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O sentido da docência no judô: um estudo biográfico com um sensei

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Academic year: 2021

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UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA CATARINA CENTRO DE DESPORTOS

DEPARTAMENTO DE EDUCAÇÃO FÍSICA CURSO EDUCAÇÃO FÍSICA LICENCIATURA

Giulia Salvador de Lemos

O sentido da docência no Judô: ​um estudo Biográfico com um ​Sensei

Florianópolis 2020

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Giulia Salvador de Lemos

O sentido da docência no Judô: ​um estudo Biográfico com um ​Sensei

Trabalho Conclusão do Curso de Graduação em Educação Física do Centro de Desportos. da Universidade Federal de Santa Catarina como requisito para a obtenção do título de Licenciado em Educação Física

Orientador: Prof. Dr. Fábio Machado Pinto

Florianópolis 2020

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Ficha de identificação da obra

A ficha de identificação é elaborada pelo próprio autor. Orientações em:

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Giulia Salvador de Lemos

O sentido da docência no Judô: ​um estudo Biográfico com um ​Sensei

Este Trabalho Conclusão de Curso foi julgado adequado para obtenção do Título de “Licenciada” e aprovado em sua forma final pelo Curso Educação Física

Florianópolis, 18 de fevereiro de 2020.

________________________ Prof. Dr. Giovani Firpo Del Duca

Coordenador do Curso

Banca Examinadora:

________________________ Prof.Dr. Fábio Machado Pinto

Orientador

Centro de Ciências da Educação, UFSC

________________________ Prof. Me. Rafael Lima Kons

Avaliador

Centro de Desportos, UFSC

________________________ Prof. Me. Márcio Rogério Delfes Branco

Avaliador

Centro de Ciências da Educação, UFSC

_______________________ Profª. Maria Eduarda Sousa Suplente - Centro de Desportos, UFSC

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“Que nada nos defina. Que nada nos sujeite. Que a liberdade seja a nossa própria substância.” Simone de Beauvoir

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RESUMO

O presente trabalho tem como objetivo compreender o sentido dado a docência por um Sensei de Judô, a partir do Método Biográfico Sartreano. A fim de compreender de que forma se constituiu o projeto e desejo de ser Sensei dele, o estudo foi realizado a partir de uma entrevista semi-estruturada e sua análise se deu a partir da literatura sartreana e relacionada ao judô. O estudo analisou como se constituiu o sentido da docência para o ​Sensei​, através de suas experiências de vida, sua ​práxis individual, a qual é elaborada em um meio coletivo. Além disso, analisou-se de que forma esse sentido pode variar de acordo com o ambiente, objetivos relacionando-o com a filosofia considerada essência do Judô. Ao considerar as experiências do ​projeto e desejo de ser Sensei, pode-se compreender que seu pai teve grande

influência na sua iniciação com lutas, ao lhe dar de presente um par de luvas de boxe. O

Sensei ainda como uma história viva, espera e deseja ainda conseguir passar tudo que sabe sobre judô, tais conhecimentos que foram adquiridos em mais de cinquenta anos como professor de judô. O estudo mostrou-se ser importante para compreensão do sentido de ser professor na arte marcial que é o Judô além disso demonstrou ser muito mais que uma luta, mas também uma filosofia de vida.

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AGRADECIMENTOS

Gostaria de agradecer a todos que me apoiaram durante minha formação inicial, até o momento da produção desta monografia, os quais tenho certeza que me apoiarão ao longo da minha contínua experiência de vida: minha família, amigos, professores e colegas de turma.

Agradecimento em especial aos meus pais Rosimeri e Fernando, professores da rede pública, e de Judô, os quais me propiciaram condições, para que eu consiga me dedicar integralmente a minha formação, não me deixando faltar nada. Ainda possibilitaram um contato estreito com as práticas corporais, desde criança a mim e ao meu irmão Giácomo.

Ao meu orientador e professor Fábio, que me ajudou a abraçar minha história com o Judô, e me apresentou juntamente do grupo Gebios o pensamento de Jean-Paul Sartre, o qual foi base metodológica para esse trabalho.

Às grandes mulheres da história, que lutaram para democratizar o acesso à universidade, principalmente a pública, a qual estou tendo o privilégio de estudar. E as grandes mulheres da história contemporânea: minhas tias; minha prima querida Natália; minhas irmãs Andrea e Karine. E também as minhas amigas de fora e dentro da UFSC, que crescem de mãos dadas comigo, e faço questão de citá-las: Larissa Rocha, Nayara, Julia Jung, Raissa, Waleska, Dandara, Carol Fronza, Débora Closs, Laís Souza, Olga, Bruna, Alessandra Machado, Evelin, Evelyn Espindola, Daiane, Leandra e Larissa Quintino.

E a todas minhas professoras desde a Educação Básica até o Ensino Superior, em especial: Vera Bernardo, Iracema Soares, Mara Cristina Schneider, Luciana Fiamoncini, Carolina Fernandes, Bruna Seron e Gabriela Fischer, que são minha inspiração enquanto mulher, professora e eterna estudante.

Uma grande saudação também, a todos meus colegas os quais tornaram-se amigos, que me acompanharam durante a graduação e me incentivaram a pensar, questionar, refletir e criar: Gabriel Pulcena, Bruno Marçal, Matheus Correa, Matheus de Jesus, Maykon Valente, Sandro Henrique, Antonio Canevese, Gustavo Heusner e Pablo Guilherme. São homens que admiro, conscientes e dedicados em seus objetivos a favor do bem comum.

E acima de tudo, minha maior gratidão é destinada a algo imaterial: a liberdade intelectual e de expressão, a qual possibilita que nós abandonemos o ostracismo, questionando, criando e transformando o conhecimento.

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SUMÁRIO

1.INTRODUÇÃO ………..……....………14

1.1 Formulação do problema: perspectivas e contradições da docência /sensei……14

1.2 Justificativa: o Judô e a formação docente………...17

2. METODOLOGIA: o estudo Biográfico e o método progressivo-regressivo………...18

2.1​ Procedimentos de Coleta de Dados………..21

2.2 Analise de dados em debate com a literatura……….…..22

3 CONSTITUIÇÃO DO SEU PROJETO E DESEJO DE SER SENSEI………23

3.1 O Primeiro contato com Judô………...23

3.2 Experiência como professor………..28

3.2.1 Como professor/sensei de Judô………...28

3.2.2 A essência do Judô Educativo……….33

4 CONSIDERAÇÕES FINAIS………..38 REFERÊNCIAS​………...40 APÊNDICE A………...43 APÊNDICE B………...44 APÊNDICE C………...45 APÊNDICE D………..45 APÊNDICE E………...54

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1. INTRODUÇÃO

1.1 Formulação do problema: perspectivas e contradições da docência /sensei

Um dos primeiros textos a trazer as lutas como conteúdo da Educação Física Escolar, numa perspectiva crítica, foi o livro Metodologia do Ensino de Educação Física (COLETIVO DE AUTORES, 1992), onde é enfatizado que o ensino das lutas deve ser feito, a partir de uma reflexão sobre a estrutura da sociedade, pois acredita que como elemento da Cultura Corporal, as lutas são parte de uma construção histórico-social. Assim como, as aulas devem-se estruturar de forma espiral, havendo uma participação de todos, aluno, professor e comunidade, a fim de mudar a relação de classes existente na sociedade capitalista. Nessa concepção trazida pelo livro, denominada, Crítico-Superadora, o professor tem um papel de instigar a reflexão em seus alunos, tornando sujeitos ativos no processo educativo e de transformação social. Esta apropriação ativa e consciente do conhecimento, registrada nas primeiras páginas da introdução do livro ​Metodologia do Ensino da Educação Física, ​é uma

das formas de emancipação humana. Algo que se realiza pelo domínio de conhecimentos que permitem, ao professor e alunos, de tomarem consciência da realidade social e contraditória na qual encontram-se inseridos, isso que exige engajamento de ambos, no estudo de forma a enfrentar os problemas da sala de aula tanto quanto os da vida cotidiana, de reelaborar os conhecimentos e suas experiências cotidianas a fim de se constituir em sujeitos dos processos sociais e de luta de classes. (COLETIVO DE AUTORES, 1992). Assim, fica claro a ideia de professor nesta nova abordagem, onde as lutas (e seus formadores) passam a figurar também de forma crítica.

O Judô chegou ao Brasil a partir de 1920, mesmo ainda incerto sobre as verdadeiras origens em território brasileiro, Nunes ​(2014) afirma que a intensa imigração japonesa, que chega principalmente em São Paulo e no norte do Paraná foi o suficiente, para se difundir elementos da cultura japonesa, entre elas as Artes Marciais.

Os principais professores-lutadores, responsáveis por trazer o ju-jutsu/Judô Kodokan foram Mitsuyo Maeda (Conde Koma) e Soishiro Satake, ambos alunos de escolas diferentes da Kodokan (considerada a primeira escola de Judô), mas que trouxeram a cultura das lutas para o país. Onde o Conde Koma, teria entrado no país por Porto Alegre, passado pelo Rio de Janeiro e depois se fixado em Manaus (NUNES, 2014).

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Para Freitas (1989) o Sensei (professor) pode ser autocrata, apolítico, e dessa forma torna o Judô apenas como uma prática fundada em uma ideologia vazia, onde os alunos são impedidos de desenvolver sua criatividade e até proibidos de beber água ao longo da aula. Mas também é apresentada uma proposta de um Sensei crítico

mais do que simples transmissor de técnicas a um receptor passivo, e vazio de conteúdo, o professor de Judô é um coadjuvante da Educação geral (multifacética) das crianças e por isto este em suas mäos, também, a possibilidade de realização do "vir-a-ser" (FREITAS, 1989, p. 8)

No livro Judô: Caminho das Medalhas (NUNES, 2014), é relatado as origens das medalhas do Judô brasileiro em campeonatos Olímpicos e mundiais. É feita uma árvore genealógica onde mostra quem foram os Senseis (professores) por trás de cada atleta medalhista. Nunes (2014) traz duas designações da docência no Judô, o professor-treinador e o professor-formador.

O professor-formador, acaba sendo o primeiro Sensei de um praticante, aquele que acompanha sua iniciação esportiva, onde não necessariamente está incentivando que o aluno torne-se um atleta, mas sim influenciando na formação enquanto judoca. Já o professor-treinador, segundo Nunes (2014, p.94 )

Com relação ao conhecimento ou as impressões da comunidade judoística brasileira, em geral os professores-treinadores são mais reconhecidos, possivelmente por que a mídia tem maior interesse em cobrir os momentos de vitórias e resultados importantes e associe esses momentos aos treinadores presentes.

A partir dessas reflexões, observa-se que há uma diferenciação entre o ensino do Judô na escola e dá sua prática em clubes e academias, tal como os objetivos a serem alcançados. Para Mugrabi e Maria (2016, p.6) “o ensino do judô é visto como uma forma de propiciar um desenvolvimento cognitivo e intelectual nas aulas de educação física e oferece métodos interdisciplinar de apoio às outras disciplinas que compõem o currículo escolar”. Dessa forma, o professor de Educação Física, ao incluir o Judô nas aulas deve respeitar os conteúdos curriculares dentro da instituição de ensino, além de possibilitar o trabalho conjunto e interdisciplinar.

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Atualmente o Judô pode apresentar diferentes vertentes (educativa, competitiva, recreativa, etc.), porém, na sua fundamentação filosófica há normas e ideais a serem seguidos. Desta forma, essa Arte marcial japonesa, passa a ser um estilo de vida e um princípio de comportamento humano. É errôneo delimitar que o Judô termine no ​Dojo ou em uma luta no1 tatame, pois seu significado é “diferente; é universal e profundo” (KANO, 2008, p. 66).

Sabe-se, que atualmente para atuar como professor de Educação Física Escolar, é necessário ter formação ou ser graduando da 5ª fase em diante em Educação Física Licenciatura ou em Licenciatura Plena. Em seu texto Gomes et al, (2013) analisou a relação entre formação de Educação Física e a atuação com o Judô, constatou que a maioria dos professores que ensinam lutas na escola, tiveram experiência com a modalidade. Inclusive mesmo com sua formação inicial, “[...] percebe-se uma predominância do método de ensino artesanal, ou seja, mesmo os professores graduados em Educação Física utilizam estratégias parecidas com o que lhes foi ensinado” (GOMES et al, 2013, p.8).

Na sua origem filosófica desenvolvida por Jigoro Kano , o criador do Judô há uma2 filosofia de hierarquia muito forte, onde considera-se, o professor como o condutor do “caminho suave”, que se caracteriza também como um estilo de vida, um caminho a ser seguido. Por isso, muitas vezes o Sensei se baseia nesses padrões responsáveis, com enfoque educacional, “baseado em padrões éticos rigorosos, no respeito, na hierarquia (sistema Korai/Sempai) e comprometimento com os principais conceitos estabelecidos por Kano” (NUNES, 2014, p. 97), onde Korai e Sempai, são os alunos menos graduados/experientes e mais graduados, respectivamente.

A essência do Judô e sua relação com a hierarquia nos processos de ensino, pode vir a ser criticada negativamente, tendo em vista que quando levado a escola nas aulas de educação física escolar, a partir das teorias críticas, a posição entre professor e estudante deve ser horizontal, e instigando o senso crítico e anti-tecnicista (FREITAS, 1989).

Na sua origem, o Judô tem uma filosofia diretamente influenciada pelo Budismo, Xintoísmo e Confucionismo, formando o ​Bushido ​(significado literal: caminho do guerreiro), o qual era considerado um código de honra não escrito dos Samurais durante o Japão feudal (SANTOS, 2009). O ​Bushido, ​tinha como ênfase a “lealdade, fidelidade, auto-sacrifício,

1 Dojo é uma palavra japonesa, que traduzida significa: local para prática ou treino (NUNES, 2014, 240). 2(1860-1938) Idealizador do Judô de origem Japonesa, licenciado em Letras e graduado de Ciências Estéticas e Morais (Santos, 2009, p.47)

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justiça, modos refinados, humildade, espírito marcial e honra acima de tudo, morrer com dignidade”(SANTOS, 2009, p.41-42 apud INSTITUTO NITEN, 2004, p.1).

Quando o caráter apenas Marcial, ou seja, ligado a guerra é deixado para trás, o

Bushido, ​que já “[...]fornecia parâmetros para se viver e morrer com dignidade, em um Japão atual, mais seguro, evoluiu para uma filosofia de vida, o ​Budo​” (SANTOS, 2009, p.43). Dessa forma, ao usar como inspiração para embasar a filosofia do Judô, Jigoro Kano, teve uma preocupação de desconectar o Judô de forma direta a uma arte marcial, mas também como um estilo de vida, trazendo seu caráter formador e de cunho também educacional.

A partir dessas questões e apontamentos, a visão do “ser” Sensei, se divide em diversas vertentes, onde a original é ligada a uma filosofia oriental, e outras ligadas ao ensino ocidental, escolar e esportivo. Dessa forma, o problema o presente estudo se baseia nas seguintes questões: qual o sentido da Docência no Judô? Qual a formação de um Sensei? E no Judô na escola?

1.2 Justificativa: o Judô e a formação docente

Tendo em vista que esta é uma monografia destinada a formação em Educação Física Licenciatura, há uma necessidade de estudar a conjuntura que envolve os ensinos das práticas corporais, entre elas: as lutas. Apontadas pelo Coletivo de Autores (1992), como parte do que chamam Cultura Corporal, a qual é considerada como parte do currículo das aulas de Educação Física.

Quando falamos do ensino do Judô na escola, podem haver muitos impedimentos para sua inserção, enquanto conteúdo das aulas de educação física escolar. Entre os impedimentos pode-se considerar: estrutura arquitetônica, materiais e até preconceito, pois ainda associa-se às práticas de lutas com violência (RUFINO; DARIDO, 2011).

Um dos impedimentos apresentados também, é a insegurança de professores para o ensino das lutas na escola entre elas o Judô, pois durante a formação inicial e até mesmo anterior a ela, acabam não tendo contato com essas práticas corporais, o que pode causar insegurança e receio de ensiná-las (RUFINO; DARIDO, 2011).

Durante minha vida inteira, tive contato com o Judô, onde meus pais atuaram e atuam como Senseis, além de sua formação no magistério. O que instigou-me a trabalhar esse tema,

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foi o fato de a maioria das relações de amizades da minha família, foram geradas dentro do contexto Judoístico. Meu pai tornou-se Sensei ainda no século passado, hoje em 2019 com 75 anos, e 20 anos após se aposentar, ainda recebe visitas, de seus alunos da época. Os quais falam dele como um exemplo constante na vida deles, citando a influência que meu pai teve e tem na vida deles, enquanto professor/Sensei de 7º Dan.

Até meus 14 anos de idade pratiquei Judô, e tive como Sensei a minha mãe Rosimeri Salvador, mas nunca tive a oportunidade de vivenciar o Judô ou algum resquício de lutas nas aulas de educação física escolar, pois nunca fui proposto.

Então, esse trabalho pode contribuir para que possamos compreender o sentido da docência no Judô em seus diferentes contextos, a partir da visão de um Sensei e nas produções científicas relacionadas, trazendo a tona a figura do professor.

Neste estudo buscamos, através do método biográfico, analisar e compreender o sentido dado a docência no Judô a partir da perspectiva de um Sensei e nas produções literárias relacionadas. Para isso, buscamos identificar de que forma se constituiu o sentido da docência no Judô na perspectiva do Sensei Fernando e analisar as produções literárias que contenham formas de organização da docência no Judô em diferentes ambientes de ensino.

2. METODOLOGIA: o estudo Biográfico e o método progressivo-regressivo

Para tentar alcançar os objetivos, usei a base teórica-metodológica desenvolvida por Jean-Paul Sartre (1905-1980), para compreender de que forma constituiu-se o sentido da docência no Judô para o Sensei Fernando.

Durante minha participação no Grupo de Estudos Biográficos Sartreanos da UFSC (Universidade Federal de Santa Catarina), entrei em contato com a metodologia de um Estudo Biográfico, que consiste em compreender uma práxis individual (decisões e escolhas), “a qual foi gerada em um meio coletivo do seu cotidiano” (PEREIRA, 2017, p.21).

Na visão sartreana a pessoa nasce sem predestinação, a construção do seu “eu” se dá a partir de um fluxo entre o “projeto e desejo de ser”, o que nada mais é do que a tomada de decisões, onde há um uma relação ​singular-universal entre o sujeito e sociedade (SCHNEIDER, 2006).

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Dessa forma, as possibilidades de ser de um sujeito não são dadas simplesmente por ele; são dadas pelas condições de materialidade, pelo contexto antropológico, pela rede sociológica à qual pertence, que definem seu campo de possibilidades de ser, quer dizer, sua estrutura de escolha (SCHNEIDER, 2006, p. 302-303).

Portanto, ao decidir fazer um estudo biográfico estamos estudando também, uma “teia” de relações onde o Sensei Fernando está inserido. ​Ao tentarmos compreender a forma que se constituiu o sentido dado por ele a docência no Judô, estamos esclarecendo aspectos da formação de seu ​desejo e projetos de ser Sensei, marcado pelas decisões e experiências que o levaram a ter determinada perspectiva.

O estudo foi feito com o Sensei, o qual ainda é presente, portanto é uma biografia de uma história viva, que ainda está em movimento​, inacabada​. Esse método apresenta um fluxo constante, entre as camadas Antropológicas, Sociológicas e Psico-Físicas de um sujeito, pois durante suas experiências ele está em constante relação, podendo assim, também chamar de método ​progressivo-regressivo​, havendo esse movimento de vai-e-vem entre essas camadas, a fim de compreender a totalidade da experiência.

O existencialismo de Sartre assume que a vida se desloca em espirais, tendo a constante troca de transformações entre indivíduo e seu meio social, ao passar na próxima volta da espiral que está em ascendência, o ser já não é mais o mesmo (PEREIRA, 2017, p.21).

Quando nos deparamos com um Estudo Biográfico, não estamos tentando compreender apenas um sujeito, mas também, toda sua ​época ​e seu ​tecido de relações​, pois

mesmo que seja um projeto individual, está diretamente relacionado às engrenagens que movem uma sociedade.

E embora os projetos possam ser diferentes, ao menos nenhum deles me é completamente estranho porque todos eles são uma tentativa de superar limites ou afastá-los ou negá-los ou acomodar-se à eles. consequentemente, Todo projeto, mesmo que seja individual, possui o valor universal. (SARTRE, 2017, p.35)

Há outro fator importante a ser ressaltado, dentro de sua proposta de ​ser​, um dos principais conceitos de Sartre é a Liberdade, no caso liberdade para ser. “Dessa forma, a liberdade só existe em uma ​estrutura de escolha​, dada pela situação onde está inserida. Portanto, o indivíduo se escolhe dentro de determinadas condições” (SCHNEIDER, 2006,

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p.299) dessa forma a liberdade ​é demarcada num campo de possíveis e sempre dinâmica, pois responde às exigências do contexto.

A pesquisa é de cunho qualitativo, pois a “pesquisa qualitativa em ciências sociais está relacionada à sua capacidade de possibilitar a compreensão do significado e a ‘descrição densa’ dos fenômenos estudados em seus contextos e não à sua expressividade numérica” (GOLDENBERG, 2004, p.50).

Além disso, a pesquisa foi predominante Exploratória, onde ao longo do processo o biografado foi contribuindo com informações e possibilitando a aproximação com o objeto.

A pesquisa biográfica com o Sensei Fernando Machado de Lemos, foi feita por critério de conveniência, tendo em vista que é meu pai, mas também por sua longa trajetória dentro da modalidade que é o Judô, podendo contribuir com os objetivos.

Como instrumento de investigação utilizamos da entrevista semi-estruturada , pois é o 3 método, que propicia a maior aproximação do biografado além disso há outras vantagens segundo Goldenberg (2004, p.88)

1. pode coletar informações de pessoas que não sabem escrever; 2. as pessoas têm maior paciência e motivação para falar do que para escrever; 3. maior flexibilidade para garantir a resposta desejada; 4. pode-se observar o que diz o entrevistado e como diz, verificando as possíveis contradições; 5. instrumento mais adequado para a revelação de informação sobre assuntos complexos, como as emoções; 6. permite uma maior profundidade; 7. estabelece uma relação de confiança e amizade entre pesquisador-pesquisado, o que propicia o surgimento de outros dados.

Como um instrumento pré-entrevista, foi elaborado uma linha do tempo do participante, onde uma delas contemplava a dimensão profissional/acadêmica (Apêndice A) e também da dimensão pessoal/familiar(Apêndice B). Esse foi um instrumento encontrado para que conheçamos em que época, com quem e onde o participante construía e ainda constrói sua práxis, tendo em vista que ele ainda é uma história viva. Dessa forma realiza-se um movimento progressivo-regressivo “através do qual explica o individual a partir do contexto da época e a época a partir das experiências concretas dos sujeitos e grupos” (SCHNEIDER, 2006, p.293).

Posteriormente a produção das linhas do tempo, foi possível traçar um raciocínio para a produção dos tópicos a serem apontados na entrevista semi-estruturada s egundo Triviños

3A entrevista foi realizada com o uso de um gravador de voz de um aplicativo de celular “Gravador de Voz: Splend apps”

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(2012, p.146) “valoriza a presença do investigador, oferece todas as perspectivas possíveis para que o informante alcance a liberdade e a espontaneidade necessárias, enriquecendo a investigação”.

2.1​ Procedimentos de Coleta de Dados

A pesquisa iniciou-se no final do mês de setembro de 2019, onde entrei em contato com o biografado, para convida-lo em ser objeto de pesquisa. Antes de iniciar qualquer procedimento entreguei o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE), em anexo, atendendendo a todos parâmetros éticos de pesquisa sociais.

O participante autorizou o uso de seu nome verdadeiro, e após a entrega do TCLE (Apêndice E) agendamos o dia para a primeira parte da pesquisa, que foi a construção da linha do tempo no dia 14 de outubro, em nossa casa, no cômodo onde ele pudesse se sentir mais vontade para conseguir contribuir de forma plena.

Como o biografado é meu pai além de participante, tive que manter um afastamento durante todas fases de coleta de dados, mesmo desafiador em muito momentos, mantive a postura de pesquisadora ao longo de todo processo, respeitando os princípios éticos de pesquisa. É importante destacar os limites da pesquisa científica quando pesquisador e objeto/sujeito da pesquisa encontram-se tão ligados como neste caso. A experiência pode ir de um extremo ao outro, ao provocar situações dolorosas e difíceis, por vezes insuportáveis, ou ainda prazerosas e realizadoras. Contudo, pesquisador deve sempre manter-se atento a cada situação, sem negligenciar esta realidade, considerando-a em todos momentos da coleta a análise dos dados, sabendo, na medida do possível, demarcar os seus próprios limites tanto quanto preservar o sujeito pesquisado. (PINTO, 2019) 4

Após analisar a linha do tempo e estudá-la, foi possível marcar a entrevista (Apêndice D) para o dia 31 de outubro de 2019. Para construir os tópicos da entrevista (Apêndice C), me pautei em questões que pudessem contribuir na compreensão da constituição do sentido da docência no Judô para o Sensei, ou seja, abordar questões do início da sua experiência com práticas corporais.

Dessa forma meu primeiro tópico da entrevista foi “como foi a sua iniciação no judô, lutas, esportes?”, a partir da primeira questões, iam surgindo espaços para fazer questões e comentários. Segundo Goldenberg (2004, p.90)“as atitudes e opiniões do pesquisador não

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podem aparecer em primeiro plano. Ele deve tentar ser o mais neutro possível, não sugerindo respostas.”

Então, a pesquisa baseou-se na tentativa de compreender a construção do “desejo e projeto de ser”, a fim de entender a influência das suas experiência e escolhas na forma que compreende o sentido da docência no Judô.

Sendo que suas escolhas partem de um princípio singular pela qual foi gerado pelo meio coletivo do seu cotidiano, portanto também social, trazendo traços da formação da personalidade do biografado. Nosso ponto de partida metodológico é observar e descrever a interação do individuo desde sua infância mais imatura com seu contexto social, cultural, econômico, político [..] (PEREIRA, 2017, p.21).

2.2 Analise de dados em debate com a literatura

Para auxiliar na análise, selecionei algumas obras literárias frutos da pesquisa científica, que tratam da docência e de conceitos de judô como forma de criar diálogo com o tema. Entre eles selecionei os livros: “Judô Kodokan” (KANO, 1986) pois considera-se esse uma das bases filosóficas do Judô; “Energia mental e física: escritos do fundador do Judô” (KANO, 2008); “Judô: filosofia aplicada” (SANTOS, 2009) e por último, e também o livro “Judô: caminho das medalhas” (NUNES, 2014), onde o Sensei Fernando é citado dentro de uma árvore genealógica de docentes. Todos livros eram do participante, que ofereceu-me como uma colaboração.

Além disso, outros textos acadêmicos poderão ser usados. Ao longo da análise será levado em conta todos aspectos Sartreanos, tentando compreender de maneira mais complexa e existencialista, as experiências de vida do Sensei.

Poderão ser usadas também, imagens a fim de ilustrar situações, disponibilizadas pelo próprio entrevistado, que autorizou a divulgação delas para fins de contribuir com a pesquisa e compreensão.

Para Goldenberg durante essa etapa final de reflexão e análise (2004, p. 95) “é importante analisar tanto o que foi dito como o "não-dito" pelos pesquisados. É preciso interpretar este "não-dito", buscar uma lógica da "não-resposta". Dessa forma o silêncio

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também pode vir a significar algo, porém, nosso objetivo principal não é interpretar, e sim compreender, o qual é uma ação complexa.

“A liberdade não diz respeito ao plano moral, da escolha entre o ‘bem e o mal’, mas sim ao plano ontológico, da escolha de ser. A liberdade é constitutiva do ser do homem [...] a escolha que faz comprometa seu ser em um devir” (SCHNEIDER, 2006, p.298-299). Dessa forma tentaremos compreender também, as possíveis influências nos outros, que possam vir a ser citado, haja vista que suas ações são elaboradas em um contexto social.

3 CONSTITUIÇÃO DO SEU PROJETO E DESEJO DE SER SENSEI

3.1 O Primeiro Contato com Judô

Sensei Fernando é natural de Porto Alegre, passou anos de sua infância em Colégios Internatos Católicos na região metropolitana de sua cidade natal. Descreve que quando tinha oito ​anos de idade mais ou menos, seu pai natural da Serra Gaúcha, o presenteou com luvas de boxe e segundo ele, esse teria sido o estopim para o seu contato com lutas

a primeira vez que fui treinar lutas eu tinha oito anos, ganhei uma luva de boxe do meu pai, fui treinar lá com os guris que treinavam na academia lá, que era um quartinho, [...] Depois eu fui pra uma academia treinar, a primeira ideia era treinar boxe (Entrevista com Sensei Fernando, 31 de outubro de 2019)

Dessa forma, é possível compreender que o seu pai possibilitou a chamada “estrutura de escolha” (SCHNEIDER, 2006, p. 299), onde foi oferecido uma decisão, para que Fernando ainda jovem tomasse ou não. Ele descreve que sua primeira experiência com o que seria o mais próximo do Judô

tinha judô lá, e um dia o professor não tava, e o cara me convidou pra treinar com ele só pra me bater, ai o cara me deu um Kimono, foi a primeira vez que eu treinei, tinha 14 anos...15 anos, não lembro direito, ai o cara me deu uma surra danada (informação verbal).

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Relatou que ainda nessa época passava por uma academia quando seu pai o levava para o colégio no centro de Porto Alegre e viu o que seria segundo ele “um outro tipo de Judô”, diferente daquele que experimentou anteriormente, com traços mais violentos

eu fui numa academia ver os cara treinar e era tudo organizado assim, tinha muita gente treinando e ai eu fiquei ‘bah’ isso é uma maravilha né. E ai quando meu pai me levava no colégio, eu descia lá no centro da cidade de porto alegre, e ele me levava até o colégio, que ficava uns quilômetros dali ou menos, no caminho a gente passava por uma academia de judô que era no andar de cima, eu via os cara la, na sacada de Kimono essas coisas assim, e eu tinha vontade de treinar ali, e ai eu só fui voltar e treinar ali depois, quando tinha uns 18 anos por ai (Entrevista com Sensei Fernando, 31 de outubro de 2019)

Em 1954, o pai de Fernando vem a falecer, ele tinha apenas dez ​anos, porém, é possível compreender a influência que seu pai teve sua vida com o Judô, pois oito ​anos depois, com ​dezoito ​anos ele retorna a mesma academia em que passava com juntamente com seu pai, como um aluno.

O Sensei ressalta que no início da década de 1960 ​existiam pouquíssimas academias de Judô no Rio Grande do Sul “ali só tinha aquela academia em porto alegre, e outra academia em passo fundo, só tinha duas academias em todo Rio Grande do Sul” (informação verbal). Quando questionado sobre quem eram os seus professores nessa academia ele respondeu:

E o dono da academia era o famoso professor Loanzi, que treinou com o Conde Koma la em manaus, ai ele veio pro Rio depois veio para Porto Alegre, mas ele andou pelo mundo inteiro, lutando. Mas ele sabia Ju-Jtsu e não Judô, e ai ele foi adaptando o judô, e ai a gente né, não sabia se era ju-jitsu ou se era o judô, nem nós sabíamos. ​(informação verbal).

O professor Alexandres Nunes traz em seu livro “Judô Caminho das Medalhas” informações sobre a chegada de Senseis japoneses, os quais são diretamente ligados a inclusão do Judô no Brasil, durante a emigração do Japão no século XX, entre eles o Conde Koma citado por Fernando:

Outra versão para o início do judô foi a chegada dos primeiros professores-lutadores não está claro se o objetivo precípuo deles era difundir a prática no país ou simplesmente é uma forma de ganhar a vida. Dentre os pioneiros, dois se destacaram, Mitsuyo Massa e Soishiro Satake, ambos representantes da Kodokan, contemporâneo em sua iniciação na escola de Jigoro Mano. O mais conhecido deles,

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Eisei Mitsuyo Maeda, também chamado de Conde Koma, chegou ao Brasil em 14 de novembro de 1914, entrando no país por Porto Alegre (NUNES, 2014, p.55) Além disso, durante a produção da árvore genealógica no livro de Nunes (NUNES, 2014) do professores que levaram a atleta Mayra Aguiar, ser medalhista em Jogos Mundiais, o professor Fernando e Loanzi aparecem como parte da base da árvore, entre eles o professor Obata. Como ilustra a imagem abaixo (NUNES, 2014, p.55)

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Nota-se, que “Loanzi” aparece no canto esquerdo, antes do Sensei Fernando. Há também outro ponto a ser ressaltado, quem precede o professor Loanzi é também Carlos Gracie, um dos responsáveis pela criação do “Brazilian Jiu-Jitsu”, arte Marcial também

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inspirada no antigo “ju-jutsu” (NUNES, 2013). O Brazilian Jiu-Jitsu, teve como principal local de origem a cidade do Rio de Janeiro, onde professor Loanzi viveu segundo o Sensei Fernando, tal relação com Carlos Gracie, talvez explique a relação entre incertezas de Fernando com a identidade da modalidade que Loanzi ensinava

Mas ele sabia Ju-Jtsu e não Judô, e ai ele foi adaptando o judô, e ai a gente né, não sabia se era ju-jitsu ou se era o judô, nem nós sabíamos. E no começo se fazia muita luta de chão, depois começamos a treinar mais em pé, mais luta de pé, depois ficou até esquecido o chão [..]​​(Entrevista com Sensei Fernando, 31 de outubro de 2019)

A principal especificidades de movimentos do Judô é a predominâncias de técnicas de projeção ao solo, isto é golpes que possam derrubar o outro praticante, mesmo que também hajam estrangulamentos e além disso, utiliza-se palavras em japonês para nomear movimento e fatores relacionados a indumentária, saudações e fatos filosóficos (SANTOS, 2009). Enquanto no Brazilian Jiu-jitsu as nomenclaturas são predominante em português ou inglês, e as principais técnicas são de finalização, isto é, chaves de articulações e estrangulamentos.

Quando refere-se a seus professores dessa época dos seus dezoito ​anos e início de vinte anos, demonstrou-se bastante sensível, chega a comparar a figura do professor como de um familiar, e pode-se refletir sobre isso, tendo em vista perdeu seu pai com dez anos e sua mãe mudou-se, ele foi morar com sua avó . Dessa forma, carrega um sentimento de afeto e5 carinho aos seus professores

Lá na academia tiveram vários professores, fiquei a vida toda junto com eles, aqueles eram meus verdadeiros pais né, eu fiquei órfão com 10 anos, aqueles ali eram meus pais, todos dias eu conversava com os caras, saia de noite para jantar para tomar um chopinho com os caras, a gente era super amigos, fim de semana ficávamos juntos nos campeonatos, e aquilo ali foi toda vida, até eles morrerem, e eles morreram quase todos, ficou só eu, os antigos quem ficou foram 4 ou 5, tá chegando a nossa hora também (Entrevista com Sensei Fernando, 31 de outubro de 2019)

5 O estudo biográfico sartreano enfatiza a primeira infância como parte importante do ​projeto e desejo de se​r porém, na pesquisa a questão foi abordada de forma ainda superficial. Podendo haver um grande hiato dos dez aos quinze anos de idade do Sensei, e antes dos oito anos.

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3.2 Experiência como professor

3.2.1 Como professor/sensei de Judô

Ele relata que ​começou a dar aula de judô por volta de 1969 e 1970, quando seus professores faltavam, onde como o aluno mais graduado, o Sempai passava a substituí-los, respeitando os conceitos de hierarquia proposto por Jigoro Kano (NUNES, 2014). Descreve

eles pediam para eu dar aula quando faltava professor, e eu dava ali uma, duas aulas, para cobrir o furo do professor, que por um motivo ou outro não foi, por doença ou qualquer outra coisa. E eles começaram a gostar das minhas aulas, e eu comecei a dar aula, me convidaram para dar aula em outros lugares né, e eu nem sei em quantos lugares eu dei aula, é uma coisa absurda ​(Entrevista com Sensei Fernando, 31 de outubro de 2019)

Após iniciar de forma efetiva a carreira como Sensei, Fernando teve um papel importante dentro do Judô do Rio Grande do Sul, após ser contratado pela Federação Gaúcha de Judô, atuou nela durante 20 anos, dando aula em diversos lugares, assim como, criando programas e cursos para faixa preta, a pedido da federação (informação verbal).

O Judô foi inserido nos Jogos Olímpicos pela primeira vez em 1964 em Tóquio, sabe-se que até então, como destaca o Sensei Fernando em sua entrevista, haviam poucas academias de Judô no Rio Grande do Sul, então possivelmente, após a inserção nos Jogos Olímpicos, o Judô teve mais visibilidade, e com isso, mais praticantes. Dessa forma, com a influência da espetacularização do Judô enquanto esporte através da mídia, possibilitou que alcançasse mais adeptos, tornando-o mais popular, o que é algo positivo.

É interessante destacar o quanto Sensei Fernando influenciou na disseminação do Judô no Rio Grande do Sul, principalmente durante sua atuação no Centro Estadual de Treinamento Esportivo (CETE), localizado na cidade de Porto Alegre

Um dia nós fomos fazer um pesquisa de quantos alunos teve o CETE em todas modalidades em 23 anos, teve aproximadamente 292 mil alunos e no judô nós tivemos aproximadamente 40 mil alunos entre 6 professores, nós tivemos 40 mil alunos.

E um dia, numa aula minha, num sábado à tarde, eu juntei minhas turmas e botei 1000 alunos em uma aula, e chamei o subsecretário dos desportos para ver, o cara quase caiu para trás, não imaginava. ​(Entrevista com Sensei Fernando, 31 de outubro de 2019)

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A situação descrita foi registrada, o treino em que descreveu com cerca de 1000 alunos, ocorreu no dia 27 de novembro de 1992, onde parte deles está aparecendo conforme a imagem disponibilizada pelo biografado:

Foto X: Treino CETE 27 de novembro de 1992 em Porto Alegre, documento cedido pelo entrevistado. Retomamos os dois conceitos de professor formulado por Nunes (2014): ​de professor-treinador e professor-formador, onde um se pode se considerar um técnico esportivo, e o outro o primeiro professor, responsável pela formação completa de um judoca, respectivamente. A partir dessas duas visões sobre a docência, é possível compreender que o Sensei Fernando teve as duas concepções durante sua atividade com o Judô.

Quanto a sua experiência enquanto professor-formador, ele evidencia que mesmo após formados, ou seja alcançando a faixa preta, os seus alunos ainda o procuram e dão aulas por todo Brasil, tal fato é considerado pelo mesmo como um grande legado

[...] e até hoje, os caras são adultos, me escrevem, falam, me ligam, dizendo que aquilo ajudou muito eles, e esse é meu patrimônio, eu não consegui juntas bens, juntar dinheiro, juntar nada, o meu patrimônio são os alunos que eu formei, que eles estão continuando alguma coisa que eu acreditava, que é o judô, eles estão continuando o Judô que eu ensinei para eles. Isso ai se tornou num patrimônio

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imaterial, mas que vale mais que todo ouro do mundo. Ai eu me realizo pelos meus alunos não por mim.(Entrevista com Sensei Fernando, 31 de outubro de 2019)

Em relação sua experiência com competições, ele iniciou-se nas categorias de base, mirim, juvenil e foi prosperando, chegando ao ápice de sua carreira como professor-treinador em 1992, quando foi técnico da Seleção Brasileira de Judô nos Jogos Sul-americanos em Lima no Peru, onde afirmou que tiveram que ser escoltados por militares durante os deslocamentos na cidade, pois sofriam ameaças de outras nacionalidades, principalmente locais, por serem considerados uma forte seleção (informação verbal). Abaixo a imagem cedida e autorizada da delegação brasileira de Judô:

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Em tal campeonato a equipe de Judô brasileira, ganhou o geral e o troféu de melhor equipe, o que segundo o Sensei era um sinal de uma realização profissional (informação verbal)

[...]acho que o maior orgulho para um professor é ele ver a bandeira de seu país ser erguida no pódio e tocar o hino nacional, eu tive essa honra e essa satisfação de ter levado meus alunos para representar o Brasil e mais um de São Paulo e outro do Rio e chegar la e ganhar representando o país, acho que é a maior emoção para quem dá aula de educação física e de esporte e ama seu país assim como eu, esse é um dos maiores orgulhos que a pessoa pode ter [...]

Mesmo, quando trabalhando com o Judô competitivo o Sensei enfatiza, que o Judô é muito mais que isso

[...] a parte de treinamento do judô é muito complexa, mas para os alunos fazerem aquele treinamento, o técnico tem que estar com eles na mão, se o técnico não estar não vai ser legal o treino. Para ele estar assim, antes de tudo tem que ser amigo deles e tem que ser professor deles, não técnicos deles, a gente sendo professor deles desde os 5 anos de idade, onde o cara mal sabe caminhar, então a gente ensina a arrumar o Kimono, a caminhar, se postar, ai faz viagem, faz acampamento, dá comida na boca, trata que nem um filho, e realmente eles ficam que nem um filho. (Entrevista com Sensei Fernando, 31 de outubro de 2019)

Ele enfatiza que há uma relação de cuidado entre Senseis e alunos, assim, como tinha essa relação com seus professores, na sua época como aluno.

Jigoro Kano (2008) enfatiza que o Judô, é muito complexo, e não pode ser definido apenas como uma luta, ou uma arte marcial, e sim como uma filosofia de vida. É trazido o conceito de “Seryoko Zenyo” para referir-se a um um uso inteligente da sua energia física e mental. “Dedicação é bom, mas é melhor fazer as coisas com moderação, até o limite do aceitável [...] isso significa que você não deve passar a se dedicar demais a algo quanto está exausto” (KANO, 2008, p.68). Completando ainda, sua visão do conceito “eu acredito que a paz mundial e o bem-estar da humanidade devam ser criados pelo espírito que o Judô traz” (KANO, 2008, p. 71).

Sensei Fernando também, quando questionado sobre a influência do Judô na vida das pessoas enfatiza que o Judô é muito além de competição,

A gente de Kimono em cima do tatame, é como se a gente tivesse num paraíso, ali é nossa casa... ali nós temos nascente de água, nós temos vegetação, nós temos campos, nós temos... tudo ali... dentro do tatame, ali é pra quem é judoca mesmo,

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pra quem não é judoca ele enxerga outra visão: é um espaço de tatame com treino, isso ai é assim… uma visão curta, míope do que realmente é o judô. O Judô é muito mais que isso ai [..] (Entrevista com Sensei Fernando, 31 de outubro de 2019)

O “isso ai” que ele se refere, é a relação de Judô competição e crítica

hoje em dia é um judô força, um judô força... as competições ganharam assim assim um valor... que elas não merecem esse valor, o judô é muito maior que esse tipo de coisa, o judô é muito maior que competição, que o treino de kimono ele extrapola isso... o judô extrapola, o judô é um sentimento, a pessoa que realmente cultiva o judo, ela tem um sentimento pelo judô, o judô é uma parte integrante do espírito dele, da personalidade dele, é diferente da pessoa que só vai ali só pra praticar judô pra ganhar, ganhar luta, pra dominar o adversário ​(Entrevista com Sensei Fernando, 31 de outubro de 2019)

Mesmo em épocas diferentes, podemos relacionar as falas do Sensei, com as falas de Nunes (2013):

O atual modelo de competição proposto pela federação internacional de judô, com prêmios em dinheiro para os grandes eventos internacionais, e as consequências desse modelo para os clubes e academias que trabalham com a iniciação estão afastando cada vez mais os do atual do caminho proposto pelo seu idealizador. A relação entre os resultados da competição e os valores que os atletas vencedores recebem pelas vitórias alcançadas transformam o esporte na sua essência. (Nunes, 2013, p. 97).

Portanto, a relação entre o Judô com a competição que vem sendo estabelecida, está se distanciando cada vez mais da sua essência original proposta por Jigoro Kano, e dando espaço a uma essência de cunho mais competitivo e esportivizado. Sensei Fernando compreende, que a forma estritamente competitiva visando resultados, em que muitos professores estão desenvolvendo possa gerar frustrações, e com isso o Judô não se dissemina e os alunos acabam evadindo das aulas (informação verbal)

E tá provado que os atletas que vão lá sobem no Pódio, ganham medalha, o tempo no Judô é muito curto, as pessoas que dão aula, ficam a vida inteira no Judô, e os que são super atletas, terminou a fase atlética deles, eles somem, nunca mais, tem “N” casos por ai! Sem contar aqueles que usam o judô para se promover, e para compensar suas frustrações, a hora que ele para de competir aí ele não tem mais como mostrar para os outros que ele é “O” cara, então ele abandona, e tem pessoas, não dá nem para citar nomes, são muitos...muitos, muitos, muitos.

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Sensei Fernando construiu suas experiências com o Judô desde os dez anos, quando teve contato com as lutas, mas declara, que o Judô sempre está com ele não apenas como filosofia, mas também nos movimentos, de forma internalizada

E o Judô tu leva ele no teu corpo, tu leva a onde for o Judô no teu corpo, porque aqueles movimentos são integrantes do teu corpo, se tu cai tu consegue amortecer a queda, se tu for assaltado vai conseguir te defender com aquelas técnicas, e é muito gratificante isso aí, outros esportes não têm isso(Entrevista com Sensei Fernando, 31 de outubro de 2019)

O professor acredita que o maior legado é espalhar e disseminar o Judô, pois o sentido está em distribuir o conhecimento e filosofia de vida, portanto, o Judô tem um caráter formador de forma integral, e quanto mais Judocas no mundo melhor (informação verbal).

“Ensinar o Judô é auxiliar o praticante a transformar-se em um verdadeiro Judoca de essência, campeão de si mesmo, que utiliza essa prática para melhorar a sua vida e a de outros” (SANTOS, 2019, contracapa).

3.2.2 A essência do Judô Educativo

Fernando, iniciou cedo seu contato com práticas corporais, ainda na infância nadava nas margens do Rio Guaíba em Porto Alegre, jogava futebol, e diz que muito das suas amizades surgiram nessa época, onde entrava em férias do Internato, ia para casa da sua avó no bairro Cristal (informação verbal).

Posteriormente, com dez anos teve contato com boxe, na academia em que seu pai o levou, e próximo dos quinze anos começou seu contato com o Judô. Além disso, descreveu, que sempre fez diversos esportes, e também seguiu chegou a trabalhar como técnico em algumas modalidades, como paraquedismo e polo aquático (informação verbal).

Em 1971 entrou na Graduação em Educação Física na época era um habilitação em Licenciatura Plena, ou seja poderia trabalhar como professor em escolas ou fora delas. Como sua formação do Judô veio antes da sua formação acadêmica, resolvi questioná-lo sobre o que motivou ele a escolher esse curso na graduação

Eu trabalhava no ICMS, que era o Imposto de Circulação de Mercadorias. Trabalhava na fiscalização volante. Trabalhava dia e noite, inclusive a escola de Educação Física eu tirei toda ela

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trabalhando de noite, sem dormir, e eu achei que eu queria dar aula de Educação Física. Desde os doze anos eu tinha a ideia que ia ser professor de ginástica, quer dizer, nem era Educação Física, queria ser professor de ginástica e paraquedista. Eu vi no Jornal e no Cinema os paraquedistas alemães na Segunda Guerra Mundial. Então eu queria ser professor de ginástica e como eu tive a chance de ir lá e fazer vestibular, eu fiz vestibular e ai depois eu sai la do ICMS, que era um lugar que eu tinha futuro garantido. Então eu comecei do zero, dando aula em colégio do Estado, sem salário, sem nada, fui dar aula em clubes, e por aqui por ali, e dava aula em vários lugares né (Entrevista com Sensei Fernando, 31 de outubro de 2019)

Em 1975 após se formar na graduação em Educação Física, o professor foi dar aula em uma Escola no bairro Cristal na zona Sul de Porto Alegre, onde um fato intrigante aconteceu

Tinham 22 alunos nessa escola, o nome da escola chamava Osório Duque Estrada no Bairro Cristal la em Porto Alegre, tinham 22 alunos, e desses alunos, não sei como 18 saíram faixa preta, e esses 18 que saíram faixa preta dão aula até hoje pelos lugares la do Rio Grande do Sul ​(Entrevista com Sensei Fernando, 31 de outubro de 2019)

Nesse caso, maioria dos seus alunos, tornaram-se faixas pretas de Judô, o que deixou o próprio Sensei impressionado, pois segundo ele, tornar-se faixa preta exige dedicação, harmonia e persistência, sendo um processo que pode vir a durar anos, dessa forma por diversos fatores muitos praticantes acabam desistindo.

A partir das suas experiências dando aula de Judô e Educação física escolar, considera, que a maior diferença entre dar aulas nos dois contextos, é que nas escolas já há um conteúdo programático, seja de esportes ou ginástica integrativa, submetidas à leis e programas de ensino tabulados pelo Governo (informação verbal). Porém, pode-se fazer uma reflexão e analisar, que na época em que atuava em escolar (década de 70 até os anos 90), era um momento onde durante o maior período de trabalho dele, acontecia a Ditadura Militar. Sabemos através do Coletivo de Autores (1992) que foi um período onde realmente houve um crescimento e uma atenção maior a conteúdos relacionados ao esporte e aptidão física.

Ele se refere a esse período ​se pisasse na bola ia preso, não podia falar nada a respeito de política, se não, ia preso. Geralmente 30% das pessoas que iam presas não voltavam mais, desapareciam, desapareciam mesmo, muitos colegas desapareceram, muitos” (informação verbal), portanto dessa forma, podemos compreender de que forma sua concepção de aula de

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Educação Física era de certa forma limitadora, não haviam correntes críticas sobre metodologias de ensino e havia um medo presente, delimitado por um contexto antropológico de ditadura de Estado.

E quando relacionado o período de Ditadura Militar com a ascensão e estímulos ao esporte na época (COLETIVO DE AUTORES, 1992) ele afirma: 6

eles ajudavam aquilo que tava do lado deles, aquilo que tava contra eles, eles não ajudavam, então depende do dirigente, do esporte né, por exemplo, o presidente da Federação Gaúcha do Judô era do lado da revolução, então tinha muita coisa, e tinha alguns esportes, que não vou citar nomes, que o presidente da federação era contra a revolução, então esses esportes entraram chão a dentro, tiraram verba, tiraram tudo, e muitas coisas que se falam, quem é da situação até hoje, diz que é mentira, diz que é mentira até hoje, porque não tavam lá né, a revolução era uma espécie de oligarquia né (Entrevista com Sensei Fernando, 31 de outubro de 2019)

Ainda sobre sua experiência relacionado a Educação Física Escolar, o questionei se havia diferenças entre o ensino do Judô nas aulas de Educação Física Escolar e o ensino do Judô em clubes/academias, ele afirmou que em clubes, mesmo com uma conduta de professor, exigem resultados como de um treinador, onde o foco é sempre performance e competições. Enquanto na escola, o Judô tem um intuito mais integrativo, de uma educação por inteiro, e ainda cita que a arte foi desenvolvida para ser incluída na Disciplina Escolar

o professor Jigoro Kano, tinha treinado Ju-Jitsu, e viu que tinha alguns problemas de didática, de taxonomia, do mais fácil para o mais difícil, então ele pegou o Ju-Jitsu e transformou em Judô, Ju-Jitsu significa Arte Suave, esse “JU” do Ju-jitsu, é o mesmo do Judô, se escreve “Ju” mas a pronúncia é “Jiu”, então, Ju- Jutsu, arte suave, e Judô, Caminho da suavidade, ele transformou o JU-jitsu em Judô para conseguir levar o esporte para níveis escolares no Japão, foi o grande, o grande salto do Judô foi ser inserido na Disciplina escolar, a pedido do Governo. (Entrevista com Sensei Fernando, 31 de outubro de 2019)

Jigoro Kano era licenciado em Letras e graduado em Ciências Estéticas e Morais, desenvolveu o Judô a partir do Ju-Jutsu, modalidade existente na era Feudal Japonesa, tal arte marcial, era feita a partir de princípios éticos de guerra destinados a Samurais, onde era instigados bravura e coragem (SANTOS, 2009).

6 ​Importante frisar, que a teoria buscada pelo Coletivo de Autores​ (1992), traz a ideia central de um professor que busca instigar os alunos com uma educação que supere o capitalismo e alcance o Socialismo, utilizei para ilustrar o período, portanto, não botei em questão para o entrevistado essa visão, é fruto de minhas reflexões.

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Com a ocidentalização do Judô, também mudanças e adaptações, no início da sua existência haviam e ainda existem apenas três graduações, faixa branca, marrom e preta, em uma ordem de progressão. Porém, houveram variações as quais segundo o Sensei são mecanismos para motivar e incentivar a permanência na modalidade, uma forma ocidental de ver o Judô, mas válida para realidade em que vivemos, foi um decisão com cunho educativo, e incluiu-se mais cores de faixas entre a branca e a marrom (informação verbal), e chegar a preta não é o fim, para o Sensei

o judô é uma coisa assim pra ser levado pra toda comunidade, e o próprio Jigoro Kano já dizia: a faixa preta não pertence ao atleta que conquistou a faixa preta, a faixa preta é de propriedade da comunidade, a comunidade que usa a faixa preta, pra ensinamentos, para educação

No Judô há duas máximas que representam sua essência “ ​Seiryoku Zenyo (a máxima eficácia com o menor uso de energia) e ​Jita Kyoei (prosperidade e benefícios mútuos)”(SANTOS, 2009, p.45). Elas que guiam o caminhos dos judocas, aqueles que praticam Judô, em todas esferas de sua vida, atitudes como brigas, discussões vão contra o

Seiryoku Zenyo. ​Portanto, podemos associar que a ideia de ligar o Judô com violência é reflexo de um desconhecimento sobre a origem e princípios da arte, mas também pode ser uma influência de experiências vistas ou experimentadas com Senseis que também desconheciam a filosofia norteadora da modalidade.

Segundo Kano (2008, p.83), há três áreas possíveis de serem trabalhadas com o Judô na educação: “aprimoramento do caráter, o treinamento do intelecto e a aplicação da teoria da luta nos aspectos da vida, com finalidade de dominar um método para lidar com as coisas à nossa maneira”. Este, último é considerado pelo autor o mais importante, pois trata-se da forma que nos vemos e constituímos na relação com os outros e com o ambiente, assim como em uma luta, portanto, também é considerada uma regra universal.

Quando se trata de educação, não se pode dizer que compartilhar o conhecimento simples de um livro seja suficiente. Além do estudo usual, a educação também deve englobar o desenvolvimento da arte de se associar com outras pessoas, a capacidade de especulação e muitas outras habilidades usadas na vida quando se aceita desafios. Ao praticar judô usando os métodos apropriados você desenvolve esse tipo de habilidades. (KANO, 2008, p. 104)

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Em 2013 o Judô Foi considerado pela UNESCO como o esporte mais apropriado para crianças, possibilitando a criação de amizade, respeito, desenvolvimento mútuo e integralidade. A mesma integralidade que o Sensei Fernando diz viver com o Judô até hoje, onde cultua amigos e tem uma relação muito próxima com todos seus alunos e colegas mesmo depois de anos de separação do convívio nos tatames. E quando pergunta-se a ele qual relação ainda deseja ter com o Judô, ele afirma que deseja encontrar alguém que esteja disposto a aprender 100% do que ele tem para oferecer sobre o Judô, que esse é seu maior sonho para o futuro. ​Ele mantém vivo o desejo de ser Sensei, projeto este que construí ao longo de sua vida inteira, desde que recebeu sua primeira luva de boxe.

Porém, em sua entrevista, ele traz alguns aspectos desesperançosos, ao trazer que o Judô tem se afastado demais demais da sua essência, através do “abrasileiramento” e “ocidentalização” do Judô, e afirma que é difícil para se adaptar com essas mudanças, dentro do seu projeto de futuro com o Judô

o nível é muito baixo, muito baixo, e estão abrasileirando o Judô, tão adaptando o Judô para o Brasil que é um país atrasado, e isso é inadmissível, e mesmo no Japão, também mudou muito né, O Japão mudou muito né, ocidentalizou muito, perdeu muito daqueles valores antigos que tinham, aliás tudo mudou né, é muito difícil a pessoa se manter com essas mudanças rápidas de tudo né ​(Entrevista com Sensei Fernando, 31 de outubro de 2019).

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4 CONSIDERAÇÕES FINAIS

A biografia esboçada neste trabalho é uma camada ainda que superficial diante das possibilidades desse estudo e que ganha relevância na medida em que consegue esclarecer aspectos da época vivida por Fernando, especialmente estes relacionados a história do Judô no sul do Brasil desde as primeiras décadas do século passado. O estudo exploratório permite agora investir no projeto de pesquisa mais abrangente e denso, dando mais cores a construção do projeto e desejo de ser Sensei, como também para o esclarecimento e compreensão de aspectos importantes da época vivida por ele.

Contudo, conseguimos analisar diversas aspectos das suas principais mediações, desde a familiar, mas também de seus educadores. Estas que foram fundamentais para a formação do sentido da docência para o Sensei, uma perspectiva complexa, mas associada a “disseminação” do que é ser um Judoca e levar a filosofia de vida para o resto da sociedade. Onde o intuito do Sensei é formar novos Senseis.

Este sentido se forma num sujeito situado num contexto sócio-histórico, marcado por uma época onde o estado foi decisivo nas escolhas da maioria das pessoas, reduzindo seu campo de possíveis. ​Assim, como a influência do meio Antropológico para as decisões do sujeito, onde há influências limitadoras como a Ditadura na Educação Física e também emancipadora, como o fato do pai de Fernando o ter levado para as lutas e apresentado à academia.

Dessa forma, percebemos como todo contexto influencia nas escolhas individuais e nas possibilidades dos sujeitos, e o estudo Biográfico, possibilitou que pudéssemos ver isso na dimensão das experiências do Sensei. Foi possível compreender a sua importância para o Judô do Rio Grande do Sul e sua importância para o Judô atual, onde muitos de seus alunos, continuam dando aulas e levando o filosofia do Judô tão importante para o Sensei.

Como desafios maiores, destaco a importância de amadurecer enquanto pesquisadora a fim de manter certa distância do objeto. Tendo em vista que o sujeito da pesquisa foi meu pai e que mantenho relações fortes com a modalidade, com experiências e conhecimentos empíricos com o Judô, portanto, sou portadora de um olhar nativo sobre o objeto, destaco que se por um lado isso dificulta a produção do conhecimento, por outro pode ser fundamental por permitir o acesso a declarações e fontes objetivas que de outra forma seriam menos acessíveis.

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Como uma possível sugestão para continuidade da pesquisa, vejo que entrevistas com seus alunos que vieram a se tornar Senseis também poderiam vir a contribuir para melhor compreender a influência e Sentido da Docência no Judô, por quem foi aluno del ​e. Da mesma forma, acesso a documentos e registros de época poderiam dar uma visão mais contextualizado sobre o movimento do seu pensamento ao longo da sua trajetória.

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TRIVAÑOS, Augusto Nibaldo Silva.​Introdução à pesquisa em ciências Sociais: a pesquisa qualitativa em educação. São Paulo: Editora Atlas, 2012. 176 p.

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APÊNDICES

APÊNDICE A- “Linha do tempo vida acadêmica/profissional” 1949- Jardim Infância- Canoas

1950- Colégio 3 de outubro

1952- Internato em Viamão- Stella Maris

1952-53- Colégio das Dores - neste ano o pai dele o levou para fazer Boxe recreativo em uma pequena academia.

1955- Colégio Santiago Farroupilha internato período integral, onde havia missa todos dias 1956- Colégio Assunção- conheceu seu Amigo Mathias - o qual foi presidente da federação de Judô.

1959- Primeiro contato com artes marciais, usava Kimono mas disse não considerar aquilo judô- contato com um professor que não sabe o nome que era acompanhado de um outro professor que era comandante do exército, e só depois encontrou o “judô arte” com Sensei obata

1962- Entrou para o exército com 18 anos, fez curso de ativação e desativação, começou também curso de tiro Sniper, também fez curso de montagem de pontes.

1965- começou no ICMS- Guaíba

1968- recomeçou a ir nas aulas do Sensei Obata

1970- iniciou a prática de Paraquedismo, depois de 5 anos, passou a condição de monitor, depois de um ano tornou-se instrutor, formou mais de 1000 paraquedistas.

1971- iniciou-se a graduação de educação física licenciatura plena na UFRGS 1975- Colégio Osório Duque Estrada começou a dar aula de judô, era faixa marrom 1976- iniciou a dar aula de natação no GREMIO NAUTICO GAUCHO

1978 a 82- pós-graduação Técnica desportiva de Judô UFRGS, Ciência do esporte - Fundação Porto Alegrense de Medicina

1982- Entrou na UFGRS como docente- Disciplina de Judô, futebol de campo, “futebol de salão”, “condicionamento físico e prática desportiva-EFC”

1990- foi técnico da seleção de Brasileira de Judô masculina e feminina- acompanhou as equipes nos jogos sul americanos no Peru.

Referências

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