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A Brief Analysis on Human Rights from Hannah Arendt’s Criticism

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Academic year: 2020

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UMA BREVE ANÁLISE ACERCA

DOS DIREITOS HUMANOS

A PARTIR DA CRÍTICA

DE HANNAH ARENDT*

JANILCE SILVA PRASERES**

MARCELO RAMOS SALDANHA***

H

annah Arendt (1906-1975), filósofa política de origem judaica, nascida na

Alemanha e muito influenciada filosoficamente por Immanuel Kant, Martin Heidegger1 e Karl Jaspers (a quem sempre considerou “seu mestre”), ficou conhecida como uma das vozes filosóficas mais profundas e incômodas do século XX (re-corde-se, por exemplo, a “reportagem” sobre Eichamann e a tese da “banalidade do mal”). Tendo investigado a fundo e com afinco a origem e o processo de constituição dos regimes totalitários, experienciado ela própria, na pele, as perseguições nazis e acompanhado pessoal e intelectualmente os grandes debates e transformações políticas do século XX, sua obra é imprescindível para repensar e compreender os rumos da teoria política antiga, moderna e contemporânea. Apaixonada pelas liberdades e pela pluralidade, não deixou de estar atenta às mazelas sociais, à violência e à mentira que minam por dentro e esvaziam o sentido nobre da política e da democracia.

Resumo: os direitos humanos são um conjunto de valores éticos que têm por finalidade proteger

e possibilitar a realização da dignidade humana em suas várias dimensões e, ainda, impedir a redução do indivíduo à condição de objeto ou, sobretudo, a diminuição da sua condição na qualidade de sujeito de direitos, a exemplo do direito à vida, à liberdade, à segurança, à igualdade. O caráter universal de proteção aos direitos humanos demonstra algumas fra-gilidades, principalmente, na transposição para ordenamentos jurídicos concretos. Assim, o que propomos é uma breve análise acerca dos direitos humanos a partir de Hannah Arendt.

Palavras-chave: Direitos humanos. Hannah Arendt.

* Recebido em: 23.01.2018. Aprovado em: 12.03.2018.

** Doutoranda em Filosofia na Universidade da Beira Interior (UBI, Covilhã/Portugal). E-mail: janilcesilva310@ gmail.com

*** Doutor em Filosofia pela UBI, Covilhã/Portugal. E-mail: marcelo.saldanha@gmail.com.

DOI 10.18224/frag.v28i1.6182

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Dentre suas obras principais frisamos: As origens do totalitarismo (1951); A condição

humana (1957); Entre o passado e o futuro (1961); Da revolução (1962); Homens em tempos sombrios (1965); Sobre a violência (1969); A vida do espírito, (1971), entre outras, conjunto

que evidencia e sublinha uma clara inquietação e preocupação, como já foi dito, com as li-berdades, a pluralidade, a ‘verdade’ e igualdade política no mundo contemporâneo. Diante de suas obras, fazemos coro com Anne Amiel na pergunta: Que tipo de escritora era Hannah Arendt? E da própria Amiel recebemos a resposta:

Se lermos Homens em tempos sombrios, pensamos nela como crítica literária e historia-dora. Se lermos atentamente as suas Origens do totalitarismo, pensamos numa historiadora política. Em A condição humana, encontramos uma filosofia política. E se considerarmos

A vida do espírito, estamos, é claro, em presença de uma filosofia sistemática. A

impos-sibilidade de caracterizar Hannah Arendt segundo as classificações prevalecentes reflete a natureza de seu trabalho literário (AMIEL, 2003, p. 20).

Hannah Arendt possui uma característica bastante peculiar quando comparada a outros grandes pensadores políticos do século XX. Referimo-nos ao tom que percorre a sua obra e ao modo como essa se desenvolveu. Denominá-la, chamá-la de filósofa, cientista social ou politóloga, historiadora etc. será uma opção no mínimo controversa, pois sabemos bem que a autora, que escrevia principalmente acerca de filosofia política, não considerava a si mesma uma “filósofa política” nem mesmo uma “filósofa” tout court. Na sua famosa entrevista a Günter Gaus (1964) (ARENDT, 2008, p. 29), a estudiosa do “cigarro pensativo” é categóri-ca quando convocategóri-cada pelo título de filósofa: “Não pertenço ao círculo dos filósofos. A minha profissão, se é que se pode chamar assim, é a teoria política. Não me sinto uma filósofa, nem creio ter sido aceita no círculo dos filósofos, como você tão gentilmente supõe” (ARENDT, 2008, p. 31).

Arendt, algum tempo mais tarde, afirmaria ainda: “Gostaria de dizer que tudo que fiz e tudo que escrevi é experimental. Penso que todo pensamento, no modo como tenho me permitido me envolver com ele, talvez um pouco além da conta, de modo extravagante, tem a característica de ser experimental” (ARENDT, 2010, p. 162). Na-turalmente, compreende-se a distância que certos pensadores querem pôr entre si e o epíteto de “filósofo” (pense-se em Nietzsche!), na medida em que este termo muitas vezes se referiu a saberes pomposos, vazios, escolásticos etc. Embora se diga que o termo foi cunhado por Pitágoras para exprimir precisamente o inverso: a humildade de quem ape-nas ama e tenta aproximar-se do saber, sem presumir já possuí-lo (sophoi). Nesse sentido, e precisamente por colocar todo o seu pensamento sob o signo do tentame, Hannah Arendt merece com toda a justiça, ainda que lhe pese, o nome de filósofa. Uma das coisas que mais impressiona quem a lê é a enorme erudição e o esmagador domínio de tantos temas, expostos com clareza meridiana.

No trabalho de Hannah Arendt temos a percepção do significado de encontrar-se “fora do mundo”. Em seus escritos é notória a recusa de alguém que não mais pertence a ne-nhum lugar no mundo e não possui um status legal legítimo. Para Hannah Arendt, o direito a ter direitos e o direito de pertencer a algum lugar concreto é fulcral para a possibilidade de ser um sujeito efetivo de direitos, direitos esses entendidos como os direitos mais basilares de um ser humano.

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DIREITOS HUMANOS A PARTIR DE HANNAH ARENDT: CONSIDERAÇÕES SOBRE O DIREITO A TER DIREITOS

De posse do prelúdio acima, procuramos analisar, de forma preliminar e bastante sucinta, as críticas de Hannah Arendt à noção de direitos humanos. Se era atual no tempo da autora, onde a questão dos refugiados e dos apátridas era candente, não o deixa de ser hoje também, já que a ineficácia dos direitos humanos proclamados universais (em 1948), que se lhe colocou então, não pode deixar de ser colocado a nós também, ainda mais agudamente.

Após o término da Segunda Guerra Mundial, em 1945, Hannah Arendt publicou a obra Origens do totalitarismo, em 1951. Este texto expõe três colossais estudos feitos no final da década de quarenta, que são, respectivamente, o antissemitismo, o imperialismo e o

totali-tarismo. No ensaio acerca do imperialismo, Arendt marca posição diante de uma certa noção

“universalmente vazia” dos Direitos Humanos, a qual, apesar dos 60 anos da publicação da obra, ainda soa muito atual, sobretudo se fôssemos investigar situações recentemente ocor-ridas (no ano de 2016), como a dos refugiados da Síria e do Iraque, com as quais a Europa atualmente se sente assolada. Tal atualidade é gritante quando nos deparamos com os casos de crianças, filhas de pessoas em “situação irregular” em países conhecidos por sua preocupação com a defesa dos direitos humanos, como a Noruega, que são sistematicamente ignoradas, deixadas propositadamente sem o registro de nascimento. Como bem denuncia Stålsett, após o nascimento de crianças filhas de pessoas sem documentos, o hospital providencia um regis-tro de emergência, porém, esse mesmo hospital

deveria passar as informações sobre a criança para o Registro Central. No entanto, uma vez que nenhum dos pais tem uma residência legal, o Registro Central logo anulará a informação. À criança não é concedido um número de identificação pessoal, nem nacionalidade ou nome oficial. Ela não se torna, assim, parte das estatísticas demográficas oficiais. Quando a mãe e a criança saem do hospital, elas inexistem formalmente para as autoridades norueguesas. O Escritório Central de Estatísticas (SBB) nunca saberá da criança. Tal prática é realizada com frequência pelas autoridades (STÅLSETT, 2015, p. 311).

Não se trata aqui de alguém que, tendo uma cidadania, se vê desapropriada dela, mas de alguém a quem qualquer cidadania é negada desde o nascimento. São crianças sem pátria, pessoas “não reconhecidas” que, para o governo norueguês, não contam como pessoas.

A situação dos apátridas e dos refugiados dispostos à beira, à margem ou mesmo fora de uma sociedade constituiu, para Arendt, uma fonte de inquietação filosófica. As pes-soas simplesmente perdiam sua cidadania ou eram obrigadas a refugiar-se em outro país, sem serem, desse modo, integradas, agregadas e civilmente assimiladas nesse novo território, e sem poderem voltar para os seus territórios de origem, ficando algures numa no man’s land. De tal modo que ficavam vulneráveis, suscetíveis e atemorizadas por não possuírem mais um lugar onde pudessem se sentir em casa no mundo. Para eles não havia nenhum consolo no cosmo-politismo estoico, mais pensado que vivido. Até porque nessa fuga apolítica para o interior, para a cidadela da alma, os estoicos são tudo menos modelos cívicos e políticos. Eis, pois, as cicatrizes de um século XX (e XXI!) que, frutos de duas guerras mundiais, além de inúmeros conflitos regionais e guerras civis, colocou milhares de pessoas na condição de refugiados e muitas outras na situação de apátridas.

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Lamentavelmente, não se pode afirmar que esses apátridas e refugiados foram um contínuo apenas no século passado, pois a “música” das armas continua, segue a fazer-se ou-vir: pessoas, famílias inteiras fugindo de seus países para se refugiarem noutra parte. Mesmo após o término da Segunda Guerra Mundial, as guerras civis, religiosas e políticas prosse-guem a existir pelo mundo afora neste século. Importa, neste momento, assim, realizar uma indispensável distinção terminológica entre apátridas e refugiados.

Apátridas, termo comumente empregado para nomear os judeus do período do Terceiro Reich, são aqueles indivíduos que perderam a sua cidadania ou a sua naturaliza-ção, de forma que não pertencem ou não são mais reconhecidos como cidadãos de nenhum Estado-Nação e, deste modo, não há jurisdição sobre eles. Por outro lado, os refugiados são aqueles que foram forçados a fugir e se refugiar em outro país, ou mesmo foram expulsos de seu país de origem, ficando obrigados a procurar asilo em outro território.

A crítica aos direitos humanos, que pode ser empreendida a partir de Hannah Aren-dt, consiste em alegar que, de fato, os tais “direitos inalienáveis” nunca constituíram, nunca formaram uma barreira eficaz para a proteção de apátridas, nem mesmo de refugiados. Com efeito, os direitos que formalmente são defendidos como inalienáveis nas sociedades ociden-tais asseveram não passar, a maior parte das vezes, de uma retórica vazia em outras sociedades.

Nenhum paradoxo da política contemporânea é tão dolorosamente irônico como a dis-crepância entre os esforços de idealistas bem-intencionados, que persistiam teimosamente em considerar ‘inalienáveis’ os direitos desfrutados pelos cidadãos dos países civilizados, e a situação de seres humanos sem direito algum. Essa situação deteriorou-se, até que o campo de internamento – que, antes da Segunda Guerra Mundial, era exceção e não regra para os grupos apátridas – se tornou uma solução de rotina para o problema domiciliar dos ‘deslocados de guerra’ (ARENDT, 1989, p. 312).

A inferência que as guerras do século XX tiveram foi a de “rotular” as pessoas que, por encontrarem-se em situação de apátridas e marginalizadas na sociedade, eram conside-radas, julgadas como potencialmente, iminentemente criminosas (veja-se a ambiguidade dos discursos sobre os refugiados sírios). Os apátridas poderiam chegar a ser presos sem nunca terem cometido crime algum. Pois “sem direito à residência e sem o direito de trabalhar, tinham, naturalmente, de viver em constante transgressão à lei” (ARENDT, 1989, p. 319).

Arendt pondera ainda que podemos compreender se uma pessoa foi abandonada, desamparada e se lhe foram sonegados os direitos humanos ao indagarmos (tentarmos…) no sentido de lhe insinuar que, para melhorar a sua posição legal, não seria melhor cometer um pequeno crime. O crime, que é uma exceção à lei, configurava-se, no caso dos apátridas, como uma possibilidade para, mesmo e precisamente na condição de transgressores, serem penalmente equiparados aos outros cidadãos. Afinal, ao transgredirem, contrariarem a lei, os apátridas passam a ser paradoxalmente albergados por ela. Como Hannah Arendt demonstra em seu livro Origens do totalitarismo:

Mesmo que não tenha um vintém, pode agora conseguir advogado, queixar-se contra os carcereiros e ser ouvido com respeito. Já não é o refugo da terra: é suficientemente importante para ser informado de todos os detalhes da lei sob a qual será julgado. Ele torna-se pessoa respeitável (ARENDT, 1989, p. 320).

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Todavia, qualquer sentença seria ignóbil diante da iminência de uma eventual de-portação, já que a quantidade de refugiados e apátridas se avultava, crescia nos limites de suas fronteiras e os países ocidentais só reconheciam e assentiam as seguintes medidas válidas e apropriadas para esses casos: a repatriação ou a naturalização.

Ressaltamos que nenhuma dessas soluções e recursos bastavam para resolver a si-tuação tanto dos refugiados como dos apátridas que chegavam aos milhares nesse ínterim, do período da Segunda Guerra Mundial e logo a seguir ao pós-guerra. Aqueles que não perderam suas vidas nos campos e agora não sabiam em que direção seguir não tinham para onde ir, e governos, como o britânico e o canadense, por exemplo, não os queriam receber. De tal maneira que a naturalização era apontada como medida arriscada e incerta, pois, em muitos países, a pessoa que se naturalizava abandonava sua cidadania original e tinha a ameaça de ser desnaturalizada, transpassando, assim, à condição de apátrida.

A repatriação poderia constituir igualmente um enorme problema, já que os países de origem não almejavam receber aqueles a quem já haviam expulsado, e quando os aceita-vam de volta era, ainda por cima, para puni-los (por isso, para muitos judeus sobreviventes, a Palestina só podia ser sonhada como a Terra Prometida…). Como podemos notar neste trecho de Arendt (1989, p. 310):

O cancelamento de naturalização ou a introdução de novas leis que obviamente abriam o caminho para a desnaturalização em massa destruíram a pouca confiança que os refu-giados ainda pudessem ter na possibilidade de se ajustarem a uma vida normal; se a assimi-lação a um novo país havia, no passado, parecido um tanto vergonhosa e desleal, agora era simplesmente ridícula. A diferença entre um cidadão naturalizado e um residente apátrida não era suficientemente grande para justificar o esforço de se naturalizar, pois o primeiro era frequentemente privado de direitos civis e ameaçado a qualquer momento com o desti-no do segundo. As pessoas naturalizadas eram, em geral, equiparadas aos estrangeiros comuns, e, como naturalizado já havia perdido sua cidadania anterior, essas medidas simplesmente ameaçavam tornar apátrida um outro grupo considerável.

A indelével questão que está por trás da crítica de Hannah Arendt à formal noção dos Direitos Humanos é a de que o deslocamento dos direitos do cidadão para os direitos do homem poder-se-ia, contraditoriamente, aderir direitos humanos universais, ao mesmo tempo promulgar e expedir leis contra estrangeiros num determinado país. Essa situação que persiste desde antes da Primeira Guerra Mundial possibilitou, e tem ocasionado até hoje, que, levando em consideração a soberania dos países, nem mesmo os direitos humanos universais podem ou devem constranger os ordenamentos e hierarquia jurídicos próprios de cada país.

O estado a que apátridas e grupos minoritários foram submetidos e resignados no decorrer do século XX levou Arendt a se interpelar acerca de direitos humanos

verdadeira-mente inalienáveis, pois a situação dos apátridas não tinha recanto por qualquer ordenamento

jurídico, nem equivalente ao direito de asilo. A única e singular condição que subsistia a esses indivíduos era o fato de que, até então, eram “seres humanos”. No entanto, os pretensos direitos humanos só se anunciavam eficazes para aqueles indivíduos que já detinham algum outro direito.

O paradoxo dos direitos humanos incidia, pontualmente, no fato de indivíduos que não dispunham de direito algum não conseguirem fazer significar o seu ‘direito humano’.

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Deste modo, aquilo que os apátridas, os refugiados e as minorias tinham dissipado e perdiam na maioria das vezes era o adequado “direito a ter direitos”. Foi o que se verificou quando mi-lhões de pessoas, ao perderem sua cidadania, perderam também o direito a apelar a qualquer forma de proteção de um ordenamento jurídico concreto.

Podemos compreender a crítica que Arendt dirige, quiçá, não tanto aos direitos humanos como tal, porém à expressão formal, que até agora frui de atualidade, porquanto os refugiados de guerra subsistem isolados em campos de internamento à espera… (de quê?), com os seus direitos menosprezados e sem terem uma pátria para requerer os seus direitos. Dessarte, podemos arguir que tanto a Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, do sé-culo XVIII, assim como a Declaração Universal dos Direitos Humanos, de 1948, só são eficazes e efetivos em salvaguardar direitos de quem já detém direitos mínimos, não ajudando, deste modo, àqueles indivíduos que se encontram integralmente desprotegidos em circunstância de apátridas ou refugiados.

Torna-se notório que o estado de exceção a que Arendt aludia, no século XX, con-tinua a ser um fenômeno persistente nos dias de hoje, todavia, não da mesma forma e nem com a mesma intensidade ou identidade, em razão de que atualmente nem mesmo os Estados autoritários que persistem são análogos aos totalitarismos nazi e estalinista da primeira meta-de do século XX.

Contudo, não podemos obliterar o fato de que todos os dias milhares de pessoas fogem, deixam seus países e buscam abrigo em territórios estrangeiros, onde são dispostos em campos de refugiados e, por conseguinte, passam a ter seus direitos minimizados, sendo mesmo marcados por alguns países como “estrangeiros indesejáveis” (veja o recrudescimento da xenofonia na Europa Central).

Deste modo, depreende-se mediante os casos dos apátridas e dos refugiados que o estado de exceção não é vivido e expressivo unicamente em países em guerra, como antes. Mesmo em democracias assentes, certos grupos minoritários são postos à margem da socieda-de. Salientamos que não se trata de um fenômeno totalitário em si mesmo, mas de algo que advém desde o alvor da humanidade e a que nem os Direitos Humanos, nem as leis locais de cada país são capazes de eliminar ou atenuar, tais como a desigualdade e a forte hierarquização social.

Pode-se dizer que, a partir do pensamento de Arendt, o direito a ter direitos se desvela como o direito mais primordial que podemos conceber, e também, como é visto na prática, o mais penoso de ser atingido e garantido. Esta é uma necessidade fundamental na inserção de todos os seres humanos, ainda mais para aqueles marginalizados pelos Estados e que se geralmente são (des)qualificados como “vida nua” (como na definição agambeniana): os refugiados e apátridas.

Para Hannah Arendt, o direito a ter direitos e o direito de pertencer a algum lugar concreto, a princípio o local de nascimento, é fulcral para a concretização da possibilidade de ser uma pessoa efetiva de direitos, o que direciona para questões complexas como no caso de pessoas que nasceram e cresceram sempre em campos refugiados.

A vida de um refugiado, e de qualquer tipo de pessoa que pertença a um Estado de origem e que este direito lhe foi impossibilitado, exprime não apenas a sua vulnerabilidade mais radical frente possíveis violações de direitos (visto que estes direitos já não mais fazem parte de sua vida se o direito de pertencer a um Estado lhe foi impossibilitado), mas repre-senta algo ainda mais desumano e perverso: uma “quase expulsão da própria humanidade”.

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Apesar de haver uma série de Declarações, Convenções e Tratados Internacionais que enumeram, de forma bastante genérica e teórica, os direitos humanos, nenhum deles esclarece ou define o que rigorosamente é um direito humano, já que se delimitam a agrupar um rol de valores morais que são reconhecidos pelas comunidades que os proclamam como fundamentais a uma vida digna. Essa generalidade e distanciamento de conceituação clara e palpável dos direitos humanos tem trazido complexos problemas para a solução de contextos e situações concretas, em especial quando estão em jogo conflitos entre práticas culturais.

O conceito de direitos humanos, baseado na suposta existência de um ser humano em si, desmoronou no mesmo instante em que aqueles que diziam acreditar nele se confrontaram pela primeira vez com seres que haviam realmente perdido todas as outras qualidades e relações específicas – exceto que ainda eram humanos. O mundo não viu nada de sagrado na abstrata nudez de ser unicamente humano. E, em vista das condições políticas objetivas, é difícil dizer como teriam ajudado a resolver o problema os conceitos do homem sobre os quais se baseiam os direitos humanos – que é criado à imagem de Deus (na fórmula americana), ou que representa a humanidade, ou que traz em si as sagradas exigências da lei natural (na fórmula francesa). Os sobreviventes dos campos de extermínio, os inter-nados nos campos de concentração e de refugiados, e até os relativamente afortuinter-nados apátridas, puderam ver, (…), que a nudez abstrata de serem unicamente humanos era o maior risco que corriam. Devido a ela, eram considerados inferiores e, receosos de que podiam terminar sendo considerados animais, insistiam na sua nacionalidade, o ultimo vestígio da sua antiga cidadania, como o ultimo laço remanescente e reconhecido que os ligaria à humanidade. Sua desconfiança em relação aos direitos naturais e sua preferên-cia pelos direitos nacionais advêm precisamente da sua compreensão de que os direitos naturais são concedidos até aos selvagens (ARENDT, 1989, p. 333).

O amplo problema do auxílio e proteção dos seres humanos mais desamparados coloca-se, mormente, ao nível dos próprios mecanismos elaborados para a sua proteção: os instrumentos normativos que tencionam tutelar os direitos humanos. Ao intuir que seu di-reito primordial de ser tutelada, protegida por algum sistema legal, lhe havia sido apartado, Hannah Arendt é categórica: a universalidade dos direitos humanos não retém efetividade prática, sendo de tal modo uma idealização frívola.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Sendo os direitos humanos um conjunto de valores éticos que têm por objetivo amparar e permitir a realização da dignidade humana em suas várias dimensões, o seu intuito básico é impedir a redução do indivíduo à condição de objeto ou, além disso, a diminuição de seu status enquanto sujeito de direitos, a exemplo o direito à vida, à liberdade, à segurança, à igualdade. E de uma perspectiva cultural, resguardar a diversidade moral simbolizada pelas diferentes formas como cada sociedade concebe e proporciona o nível básico da dignidade humana, afinal:

Nossa vida política baseia-se na suposição de que podemos produzir igualdade através da organização, porque o homem pode agir sobre o mundo comum e mudá-lo e construí-lo

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juntamente com os seus iguais, e somente com os seus iguais […]. A razão pela qual comunidades políticas altamente desenvolvidas, como as antigas cidades-Estados ou os modernos Estados-nações, tão frequentemente insistem na homogeneidade étnica é que esperam eliminar, tanto quanto possível, essas distinções naturais e onipresentes que, por si mesmas, despertam silencioso ódio, desconfiança e discriminação, porque mostram com impertinente clareza aquelas esferas onde o homem não pode atuar e mudar à vontade, isto é, os limites do artifício humano. O “estranho” é um símbolo assustador pelo fato da diferença em si, da individualidade em si, e evoca essa esfera onde o homem não pode atuar nem mudar e na qual tem, portanto, uma definida tendência a destruir (ARENDT, 1989, p. 335).

A concepção dos direitos humanos deve representar e albergar, ainda, a realização da dignidade humana na sua extensão cultural e local, à medida que se faz progredir, em es-pecial, como resultado da evolução histórica das diversas sociedades. Hannah Arendt ressalta tal concepção ao afirmar que os direitos humanos situados nessa dimensão não nascem de uma só vez, pois estão em constante construção e reconstrução, fato que impede que sejam passíveis de fundamento absoluto (ARENDT, 1989, p. 332-333). Salientamos que no per-curso histórico vão surgindo novas questões sobre os direitos humanos, e que estas precisam ser reconhecidas como reações e inquietações às demandas erigidas do meio social, dentro dos limites econômicos, políticos e culturais.

A BRIEF ANALYSIS ON HUMAN RIGHTS FROM HANNAH ARENDT’S CRITICISM Abstract: human rights are a set of ethical values whose purpose is to protect and enable the

reali-zation of human dignity in its various dimensions and also prevent the reduction of the individual to the condition of object or, above all, the reduction of his condition as subject of rights, such as the right to life, freedom, security, equality. The universal character of human rights protection demonstrates some weaknesses, especially in the transposition into concrete legal systems, so what we propose is a brief analysis of human rights from Hannah Arendt.

Keywords: Human rights. Hannah Arendt.

Nota

1 Conforme Correia (2006, p. 01), Hannah Arendt passou parte da infância e da juventude “em Königsberg, a mesma cidade de Kant. Nos anos vinte estudou teologia cristã e os clássicos como aluna especial na Universidade de Berlim. Em 1924 ingressou na Universidade de Marburg, onde estudou filosofia com Martin Heidegger”.

Referências

AMIEL, Anne. A não-filosofia de Hannah Arendt: revolução e julgamento. Lisboa: Instituto Piaget, 2003.

ARENDT, Hannah. Origens do Totalitarismo.Trad. Roberto Raposo. Rio de Janeiro: Com-panhia das Letras, 1989.

ARENDT, Hannah. Compreender: Formação, exílio e totalitarismo (ensaios) 1930 - 1954. Trad. Denise Bottmann. São Paulo / Belo Horizonte: Companhia das Letras / Editora

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UFMG, 2008.

ARENDT, Hannah. Hannah Arendt - Sobre Hannah Arendt. Trad. Adriano Correia.

In-quietude, Goiânia, v. 1, n° 2, p. 123-162, ago/dez, 2010.

CORREIA, Adriano. Hannah Arendt (1906-1975). Revista Ética & Filosofia Política, Juiz de Fora, v. 9, n° 1, p.1-3, 2006.

STÅLSETT, Sturla. Diaconia: ampliação da democracia? O caso da missão urbana da igreja da Noruega e os imigrantes em situação irregular. In: ADAM, Júlio Cézar; REBLIN, Iuri Andréas (Orgs.). Religião, Mídia e Cultura. São Leopoldo: EST / Sinodal, 2015. p. 309-329.

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