendo que os corpos foram encontrados nos anos de 1983 e 1986, sendo que, à época, um homem assumiu a autoria do fato delitivo, razão pela qual foi preso. Ocorre que, colhido o sêmen do corpo das vítimas, o cientista Alec Jefrreys foi convidado pela polícia a realizar exames nas amostras coletadas, quando foi constatado que o réu confesso não era o real autor dos crimes. Dessa forma, a polícia local simulou uma campanha de doação de sangue na região, quando, a partir dos dados coletados, foi identificado o verdadeiro assassino que, posteriormente, foi condenado (KLEIN, 2013).

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Outro caso emblemático ocorreu no Reino Unido, envolvendo Marion Crofts, de 14 anos de idade, que teve seu corpo encontrado com sinais de violência sexual, no ano de 1981. Da mesma forma, foram coletados vestígios de material orgânico, sendo que, no ano de 1999, os dados foram inseridos no banco de dados do país. Posteriormente, passados dois anos da inserção dos vestígios extraídos do corpo da adolescente Marion, um militar aposentado foi preso, acusado de ter agredido sua esposa, quando teve seu DNA coletado e armazenado no sistema. O seu DNA foi compatível com as informações do crime cometido vinte anos antes, motivo pelo qual foi condenado à prisão perpétua pelo assassinato da adolescente Marion Crofts (KLEIN, 2013).

Nos anos subsequentes, devido à credibilidade depositada sobre a técnica de Jeffreys, a análise de DNA intensificou-se, sendo utilizada por diversos países, de modo que as informações passaram a ser armazenadas e sistematizadas em computadores, a fim de tornar possível o acesso futuro, com o intuito de contribuir para a resolução de delitos cuja autoria fosse desconhecida ou questionável.

Esse método foi responsável por aumentar o número de punições e, ao mesmo tempo, diminuir o número de injustiças que ocorriam quando da prisão de pessoas inocentes (ALMEIDA, 2014), as quais têm como principal causa de erros nas condenações o reconhecimento visual equivocado por parte das vítimas e testemunhas que simplesmente enganam-se ao reconhecer o suspeito.

Em face disso, foram criados os bancos de dados de perfis genéticos para fins criminais, com o intuito de atuarem como ferramentas de investigação, levando-se em consideração que, para obterem êxito, as amostras coletadas devem ser armazenadas de modo a manter sua preservação, sendo necessário, para isso, peritos qualificados, com técnicas de manuseamento e embalagem, uma vez que propiciarão o “confronto automatizado dos perfis genéticos de referência, que são os armazenados nos bancos, com amostras procedentes de vestígios oriundos de locais de crimes e amostras de suspeitos e condenados” (ALMEIDA, 2014, p. 25).

Pelo narrado, resta incontroverso que a utilização dos bancos de dados de perfis genéticos surgiu com o avanço da modernidade, com o intento de solucionar

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uma diversidade de conflitos de interesse da sociedade em geral, bem como dos cidadãos em particular. Entretanto, os direitos e as liberdades desses mesmos cidadãos não podem ser esquecidos, motivo pelo qual, a seguir, far-se-á uma análise jurídica dos instrumentos internacionais da bioética que contribuem para a compreensão do tema.

1.3 Os tratados internacionais e a regulação acerca da utilização de material genético e da criação de bancos de dados de armazenamento

No âmbito do direito internacional, primeiramente, faz-se mister elucidar o termo soft law, conceituado nas palavras de Abbud (2014) como uma

expressão usada para designar uma realidade bastante ampla e variada. Em um sentido mais genérico, refere-se a qualquer instrumento regulatório dotado de força normativa limitada, isto é, que em princípio não é vinculante, não cria obrigações jurídicas, mas ainda assim pode produzir certos efeitos concretos aos destinatários. Às vezes a expressão identifica documentos cuja própria forma é “soft”, como memorandos de entendimentos e recomendações, às vezes conteúdos pouco constritivos, como normas e princípios formulados com cláusulas gerais e conceitos jurídicos indeterminados, outras vezes ainda regras que não podem ser impostas por mecanismos compulsórios de resolução de disputas (“soft enforcement”).

No mesmo sentido, Schiocchet (2012) preleciona que a soft law trata-se de uma terceira fonte de direito internacional, presente na seara dos direitos humanos e das novas tecnologias. Trata-se, pois, de um “direito internacional em construção” (LENOIR; MATHIEU, 1998, p. 3).

Dito isso, destaca-se que, dentre os principais documentos normativos internacionais da soft law concernentes ao tema, cita-se a Declaração Universal sobre o genoma humano e os direitos humanos; a Declaração Internacional sobre dados genéticos humanos; e a Declaração Universal sobre Bioética e Direitos Humanos.

A Declaração Universal sobre o genoma humano e os direitos humanos, aprovada pela XXIX Conferência da UNESCO, em 11 de novembro de 1997 (BERGEL, 2018), contando com a presença de 186 Estados, surgiu com o fim principal

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de regulamentar as investigações genéticas, uma vez que o avanço desenfreado desta prática foi responsável por gerar grande impacto sobre os direitos humanos, de tal modo que as normas nacionais tornaram-se insuficientes para a proteção do ser humano como sujeito de direitos. Gediel (2000, p. 3), complementando, ensina que a Declaração Universal sobre o genoma humano e os direitos humanos

exerce uma função jurídica regulatória e qualifica o genoma humano como objeto de relações jurídicas intersubjetivas, tornando-o um bem jurídico indisponível e, em sentido simbólico, herança ou patrimônio da humanidade.

De maneira oportuna, ressalta-se que, da análise do texto regulamentador, verifica-se que a referida Declaração inicia-se com o capítulo intitulado "A dignidade humana e os direitos humanos" (UNESCO, 2001). Consequentemente, acentua-se que, é com base neste princípio que este diploma internacional institui-se, pois conforme ensinamentos de Salvador Darío Bergel (2018), o princípio da dignidade da pessoa se converte “en guía insoslayable para interpretar y aplicar los principios que estabelece”.

Outrossim, impende destacar o artigo 7º da Declaração que prevê a proteção da confidencialidade dos dados genéticos, a fim de garantir que não sejam utilizados para fins ilícitos e abusivos, bem como para prevenir a má utilização das informações genéticas, uma vez que tais atos poderiam atingir, de modo irreparável, os direitos fundamentais do portador, gerando consequências tanto a este quanto a terceiros (familiares, cônjuge/companheiro etc.) (UNESCO, 2001).

Acrescente-se, ainda, que, como dito anteriormente, o princípio da dignidade da pessoa humana é responsável pela interpretação dos demais princípios constantes na Declaração Universal sobre o genoma humano e os direitos humanos, ainda que de maneira superficial, tais como o princípio do consentimento prévio, livre e informado sobre os fins da pesquisa, tratamento ou diagnóstico relacionado ao genoma do indivíduo. Nesse sentido, Bergel (2018) adverte que

la creciente utilización de la información genética con finalidades ajenas a la clínica pone en tela de juicio el solo requerimiento del

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consentimiento informado como forma de resguardar la libertad del individuo y su derecho a la autodeterminación.

Por sua vez, a Declaração Internacional sobre Dados Genéticos Humanos, aprovada pela Conferência Geral da UNESCO, em 16 de outubro de 2003, que tem por objetivo garantir o respeito da dignidade humana e a proteção dos direitos humanos e das liberdades fundamentais em matéria de recolha, tratamento, utilização e conservação de dados genéticos humanos, em conformidade com os imperativos de igualdade, justiça e solidariedade, define em seu artigo 2º os dados genéticos humanos como “informações relativas às características hereditárias dos indivíduos, obtidas pela análise de ácidos nucleicos ou por outras análises científicas” (UNESCO, 2004).

Interessante notar que o artigo 6º estabelece a forma de procedimento a ser seguido para a criação de bancos de dados genéticos, fazendo referência ao recolhimento, tratamento, utilização e conservação do material nas bases éticas. Outrossim, prevê que todo procedimento deverá prestar ao indivíduo que está fornecendo o material, de maneira clara, objetiva e adequada, informações sobre as finalidades, momento em que será solicitado o consentimento prévio, livre, informado, expresso e, principalmente, sem coerção.

(d) Do ponto de vista ético, é imperativo que sejam fornecidas informações claras, objetivas, adequadas e apropriadas à pessoa a quem é solicitado consentimento prévio, livre, informado e expresso. Estas informações, além de fornecerem outros pormenores necessários, especificam as finalidades para as quais serão obtidos, utilizados e conservados os dados genéticos humanos e dados proteômicos da análise das amostras biológicas. Estas informações deverão se necessário, indicar os riscos e consequências em causa. Deverão igualmente indicar que a pessoa poderá retirar o seu consentimento sem coerção e que daí não deverá resultar para ela qualquer desvantagem ou penalidade (UNESCO, 2004).

Ainda sob o ponto de vista do consentimento, o artigo 8º, alínea “a”, da Declaração, dispõe que será necessário o consentimento prévio, livre, informado e expresso para a coleta de dados genéticos, de dados proteômicos humanos ou de amostras biológicas, seja ela efetuado por métodos invasivos ou não-invasivos, independentemente de ser realizada por instituições públicas ou privadas. Não bastasse, complementa informando que “só deverão ser estipuladas restrições ao

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princípio do consentimento por razões imperativas impostas pelo direito interno em conformidade com o direito internacional relativo aos direitos humanos” (UNESCO, 2004).

Corroborando com o elencado no parágrafo acima, o artigo 12 refere-se, especificamente à coleta de dados de DNA para fins de persecução penal, dispondo que

quando são recolhidos dados genéticos humanos ou dados proteômicos humanos para fins de medicina legal ou de processos civis ou penais ou outras acções legais, incluindo testes de paternidade, a colheita de amostras biológicas in vivo ou post mortem só deverá ter lugar nas condições previstas pelo direito interno, em conformidade com o direito internacional relativo aos direitos humanos (UNESCO, 2004).

Ou seja, somente será possível a submissão obrigatória do indivíduo quando esta for regulamentada pelo direito interno, que deverá respeitar o direito internacional no tocante aos princípios garantidores dos direitos humanos. Este tema será tratado no 2º capítulo, quando se analisará a manifesta violação de tais princípios.

Em seu artigo 7º, considera que os dados genéticos e os dados proteômicos humanos não poderão ser utilizados como meio de discriminação, tampouco com a finalidade de “infringir os direitos humanos, as liberdades fundamentais ou a dignidade humana de um indivíduo, ou para fins que conduzam à estigmatização de um indivíduo, de uma família, de um grupo ou de comunidades” (UNESCO, 2004).

Por fim, nos mesmos moldes da Declaração Universal sobre o genoma humano e os direitos humanos, a Declaração Internacional sobre Dados Genéticos Humanos preconiza a confidencialidade dos dados genéticos (artigo 15). Ressalta-se apenas que, em relação ao período de armazenamento,

não deverão ser conservados sob uma forma que permita identificar o indivíduo em causa por mais tempo que o necessário para alcançar os objectivos com vista aos quais foram recolhidos ou ulteriormente tratados (UNESCO, 2004).

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A Declaração Universal sobre Bioética e Direitos Humanos, por sua vez, possui orientação baseada nas legislações internacionais que preconizam os direitos humanos, o respeito as liberdades fundamentais e a dignidade da pessoa humana. Dentre os objetivos previstos no artigo 2º destacam-se:

(a) proporcionar um enquadramento universal de princípios e procedimentos que orientem os Estados na formulação da sua legislação, das suas políticas ou de outros instrumentos em matéria de bioética;

(c) contribuir para o respeito pela dignidade humana e proteger os direitos humanos, garantindo o respeito pela vida dos seres humanos e as liberdades fundamentais, de modo compatível com o direito internacional relativo aos direitos humanos;

(d) reconhecer a importância da liberdade de investigação científica e dos benefícios decorrentes dos progressos da ciência e da tecnologia, salientando ao mesmo tempo a necessidade de que essa investigação e os consequentes progressos se insiram no quadro dos princípios éticos enunciados na presente Declaração e respeitem a dignidade humana, os direitos humanos e as liberdades fundamentais (UNESCO, 2006).

Sinala-se que,

alguns princípios éticos presentes na Declaração estão intimamente relacionados à problemática do arquivamento de perfis genéticos em base de dados para fins criminais, tais como: o princípio da autonomia e responsabilidade individual, o princípio da vida privada e da confidencialidade, o princípio do consentimento, o princípio da igualdade, justiça e equidade, bem como o princípio da não discriminação e não estigmatização (SANTANA; ABDALLA-FILHO, 2012, p. 33).

O princípio da autonomia, previsto no artigo 5º, diz respeito à tomada de decisões pelo indivíduo em relação ao seu próprio corpo, considerando que as informações contidas no genoma são de sua propriedade, as quais, desde que assumam a respectiva responsabilidade e respeitem a autonomia dos outros, devem ser respeitadas. Todavia, no caso das pessoas incapazes de exercer a sua autonomia, como por exemplo presos e pessoas portadoras de deficiências mentais, devem ser tomadas medidas especiais para proteger os seus direitos e interesses, concluindo-se que possuem autonomia reduzida, visto que não são capazes de atuarem sozinhas (UNESCO, 2006).

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Em conformidade com as Declarações anteriormente estudadas, a Declaração Universal sobre Bioética e Direitos Humanos preleciona que será assegurado o princípio do consentimento livre e esclarecido, disposto no artigo 6º, que pode ser considerado uma forma de extensão do princípio da autonomia, pois apenas o indivíduo considerado autônomo será capaz de consentir ou recusar a realização de atos e procedimento que possam atingir-lhe diretamente (UNESCO, 2006). Hodiernamente, para fins de persecução penal, o princípio do consentimento pode ser considerado uma das questões mais importantes a ser discutida, dado que as legislações específicas internas desqualificarem esta necessidade.

Imprescindível mencionar o artigo 9º, responsável por contemplar os princípios da vida privada e da confidencialidade, asseverando que “as informações que lhes dizem pessoalmente respeito devem ser respeitadas” (UNESCO, 2006). Dessa forma, conclui-se que, as informações obtidas a partir da análise do genoma devem ser utilizadas, única e exclusivamente, para os fins a que se destinam, os quais, deverão, ainda, estar em conformidade com o direito internacional, especialmente no que tange aos direitos humanos (UNESCO, 2006). Alguns países, a fim de garantir a confidencialidade das informações “já estabeleceram em suas legislações a obrigação de destruir as amostras biológicas após a obtenção do perfil genético” (SANTANA; ABDALLA-FILHO, 2012, p. 35).

Cumpre salientar que o princípio da igualdade, justiça e equidade traduz a ideia de que todas as pessoas devem ser tratadas com igualdade de direitos e de dignidade, a fim de prestar tratamento justo e equitativo (artigo 10) (UNESCO, 2006). Tal princípio será aprofundamento no 2º capítulo deste estudo, no qual será feita uma análise da Lei 12.654/2012 que prevê a obrigatoriedade no fornecimento de perfil genético para inclusão no banco de dados de perfis genéticos, a um grupo específico de indivíduos, desrespeitando, assim, o princípio em tela.

Seguindo a mesma linha de raciocínio verifica-se que a não observação do princípio da igualdade, justiça e equidade gera a discriminação de certos indivíduos, ferindo, de modo grosseiro, o princípio da não discriminação e não estigmatização, expresso no artigo 11 da Declaração. O descumprimento do princípio da não discriminação e não estigmatização é responsável, hoje, por possibilitar que alguns

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grupos da sociedade estejam super-representados, tanto nas bases de dados quanto em locais destinados à privação de liberdade dos indivíduos.

Concluindo as premissas relativas à Declaração Universal de Bioética e Direitos Humanos, cumpre destacar o disposto no artigo 27 da Declaração que assim aduz:

se a aplicação dos princípios enunciados na presente Declaração tiver de ser limitada, deverá sê-lo por lei, nomeadamente pelos textos legislativos sobre a segurança pública, a investigação, detecção e demanda judicial em caso de delito penal, a protecção da saúde pública ou a protecção dos direitos e liberdades de outras pessoas. Qualquer lei deste tipo deve ser compatível com o direito internacional relativo aos direitos humanos (UNESCO, 2006).

Destarte, encerra-se este capítulo, enfatizando-se a importância dos tratados internacionais para a construção dos limites da utilização de material genético e da criação de bancos de dados de armazenamento, uma vez que tais tratados, por constituírem normas de proteção aos direitos humanos, possuem status material constitucional, com aplicação imediata. Destaca-se, ainda, que não podem ser revogados por lei ordinária posterior.

Além disso, ressalta-se que o Estado brasileiro ao firmar tratados internacionais deverá cumprir as obrigações assumidas, sob pena de responsabilização internacional. No entanto, considerando que o Direito Internacional ainda não conta com mecanismos jurídicos internacionais aptos a aplicar as sanções cabíveis, conclui-se que, cabe aos Estados, com baconclui-se nos princípios da boa-fé e da cooperação, garantir a efetivação dos direitos humanos.

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2 A LEI N° 12.654/2012 E A INSTITUIÇÃO DOS BANCOS DE DADOS DE PERFIS GENÉTICOS NO BRASIL: O TENSIONAMENTO DE GARANTIAS PROCESSUAIS PENAIS EM NOME DA EFICIÊNCIA

A promulgação da Lei nº 12.654/2012 foi responsável por gerar grande discussão no tocante à sua constitucionalidade, de modo que a questão foi levantada pela Defensoria Pública do Estado de Minas Gerais perante o Supremo Tribunal Federal, por meio do Recurso Extraordinário 9738374, relativo a um caso específico

de um indivíduo condenado naquele Estado, argumentando a violação dos seus direitos, tal como a afronta ao princípio da não autoincriminação. Foi reconhecida a repercussão geral do referido recurso, o qual aguarda julgamento perante o Plenário. Outrossim, a temática possui especial relevância, tendo em vista que, em razão da repercussão, houve a realização de audiência pública, no decorrer do julgamento do Recurso Extraordinário 973837, realizada no dia 29 de maio de 2017, na qual foram expostas considerações jurídicas e técnicas acerca do tema, a fim de construir esclarecimentos ao público em geral.

Nesse contexto, o presente capítulo irá analisar a contextualização histórica dos bancos de dados de perfis genéticos no Brasil, bem como as correntes doutrinárias decorrentes da temática no âmbito penal, apresentando-as como correntes favoráveis e correntes contrárias, com o intuito de fomentar o debate e enriquecer a reflexão sobre a matéria. Além disso, considerando o entrave gerado em torno da questão debatida, apresentar-se-ão os princípios constitucionais e processuais penais que orientam o sistema, especialmente no que tange aos valores fundamentais à natureza humana.

4 Repercussão geral. Recurso extraordinário. Direitos fundamentais. Penal. Processo Penal. 2. A Lei

12.654/12 introduziu a coleta de material biológico para obtenção do perfil genético na execução penal por crimes violentos ou por crimes hediondos (Lei 7.210/84, art. 9-A). Os limites dos poderes do Estado de colher material biológico de suspeitos ou condenados por crimes, de traçar o respectivo perfil genético, de armazenar os perfis em bancos de dados e de fazer uso dessas informações são objeto de discussão nos diversos sistemas jurídicos. Possível violação a direitos da personalidade e da prerrogativa de não se incriminar – art. 1º, III, art. 5º, X, LIV e LXIII, da CF. 3. Tem repercussão geral a alegação de inconstitucionalidade do art. 9-A da Lei 7.210/84, introduzido pela Lei 12.654/12, que prevê a identificação e o armazenamento de perfis genéticos de condenados por crimes violentos ou

hediondos. 4. Repercussão geral em recurso extraordinário reconhecida.

(RE 973837 RG, Relator(a): Min. GILMAR MENDES, julgado em 23/06/2016, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-217 DIVULG 10-10-2016 PUBLIC 11-10-2016) (BRASIL, 2016).

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2.1 Surgimento dos bancos de dados de perfis genéticos no Brasil e as correntes favoráveis e contrárias à sua criação

No Brasil, o exame de DNA forense chegou aos Tribunais somente no ano de 1994 quando dois Peritos Criminais da Polícia Civil do Distrito Federal foram encaminhados aos Estados Unidos para realizarem a análise de DNA de materiais biológicos extraídos de dois crimes cometidos em Brasília, sendo que

o resultado desse trabalho ensejou os laudos periciais números 96.114 e 96.136, do Instituto de Criminalística do DF, referentes à Ação Penal n.º 4040/93, da 6.ª vara Criminal de Brasília, e o Processo n.º 9672/93, do Tribunal de Justiça do Distrito Federal, respectivamente (BRASIL, 2003).

A partir de então, no ano de 1994, foi aprovada pela Câmara Legislativa do Distrito Federal a Lei nº 803, responsável pela criação da Divisão de Pesquisa de DNA Forense - DPDNA, competente para realizar exames em DNA forense. Já em 1996, foi aprovada a Lei Distrital nº 1.097, que dispõe sobre a realização do exame gratuito do DNA para estabelecimento do vínculo genético da paternidade e maternidade biológica (BRASIL, 2003).

Segundo Godinho (2014, p. 16-17),

a implantação de banco de dados de DNA no Brasil, com finalidade forense, se deu por iniciativa do Ministério da Justiça, através da Secretaria Nacional de Segurança Pública do Ministério da Justiça (SENASP/MJ). Todo processo iniciou com investimentos da SENASP, na capacitação de dezenas de peritos criminais de todo país, entre os anos de 2004 e 2008.

Após a criação de locais apropriados para que o sistema passasse a produzir efeitos, necessária se fez a regulamentação de tais práticas, resultando em mudanças significativas na legislação brasileira. Devido a isso, no ano de 2011, o Senador do Estado do Piauí, Ciro Nogueira, do Partido Progressista, propôs o Projeto de Lei nº 2458/2011, que resultou na aprovação da Lei nº 12.654, de 28 de maio de 2012, publicada no Diário Oficial da União (DOU, ano 19 CXLIX, nº 103), responsável por alterar a Lei nº 12.037, de 1º de outubro de 2009, que dispõe sobre a identificação

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criminal do civilmente identificado, regulamentando o art. 5º, inciso LVIII, da Constituição Federal, e a Lei 7.210, de 11 de Julho de 1984, mais conhecida como Lei de Execução Penal.

Com relação à Lei nº 12.037/09, as modificações inseridas pela Lei nº 12.654/12 acarretaram a inclusão do parágrafo único do artigo 5º, responsável por propiciar a identificação criminal mediante utilização do DNA, nos seguintes termos:

Art. 5º. A identificação criminal incluirá o processo datiloscópico e o fotográfico, que serão juntados aos autos da comunicação da prisão em flagrante, ou do inquérito policial ou outra forma de investigação. Parágrafo único. Na hipótese do inciso IV do art. 3o, a identificação criminal poderá incluir a coleta de material biológico para a obtenção do perfil genético. (Incluído pela Lei nº 12.654, de 2012).

Outrossim, houve a incorporação do artigo 5º-A ao dispositivo legal, a fim de estabelecer a regulamentação acerca do armazenamento e do tratamento das informações colhidas.

Art. 5o-A. Os dados relacionados à coleta do perfil genético deverão ser armazenados em banco de dados de perfis genéticos, gerenciado por unidade oficial de perícia criminal. (Incluído pela Lei nº 12.654, de 2012)

§ 1o As informações genéticas contidas nos bancos de dados de perfis genéticos não poderão revelar traços somáticos ou comportamentais das pessoas, exceto determinação genética de gênero, consoante as normas constitucionais e internacionais sobre direitos humanos, genoma humano e dados genéticos. (Incluído pela Lei nº 12.654, de 2012)

§ 2o Os dados constantes dos bancos de dados de perfis genéticos terão caráter sigiloso, respondendo civil, penal e administrativamente aquele que permitir ou promover sua utilização para fins diversos dos previstos nesta Lei ou em decisão judicial. (Incluído pela Lei nº 12.654, de 2012)

§ 3o As informações obtidas a partir da coincidência de perfis genéticos deverão ser consignadas em laudo pericial firmado por perito oficial devidamente habilitado. (Incluído pela Lei nº 12.654, de 2012).

Foram acrescentados, ainda, os artigos 7º-A e 7º-B, que prelecionam:

Art. 7o-A. A exclusão dos perfis genéticos dos bancos de dados ocorrerá no término do prazo estabelecido em lei para a prescrição do delito. (Incluído pela Lei nº 12.654, de 2012)

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Art. 7o-B. A identificação do perfil genético será armazenada em banco de dados sigiloso, conforme regulamento a ser expedido pelo Poder Executivo. (Incluído pela Lei nº 12.654, de 2012)

Sinala-se que o regulamento citado no artigo 7º-B “se deu por meio da instituição, por meio do Decreto nº 7.950/2013, do Banco Nacional de Perfis Genéticos e a Rede Integrada de Bancos de Perfis Genéticos” (WERMUTH, 2017). A Rede Integrada de Bancos de Perfis Genéticos é responsável por permitir o compartilhamento e a comparação de perfis genéticos constantes nos bancos da União com os Estados e o Distrito Federal (SCHIOCCHET, 2010).

De outro modo, incluiu na Lei nº 7.210/84 (Lei de Execuções Penais) o artigo 9º-A, o qual tornou obrigatória a submissão dos condenados por crime dolosos praticados com violência de natureza grave contra pessoa, bem como os autores de crimes considerados hediondos (nos termos do art. 1º da Lei nº 8.072/1990) à identificação do perfil genético, mediante extração de DNA por técnica adequada e indolor. Em seu parágrafo primeiro, o aludido artigo reitera o teor do estabelecido no artigo 7º-B da Lei 12.037/2009. Por fim, seu parágrafo segundo preleciona que “a autoridade policial, federal ou estadual, poderá requerer ao juiz competente, no caso de inquérito instaurado, o acesso ao banco de dados de identificação de perfil genético”.

A partir dos artigos acima transcritos, os quais instituem a criação e utilização dos bancos de perfis genéticos no Brasil, surgem correntes doutrinárias favoráveis e contrárias acerca do tema, as quais, a partir de posições amplamente contrárias, buscam fundamentos capazes de afirmarem o livre convencimento da sociedade, razão pela qual faz-se mister analisá-las. Preliminarmente, buscar-se-á elencar os elementos da corrente favorável à implantação dos bancos de dados de DNA no Brasil.

É de conhecimento de todos o terror vivenciado pela sociedade brasileira em face do aumento da criminalidade, de modo que “a crescente sensação de insegurança que caracteriza as “cidades-pânico” (VIRILIO, 2011) contemporâneas

exerce uma influência muito notável sobre o sistema penal, condicionando demandas de punitividade que determinam sua

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crescente centralidade no marco das políticas públicas e acentuam a tensão permanente que subjaz à encruzilhada entre liberdade e segurança (BRANDARIZ GARCÍA apud WERMUTH, 2017).

Dessa forma, dentre os aspectos favoráveis à coleta de DNA, encontra-se a ideia perpassada pela Política Criminal Atuarial, a qual acredita que as novas tecnologias são o instrumento ideal para que a persecução penal apresente o máximo de resultados na obtenção de soluções para o fenômeno da criminalidade com o menor gasto possível (WERMUTH, 2016).

A Política Criminal Atuarial destaca a criminalidade como sendo “fruto de um erro de cálculo, de um erro de antecipação” (FORNASIER; WERMUTH, 2015, p. 12). Dentro dessa lógica, Garapon (2010) assevera que, na perspectiva atuarial o presente deixa de ser o tempo de referência, concedente lugar a um futuro antecipado, planejado em nefastas possibilidades.

Ou seja, a Política Criminal Atuarial, busca detectar as características recorrentes de um comportamento humano para, posteriormente, preveni-lo. Dessa forma, é preciso, primeiramente, identificar os indivíduos com “perfil de risco” para, em seguida, classificar os sujeitos que, de fato, podem ser considerados “perigosos” ou de “alto risco”, a fim de que seja possível criar mecanismos capazes de neutralizá-los pelo maior período de tempo possível (DIETER, 2013, grifo do autor). Nesse sentido, Wermuth (2017) parafraseando Garapon, ensina que

Para alcançar esses objetivos, a Política Criminal Atuarial aplica aos comportamentos humanos as técnicas estatísticas desenvolvidas para as finanças e os seguros para calcular os riscos: os atuários procuram por “fatores salientes” que determinam estatisticamente maiores riscos de um comportamento delituoso, de modo a fazer com que a intervenção punitiva incida certeira sobre esses indivíduos, incapacitando-os.

A lógica atuarial acredita ser possível a identificação de um número de delinquentes que é relativamente pequeno, mas que sistematicamente são os responsáveis pela maior parte dos delitos cometidos. A partir de tal constatação, reputam que, com base em dados estatísticos, é possível antever que tais infratores continuarão delinquindo, de modo que a neutralização destes pelo máximo de tempo possível será responsável por uma redução considerável nos índices de criminalidade

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que afrontam a sociedade (WERMUTH, 2017). Para que isso seja possível, basta possibilitar, em segurança máxima, a incapacitação física dos criminosos reincidentes e a vigilância virtual e tecnológica de baixo custo para os delinquentes eventuais (DIETER, 2013).

Nas palavras de Silva Sánchez (2013, p. 170-171), trata-se de um raciocínio matemático a partir do qual

segregar dois anos cinco delinquentes cuja taxa previsível de delinquência é de quatro delitos por ano, gera uma "economia" para a sociedade de 40 delitos e lhe custam 10 anos de prisão. Em contrapartida, se esse mesmo custo de 10 anos de prisão se emprega para segregar cinco anos dois delinquentes, cuja taxa prevista de delinquência é de 20 delitos por ano, a "economia" social é de 200 delitos; e assim, sucessivamente.

Portanto, na Política Criminal Atuarial não há que se falar em preocupação com os fatores sociológicos ou patológicos que estão por detrás da criminalidade. A lógica do discurso atuarial é estritamente econômica, conforme exemplifica Wermuth (2017) utilizando-se de estudos de Brandariz García:

diante da constatação de que existem poucos delinquentes habituais de existência inevitável e natureza incorrigível, que são os responsáveis pela maioria dos crimes registrados, as palavras de ordem no controle da criminalidade passam a ser a “gestão” e a “distribuição” dos riscos.

Não bastasse as convicções da lógica atuarial, outros fatores que visam a alcançar a inquietante busca pela verdade real no processo penal podem ser citados como pontos positivos para a introdução da identificação criminal por meio da extração de material genético, tal como o reconhecimento de pessoas realizado pelas vítimas e por testemunhas oculares.

Isso porque, Pinto (1986), utilizando-se de estudos feitos por Bull e Clifford, afirma que, tanto na fase policial como na fase judicial a formulação de perguntas capciosas é conhecida pelo efeito negativo, tendo em vista que, quando inquiridas em um processo interrogativo, o simples fato de estarem sujeitas a perguntas frente a uma autoridade, mesmo que não possuam recordações, faz com que forneçam uma resposta, e quando esta resposta é proferida, ainda que incerta e hesitante, há grande

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probabilidade de a pessoa aderir a ela e aceitar a resposta como correta, especialmente quando a autoridade demonstra-se satisfeita com a resposta e formula outros questionamentos.

Nesse sentido, o autor utiliza como exemplo a pesquisa desenvolvida por Loftus e Palmer que verificaram ser possível a manipulação de indivíduos utilizando-se de perguntas capciosas. Para isso, manipularam as estimativas de um grupo de sujeitos acerca da velocidade de um veículo, após estes observarem um filme de um acidente, utilizando a seguinte frase “a que velocidade transitavam os veículos quando se esmagaram um contra o outro?”, para a qual receberam respostas com estimativa média de 65.7 km/h. Todavia, ao substituírem a expressão “esmagar” pelos verbos “colidir”, “chocar” e “embater”, a estimativa média da velocidade diminuiu para 63.2 km/h, 61.3km/h e 54.7 km/h, respectivamente, confirmando, assim, que a memória humana não se limita ao registro dos fatos ocorridos (PINTO, 1986).

Da mesma forma, Pinto (1986) exemplifica que a capacidade humana de reconhecimento de faces apresenta falibilidades valendo-se do estudo realizado por Buckout que encenou uma tentativa de roubo no interior de uma sala de aula contendo 141 alunos, dentre os quais um foi escolhido para ser a suposta vítima. Passadas sete semanas, foram apresentadas seis fotografias aos alunos que presenciaram o fato delitivo, incluindo a fotografia do assaltante, na tentativa de que este fosse identificado. No entanto, os resultados revelaram apenas 40% de identificações corretas, sendo que 25% dos alunos identificaram incorretamente uma pessoa inocente que se encontrava na cena, incluindo a própria vítima do assaltante.

De acordo com Fernando da Costa Tourinho Filho (2013), o reconhecimento de pessoas é a mais falha de todas as provas, apesar de seu procedimento estar previamente determinado por lei, isso porque deve ser levado em consideração a existência da ação do tempo, as questões relacionadas às condições de observação, as hipóteses de que o sujeito possa estar disfarçado, as possibilidades de erros por semelhança, entre outras.

Do mesmo modo, especialmente em crimes cometidos com emprego de arma, os quais normalmente ocorrem longe dos olhos de testemunhas, frisa-se que o temor

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enfrentado pela vítima faz com que esta direcione a fixação de seus olhos justamente ao que lhe é estranho e causa-lhes medo. Tal fenômeno, de acordo com estudos realizados por psicólogos, é denominado fator “foco da arma”, pelo qual o objeto utilizado pelo suspeito converge a atenção das vítimas e faz com que a sequência visual preocupe-se, basicamente, com o seu movimento, em nome da sobrevivência, de modo que, não raras vezes as vítimas conseguem descrever, detalhadamente, as características da arma utilizada, porém não possuem condições de precisar detalhes da cena, tais como local, vestimentas e rosto do acusado (LOPES JR.; MORAIS DA ROSA, 2014).

Nesse sentido, o reconhecimento é um risco iminente, levando-se em consideração a situação perniciosa enfrentada pela vítima, bem como tendo em vista a existência de falsas memórias que possam ter sido criadas e nutridas a partir da experiência chocante. Roediger e McDermott (1995) ensinam o conceito de Falsas Memórias, conceituando-as como sendo

lembranças de eventos ou informações que não ocorreram ou, ainda, recordações de fatos de uma forma seriamente distorcida do evento original. São memórias que incluem interpretações, interferências e que contradizem a própria experiência.

Com o objetivo de exemplificar tais constatações, cita-se o caso Jennifer Thompson:

Por volta das três da madrugada teve a casa invadida e foi estuprada com uma faca no pescoço, tendo a vítima se focado no rosto do agressor para identifica-lo posteriormente, caso sobrevivesse. Saindo correndo pela porta conseguiu se livrar do estuprador e foi ao hospital, bem assim à polícia, elaborando um retrato falado. No dia seguinte Ronald Cotton, que tinha ficha policial (por invasão e agressão sexual) foi localizado, reconhecido por foto e depois pessoalmente. Em julgamento o reconhecimento foi confirmado. Cotton foi condenado ao cumprimento de prisão perpétua e mais cinquenta anos. Já na prisão, Cotton conheceu um homem parecido com sua descrição chamado Bobby Pool, também condenado por estupro e invasão. Ciente de sua inocência, Cotton pediu um novo reconhecimento, também na presença de Pool, tendo Jennifer, com a falsa memória fixada, novamente, afirmado ser Cotton o autor da agressão. Após Cotton estar sete anos preso, com os avanços do exame de DNA, foram feitos exames e se verificou que o verdadeiro autor do crime era Pool (LOPES JR.; MORAIS DA ROSA, 2014).

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Do mesmo modo, o reconhecimento de pessoas apresenta vícios e imperfeições quando atrelado ao fato de que, especialmente em delitos patrimoniais, os acusados são identificados a partir de estereótipos, tais como cor da pele, cabelo e vestimenta. Em face disso, a Autoridade Policial colhe as características do indivíduo, descritas pela vítima e, a fim de solucionar o crime e repassar a falsa ideia de justiça à vítima e à sociedade, apresenta fotografias de indivíduos com passagens policiais e com características semelhantes às descritas. Assim, a vítima, com base nas falsas memórias, aponta o indivíduo que acredita ser o autor do fato delitivo, ainda que não tenha certeza, iniciando-se a neutralização preventiva dos “delinquentes”.

O mesmo ocorre quando apenas o suspeito é colocado para que a vítima realize o reconhecimento pessoal ou, não raras vezes, posiciona-o ao lado de sujeitos com características visivelmente discrepantes. Nessa acepção, Paulo Rangel (2011) preleciona que

a natureza jurídica do reconhecimento é de ato instrutório informativo, e o procedimento legal deve ser adotado respeitando a exigência de ser feito sempre na presença de outras pessoas, e não, apenas, com o acusado.

Por fim, as correntes favoráveis amparam-se em dados estatísticos de países que, após longo período de experimentação, empregam, hodiernamente, o DNA como forma de identificação criminal, atrelando-o favoravelmente ao número de casos solucionados com a técnica, destacando, ainda, a retirada de um grande número de criminosos das ruas e a solução de crimes antigos que geravam gastos de recursos humanos e financeiros. Nesse sentido, Godinho apresenta seu estudo demonstrando dados estatísticos do banco de dados da Inglaterra, expondo que

através deste banco, desde abril de 2001 a março de 2014, mais de 471 mil associações puderam ser realizadas quando comparados todos os vestígios encontrados em cenas de crime aos indivíduos que tiveram seus perfis inseridos no banco de dados. Do total desses confrontos, quase sete mil eram correspondências advindas de cenas de crimes de estupro. Até março de 2014, o banco de dados do Reino Unido tinha armazenado 4.906.436 perfis de indivíduos e 456.856 perfis oriundos de amostras coletadas em cenas de crimes (2014, p. 23-24).

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Do até aqui exposto, torna-se possível sustentar que as correntes doutrinárias favoráveis à utilização da biologia molecular como forma de identificação criminal apontam o exame de DNA como sendo “a maior revolução científica na esfera forense desde o reconhecimento das impressões digitais como uma característica pessoal” (PARANÁ, 2019), de modo que

as técnicas de identificação fundamentadas na análise direta do ácido desoxirribonucléico (significado da sigla DNA, de Deoxyribonucleic Acid) ostenta pelo menos duas vantagens sobre os métodos convencionais de identificação: a estabilidade química do DNA, mesmo após longo período de tempo, e a sua ocorrência em todas as células nucleadas do organismo humano, o que permite condenar ou absolver um suspeito com uma única gota de sangue ou através de um único fio de cabelo encontrado na cena do crime (PARANÁ, 2019). Além do mais, legitimam-se no discurso de que a adoção de bancos de dados de perfis genéticos justifica-se pela necessidade de constituírem-se provas valiosas capazes de colaborarem na investigação/persecução criminal, face a sua necessidade de intensificação, eis que o Estado vivencia a disseminação da criminalidade e, atuando na figura de “protetor” da sociedade, incumbe-lhe a obrigação de demonstrar atividades que justifiquem a sua existência.

Todavia, em que pese as teses supramencionadas tenham se desenvolvido a partir de grandes estudos e análises de dados estatísticos, imprescindível a exploração das correntes contrárias à coleta de DNA e, consequentemente, à criação de bancos de dados de perfis genéticos no Brasil. Inicialmente, desmistificar-se-á o discurso da Política Criminal Atuarial, o qual justifica suas ideias com base na busca da redução da criminalidade e redução dos gastos públicos.

Isso porque, segundo Dieter (2013, p. 20), seu objetivo é, efetivamente,

gerenciar grupos, não punir indivíduos: sua finalidade não é combater o crime – embora saiba se valer dos rótulos populistas, quando necessário – mas identificar, classificar e administrar segmentos sociais indesejáveis na ordem social da maneira mais fluída possível. Ocorre que,

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a partir dessa noção de eficiência ínsita à perspectiva atuarial, revela-se um tensionamento – em diferentes níveis – das garantias fundamentais dos cidadãos, tanto daqueles que são perseguidos efetivamente pelo sistema punitivo quanto dos que se encontram imersos em uma sociedade da vigilância, compondo bancos de dados ou, ainda, sendo constantemente monitorados por câmeras nos espaços públicos sem ao menos ter consciência disso (WERMUTH, 2016, p. 2054).

Em outras palavras, abandona-se o sujeito humano, que passa a ser identificado como mero infrator das leis penais, deixando-se de lado a busca pela reintegração deste na sociedade, bem como a preocupação pelas causas pessoais e ou sociais que efetivaram tal comportamento delitivo, renunciando-se às medidas de tratamento necessárias, pois como afirma Luca D’Ambrosio (2014, p. 202) o modelo de Política Criminal Atuarial pauta-se no paradigma segundo o qual

la ley construye el tratamiento penal que más se aleja de los índices de gravedad del delito (y por tanto de un Derecho penal de la culpabilidade), para concentrarse sobre las cualidades subjetivas del autor (deslizándose hacia un Derecho penal de autor).

Consequentemente, surge o direito penal do autor que se orienta a “controlar e reprimir agrupamentos antes que comportamentos, já que são aqueles os que se consideram como sendo portadores dos riscos e perigos para os 'bons cidadãos'” (WERMUTH, 2016, p. 2060). Nesse sentido, criam-se rotulações populistas, que visam a garantir a “segurança” da sociedade, com a prática de políticas que tendem a diminuir a criminalidade.

Como exemplo, cita-se o banco de dados online, criado pelo governo norteamericano, a fim de prevenir os delitos sexuais. Nestes bancos são armazenados dados de delinquentes sexuais que já processados e condenados por tais crimes, os quais estão à disposição de toda a sociedade para consulta integral na Internet, com o objetivo de que a vizinhança tome conhecimento das pessoas com passagem pelo sistema de criminal e possam, assim, prevenir-se de futuros crimes (WERMUTH, 2017), sendo que, inclusive, “no caso de indivíduos considerados de alto risco a notificação dos futuros vizinhos sobre a iminência de sua saída do sistema prisional é compulsória.” (DIETER, 2013, p. 127).

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Destaca-se, ainda, o surgimento das “zonas livres de criminosos sexuais”, que se caracteriza como sendo uma política de urbanismo que proíbe as pessoas condenadas por delitos sexuais residam em determinadas áreas, bem como determina que sejam submetidas a um rigoroso processo de seleção, quando interessadas em adquirir um imóvel (WERMUTH, 2017). O resultado da aplicação desse processo é a exposição, humilhação e perseguição destes indivíduos, conduzindo-os à escolha de uma das seguintes alternativas: “a) assunção do rótulo e reincidência delitiva; b) viver na ilegalidade para não ser reconhecido e evitar a execração pública; c) suicidar-se diante da impossibilidade de coexistência em sociedade” (WERMUTH, 2017).

Nessa ótica, Dieter (2013, p. 128-129) sustenta que

a prática decorrente da medida de controle social pode muito bem favorecer a reincidência, pois apenas a última opção não redunda em novo encarceramento; última opção, aliás, que melhor realiza a vontade final de neutralização reitora da política pública de registro compulsório.

Nesse entrave, verifica-se que as medidas acima descritas vão de encontro ao direito ao esquecimento, o qual preconiza que “os atos praticados no passado não podem ecoar para sempre: as pessoas têm o direito de serem esquecidas pela opinião pública e pela imprensa” (EHRHARDT JÚNIOR; NUNES; PORTO, 2017, p. 64). O direito ao esquecimento, no Brasil, foi aprovado pela VI Jornada de Direito Civil do Centro de Estudos Judiciários do Conselho da Justiça Federal (CJF), em março de 2013, por meio do Enunciado 5315, segundo o qual “a tutela da dignidade da pessoa

humana na sociedade da informação inclui o direito ao esquecimento” (BRASIL, 2013).

A discussão em torno do direito ao esquecimento gera debates especialmente no que concerne à dignidade da pessoa humana quando atrelada a condenações e

5 ENUNCIADO 531 – A tutela da dignidade da pessoa humana na sociedade da informação inclui o

direito ao esquecimento. Artigo: 11 do Código Civil Justificativa: Os danos provocados pelas novas tecnologias de informação vêm-se acumulando nos dias atuais. O direito ao esquecimento tem sua origem histórica no campo das condenações criminais. Surge como parcela importante do direito do exdetento à ressocialização. Não atribui a ninguém o direito de apagar fatos ou reescrever a própria história, mas apenas assegura a possibilidade de discutir o uso que é dado aos fatos pretéritos, mais especificamente o modo e a finalidade com que são lembrados (BRASIL, 2013).

Referências

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