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Existiu uma "cultura do silêncio" no Antigo Testamento?

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Academic year: 2021

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Existiu uma "cultura do silêncio" no

Antigo Testam ento?

F rie d ric h Erich D o b b e ra h n

Paulo Freire com eça o te rc e iro c a p ítu lo d o seu liv ro "P e d a g o g ia do o p r im id o " com a lg u m a s constatações im p o rta n te s a re sp e ito d a lín ­ gu a , as q u a is eu q u e ro u tiliz a r co m o um p o n to de p a rtid a d o q u e vou a p re se n ta r hojeO ). Freire d iz: A lín g u a é m ais do q u e um in s tru m e n to p u ­ ro, p o s s ib ilita n d o um d iá lo g o . N a lín g u a nós e n co n tra m o s duas d im e n ­ sões: re fle x ã o e a çã o em um a in te ra ç ã o tã o ra d ic a l q u e , s a c rific a d a um a delas, im e d ia ta m e n te se ressente a o u tra . No fu n d o não e xistiu um a fa la v e rd a d e ira q u e não seja práxis. Daí, " q u e d iz e r a p a la v ra v e rd a d e ira se­ ja tra n s fo rm a d a o m u n d o ' '(2). M as o q u e é um a " p a la v r a , um a fa la v e r­ d a d e ira "? Isto vai se to rn a r m ais c la ro em c o m p a ra ç ã o com a " p a la v ra in a u tê n tic a ". A fa la , a p a la v ra fa ls a , com q u e não se p o d e tra n s fo rm a r a re a lid a d e , é um a p a la v ra d e s p o ja d a da sua fo rç a re fle x iv a . Isto a co n te ce q u a n d o , p elas p a la vra s, não é p ro v o c a d a n e n h u m a decisão fre n te à si­ tu ação, p o rq u e pensar e fa la r estão lin g ü is tic a m e n te tã o fu n d id o s nas circunstâncias re in a n te s (ou " m a r g in a liz a d o s ", su b d e s e n v o lv id o s nos seus e le m e n to s c o n tra d itó rio s ) q u e n in g u é m consegu e pensar e fa la r c r i­

tic a m e n te sobre a sua situ a çã o . Assim , a e x p e riê n c ia p ró p ria d o m u n d o

pod e fic a r de tal m o d o a fá sica ou in a rtic u lá v e l q u e , m esm o q u e existam p a la vra s para " p r o n u n c ia r " (n o m e a r) a re a lid a d e , seus s ig n ific a d o s es­ tão destorcidos, g e n e ra liz a d o s , d ifu so s ou o cu p a d o s id e o lo g ic a m e n te , is­ to é, estão b lo q u e a d o s p e la c o n fo rm id a d e com o sistem a re in a n te í3). Em

(1) P releçã o in a u g u ra l p r o fe rid a na Escola S u p e rio r de T e o lo g ia , em 14.05.1986, sob o títu lo : " O ún ico in s tru m e n to in v e n c ív e l da lib e rd a d e é a p a la v ra fa la d a " .

(2) P. FREIRE, P e d a g o g ia d o o p rim id o , p. 91.

(3) Q u a n to à te o ria deste processo v.E. CASSIRER, P h ilo s o p h ie d e r s y m b o lis c h e n F o rm e n , v. III, p. 222-237, p a rtic u la rm e n te p. 232; V. PISANI, D ie E ty m o lo g ie , p. 156-180. p a rtic u la rm e n te p. 160 e 174; L. LANDGREBE, Der W eg d e r P h ã n o m e n o lo g ie , p. 125-141, p a rtic u la rm e n te p. 136ss; J. SIAAON, S p ra c h p h ílo s o p h ie , p. 171-180, p a rtic u la rm e n te p. 179.

(2)

*

resum o: A p a la v ra " v e r d a d e ir a " é " a u tê n tic a " no s e n tid o de q u e e la tem fo rça re fle x iv a , substraindo -se da fix a ç ã o u n ila te ra l da lín g u a , ilu m in a n ­ do a situ a çã o , g a n h a n d o um a d is tâ n cia crítica, isto é, d is tâ n cia re fle x iv a da re a lid a d e . N a lib e rd a d e da lín g u a o m u n d o a p a re ce para os " p ro n u n - c ia d o re s " co m o um p ro b le m a e cobra d e le s e eco d u m a d e cisã o í4). E só a lín g u a q u e d e sb ra va a re a lid a d e e leva os p ro b le m a s à consciência , to rn a n d o -o s d e b a tív e is , p ro m o v e n d o um a a çã o c o le tiv a .

Q u a n to à fa lta d a p o s s ib ilid a d e de expressão, Paulo Freire diz: "Este é um dos p ro b le m a s m ais graves q u e se põe à lib e rta ç ã o . E q u e a re a lid a d e opressora, ao constituir-se co m o um quase m e ca n ism o de a b ­ sorção dos q u e n e la se e n c o n tra m , fu n c io n a co m o um a fo rç a de im ersão das co n s c iê n c ia s "(5). A o b se rva çã o de Paulo Freire in d ic a q u e este m e ca ­ nism o da absorção se re a liz a na m a rg in a liz a ç ã o d a lín g u a dos o p rim i­ dos: A lín g u a , a fa la , no uso d o p o v o , q u e te o ric a m e n te p o d e ria te r pro- b le m a tiz a d o a re a lid a d e , na v e rd a d e está in v a d id a e d e s lo c a d a ; e p o r is­ to o p o vo o p rim id o fic a nã o só a fá s ic o (isto é, p e rd e a fa c u ld a d e de transm issão de suas id é ia s), mas ta m b é m a p á tic o , in d e fe so , p a ra lis a d o .

E v e rd a d e q u e a re a lid a d e , e x p e rim e n ta d a d ire ta m e n te , é a p re e n síve l só a tra vé s da lín g u a já fix a d a te rm in o lo g ic a m e n te . Eis p o r­ qu e um a a n á lis e m ais a p ro fu n d a d a das observações de Paulo Freire so­ bre a lín g u a dos o p rim id o s m ostra q u e , no fu n d o , nã o existe n e n h u m a lín g u a fa la d a q u e n ã o esteja o cu p a d a id e o lo g ic a m e n te , b lo q u e a d a em q u a lq u e r fo rm a , em q u a lq u e r g ra u u n ifo rm iz a d a . A lín g u a , p o rta n to , sem pre é um in s tru m e n to d o d o m ín io , sem pre um a fe rra m e n ta de co n ­ tro le sociaK6). Para sua a u to p re s e rv a ç ã o cada sistem a pou co a pou co d e ­ s e n vo lve u sua lín g u a e s ta n d a rd iz a d a para p ô r à disp o siçã o d o in d iv íd u o expressões a d e q u a d a s , com as q u a is e le consegu e p e rc e b e r sua id e n ti­ d a d e co m o um a e x istê n cia so c ia liz a d a . O in d iv íd u o a p e n a s d isp õ e de um v o c a b u lá rio qu e lhe p e rm ite ser a fa v o r e estar em d e fe sa da so cie ­ d a d e . Por isto Paulo Freire a q u i fa la em lu g a r da "e x is tê n c ia s o c ia liz a d a " m uitas vezes de "h o s p e d e iro s d o o p re s s o r", de "s e re s d u a is ' '(7).

N o fu n d o nã o p o d e e x is tir n e n h u m a lín g u a no m u n d o , na q u a l fosse s u p é rflu a a " p a la v r a " q u e lib e rta para d is tâ n cia crítica e para ação tra n s fo rm a d o ra . Daí vem nossa p e rg u n ta d e c is iv a : q u e la d o da

socieda-(4) cf. O. BAYER, S p ra c h b e w e g u n g u n d W e ltv e rä n d e ru n g , p. 309-321, p a rtic u la rm e n te p. 315s e 320s; H. BRANDT, In d e r N a c h fo lg e d e r In k a rn a tio n , p. 387s.

(5) P. FREIRE, op. c it., p. 39s.

(6) cf. H. GERTH e C. W. MILLS, P erson u n d G e s e lls c h a ft, p. 74ss. 207ss; M .HARTIG e U. KURZ,

S pra che a ls s o z ia le K o n tr o lle , p a ssim ; M . HARTIG, S p ra ch e u n d s o z ia le r W a n d e l, p. 11 Iss.

(3)

de se a p o d e ra da lín g u a , in s tru m e n ta riz a n d o -a p e la o cu p a çã o id e o ló g i­ ca, p e la in te rp re ta ç ã o n o rm a tiv a e qu e la d o está só exp o sto in d e fe s a ­ m ente a esta lín g u a o c u p a d a , sofre esta lín g u a , não tem in flu ê n c ia sobre um a in te rp re ta ç ã o e re fle x ã o da lín g u a e xiste n te . A lé m disto, nós tem os que c o n s id e ra r q u e , d o p o n to de vista da tra d iç ã o da lín g u a , sem pre as circunstâncias re in a n te s são fa v o re c id a s . S aindo d isto, le n va n ta -se a p e r­ g u n ta , se na lín g u a d o A n tig o Testam ento ( = AT) — e nas lín g u a s do A n ­ tig o O rie n te ( = A O ) ta m b é m — e x is tira m fa to s s e m e lh a n te s aos que Paulo Freire ob se rvo u , ou se e xistiu no A O um a o cu p a çã o id e o ló g ic a da lín g u a , o p e rig o de um a m a rg in a liz a ç ã o da lín g u a dos o p rim id o s .

E sa lie n te qu e um a a n á lis e im p a rc ia l da resistência contra a re a le ­ za em Israel sob os reis constata q u e nã o h o u ve n e n h u m a p a rtic ip a ç ã o de cam adas in fe rio re s : nem no a p ó lo g o de J o a tã o (Jz 9.7-15), nem na re v o lta de A b s a lã o (2 Sm 15ss), nem na q u e ix a da a s se m b lé ia em Si- q u é m (1 Rs 12. 1 ss)(8). 2 Rs 11.20; 1 4 .19ss; 21.24 se re fe re m a um a classe de p ro p rie tá rio s e senhores de terras, d e te n to ra de um a in flu ê n c ia p o líti­ ca co n sid e rá ve K 9), etc. Podem os, e n tã o , fa la r de um a p a ssivid a d e p a ra ­ le la d o p o vo o p rim id o no AO?

A ntes de le r a "P e d a g o g ia d o o p r im id o " , m eu professor, o g ra n d e a s s irió lo g o a le m ã o W o lfra m von Soden, m e ch a m o u a te n ç ã o para a ocu­ pação id e o ló g ic a da lín g u a . Ele escreve no seu tra ta d o sobre "L ín g u a , p e n sa m e n to e c o n c e itu a ç ã o no A O " ( 10): " O qu e in ic ia lm e n te só era co n ­ se q ü ê n cia de um pensar d e n tro de lim ite s estreitos, d e p o is se tra n sfo rm a na razão de q u e processos d o pensar sejam d ire c io n a d o s so m e n te em sentidos d e te rm in a d o s , ou sejam tã o d ific u lta d o s qu e um progresso do pensar seja i m p e d i d o " . 1) W. v. Soden ta m b é m e sta b e le ce um a lig a ç ã o com o fe n ô m e n o da la c u n a no v o c a b u lá rio , m o stra n d o qu e se p o d e re a ­ liza r com m ais fa c ilid a d e um a o cu p a çã o id e o ló g ic a nos recin to s lin g ü ís ti­ cos, em q u e se e n c o n tra m la c u n a s .(12) R esum indo: nossa p e rg u n ta p ro v i­ sória é: Existiu na lín g u a d o A n tig o Israel ( = A l) um a o cu p a çã o id e o ló g i­ ca, o p e rig o de um a m a rg in a liz a ç ã o da lín g u a t13) — na lig a ç ã o com a

la-(8) cf. F. CRÜSEMANN, D e r W id e rs ta n d g e g e n das K ö n ig tu m , p. 31s; 72s; 98ss; 120; 124ss; 175s. (9) cf. E. WÜRTHWEIN, D e r ca m m h a 'a re z im AT p. 23ss; 25s. 31s.

(10) W .v. SODEN, S p ra ch e , D e n k e n u n d B e g riffs b ild u n g im A lte n O rie n t, p.6 (11) cf. Id., ib id ., p. 9.

(12) cf. Id. ib id ., p. 34-40.

(13) 2 Rs 18.26 n a d a te m q u e v e r com um a m a rg in a liz a ç ã o d o H e b ra ic o nesta é p o c a ; o d ito A ra -m a ic o I-m p e ria l nã o era n e n h u -m a lín g u a fa la d a pe la s c a -m a d a s su p e rio re s, -m as e ra só u-m a lin g u a g e m escrita das c h a n c e la ria s d ip lo m á tic a s (cf.H.H.SCHADER, Ira n is c h e B e iträ g e , l.p. 27ss). D epois d o e x ílio o H e b ra ico e ra fa la d o co m o um a lín g u a p o p u la r (N e 13.24); n a q u e le te m p o em A sd o d n ã o se fa la v ra o A ra m a ic o , co m o é e v id e n te de KAI 54.

(4)

cuna le x ic a l no se n tid o de q u e isto to rn a e x p lic á v e l a " c u ltu ra do s ilê n ­

c io " das cam adas o p rim id a s nos processos sociais d o AO , p a rtic u la rm e n ­ te no A l?

Nesta d ire ç ã o e sp e c ific a m o s a nossa e xp o siçã o . Por um la d o nos livros e xe g é tico s a lg u m a s vezes se e n c o n tra m re fe rê n c ia s à a u sê n cia de conceitos im p o rta n te s na lín g u a H e b ra ica , com os q u a is nós lid a m o s no pensar e no fa la r q u o tid ia n o , qu e quase não p o d e m o s e v ita r de usar(14). Por e x e m p lo o c o n c e ito histórico. Ele n ã o existe no AT. A ! nós tem os q u e p e rg u n ta r-n o s, em qu e se n tid o no AT está fa lta n d o esta id é ia fu n d a m e n ­ tal. As pesquisas lingüísticas co n sta ta ra m em g e ra l q u e e m p rin c íp io c a ­

da lín g u a sa b e e x p r im ir tu d o (15) e q u e com isto cada lín g u a possui a ca­

p a c id a d e de e stru tu ra r o pensar e fa la r a lé m da lim ita ç ã o lin g ü ís tic a , a n a ló g ic a à lim ita ç ã o social e xiste n te . Suposto q u e fa lte m p a la v ra s p r ó ­

p ria s nos d ife re n te s graus da fo rm a ç ã o le x ic a l, é possível p a ra fra s e á -la s

g e n e ric a m e n te . Isto s ig n ific a : para fe c h a r um a la cu n a a lín g u a precisa su p e r-e stru tu ra r esta la cu n a com um a p a la v ra de c o n te ú d o m ais a b stra ­ to, m ais g e n e ra liz a d o (16). No d e c o rre r da nossa in v e s tig a ç ã o ve re m o s com o a lg u m a s idé ia s q u e fa lta m lin g ü ís tic a m e n te são p a ra fra s e a d a s — sim , mas nunca su p e r-e stru tu ra d a s le x ic a m e n te em um n ível abstrato. Um po u co m ais ta rd e d iscu tire m o s neste m o d o o c o n c e ito de " h is tó r ia " . Um e x e m p lo para tal é a id é ia da " e s p e ra n ç a " ta m b é m . Pela S e p tu a g in ta sa b e m o sí17) q u e , em g e ra l, o c o n c e ito v é te ro -te s ta m e n tá rio da "e s p e ­ ra n ç a " é in te rp re ta d o o rig in a lm e n te por um a p a la v ra q u e s ig n ific a " p r e ­ n h e " , " r e p le t o " e e v o lu iu para " s e g u r o " . D eduzim os de tais e x e m p lo s de p a rá fra se qu e p o d e e x is tir um assunto m e n ta l ou um a im a g in a ç ã o d e ­ te rm in a d a m u ito te m p o antes da fo rm a ç ã o a b stra tiv M as, ca re ce n d o da lid e ra n ç a segura p e la lín g u a , estas id é ia s nã o estão a s s im ila d a s t19) senão a lín g u a te ria a p ro v e ita d o sua c a p a c id a d e para su p e r-e stru tu ra r a lacuna.

(14) " c a r g o , o fí c io " : cf. M . NOTH, G e s a m m e lte S tu d ie n zum A T ,I, p. 309; " c a s tig o , p e n a " : cf. G.

v. RAD, T h e o lo g ie des A Ts, v .l, p .397; C. WESTERMANN, D ie V e rh e is s u n g e n an d ie V ä te r , p. 47; 57s; H. J. KRAUS, T h e o lo g ie d e r P sa lm e n , p. 195; " m u n d o " : c f,. W, ZIMMERLI, D ie W e l­

tlic h k e it des ATs, p. 24; " p o s s ib ilid a d e e im p o s s ib ilid a d e " : W. v. SODEN, B ib e l u n d A lte r O rie n t, p. 196s, etc.

(15) cf. H. GECKELER, S tru k tu re lle S e m a n tik und W o r tfe ld th e o r ie , p. 134ss. (16) Id ., ib id . , p. 141.

(17) W. ZIMMERLI, D e r M e n sch un d s e in e H o ffn u n g im A T, p. 17ss. (18) cf. E. HOLENSTEIN, V o n d e r H in te r g e h b a r k e it d e r S p ra che, p. 53ss.

(19) cf. E. CASSIRER, op. c it., p. 323; 358s; W. LANG, P ro b le m e d e r a llg e m e in e n S p ra c h th e o rie , p. 17, G. SEEBASS, Das P ro b le m v o n S p ra ch e u n d D e n k e n , p. 31 Iss.

(5)

Por o u tro la d o , e xiste m no H e b ra ic o d o AT co n ce ito s q u e têm lin - g ü is tic a m e n te um s ig n ific a d o tão a m p lo q u e n ã o se p o d e tra d u z i-lo s p re ­ cisam ente p a ra as outras línguas. C ada lín g u a possui tais expressões in ­ c o n fu n d ív e is ou crista liza çõ e s lin g ü ística s; e estas se m p re a p o n ta m para um a c o n ce p çã o e e x p e riê n c ia fu n d a m e n ta l da id e n tid a d e d o p o vo e do c o n te x to d e sua v id a (20).

Faço estas colocações para e s p e c ific a r a d ire ç ã o da nossa p e rg u n ­ ta de m o d o d e fin itiv o : A té q u e p o n to p ode ser o b se rva d o qu e la cu n a s

lin g ü ís tic a s no AT le v a ra m a um a o cu p a çã o id e o ló g ic a da lín g u a — no

se n tid o de q u e através d e la s fo i m a rg in a liz a d a um a id e n tid a d e lin g ü ís ti­

ca, um c e n tro lin g u ís tic o d o p o vo Isra e lita . Com isto q u e re m o s e x p lic a r

p o rq u e e n x e rg a rm o s no A l no A O um a s itu a çã o a p a re n te m e n te p a ra le la à situação b ra s ile ira q u a n to à co n scie n tiza çã o s ó c io -p o lític a do p o vo o p rim id o . A p a rtir d o c ita d o tra b a lh o de W. v. Soden q u e ro a p re se n ta r a pena s um esboço disto.

I

G ostaria de co m e ça r com um a c ris ta liz a ç ã o lin g ü ística qu e v e io a ser um a id é ia fu n d a m e n ta l d o AT. Na lín g u a H e b ra ica e xiste m p a ra a id é ia " p o v o " duas p a la v ra s m u ito usadas: cam e g õ y (21). ca m — a te sta ­ do na B íblia a p ro x im a d a m e n te 1800 vezes — o rig in a lm e n te s ig n ific a (co­ m o em Á ra b e ): " t io ao la d o d o p a i" ( 22), ou " s o g r o " , " p a d ra s to " (23), no H e b ra ico : os "p a re n te s varões ín tim o s " (Gn 19.38?: Lv 21.1,4,14), com o c o n ce ito c o le tiv o : " c l ã " (2 Rs 4.13), o "c o n ju n to v o lu n tá rio (do e x é rc ito )" (Jz 20.10; 1 Sm 14.17; 2 Sm 11.7, 17), etc. ca m descreve um a coesão in-

t e ir o r p e la s o lid a rie d a d e fa m ilia r e d a í se d e s e n v o lv e u a a p lic a ç ã o (q u a ­

se sem pre no s in g u la r) p re p o n d e ra n te p a ra o p ró p rio p o vo . M as e xiste m exceções (Gn 23.7, 1 ls ; N m 21.29; Jr 48.46; 49.1; M q 4.5 e nos textos pós- e xílico s). — G õ y (m e n c io n a d o 555 vezes) ta lv e z s ig n ifiq u e no fu n d o 'c o r­ p o ra ç ã o ", " c o le tiv o " , " c o m u m " , a "c o m u n id a d e p ró p ria "^ 24), mas des­

(20) Q u a n to ò discussão cf. P. HENLE (e d .), S p ra ch e , D e n k e n , K u ltu r , p. 9-39; M . HARTIG e U. KURZ, op. c it., p. 48-74; F. v. KUTSCHERA, S p ra c h p h ilo s o p h ie , p. 289-344; G. SEEBASS, op. cit., p. 199-240.

(21 ) Para o se g u in te cf. A . CODOY, W h e n is th e cho sen p e o p le c a lle d a g ô y , p. 1-6; L. ROST, Das

k le in e g e s c h ic h tlic h e C re d o , p. 86ss; N. LOHFINK, B e o b a c h tu n g e n , p. 275-305.

(22) G. W . FREYTAG, L e xico n A ro b ic o -L a tin u m , v. Ill, p. 217b. (23) R. DOZY, S u p p lé m e n t a u x d ic tio n n a ir e s A ra b e s , v. Il, p. 168b.

(24) cf. H. DONNER e W. RÖLLIG, K A I 60. T alvez o r ig in a lm e n te u m a e xp ressão n ô m a d e ; cf. M . NOTH, D ie U rs p rü n g e des A lte n Is ra e l, p. 15s.

(6)

creve a coesão e x te r io r ; tem no seu e m p re g o v é te ro -te s ta m e n tá rio um sentido p o lític o , so b re tu d o d e fin id o por três instituições: lín g u a (Gn 10; Is 66.18; Zc 8.23), p ro p rie d a d e terrestre, re a le za . Nos tem pos a n tig o s duas in stituições — p ro p rie d a d e terrestre e re a le z a — n ã o p e rte n c ia m a Is­ ra e l, q u e r d iz e r, só em um p o n to d e te rm in a d o da sua h is tó ria Israel c h e ­ gou a ser um " g o y " (1 Sm 8.5, 19ss; v. ta m b é m Ex. 35.10; 37.22). Era de se p re v e r q u e o tê rm o " g õ y " ( g e r a lm e n te no p lu ra l) v iria a d e fin ir os " g e n ­ tio s ", isto é, os qu e não v e n e ra v a m Javé (Ex 34.24; Lv 18.24; SI 44.3; 79.1-10; Ez 5 .6 -8 ).ca m , p o rta n to , é um tê rm o característico para o povo do Israel, g õ y um tê rm o a p e n a s te m p o rá rio para o Israel v é te ro - te sta m e n tá rio .

A q u i é n o tá v e l qu e a m bos os têrm os não p o d e m ser tra d u z id o s na m a n e ira do seu e m p re g o Isra e lítico para as outras lín g u a s Semíticas^25). Porque no espaço m e s o p o tâ m ic o os Sem itas — desde três m i! AC — de m odo crescente se co n stitu íra m em um a c o m u n id a d e c u ltu ra l, eles nunca se se n tira m co m o um p o vo p e c u lia r. O m esm o o c o rria no estado H ilita , u n in d o um a p o v o a ç ã o bem h e te ro g ê n e a sob seu d o m ín io e — m ais ou m enos — na A ssíria tam bém ^26). O q u e para os Israelitas e ra m os " g e n ­ tio s ", os S u m érios,.os B a b ilô n io s e os Assírios co n s id e ra v a m p u ra e sim ­ p le s m e n te co m o h a b ita n te de d e te rm in a d a s re g iõ e s ou co m o m em bros de grupos sociais.

De m a n e ira s e m e lh a n te co n stu m a va m p ro c e d e r ta m b é m os Egíp- cios(27); o tê rm o d eles, d e s ig n a n d o o p ró p rio p o vo , era a p a la v ra para " h o m e m " : rm l ; os povos e sta n g e iro s fre q ü e n te m e n te e ra m d e n o m in a ­ dos se g u n d o sua p ro v e n iê n c ia . H a b iru í um c o n c e ito b astante d iscu tid o , é p ro v a v e lm e n te a raiz da p a la v ra " h e b r a ic o " . Este c o n c e ito ta m b é m não se re fe ria a um p o vo p a rtic u la r; som ente id e n tific a um g ru p o de h o ­ mens, s o c ia lm e n te d e se n ra iza d o s e com d ire ito s in fe rio re s í28). E ntretanto p o d e m o s e s p e c ific a r o s ig n ific a d o de H a b iru a tra vé s de um te xto U g a ríti- co co m o "a q u e le s q u e estão a lé m das le is " ( = " fo r a s - d a - le i" ) ( 29). Por o u tro la d o , tais grupos e stra n g e iro s ou sociais não p o d ia m ser d e s ig n a ­

(25) W. v. SODEN, S p ra c h e ..., op. c it., p. 35s. (26) Id., ib id ., p. 35.

(27) cf. s. MORENZ, Ä g y p tis c h e R e lig io n , p. 49ss.

(28) Q u a n to ò discussão v .J . BOTTÉRO, Le p ro b lè m e de s h a p iru , passim ; R. BORGER, Das P ro b le m

d e r a p ir u , p. 121-132; M. P. GRAY, The H â b irû -H e b re w P ro b le m , p. 135-202: W. HELCK, D ie B e d ro h u n g P a lä s tin a s , p. 472-480; K. KOCH, D ie H e b rä e r, p. 39-81; W , HELCK, D ie B e z ie h u n ­ g e n Ä g y p te n s , p. 486-490, etc.

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dos com o m em bros de estados, p o rq u e ta m b é m não e x is tia em to d o o A O um a id é ia de " e s ta d o " ( 30).

Nas num erosas re b e liõ e s de tribos, sobre as q u a is p a rtic u la rm e n te a história d o re in o H itita nos dá notícias, não se tra ta v a de sublevaçõ es ou insurreições de cam adas so c ia lm e n te o p rim id a s ou da co n s c ie n tiz a ­ ção de ser um a c u ltu ra p ró p ria e im iscíve l, mas de e xp e d iç õ e s de assal­ tos e saques co m o as expressões da in d e p e n d ê n c ia de cam adas s u p e rio ­ res. Em outras p a la vra s: estes povos do A O não d e s ig n a v a m as p o p u la ­ ções de fo rm a d e lim ita v a ou p o lê m ic a . A c u ltu ra Egípcia o rig in a lm e n te to m a va seu país com o ce n tro da te rra e a si m esm o co m o únicos h a b ita n ­ tes le g ítim o s, mas m o d e ra ra m esta co n ce p çã o no d e c o rre r dos tem pos e n q u a n to em Israel o s e n tim e n to d a sua s in g u la rid a d e a u m e n ta v a . Por isto constatam os q u e no AT a id é ia cam ( " p o v o " ) — in s tru m e n ta liz a n d o o c o n ce ito " g o y " co m o um a d e s ig n a çã o p o lê m ic a — re p re s e n ta um a c o i­

sa m u ito s in g u la r no A O . Nós nos p e rg u n ta m o s o q u e fo i o e sp e cífico

destes conceitos H ebraicos fre n te às id é ia s Egípcias, A cádicas, Sum éricas e H ititas para " h a b ita n te " ou " g ru p o s o c ia l".

C o n h e cid a é a tese M . N oth (h o je d u v id o s a (31)) sobre a a n fic tio n ia cu ltu a l em Israel, isto é, a tese q u e o p o vo Israel desde a ép o ca dos juizes estivesse o rg a n iz a d o e m um a associação c u ltu a l q u e se fo rm a v a em v o l­ ta de um sa n tu á rio . Parece estar co rre to o q u e esta tese s u b lin h a em têr- mos da te n d ê n c ia te o ló g ic a . A c o m u n id a d e " Is r a e l" de fo rm a crescente se co n stitu iu a p a rtir dos d ife re n te s grupos p ré -is ra e lític o s , p ro v e n ie n te dos pa tria rca s, da lib e rta ç ã o do Egito, d o pacto de Sinai e da to m a d a da terra. Ela d e riv o u sua e xis tê n c ia co m o p o v o da lig a ç ã o com Javé, da e fe ­ tiv a ç ã o d o pacto de S inai, um a to de Javé qu e crio u esta c o m u n id a d e . A e fe tiv a ç ã o d o pacto é um a expressão da c o m u n h ã o q u e Deus co n tra iu com o seu p o vo in te iro expressa na fó rm u la d o pacto de S inai: "V ó s sois o m eu p o vo e eu sou o vosso D e u s ".(32) T e o lo g ic a m e n te esta id é ia está presente desde a ca m a d a lite rá ria a n tiq ü íssim a de Êx. 24, re la ta n d o so­ bre um a e fe tiv a ç ã o do pacto com a base do p o v o (33) Isto se p ro va ta m ­ bém p e lo fa to qu e a c o m u n h ã o e n tre Deus e o seu p o vo está e n g re n a d a

(30) W .v. SODEN, S pra che .., op. c it., p. 36; E, H ORNUNG, E in fü h ru n g in d ie Ä g y p to lo g ie , p. 76. (31) cf; an tes de tu d o : G. FÜHRER, A lt e r T e s ta m e n t — " A m p h ik ty o n ie " u n d “ B u n d "? , p. 801 ss;

893ss; ld w S tu d ie n , p. 84ss; Id., G e s c h ic h te d e r is ra e litis c h e n R e lig io n , p. 78ss.

(32) Êx. 6 .7 ; 19.8; Lv 26 .12; Dt 26.16-19; 2 9 .11s; Jr 31.33; Ez 36.28; R.SMEND, D ie B u n d e s fo rm e l, p. 3ss; G. v. RAD, D as 5- Buch M o se , p. 116.

(33) cf. M . NOTH, Ü b e rlie fe ru n g s g e s c h ic h te , p. 178; 196; o n ú c le o a n tiq ü ís s im o é acessível em Êx 24. (9), 11, re fe rin d o -s e só aos re p re se n ta n te s do p o v o ; cf. W . H. SCHMIDT, E xodu s, S in a i und

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com dois outros conceitos ju ríd ico s: " Ija s id ' e "s a d d iq qu e estão in tim a ­ m ente lig a d o s com o s ig n ific a d o d o pacto e a c e n tu a m a s in g u la rid a d e desta id é ia Israelítica " p o v o " . Baseado na co n d iç ã o de q u e esta ca m a d a lite rá ria m ais v e lh a d o Êx 24 a n te p õ e o pacto às leis, no se n tid o de q u e não é o c u m p rim e n to das leis q u e p o s s ib ilita o pacto, mas as leis são c u m p rid a s com um a resposta à e x istê n cia d o pacto(34), a raiz hsd s ig n ific a no seu e m p re g o s in g u la r hasad (116 vezes só nos Salm os): o b rig a ç ã o da c o m u n id a d e , le a ld a d e , fid e lid a d e re c íp ro c a e n tre Deus e hom ens. Portanto, hcisid s ig n ific a não só bondo so, b e n e v o le n te , c le m e n te , mas ta m b é m fie l, le a l, no s e n tid o de um a a tiv id a d e re c íp ro c a . U m a sem e­ lh a n te c o rre sp o n d ê n cia d ia ló g ic a é circunscrita p e la raiz. sdq . Sâdâq (te ste m u n h a d o 116 vezes no AT) s ig n ific a , sob a m esm a c o n d iã o de hâ-

sãd, um a g ir e um c o m p o rta m e n to a d e q u a d o à c o m u n h ã o com Deus. Sâ­ dâ q s ig n ific a : e x a to , v e rd a d e iro , o c u m p rim e n to d o d ire ito re c íp ro c o . Se - d ã q ã h , " ju s tiç a " (atestada 153 vezes no AT) s ig n ific a : c o n fo rm id a d e à

n o rm a ; no to d o : a a titu d e sincera do h om em ,_a co n d u ta h u m a n a q u e é a ce ita por Deus co m o co rre ta . Por isto é sa d d iq (a p ro v a d o 201 vezes no AT) a q u e le qu e é justo, q u e cu m p re sua o b rig a ç ã o , q u e co rre sp o n d e com a id é ia da c o m u n id a d e d o pacto. Um a re visã o dos S alm ost35) resulta que a fo rm a p lu ra l de hâsâd (h a sd im ) p o d e ser um a expressão p a ra to d o o

p o vo d e Is ra e l, assim co m o a fo rm a p lu ra l de sâ d â q (sa d q im ) é um a d e ­

sig n a çã o p a ra a c o m u n a in te g r a l d e Is ra e l. O e n tre c ru z a m e n to das ra i­ zes hsd e sdq é ta m b é m n o tá v e l (SI 37.28s; 9 7 .10s; M q 7 .2 ; Is 57.1 )36, p o r­ que a m bas in te rp re ta m cam ( " p o v o " ) com o um g ru p o q u e tem um co m ­ p o rta m e n to a p ro p ria d o à c o m u n h ã o e a o pacto q u e Deus tem com o seu povo.

Nós não p o d e m o s p e rs e g u ir estes^fatos com_o d e ta lh a m e n to ne-

cessárioí37) Q u e ro só m e n c io n a r q u e C S«.^dtyin; nos Salm os, re ­

p resentam p a ra b o lic a m e n te o p o vo de Israel co m o re a liz a ç ã o visível de ord e m q u e m a n té m o m u n d o (38). A q u i, neste p o n to de in te rse çã o das li­ nhas: a n fic tio n ia , pacto, hãsãd, sãdãq, o c o n ce ito cam tem seu c o m p o ­

n e n te s o c ia l. Os e ru d ito s o b se rva ra m qu e a cla ssifica çã o " p o b r e s " a c i­

d e n ta lm e n te pod e se re fe rir em um s e n tid o c u ltu a l a o p o vo de Israel em

(34) W. ZIMMERLI, Das G e s e tz u n d d ie P ro p h e te n , p. 67; 70s.

(35) cf. S1 30 .5; 31 .24; 32 .6; 52.11; 79 .2; 116.15; H. GRAF REVENTLOW, R e c h tfe rtig u n g , p. 78. (36) cf. H. RINGGREN, The F a ith , p. 37ss; 127.

(37) G. v. RAD,T h e o lo g ie des ATs, v. I, p. 382ss; H. GRAF REVENTLOW, op. c it., p. 73ss; R, STUHL­ MACHER, G e r e c h tig k e it G o tte s , p. 46ss; K. KERTELGE, R e c h tfe rtig u n g , p. 15ss.

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g e ra l (SI 72; Is 3 . 14s); se a p o n to u qu e em um s e n tid o social ta m b é m o po b re fa z p a rte desta im a g e m da justiça d iv in a . O " p o b r e " é " ju s t o " nes­ te se n tid o de qu e a sua p o b re za ilu m in a um a in c o e rê n c ia no pacto com Deus. " N ã o d e v e ria h a v e r p o b re s !" (Dt 15.4, 11), p o rq u e o p o b re sem

te rra fic a ria e x c lu íd o do d ire ito de c u lto ; só um ho m e m com te r r a (M q

2.2; 4,4; 1 Rs 5.5; Zc 3.J0) tem o d ire ito a o cu lto e d e p ro c u ra r ju s tiç a i39). Portanto, o tê rm o s a d d iq nos Salm os o rig in a lm e n te in d ic a um h o m e m li­ vre q u e te m seu c a m p o (SI 37.29; 112.6; 125.3) e por causa disto é a d m i­ tid o a o c u lto (SI 58.11; 64.11; 68.4; 119.20; 140.14). T am bém é s ig n ific a ti­ vo q u e as expressões constantes para " p o b r e " (ca n i, cã n ã w , c â b y õ n ,

d a l ) — p o r e x e m p lo na acusação social de A m ós — sem pre se re fe re m

só às pessoas com te r r a e não a um a c a m a d a sem d ire ito s f ik k ã r , s ã k ir,

to s ã b , g ê r)(40). Q u a n d o se fa la q u e o " p o b r e " n ã o tem assistência social,

d ire ito , e q u a n d o é d ito ser justo (S ^d â q â h ) q u e te n h a um a p re te n sã o a a m p a ro e sp e cia l de Deus q u e , c u m p rin d o sua o b rig a ç ã o d o p a cto (SI 7 4 .19ss; 146.5ss), porá em o rd e m as p e rtu rb a d a s con d içõ e s ju ríd ica s e so­ ciais, e n tã o , em g e ra l, a q u i é pen sa d o só em pessoas com te rra . Só Isaias (1 0 .Is ) m e n c io n a as viú v a s e os órgãos e n o m e ia na sua acusação social um g ru p o sem te r r a e, p o rta n to , sem d ire ito s.

O qu e con se g u im o s com estas consid e ra çõ e s sobre a id é ia de " p o ­ v o "? C oncluím os q u e a n te s da re a le z a , nos tem pos d o estado e c o n ô m ic o id e a l (M q 2.2) esta p a la v ra Israelítica cam ( " p o v o " ) era " f a la v e rd a d e i­

r a " d o p o vo , p a la v ra e m a n c ip a d a , com fo rç a re fle x ic a , p ro b le m a tiz a d o -

ra, com um a necessidade à a çã o co m o m ostram os e n tre la ç a m e n to s te o ­ lógicos e c o m b in a çõ e s m e n c io n a d a s com outras id é ia s sociais. M as d e n ­ tro da épo ca da re a le z a q u e d e stru iu a base e c o n ô m ic a da c o m u n id a d e ju ríd ic a í41), já era im p e d id a um a s o lid a riz a ç ã o e n tre os o p rim id o s com

(39) L. KÖHLER, D e r h e b rä is c h e M e n sch , p. 147.

(40) H. GESE, Z u m V e rs tä n d n is de s A m o s-B u ch e s, p. 432s; K. KOCH, D ie E n ts te h u n g d e r s o z ia le n

K ritik , p. 575. — Q u a n to ao lu g a r social de A m ós cf. con tra M . SCHWANTES, P ro fe c ia e Esta­ do , p. 139ss an tes de tu d o H. J. STOEBE, D e r P ro p h e t A m o s , p. 160ss e H. W. WOLFF, A m o s ^

p. 154. Entre o u tros a rg u m e n to s só q u e ro le v a n ta r filo lo g ic a m e n te (q u a n to -à p á g in a 142) q u e

b o le s (cf. a ra b . b a la s a t; R, Dozy, S u p p le m e n t, v. I, p. 110a: " f ig u e " ) , be m co m o nõqSid (cf.

a ra b n a q a d ; G . F reytag, L e x ic o n , v. IV, p. 320b: "g e n u s o v iu m " ) e b o q e r (cf. h e br. b ã q ã r; G e se nius-B uh l, H a n d w ö rte rb u c h , p. 112a: " R in d v ie h " ) , são p a rtic íp io s , d e riv a d o s de s u b s ta n ti­

vos (n ã o de v e rb o s); cf. P. de Lagard e, Ü b e rs ic h t, p. 108; H. B auer e P. Leander, H is to ris c h e G ra m m a tik , § 61, 2, p. 475. Com isto não é d ito n a d a sobre o tip o e s p e cia l de tra b a lh o em

q u e stã o ; b o le s e n o q e d s ig n ific a m " p r o d u to re s " , "c ria d o r e s " (de fig o s , o v e lh a s ); cf. H.W . W o lff, ib id ., p. 362.

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terra e os sem te rra . A in te rv e n ç ã o lim ita d a de A m ó sf42) o b v ia m e n te é um e x e m p lo n ítid o desta crise. A fa m ília d e s p o ja d a d o seu ca m p o , a v iú ­ va e xp u lsa da sua casa, os b ó ia s -fria s , os ó rfã o s sem h e ra n ça já nã o p o ­ d ia m re c la m a r seus d ire ito s d iv in o -s o c ia is e já n ã o tin h a m co ra g e m de v e rb a liz á -lo s em c o n ju n to , a in d a q u e a id é ia " p o v o " com suas im p lic a ­ ções sociais estivesse co n s o lid a d e lin g ü ís tic a m e n te . Nos ju lg a m e n to s " n a p o rtã o " (Dt 17. 8-13) p o d e m o s p e rc e b e r a co n sciê n cia dos hom ens com te rra de te r este d ire ito d iv in o -s o c ia K 43). M as a p a re n te m e n te esta consciência n ã o fo i s u fic ie n te p a ra um a a u to -o rg a n iz a ç ã o p o lític a dos o p rim id o s . Os pobres sem te r r a d e ix a v a m sua causa com Deus e h u m il­ d e m e n te desistiam de lu ta r p elos seus d ire ito s . C om o 1 Sm 22.2; 25.10; 1 Rs 2.39, leis Assíricas, B a b iló n ica s e H itita s!44) e textos d e cA m ã rn a (K nudtzon, VAB II, N ° H 4 ; 118; 125), de U g a rit (N o u g a y ro l, PRU IV, N ° 17.238) e A la la h (W ise m a n , A laT ab, N ° 2 ) m ostram , eles se su b tra ía m às condiçõe s in s u p o rtá v e is p e la fu g a . Os pobres com te r r a g e ra lm e n te se li­ m ita v a m a um a p a rtic ip a ç ã o no culto, e só c h e g a v a m a fa z e r um a q u e ix a ou só causavam um ju lg a m e n to " n o p o rtã o "(45). Os textos b íb lico s, e n ­ tão, p ro vo ca m a im pressão de qu e só Deus in ic ia ria um a s u b v e rs ã o das condiçõe s sociais(46). C o n fo rm e à sua o b rig a ç ã o u n iv e rs a l, Deus to m a o p a rtid o do p o b re . M as este fa to n ã o fo rta le c e u o p o b re o p rim id o na sua c a p a c id a d e de m o d ific a r as circunstâncias. O c u lto e seus o rá cu lo s (SI 12.6; 14:6)(47) nem sequer e m a n c ip a ra m os SaW5|«in, as pessoas " b o a s " , à ação.

A nossa p e rg u n ta é: p o r qu e os pobres n ã o o rg a n iz a ra m a sua consciência e n ã o re c la m a ra m os seus d ire ito s de fo rm a m ais fo rte ? Um a das razões era, com certeza, q u e a in filtra ç ã o da id e o lo g ia d a re a le z a do AO em Israel antes d o e x ílio a tu a v a fo rte m e n te . A re a le z a d e stru iu a b a ­ se e co n ô m ic a do p o vo e im p e d ia com isto a s o lid a riz a ç ã o das cam adas o p rim id a s . A re ce p çã o e in te rio riz a ç ã o desta id e o lo g ia re a l d e s a lo ja v a o pacto de Deus com seu p o vo a fa v o r d o pa cto de Deus com o re i(48). Por

(42) cf. a a n á lis e de K. KOCH, Die E n tste h u n g ..., op. c it., p. 574ss; cf. ta m b é m H. GESE Zu m V e rs ­

tä n d n is ..., op. c it., p. 432s.

(43) cf. S1 9 .1 2ss; 10.2,8ss; 40 .14-18; 58.2ss; 92.3s; 86 .1 ,1 4 ; 140.13, etc. H. J. KRAUS, P sa lm e n , v. I., p. 108ss; Id., T h e o lo g ie d e r P s a lm e n , op. c it., p. 188ss; 193ss.

(44) I. CARDELLINI, D ie b ib lis c h e n “ S k la v e n " — G e s e tz e , passim .

(45) cf. K. KOCH, D ie E n ts te h u n g ..., op. c it., p. 577s; e le p õ e e m d ú v id a q u e os p e q u e n o s la v ra d o ­ res po r in ic ia tiv a p ró p ria cau savam um ju lg a m e n to " n o p o rtã o ".

(46) cf. 1 Sm 2.7ss; Jó 5.11; 12.17ss; SI 22.27; 34.3; 76.10; 113.75; 146.75; 147.6; J .v .d . PLOEG, Les

p a u v re s d ls ra e l, p. 23óss.

(47) cf. J.JEREMIAS, K u ltp r o p h e tie u n d G e ric h ts v e rk ü n d ig u n g , p. 112ss. (48) H. J. KRAUS, D ie p ro p h e tis c h e V e rk ü n d ig u n g , p. 27ss.

(11)

isto d e sa p a re ce ra m as im p lic a ç õ e s sociais d o pacto e n tre Deus e o p o vo (revisão da d is trib u iç ã o da te rra , cf. Js 18.10; 19.51; A m 7.17; M q 2.4s; a n u la ç ã o dos d é b ito s, cf. Lv 25.35ss; Dt ls )q u e já e ra m te ó rica s há m u ito tem po. A p e sa r disto, pre su m o q u e se g u ra m e n te às vezes se te n h a m d a ­ do em Israel — ta lv e z Ne 5.1-5 seja um e x e m p lo p ó s -e x ílic o (49) — e no A O tais ações ou o rg a n iza çõ e s co le tiv a s das cam adas e m p o b re c id a s , a in ­ da qu e sejam b astante raras. Com re sp e ito aos d o cu m e n to s o rig in a is , c i­ tados por M . W e ip p e rt, W. H elck, W. Thiel e outros, os e x e m p lo s c o n h e c i­ dos p e rm ite m um a re visã o crítica q u a n to à p e rg u n ta , se as s u b le va çõ e s

re a lm e n te p a rtira m dos p ró p rio s o p rim id o s ; p. e x .: a re b e liã o dos la m i-

nites e n tre os se m i-n ô m a d e s de M a ri contra Z im rilim , rei de M a ri (ca. 1730-1700 AC), fo i p ro vo ca d a p elos líderes trib a is in d e p e n d e n te s , não su b m e tid o s (cf. Jean, ARMT II, N ° 36; 53; 92; K upper, ARMT III, N ° 38;

70)(5°). As insurreições dos H a b iru na épo ca de cAmãVna (séc. XIV AC)

não ilustram um a tal c o n tra p o siçã o de c id a d e /c a m p o (cf. K nudtzon, VAB II, N ° 74; 81; 104; 116; 127; 207; 215), co m o a d e fe n d e u G.E. M e n d e n h a lK 51); nem ta m p o u c o fo ra m só in ic ia d a s p e lo p ró p rio p o vo (co­ m o d ize m os textos e m : K nudtzon, VAB II N °7 5 : 89; 248). Pelo m enos te ­ mos qu e to m a r em c o n s id e ra çã o a v e ro s im ilh a n ç a q u e tais a c o n te c im e n ­ tos fo ra m p ro vo ca d o s por outros interesses; não é sem pre assim q u e os textos re la ta m de todas as circunstâncias, p. e x ., de lutas p e lo p o d e r d e n ­ tro das fa m ília s reais (cf. K nudtzon , VAB II, N °1 3 7 ; 179; 298). Reis com o A b d i-A s irta de A m u rru e Labaya de S iquém a p ro v e ita ra m a e fe rv e s c ê n ­ cia social e n tre as cam adas o p rim id a s (K nudtzon, VAB II, N °7 7 ; 112; 117;

130; 279ss) para se lib e rta r da s u p re m a cia Egípciaí52), e n q u a n to outras partes dos H a b iru p e rm a n e c ia m quase fié is a o Egito (K nudtzon, VAB II, [sj° 112; 185s; 195; 318), c u m p rin d o fu n çõ e s m ilita re s co n tra outros H abiru. Os Hupsu q u e re p re se n ta va m um a ca m a d a d e p e n d e n te , o cu p a d a com a la v o u ra e o b rig a d a à c o rv é ia , s o fria m con d içõ e s sociais in su p o rtá ve is (K nudtzon, VAB ll,N ° 7 4 s ; 81; 85, e tc.). A p e sa r d isto, o le v a n ta m e n to d e ­ les na Palestina e na Síria nã o co n d u ziu n e ce ssa ria m e n te a um a a u to li- b e rta ç ã o ; R ib-A ddi de B iblos, por e x e m p lo , fo i d e rru b a d o p e la sua p ró ­ p ria cid a d e sob a lid e ra n ç a d o seu p ró p rio irm ã o llu -R a b ih (K nudtzon, VAB II, N ° 136ss; cf. N ° 142) q u e re cru to u seu p o d e r m ilita r e n tre os Hupsu

(49) H. KREISSIG, D ie s o z ia lö k o n o m is c h e S itu a tio n , p. 101 ss. (50) cf. W. THIEL, Die so zia le E n tw ic k lu n g , p. 25ss.

(51) G. E. MENDENHALL, The H e b re w C o n q u e s t, p. 70s.

(52) A. ALT, K le in e S c h rifte n , v. Ill, p. 162ss; M . WEIPPERT, D ie L a n d n a h m e , p. 66ss; W.HELCK, D ie B e zie h u n g e n Ä g y p te n s ,op. c it., p. 171 ss; W. THIEL, D ie s o z ia le E n tw ic k lu n g , op . c it., p. 65ss;

(12)

ta m b é m . Por o u tro la d o e n co n tra m o s em um p a p iro Egípcio um re la tó rio sobre um a g re ve , o rg a n iz a d a p elos o p e rá rio s da N e c ró p o le Tebana (v. a b a ix o ), e a in d a sabem os q u e e n tre 522 e 519 AC na Pérsia aco n te ce u um a séria re v o lta na classe dos la vra d o re s escravosí53). M as tais notícias deste tip o a B ib lia quase não m e n c io n a . Isto p o d e d e p e n d e r da tra d iç ã o in c o m p le ta e u n ila te ra l e, h is to ric a m e n te da in filtra ç ã o da id e o lo g ia re a l do A O em Israel. Será qu e ta m b é m obstáculos ling ü ístico s b lo q u e a v a m a re fle x ã o crítica?

II

Para ilu stra r o risco de um a m a rg in a liz a ç ã o do c o n c e ito " p o v o ” q u e ro a g o ra c o n fro n ta r este c o n c e ito com a a u sê n cia de outros conceitos fu n d a m e n ta is v é te ro -se m ita s, e s p e c ia lm e n te H ebraicos os q u a is p o d e ­ ria m ter sido a p ro v e ita d o s po r um a o cu p a çã o id e o ló g ic a .

V in d o da id é ia " p o v o " associam os ra p id a m e n te a id é ia da " lib e r ­ d a d e " . Por " lib e r d a d e " e n te n d e m o s " lib e r d a d e p o lític a " , isto é, a q u e la id é ia da e le u th e ría — fo rm u la d a p e la filo s o fia g re g a — q u e nas p ó le is ( = nas c id a d e -e sta d o s) cada c id a d ã o liv re tem posse im e d ia ta d o k o in ó n ( — d o co m u m ), co m o é c h a m a d o a q u ilo q u e d iz re sp e ito ao Estado. Ca­ da c id a d ã o a q u i é, o n d e q u e r q u e se e n c o n tre , um ó rg ã o d o Estado, o q u a l só fu n c io n a , se todos os cid a d ã o s estão le g itim a d o s e c h a m a d o s à p a rtic ip a ç ã o e a in te rv e n ç ã o p o lític a í54). A no rm a m ais a lta era a lei. Esta lei era se cu la r ou p ro fa n a e ra c io n a lis ta no s e n tid o de qu e n e la o in d iv í­ d u o e n c o n tra v a sua p ró p ria lib e rta ç ã o . Isto s ig n ific a não só a lib e rta ç ã o da h e re d ita rie d a d e da c u lp a re lig io s a (Ex 20. 5; Jr 31.29s; Lm 5.7; Ez 18.2), ou a lib e rta ç ã o da re s p o n s a b ilid a d e por crim es de parentes(55) qu e era a in d a im p o rta n te no estado de Israel (Dt 21.6ss; 2 Sm 14.3ss), mas ta m b é m em g e ra l a ra c io n a lid a d e de um a d e m o c ra c ia , o n d e os cid a d ã o s m o n o p o liz a v a m a h a rm o n ia com os deuses em seu fa v o r e n ã o e ra m es­ cra viza d o s pelas tra d içõ e s re lig io sa s. Nesta co m p re e n sã o da lib e rd a d e os gregos c o n sid e ra va m co m o superstição o sistem a fe c h a d o dos persas em q u e só o g rã o -re i, v e n e ra d o p e la prostração (proskynesis), re p re se n ­ tava Deus e re a liz a v a v id a e sa lva çã o contra todas as fo rça s d o caos. Os gregos X e n o fó n (H e lle n ic á VI. 423) e Euripídes (Troádes, 612s) fa la ra m

(53) M . A. DANDAM AEV, P e rsie n u n te r d e n e rs te n A c h ö m e n id e n , p. 174ss; 185ss; 206ss. (54) R. HARDER, K le in e S c h rifte n , p. 29s; 240ss; R. BULTM ANN, G la u b e n u n d V e rs te h e n , v. II, p.

59ss; 275ss; v. IV, p. 42ss.

(13)

c a u te lo sa m e n te d e um a m u d a n ça das co n d içõ e s sociais no s e n tid o de qu e às vezes os deuses gostam de tra n s fo rm a r um g ra n d e e m um p e q u e ­ no ou vice -ve rsa ; e isto n ã o tin h a a ce n to fu tu ro ou e s c a to ló g ic o ; um a m u ­ dança social era um processo acessível, a c o n te c e n d o c o n fo rm e à re sp o n ­ s a b ilid a d e h u m a n a . Q u a n to ò pressuposta h a rm o n ia com os deuses é sig­ n ific a tiv o q u e a o ra çã o fú n e b re de Pericles (Tuquidíde s 11.35-46) não co n ­ tém n e n h u m a re fe rê n c ia aos deuses.

Este c o n ce ito g re g o da lib e rd a d e p o lític a nã o e x is tia no A O in te iro (56). A q u i se p o d e ria o b je ta r q u e fu n c io n a v a nas c o m u n id a d e s ju rí­ dicas de Israel (Dt 17.8s) o d ire ito para to m a r liv re p a rte na discussão. Q u a n d o não h a v ia um a a sse m b lé ia de todos os hom ens livres, p e lo m e ­ nos h a v ia a dos m ais velhos, na p rá tic a , da a risto cra cia fin a n c e ira d o p o ­ vo a d o ou da c id a d e co m o um a a u to rid a d e o fic ia l, e x e rc e n d o a a d m in is ­ tração e a justiça (Dt 25.7s; 1 RS 21.8-14; Rt 4.1 s). M as — co m o já fo i d ito — a re a le z a com sua c e n tra liz a ç ã o e a e x tin ç ã o da o rd e m e co n ô m ic a dos p e q u e n o s la v ra d o re s e lim in a ra esta in s titu iç ã o . Em todos os casos, para nós não está a testada n e n h u m a id é ia de lib e rd a d e p o lític a em Is­ ra e l sob os seus reis q u e é c o m p a rá v e l com a id é ia g re g a . Há um a razão e v id e n te : Nos estados, g o v e rn a d o s p e lo s reis po r e n c a rg o da d iv in d a d e (por isto "s e rv o d e D eus" — 2 Sm 3.18; 7 .5 ,8 ; SI 89.4,21), n a tu ra lm e n te fa lta m as con d içõ e s de d e s e n v o lv e r a id é ia da lib e rd a d e p o lític a . Em têr- mos desta id e o lo g ia re a l, a sa lva çã o nunca p o d e v ir de um a re a liz a ç ã o h u ­ m a n a , mas so m e n te o rei p o d e transpor a d is tâ n c ia p a ra Deus. A conse­ q u ê n c ia era q u e o p o vo quase nã o to m a v a p a rte da re s p o n s a b ilid a d e p o lí­ tica, q u e ta m b é m não e x is tia e x p e riê n c ia q u o tid ia n a desta re s p o n s a b ili­ d a d e . V am os in te rro g a r a d ia n te os fu n d a m e n to s lingüísticos!

No espaço Egípcio, B a b ilô n ico -A ssírico e C a n a n e u e ra usada a im a g e m de um pastor e suas o ve lh a s para a re la ç ã o e n tre Deus e os ho­ m ens e e n tre o rei e os súditos. O Deus ou o rei era o pastor; as ove lh a s, o g a d o e ra m os h om ens ou o p o vo , p re c is a n d o de lid e ra n ç a . N a tu ra lm e n te esta im a g e m p a rte da circu n stâ n cia s (sem i-) n ô m a d e s d o A O , cuja in ­ flu ê n c ia fo rte sobre a fo rm a ç ã o das lín g u a s Sem íticas não d e ve ser m e- nosprezada^57). Daí o rei era m ito lo g iz a d o co m o o pastor " le g ítim o " , sendo um lu g a r-te n e n te de Deus(58). Esta m itific a ç ã o to rn a v a esta e stru tu ­

(56) cf. W . v. SODEN, S p ra c h e ..., op. c it., p. 37; R, BULTM ANN, G la u b e n u n d V e rs te h e n , v. II, p. 275. S. M o re n z, Ä g y p tis c h e R e lig io n , p. 144.

(57) Era fo rm a d a , p o r e x e m p lo , sob esta in flu ê n c ia u m a coisa tã o im p o rta n te co m o a te rm in a ç ã o fe ­ m in in a ; cf. B. LANDSBERGER, D ie E ig e n b e g r ifflic h k e it d e r b a b y lo n is c h e n W e lt, p. 366; W. v. SODEN, G ru n d ris s DER AKKA D IS CH E N G ra m m a tik , § 60a, p. 74.

(58) Q u a n to a o Egito v. E. HOR NUN G , D e r Eine u n d d ie V ie le n , p. I31ss; Id., G e s c h ic h te a ls Fest, p. 25ss; S, M o re n z , G o tt u n d M e n sch im A lte n Ä g y p te n , p. 98s.

(14)

ra in a ta c á v e l, p o rq u e im p u n h a nesta estrutura a v o n ta d e e a a u to rid a d e d iv in a í59). N o in íc io d o C ó d ig o de H a m m u ra b i consta: "Eu (sou) H a m m u - ra b i, o pastor, c h a m a d o por E n lil.. , " ( 60). M e n c io n o este p o rq u e H a m m i- rabi (1728-1686 AC) te n to u bem m ais q u e os outros reis da sua ép o ca cu m p rir v e rd a d e ira m e n te sua re s p o n s a b ilid a d e co m o um "B o m Pastor". Sua in te n ç ã o re fo rm a tó ria e s p e c ia lm e n te se re fe riu à p ro te ç ã o d o p e ­ q u e n o la v ra d o r (CH §§ 47s, 60, 244, 249, etc), d o artesão (CH § 274) e do e m p re g a d o d ia ris ta (CH § 273) contra d ív id a s e e x p lo ra ç ã o ; ta m b é m ao re g u la m e n to n o vo dos juros (CH §§ 48s, 88-98, 113s) e ò c o n s o lid a ç ã o dos pe q u e n o s a rre n d a tá rio s (CH §§ 21-31, 35-37). O s o c ia lm e n te fra c o d e v ia ser p ro te g id o (por e x e m p lo a v iú v a , CH §§ 150, 171 s, 177). A p ro p rie d a d e era c o n s o lid a d a (CH §§ 23, 101, 106, 122, 125, e tc .) por m e io de um a o b rig a ç ã o à d o c u m e n ta ç ã o (CH § 7) q u e ta m b é m c o n tro la v a a v id a e c o ­ n ô m ica em g e ra l (por e x e m p lo ta rifa s , CH §§ 242s, 257s, 261, 268-272, etc. )(61).

M as vam os a n a lis a r o e x e m p lo de um a g re ve q u e se deu p o r v o lta do a n o 1156 AC, no v ig é s im o n o n o de Ramsés III, a oeste de Tebas. Nesta n e c ró p o le Tebana v iv ia um p ro le ta ria d o dos sacerdotes in fe rio re s , a rte ­ são e o p e rá rio s sim ples, d e stin a d o s p e lo estado p a ra a construção e m a ­ n u te n çã o dos te m p lo s e dos tú m u lo s. Todos e ra m pagos m e n s a lm e n te ; o p a g a m e n to era fe ito com sacos de cereais. M as há um mês (ou d o is) o sa­ lá rio d e ix a ra de

vir(62)'-No dia dez do segundo mês da segunda estação ( = novembro) uma grande turma de operários se recusou a entrar em seus alojamentos; saíram da cidade e acamparam atrás dos muros do tem plo de Tutmósis III, gritando: "Temos fo m e "! As autori­ dades atenderam ao apelo com grandes juramentos, arranjar im ediatam ente uma solução. Mas acautelados pelas experiên­ cias anteriores, os operários não se deixaram iludir: após três dias do aguardar frustrado, resolveram invadir o recinto sagra­ do do Ramesseum. Apareceu o chefe da polícia renovando as promessas, enquanto o prefeito continuava desaparecido. Os operários declararam: "Viem os até aqui (no Ramesseum), por­ que nós temos fom e, não temos roupa, nem peixe, nem óleo,

(59) cf. H. H. SCHMID, G e r e c h tig k e it a ls W e lto rd n u n g , p. 23ss; F: STOLZ, A s p e k te r e lig iö s e r und

s o z ia le r O rd n u n g , p. 145-159, p a rtic u la rm e n te p. 148.

(60) E. BOUZON, O C ó d ig o d e H a m m u ra b i p. 20. (61) cf. H. SCHMÖKEL H a m m u ra b i vo n B a b y lo n , p. 66.

(62) W. F. EDGERTON, The S trik e s in R am sés Ill's T w e n ty -N in th Y e a r, p. 137-145; E, OTTO, Ä g y p ­

te n , p. 186; E, HORN UNG , G ru n d z ü g e d e r ä g y p tis c h e n G e s c h ic h te , p. 111; cita m o s da o b ra de

(15)

nem verduras. Contai isto ao faraó, nosso Bom Senhor, e ao vi- zir, nosso chefe. Fazei isto para que possamos vive r". — Final­ mente o salário atrasado foi pago. Mas no mês seguinte se atrasou de novo. Novamente o trabalho foi interrom pido: "D i­

zei aos vossos superiores que estamos aqui não só

por causa de fome, mas também para form ular uma acusação: neste lugar aconteceram grandes roubos e nós temos provas deles". Afinal chegou também o vizir, acusado de tirar-lhes o pão da boca. Ele se justificou, dizendo que não era sua culpa que os celeiros estavam vazios. Mas ele prometeu tomar pes­ soalmente providências. Oito dias depois o salário chegou, mas no mês seguinte se repetiu a mesma coisa. Os operários se ma­ nifestaram na parte leste de Tebas e finalm ente conseguiram pegar o prefeito que se apressou a dar-lhes cinqüenta sacos de cereais, subtraíndo-os das ofertas do Ramesseum...

Pelo m enos ch e g o u a q u i a um a a çã o c o le tiv a deste p ro le ta ria d o , mas só para c h a m a r a te n ç ã o a seu estado de necessidade e sem pô r em d ú v id a a le g itim id a d e de tal d e p e n d ê n c ia to ta l e sem d e rru b a r a e stru tu ­ ra m ito lo g iz a d a e n tre re in a n te s e re in a d o s. O fa ra ó Ramsés III fo i c h a m a ­ do "n o sso Bom S e n h o r". Q u e r d iz e r, a a titu d e re lig io s a deste p ro le ta ria ­ do estava d e ie rm in a d a p o r um a d e v o ç ã o h u m ild e (com o se expressa, aliá s, na s a b e d o ria c o n te m p o râ n e a de A m e n e m o p e ), c o n fo rm a n d o -s e com a v o n ta d e de Deus, c o n fia n d o n e le co m o um pastor a ju d a n te í63). Nós sabem os q u e a q u i, na n e c ró p o le Tebana, as más co n d içõ e s se a g ra ­ va ra m . A lg u n s d e cê n io s d e p o is (no a n o dezesseis do g o v e rn o de Ramsés IX (1127-1109 AC) desco b riu -se q u e fo ra m saquea dos a lg u n s tú m u lo s reais. M as não a c re d ito q u e isto te n h a sido um a expressão g e n e ra liz a d a do ce ticism o e n tre os o p e rá rio s e fu n c io n á rio s (64). A in d a q u e estes sa­ ques te n h a m sido p ro vo ca d o s re a lm e n te p e la s necessidades e c o n ô m i­ cas, eles nã o fo ra m a çã o c o le tiv a . Por isto, penso q u e esta p ro fa n a ç ã o dos sepulcros te n h a sido ta m b é m um a a çã o de d e s fo rra co n tra os "B o n s Pastores" q u e a b a n d o n a ra m seu re b a n h o .

Nos estados de A O , a lé m d isto, fo i p e d id a m uitas vezes a lib e rta ­ ção de cargas e fo i c o n c e d id a í65); para isto e x is tia m p a la v ra s — co m o no

(63) E. HORNUNG, G ru n d z ü g e , op. c it., p. 111.

(64) N o p e río d o in te rm é d io I (2155-2040 AC, d u ra n te as d in a s tia s V ll-X ) se e n c o n tra m na lite ra tu ra , q u a n to a o c e ticism o , a lg u m a s re fe rê n c ia s aos saques d e tú m u lo s re a is ; cf, A. ERAAAN, D ie Li­

te r a tu r d e r Ä g y p te r, p. 140; MORENZ, Ä g y p tis c h e R e lig io n , op. c it., p. 41.

(16)

A c á d ic o " a n d u r ã r u m " ( = lib e rta ç ã o )(66). Tratava-se, p o ré m , nunca de um a co n scie n tiza çã o c o le tiv a com a fin a lid a d e de d e rru b a r a e strutura m ito lo g iz a d a v ig e n te .

III

Com o p a rá g ra fo p re c e d e n te está e s tre ita m e n te lig a d o o fa to de qu e co m o no Egito e na B a b ilô n ia -A s s íria , ta m b é m em Israel nã o estava fo rm a d o o co n c e ito d o "e q u ív o c o in te le c tu a l" nem o da " d ú v id a " sobre a firm a ç õ e s objetivast'-’7). N a tu ra lm e n te há verbos nestas lín g u a s a n tig a s para a id é ia do " v a c ila r " no s e n tid o da " h e s ita ç ã o " (no H e b r a ic o m w te m cd. M as, em g e ra l, se e n g re n a a id é ia d o " v a c ila r " , " h e s ita r " com o re ­ cin to da re lig io s id a d e . Por e x e m p lo : no AT estas expressões estão lig a d a s sem pre com um a n e g a çã o , e isto q u e r d iz e r, "N u n c a o p ie d o so hesita, d u v id a na sua crença e c o n fia n ç a ". Lá há verbos ta m b é m com o s ig n ifi­ cado de "e n g a n a r-s e ", mas so m e n te no s e n tid o de " d e s v ia r - s e " (com o um a o v e lh a d o re b a n h o ).

A q u i n o ta m o s c la ra m e n te co m o a la cu n a no v o c a b u lá rio le x ic a l­ m ente não é s u p e r-e stru tu ra d a ou p a ra fra s e a d a com g e n e ra liz a ç õ e s , mas só é substituída em um nível le x ic a l m ais " b a ix o " , m ais concreto,

m as im p re c is o (cf. p. ex. o v e rb o v é te ro -H e b ra ic o e N a b a té o >bdí68)).

M as e xiste m a in d a outros verbos: t ch / t c V t ch(69) e sgh. Seja no s e n tid o de um c rim e , de um d e lito co m o no v é te ro -H e b ra ic o sgh e no A ra m a ic o Im ­ p e ria l s g ’ ,(70), seja no s ig n ific a d o de um e rro de le itu ra ou de g ra fia co­ m o no P a lm iré n io -A ra m a ic o t cw n (71) ou co m o , m ais ta rd e , no P alestino- A ra m a ic o t ch(72), ou ta m b é m lá tc* co m o no v é te ro -H e b ra ic o sgh e t ch no se n tid o da id o la tria ^73), etc. — sem pre está em jo g o a id é ia d o " e n g a n a r- s e ", mas re la c io n a d a com as circu n stâ n cia s da s o cie d a d e (sem i-) n ô m a ­ de ("d e s v ia r-s e "). Q u e r d ize r, " q u e m d u v id a e instala um a o rd e m in d iv i­ d u a l de v a lo re s e n g a n a r-se e se desvia co m o um a o v e lh a d o re b a n h o ,

is-(66) W. v. SODEN, S p ra c h e ..., op. c it., p. 38; cf. 1 Sm 17.25. (67) Id., ib id ., p. 39.

(68) Ch-F. JEAN e J. HOFTIJZER, D ic tio n n a ire , p. 2.

(69) Q u a n to à d is s im ila ç ã o de consoantes e n fá tic a s v. M . UDZBARSKI, Das J o h a n n e s b u c h d e r M a n -

d ä e r, p. XVIIs.

(70) CH. — F. JEAN e J. HOFTIJZER, D ic tio n n a ire , op. c it., p. 290s. (71) Id ., ib id ., p. 102.

(72) G. D ALM AN , A ra m ä is c h e s -N e u h e b rä is c h e s W ö rte rb u c h , p. 172b; cf. M . JASTROW, H e b re w

A ra m a ic D ic tio n a ry , v. I, p. 542.

(17)

to é, d o c a m in h o r e to " . F a cilm e n te se consegu e im a g in a r q u e a d ifa m a ­ ção d o "d e s v ia r d o re b a n h o " co rre s p o n d ia à in te rio riz a ç ã o da id e o lo g ia re a l. Suposto q u e existisse um a in tu iç ã o da id é ia d o " e q u iv o c o in te le - tu a l" , e n tã o antes d o d o m ín io re fle tid o e da fo rm a ç ã o n ê u tra deste co n ­ ceito. A h a b ilid a d e d o q u e s tio n a r está re la c io n a d a com o c o n h e c im e n to do c o n ce ito d o d u v id a r e com a e n e rg ia in te rio r p a ra o in d iv id u a lis m o fre n te à massa in d ife re n te . Em lu g a r d o " in d iv id u a lis m o " , Paulo Freire fa la d o "s e r um s u je ito "(74). Se e m um a c u ltu ra fa lta o c o n c e ito d o " d iv i- d a r " , " p ô r em d ú v id a " , " p ô r e m p e rg u n ta ", lá não oco rre a c o m p re e n ­ são crítica da to ta lid a d e . A q u i os h om ens v iv e m tão e n v o lv id o s com a re a lid a d e qu e , " fa lta n d o aos h om ens um a co m p re e n sã o crítica da to ta li­ d a d e em qu e estão, c a p ta n d o -a em pedaço s nos q u a is não re co n h e ce m a in te ra çã o c o n s titu in te da m esm a to ta lid a d e " (75) ^ eles e x p e rim e n ta m , c o m p re e n d e m a re a lid a d e co m o um m u n d o fix a d o , im p e n e trá v e l e fe ­ chado.

IV

M u ita s vezes já fo i a c e n tu a d o q u e o H e b ra ic o d o AT n ã o conhece n e n h u m te rm o p ró p rio p a ra "h is tó ria " ^ 76). M as e x is te m a lg u m a s a p ro x i­ m ações lin e a re s co m o cêsãh ( = " p la n o " , Is 5.19; 28.29, e tc .), 'õ ra h ( = " s e n d a " de Javé, Is 40.14, e tc .) qu e ta m b é m p ode ser um a n tiq u ís s im o te rm o ju ríd ic o (77). T õ le d õ t ( = " g e ra ç õ e s " , Gn 2 .4b; 5.1; 6.9 ; e t c .) é um a id é ia não histó rica e s ig n ific a tiv a a "a tu a ç ã o c o n tin u a d a da fo rç a c ria d o - r a " ( 78)- T am bém no B a b ilô n io -A s s íric o , assim com o no Egípcio fa lta o nosso c o n ce ito conciso e lin e a r d e história(79) p e rg u n ta é- p o r que ? Por razões d ife re n te s — vou e x p ô -la s a se g u ir — penso q u e esta la cu n a no v o c a b u lá rio das línguas cita d a s e steja re la c io n a d a com sua id é ia de " te m p o " e qu e esta id é ia te m p o ra l das sociedad es tra d ic io n a is , e s ta c io ­ nárias fo i p a ra estas lín g u a s a n tig a s um o b stá cu lo no processo de cu n h a r um c o n ce ito p ró p rio de " h is tó r ia " .

No v é te ro -H e b ra ic o d o AT e ta m b é m das inscrições (cf. KAI 192.3)(80) existe a p e n a s um c o n c e ito geraK 81), u m a p a la v ra p ró p ria para

(74) P. FREIRE, op. c it., p 148; 152; 179s; 184s. (75) Id., ib id ., p. 113.

(76) cf. R. SMEND, E le m e n te a ltte s ta m e n tlic h e n G e s c h ic h ts d e n k e n s , p. 36.

(77) K. ELLIGER, K le in e S c h rifte n , p. 204ss; R. BULTM ANN, G la u b e n u n d V e rs te h e n , v. IV, p. 95s. (78) C. WESTER M A N N , G e n e s is v. I., p. 24.

(79) W .v. SODEN, S p ra c h e ..., op. c it., p. 37; E, H O R N U N G ,G e s c h ic h te a ls Fest, p. 14ss. (80) cf. H. DONNER e W . ROLLIG, K a n a a n ä is c h e u n d A ra m ä is c h e In s c h rifte n , v. II, p. 190s. (81) Os d e m a is co n ce ito s m e n c io n a d o s po r GESENIUS-BUHL, H e b rä is c h e s u n d A ra m ä is c h e s H a n d ­

(18)

"te m p o ” , ce t, cu jo s ig n ific a d o c o rre sp o n d e e x a ta m e n te a um a e x p re s ­ são Egípcia, J.t, e m b o ra p ro v a v e lm e n te não da m esm a e tim o lo g ia ^ 82). Com o as a n á lo g a s expressões a ra m a ica s z©mãn (Dn 2.16,21; 3,7s; 4.33, e tc .)(83) e cid d ã n (Dn 2.8s, 21; 3. 5,15; 7.12, e tc .) , .t e cê t s ig n ific a m : " m o m e n to ” , um " te m p o d e te rm in a d o ” !84) e p e d e m n o rm a lm e n te um a créscim o e x p lic a tiv o (cf. e n tre m u ito s outros e x e m p lo s Gn 8.11; 29.7; SI 9.10 (p l.); 10.1 (p l.); Jó 39.1; Jr 51.33; Ez 30.3; Ec 3.1-8; 8.5; Ed 10.13, e tc.)(85). O a cu sa tivo de cê t (C attãh) s ig n ific a ” a g o ra " (86), s u b lin h a n d o a restrição deste c o n c e ito g e ra l a um te m p o d e te rm in a d o . Talvez, em co n ­ fo rm id a d e com isto, ocorra cê t em A g 1.2,4 no s ig n ific a d o " p o s s ib ilid a - d e " ( 87).

In fe liz m e n te o H e b ra ico e as outras lín g u a s v é te ro -S e m ita s não d e s e n v o lv e ra m de m a n e ira m ais c o n se q ü e n te a sua c o n c e itu a ç ã o te m - poraK 88). M as p e la in te rp re ta ç ã o da h istó ria no AT(89) p e rce b e m o s qu e e x is tia , por detrás d e la , um a im a g in a ç ã o de m a io r e n v e rg a d u ra . Um a o lh a d a p a ra o Egito p o d e le va r-n o s um passo a d ia n te .

O Egito dos fa ra ó s d e s e n v o lv e u a co n ce p çã o te m p o ra l m ais s u tili- zada do A O , su p e r-e s tru tu ra n d o com p a la vra s um d e te rm in a d o aspecto do s e n tim e n to te m p o ra l q u e , sem te r ch e g a d o a um a d e fin iç ã o cla ra , c e rta m e n te p re d o m in a v a nas cu ltu ra s s e n d e n tá ria s d a q u e la é p o ca (90). Trata-se da d ife re n ç a e n tre te m p o " d iv in o " e te m p o " h u m a n o " . Na co n ­ cepção Egípcia o te m p o em g e ra l é c a ra te riz a d o co m o lim ita d o . Isto tra n - p arece em textos com o o c a p ítu lo XVII d o Livro dos M ortos(91). O qu e nós, por fa lta de um e q u iv a le n te , tra d u z im o s co m o " e te r n id a d e " ( ilim ita d a ) é p ara os Egípcios o te m p o " a tr ib u íd o ao s e r", ou " q u e e m a n a d o s e r". Pa­ ra e n c o n tra r um a expressão m ais a d e q u a d a . E. H o rn u n g fa la , em um a

(82) cf. A. ERMAN e H. GRAPOW, W ö rte rb u c h d e r Ä g y p tis c h e n S p ra che, v .II, p. 2195 (n w ); L. KÖH­ LER e W. BAUMGARTNER, H e b rä is c h e s un d A ra m ä is c h e s L e x ik o n zu m A T, v .III, p. 851. (83) cf. ze m ãn nos textos ta rd io s d o AT (N e % . à ; Ec 3 .1 ; Et 9.27,31).

(84) S. AAORENZ, Ä g y p tis c h e R e lig io n , p. 80s; A . LAUHA, K o h e le t p. 64. (85) cf. ta m b é m Ch.-F. JEAN e J. HOFTIJZER, D ic tio n n a ire , p. 224.

(86) C. BROCKELMANN, G ru n d ris s , v. I., § 245h, p. 464; P. JO ÜO N, G ra m m a ir e , § 93g, p. 225. (87) cf. G. v. RAD, W e is h e it in Is ra e l, 184, n. 4.

(88) As id é ia s " h is tó r ia " e " t e m p o " fa lta m in te ira m e n te no A c á d ic o e são sub stituída s p e la s p a la ­ vras c o rre sp o n d e n te s a " t e r m o " , " d a t a " , " m o m e n to " ; cf, W. v. SODEN, S p ra c h e ..., op. c it., p. 37.

(89) Cf. L. ROST, Das k le in e C re d o ..., p. 235ss; a H is to rio g ra fia da co rte e m Israel, m ostra q u e na n a rra tiv a sobre o sucessão no tro n o de Davi (2 Sm 9-20; 1 Rs 1-2) a in d a é re m o ta um a h is to rio ­ g r a fia re a lm e n te p ro fa n a (cf. 2 Sm 11.27; 12,24s; 17.14, cf. ta m b é m 1 Rs 2 2 ,19ss, etc). (90) cf. A. H. J. GUNNEW EG, R e lig io n o d e r O ffe n b a ru n g , p. 166s.

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