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UNIVERSIDADE ESTADUAL DO CEARÁ PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM GEOGRAFIA LEANDRO VIEIRA CAVALCANTE

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Academic year: 2019

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UNIVERSIDADE ESTADUAL DO CEARÁ

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM GEOGRAFIA

LEANDRO VIEIRA CAVALCANTE

A NOVA GEOGRAFIA DO COCO:

REESTRUTURAÇÃO PRODUTIVA, TERRITORIALIZAÇÃO DO CAPITAL E DINÂMICAS SOCIOESPACIAIS

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A NOVA GEOGRAFIA DO COCO:

REESTRUTURAÇÃO PRODUTIVA, TERRITORIALIZAÇÃO DO CAPITAL E DINÂMICAS SOCIOESPACIAIS

Dissertação apresentada ao Curso de Mestrado Acadêmico em Geografia do Programa de Pós-Graduação em Geografia da Universidade Estadual do Ceará, como requisito parcial para obtenção do grau de mestre em Geografia.

Orientadora: Profa. Dra. Denise Elias.

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Dados Internacionais de Catalogação na Publicação

Universidade Estadual do Ceará

Sistema de Bibliotecas

Cavalcante, Leandro Vieira.

A nova geografia do coco: reestruturação

produtiva, territorialização do capital e dinâmicas socioespaciais [recurso eletrônico] / Leandro Vieira Cavalcante. – 2015.

1 CD-ROM: il.; 4 ¾ pol.

CD-ROM contendo o arquivo no formato PDF do trabalho acadêmico com 298 folhas, acondicionado em caixa de DVD Slim (19 x 14 cm x 7 mm).

Dissertação (mestrado acadêmico) – Universidade Estadual do Ceará, Centro de Ciências e

Tecnologia, Programa de Pós-Graduação em Geografia, Fortaleza, 2015.

Área de concentração: Análise geoambiental e ordenação de territórios nas regiões semiáridas e litorâneas.

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A NOVA GEOGRAFIA DO COCO:

REESTRUTURAÇÃO PRODUTIVA, TERRITORIALIZAÇÃO DO CAPITAL E DINÂMICAS SOCIOESPACIAIS

Trabalho apresentado ao Programa de Pós-Graduação em Geografia da Universidade Estadual do Ceará, como requisito parcial para obtenção do grau de mestre em Geografia.

Área de Concentração: Análise geoambiental e ordenação de territórios nas regiões semiáridas e litorâneas.

BANCA EXAMINADORA

________________________________________________ Profa. Dra. Denise Elias (Orientadora)

Universidade Estadual do Ceará – UECE

________________________________________________ Profa. Dra. Aldiva Sales Diniz

Universidade Estadual Vale do Acaraú – UEVA

________________________________________________ Prof. Dr. Juscelino Eudâmidas Bezerra

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É impossível chegar ao final de um trabalho como este sem ter contado com a ajuda, direta ou indireta, de inúmeras pessoas. Ninguém faz nada sozinho nesta vida, sobretudo um mestrado, permeado de questões e desafios os quais não teríamos condições de resolver se não fosse o auxílio recebido ao longo de todo o decorrer do curso e de redação da dissertação. Esse auxílio partiu de diferentes pessoas e se deu de diversos modos, contribuindo sobremaneira para chegarmos até aqui. Desse modo, faço questão de agradecer:

À minha mãe Julia e às minhas irmãs Juliana e Tatiana, que juntas tiveram uma participação importante na formação da pessoa que hoje sou. Obrigado por serem, sempre, o meu porto seguro, obrigado pelo apoio incondicional e por toda a ajuda durante o mestrado. Ao meu pai Erivan, em memória, por nos ter mostrado que a honestidade é sempre o melhor caminho, e à toda minha família, em especial as tias Aldina e Geruza.

Aos colegas de turma da graduação em Geografia, em especial às amigas Patrícia Fernandes e Michelle Alves, pelo companheirismo e amizade verdadeira, pelas acolhidas e conversas afáveis, por todos os momentos que vivenciamos juntos. Ainda às amigas Denise Nayara e Josiane do Nascimento, e aos amigos Samuel Pereira, Rafaela Costa, Nívia Magalhães, Helena Faustino, Bruno Régis, Paulo Servilio, William Carneiro, Marlus Almeida, entre outros, que estiveram comigo durante toda a graduação.

Aos bons professores que tive na graduação, por todos os ensinamentos: Cristiane França, Otávio Lemos, Alexandre Sabino, Luciana Freire, Elton Benevides, Daniel Figueiredo e Eluziane Mendes. À professora Mariana Fernandes, em especial, pela parceria em vários momentos, por ter me despertado para a Geografia Agrária, e ainda por me fazer perceber que a construção de uma outra Geografia, para além da utopia, é verdadeiramente possível. À professora Cláudia Grangeiro, pela gentileza e profissionalismo, como também pela sua responsabilidade e compromisso moral com o curso de Geografia.

Aos colegas de turma do mestrado, em especial aos amigos Evelize Teixeira, Débora Freire, Adriana Martins, Rafaela Martins, Rafael Brito e Leandro Almeida, por toda a ajuda, pelo companheirismo e pelos ensinamentos, como também aos amigos Júnia de Cássia, Sarah Bezerra, Otávio Barra, Graziela Gonçalves, Jáder Lima, Washington Bezerra e Luciano de Paula, pelos aconselhamentos e por, juntos com os demais, terem contribuído para o bom andamento do curso.

Aos professores do Programa de Pós-Graduação em Geografia da UECE: Otávio Lemos, Cláudia Grangeiro, José Meneleu e Marcos Nogueira, por terem me mostrado possíveis formas de apreensão do mundo que nos cerca. Aos professores Edilson Pereira Júnior, com o qual realizei meu estágio docente, e Denise Bomtempo, responsável pelo seminário do mestrado, pelo profissionalismo e compromisso. À professora Lúcia Brito, então coordenadora do PropGeo, e ao professor José Borzacchiello, da UFC.

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Às amigas Camila Dutra, Bruna Nogueira, Kassia Kiss e Gilda Rodrigues, também do LEA, por toda a ajuda e pelo companheirismo. Cada uma delas, à sua maneira, esteve ao meu lado em diversas ocasiões e, juntas, deram uma grande contribuição no sentido de avançar na construção da dissertação. Elas ainda me mostraram, acima de tudo, que a verdadeira amizade sobrepõe os muros da universidade e as paredes do laboratório, e que é possível nutri-la apesar da distância e dos muitos desafios aos quais somos expostos todos os dias.

À professora Denise Elias, em especial, pela orientação deste trabalho. Agradeço também pela seriedade, profissionalismo e dedicação. Pelo rigor metodológico e pelo compromisso com a pesquisa. Pela confiança em mim depositada desde a iniciação científica, permitindo-me ir muito além do que eu poderia imaginar. Por me fazer acreditar que tudo é possível e que devemos sempre sentir saudades do futuro, necessitando apenas de coragem para enfrentá-lo e para aproveitar o que está por vir. Ao professor Renato Pequeno, pela atenção.

Ao professor Juscelino Bezerra (UECE/UNB), pela importante contribuição no exame de qualificação, na defesa e em diversas outras ocasiões, e à professora Aldiva Sales (UEVA), pelo auxílio prestado no exame de qualificação e na defesa. Ainda às professoras Denise Bomtempo (UECE), Maria do Céu (UFC), Eliane Tomiasi (UEL), Alexandrina Luz (UFS), Rosa Ester Rossini (USP) e Darlene Aparecida (UNESP), pelas contribuições em alguns momentos de contato e diálogo.

Aos colegas e amigos que fiz pelos corredores do bloco G e pelo PropGeo: Tereza Vasconcelos, Victa Andrade, Kailton Jonathan, Ana Lívia Mourão, Heron Freire, Cristiane França, Vanessa Silva, Glauciana Teles, Yara Castro, Diego Salvador, Rose Maia, entre outros. Às pessoas que trabalham na UECE, por todas as ajudas: Júlia Oliveira e Adriana (do PropGeo), Abu e Rogério (da Xerox Central), Neide e Ester (da Ester Lanches), Seu Francisco e Aparecida (do setor de limpeza), Paulo e Val (da coordenação em Geografia).

Aos amigos Danilo Alcantara, em especial, pelo companheirismo e cumplicidade, pelas palavras amigas, pelo apoio em momentos difíceis e pela amizade sincera, e Marcos Rodrigues, também pelo companheirismo e cumplicidade, pelos sonhos compartilhados e pelas conquistas comemoradas conjuntamente. Aos queridos Cláudio Smalley e Aline Sulzbacher, pela amizade e pelos debates geográficos.

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coração, pelo acolhimento, amizade e conversas afáveis; aos seus filhos Fabrice, Pascalle, Pascal e Marie, pela hospitalidade e gentileza; e à amiga Laure Haumont, por ter dividido sua família comigo e por toda a ajuda desde o início. Aos amigos e companheiros de vida parisiense: Julia Sillo, Thania Alvarez, Sisco Henry e Diea Khemiri, pela amizade.

A todos aqueles que gentilmente me receberam durante os trabalhos de campo, que foram substanciais para o desenrolar desta pesquisa. Em particular Cícero Araújo, por te me recebido em sua casa, César Augusto, pelas corridas de moto-táxi, seu Edilson, dona Teresinha, Nivardo, Romildo, Erandir e seu Zé Maria, pela disponibilidade, dona Euzimar, José Wagner e seu Venâncio, pelos exemplos de força e superação, dona Ana e seu Val Íris, pelo acolhimento e pelos exemplos que me levaram a continuar acreditando no futuro. E de entrevista em entrevista, a partir do contato com o desconhecido, aprendi que o mundo é muito maior e muito mais fascinante do que imaginamos. Sou muito grato por isso.

Aos funcionários dos seguintes órgãos públicos, pela ajuda: Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística, Departamento Nacional de Obras Contra as Secas, Embrapa Agroindústria Tropical, Central de Abastecimento do Ceará e Agência de Desenvolvimento do Estado do Ceará. Às pessoas que atuam nos seguintes estabelecimentos visitados durante os trabalhos de campo, pela disponibilidade: Secretarias Municipais de Agricultura e Sindicatos dos Trabalhadores Rurais de Paraipaba, Trairi, Amontada, Itapipoca, Itarema e Acaraú, unidades da Ematerce, empresas agrícolas e agroindustriais, associações e centros comunitários.

À Simone Pinho, pela revisão ortográfica da dissertação, e à Ariana Tabosa, pela correção do résumé. À professora Valéria Sales, bem como aos meus ex-alunos e colegas do Colégio Estadual Jenny Gomes, pelo encorajamento.

Ao Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), pela concessão das bolsas de iniciação científica e de mestrado, que me permitiram custear a realização desta pesquisa, e pelo investimento na formação técnico-científica do país.

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Muitas coisas são necessárias para mudar o mundo: Raiva e tenacidade, Ciência e indignação, A iniciativa rápida, a longa reflexão, A fria paciência e a infinita perseverança, A compreensão do caso particular e a compreensão do conjunto: Somente as lições da realidade podem nos ensinar a transformar a realidade. (Bertolt Brecht, em The Didactic Play of Baden).

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O objetivo principal deste trabalho é compreender como se organiza a nova geografia do coco, evidenciada a partir de uma reestruturação produtiva que atinge nacionalmente esse setor há aproximadamente duas décadas e que provoca o desenrolar de novas e importantes dinâmicas socioespaciais. Enquanto em períodos anteriores não existia um cultivo intensivo de coco no país, uma vez que era produzido sobretudo em comunidades litorâneas e em pequenas quantidades sob os moldes do extrativismo, atualmente observamos o desenvolvimento de um novo modelo de produção do fruto em virtude da reestruturação produtiva em curso. Esse processo pode ser caracterizado, entre outros, pela incorporação de novas tecnologias ao cultivo de coco, pela expansão dos cultivos de coqueiro geneticamente modificado, pela popularização e internacionalização do consumo de água de coco, pela dispersão espacial da produção de coco e sua consequente especialização territorial, pelo aumento da quantidade produzida e da área plantada com o fruto e pela consolidação de seu setor agroindustrial. Tudo isso vem acarretando uma série de implicações no uso e ocupação do espaço agrícola e na organização das relações sociais de produção do fruto, a exemplo do que é observado nos municípios que cultivam coco no Ceará. Com efeito, esta pesquisa se dedica a analisar os principais rebatimentos socioespaciais advindos com a reestruturação produtiva do setor do coco em território cearense, focando principalmente na configuração dos espaços nos quais esse processo se materializa e na atuação dos agentes aí inseridos, visando apresentar o desenvolvimento dessa nova geografia do coco. Para tanto, baseamo-nos em uma metodologia constituída basicamente por um levantamento bibliográfico acerca da temática, pela organização de um banco de dados contendo diversos indicadores qualitativos e quantitativos, pela elaboração de uma hemeroteca e pela realização de trabalhos de campo em alguns dos mais importantes municípios cearenses produtores de coco. A partir da consecução desta pesquisa concluiu-se que, ao ter seu sistema produtivo modificado e ao passar a ser produzido em novos espaços, o moderno cultivo do fruto induziu o desenrolar de dinâmicas anteriormente não observadas, alterando a forma e o conteúdo espaciais, que foram reorganizados visando atender a expansão e a consolidação da produção intensiva de coco. A materialização dessa reestruturação produtiva mostrou especialmente quanto esse processo pode ser excludente e conservador, colaborando para acentuar ainda mais o caráter desigual de acumulação do capital, agora também observado com um maior vigor no cultivo de coco, que não ficou à margem da territorialização do grande capital no campo e que trouxe uma série de rebatimentos negativos ao espaço e à sociedade, a exemplo da seletiva modernização do processo produtivo, da monopolização da produção e da comercialização do fruto e da expansão da concentração fundiária, implicações que nos ajudam a revelar o que há realmente por trás da nova geografia do coco no Brasil.

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L’objectif principal de cette étude est de comprendre comment s’organise la nouvelle géographie de la noix de coco, observée à partir d’un processus de restructuration productive qui affecte ce secteur à l’échelle nationale il y a deux décennies environ et qui provoque le développement de nouvelles et importantes dynamiques socio-spatiales. Alors qu’auparavant il

n’y avait pas une culture intensive de la noix de coco dans le pays, une fois que le fruit était produit principalement dans les communautés côtières et en petites quantités sur le modèle de

l’extractivisme, aujourd’hui on observe le développement d’un nouveau modèle de production en raison de la restructuration productive en cours. Ce processus peut être caractérisé, parmi

d’autres, par l’incorporation des nouvelles technologies dans la culture de noix de coco;

l’expansion des plantations de cocotiers génétiquement modifiés; la vulgarisation et

l’internationalisation de la consommation de l’eau de noix de coco; la dispersion spatiale de la production de noix de coco et sa conséquente spécialisation territoriale; l’augmentation de la quantité produite et la surface cultivée avec le fruit; la consolidation du secteur agro-industriel.

Tout cela a entraîné des répercussions directes sur l’utilisation et l’occupation des espaces

agricoles et l’organisation des rapports sociaux de production du fruit, semblables à ce qui est observé dans les municipalités qui cultivent la noix de coco au Ceará. En effet, cette recherche est consacrée à analyser les principales répercussions socio-spatiales découlant de la restructuration productive du secteur de la noix de coco sur le territoire de l’Etat du Ceará, en se concentrant principalement sur la configuration des espaces dans lesquels ce processus est matérialisée et sur l’actuation des agents là insérés, avec l’objectif de présenter le développement de cette nouvelle géographie de la noix de coco. Pour cela, nous nous appuyons

sur une méthodologie composée essentiellement d’une revue de la littérature sur le thème, l’organisation d’une base de données contenant plusieurs indicateurs qualitatifs et quantitatifs, l’organisation d’une hémérothèque et la réalisation des travaux sur le terrain dans certaines

municipalités les plus importantes dans la production de noix de coco au Ceará. A partir de

cette recherche, on a pu observer qu’avec la modification de son système productif et à partir de la réalisation de la culture dans des nouveaux espaces, la moderne production de noix de

coco a conduit au dénouement d’une série de dynamiques pas observés avant, qui ont contribué pour le changement de la forme et du contenu spatiales, réorganisés afin de répondre à

l’expansion et la consolidation de la production intensive du fruit. La matérialisation de la restructuration productive a démontré surtout comment ce processus peut être exclusif et conservateur, contribuant à accentuer le caractère inégal de l'accumulation du capital dans

l’espace rural. Maintenant aussi observé avec plus de force dans la production de noix de coco, qui n’est resté pas à la marge de la territorialisation du capital, apportant une série de nouvelles conséquences tel comme le sélectif processus de modernisation productive, la monopolisation de la production et commercialisation du fruit et l’expansion de la concentration foncier, implications qui nous aident à révéler ce qui est vraiment derrière la nouvelle géographie de la noix de coco au Brésil.

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INTRODUÇÃO 14

1 PROPOSIÇÕES TEÓRICAS E PERCURSO METODOLÓGICO 20

1.1 PRODUÇÃO DE COCO – OBJETO DE PESQUISA GEOGRÁFICO? 20 1.2 O DEBATE TEÓRICO E AS NOÇÕES FUNDAMENTAIS 27 1.3 PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS E A CONSTRUÇÃO DA PESQUISA 37 1.3.1 Levantamento de informações e de bibliografias 44 1.3.2 Trabalhos de campo e realização de entrevistas 48

2 A REESTRUTURAÇÃO PRODUTIVA DO SETOR DO COCO 54

2.1 O COCO NO BRASIL E SUA ORGANIZAÇÃO PRODUTIVA 54 2.1.1 Produção mundial de coco e o lugar do Brasil 54 2.1.2 Geo-história e periodização da produção brasileira de coco 59

2.1.3 O atual contexto produtivo do coco 66

2.2 O NOVO TEMPO DA PRODUÇÃO BRASILEIRA DE COCO 69 2.2.1 O que há de novo na produção de coco no Brasil? 69 2.2.2 A modernização do processo produtivo do coco 74 2.2.3 O papel da pesquisa científica na reestruturação do setor 81 2.3 CONSUMO DE ÁGUA DE COCO E SETOR AGROINDUSTRIAL 86 2.3.1 Popularização e internacionalização do consumo de água de coco 87 2.3.2 Desenvolvimento e atuação das agroindústrias do coco 95 2.4 A DISTRIBUIÇÃO ESPACIAL DA PRODUÇÃO DE COCO 101 2.4.1 Dinâmica das produções regionais e estaduais de coco 101 2.4.2 As especializações territoriais produtivas de coco 110

3 O COCO NO CEARÁ: CONFIGURAÇÕES PRODUTIVAS E ESPACIAIS 115

3.1 O CONTEXTO DA PRODUÇÃO DE COCO NO CEARÁ 115

3.1.1 Atual organização produtiva do coco 115

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Os agentes inseridos no circuito espacial produtivo do coco 166

4.1 A DIVERSIDADE DE PRODUTORES DE COCO 167

4.1.2 Uma proposta de tipologia para os produtores de coco do Curu-Paraipaba 170 4.2 A CONFIGURAÇÃO DO MERCADO DE TRABALHO DO COCO 183 4.3 INTERMEDIÁRIOS: ENTRE A PRODUÇÃO E O CONSUMO 191 4.4 A ORGANIZAÇÃO DAS AGROINDÚSTRIAS DO COCO 197

5 OS LIMITES DE UMA REESTRUTURAÇÃO CONSERVADORA 214

O contexto da reestruturação conservadora do setor do coco 214 5.1 O SELETIVO PROCESSO DE MODERNIZAÇÃO DA PRODUÇÃO 219 5.1.1 O controle da difusão do uso das inovações 219 5.1.2 A ciência que atende apenas os grandes produtores 224 5.2 MONOPOLIZAÇÃO DA PRODUÇÃO E DA COMERCIALIZAÇÃO 229 5.2.1 O embate entre produtores e atravessadores 230 5.2.2 As estratégias e as formas de atuação das agroindústrias 237 5.2.3 Duplo monopólio e sujeição da renda da terra 243 5.3 CONCENTRAÇÃO FUNDIÁRIA E CONFLITOS POR TERRA 246 5.3.1 Agronegócio do coco e concentração fundiária 247 5.3.2 Os conflitos por terra: a Ducoco em território Tremembé 261

CONSIDERAÇÕES FINAIS 270

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 276

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INTRODUÇÃO

Sobretudo a partir de meados da década de 1970, a agricultura brasileira passa a receber, com mais intensidade, influência direta da tecnologia, da ciência e da informação, signos do atual período histórico chamado por Santos (1996, 2009) de técnico-científico-informacional, que tem na globalização da produção e do consumo um de seus pilares fundamentais, conforme indica Elias (2003, 2007). Desde essa década, é visível a intensificação de um processo de reestruturação produtiva da agricultura nacional, responsável por modernizar e reorganizar o cultivo de diversos gêneros agrícolas, notadamente aqueles voltados para atender importantes parcelas do mercado consumidor, seja ele nacional e/ou internacional, alterando sobremaneira a configuração e o conteúdo de seus circuitos espaciais produtivos.

Em virtude desse processo de reestruturação produtiva da agricultura (ELIAS, 2003), sob forte mediação do poder estatal em parceria com a iniciativa privada, o Brasil se consolidou como um dos maiores produtores e exportadores mundiais de gêneros agrícolas, com destaque para o café, açúcar, soja, suco de laranja, milho, algodão e frutas como banana, melão, mamão e manga, que tiveram seus processos produtivos modernizados, abrindo margem para o desenvolvimento de uma agricultura de caráter mais científico, como ilustra Santos (2003), elevando os índices de produtividade do campo e transformando o país, de acordo com Tonneau e Sabourin (2009), na “grande potência agrícola” de nosso tempo, ocupando atualmente uma posição privilegiada na configuração produtiva mundial.

Recentemente, essa reestruturação do setor agrícola brasileiro passou a atingir também

produtos considerados mais “tradicionais”, cultivados regionalmente e que até bem pouco

tempo atrás não despertavam o interesse do grande capital, a exemplo dos cultivos de caju, coco, açaí, graviola, acerola, entre outros, inaugurando um novo modelo de produção para tais frutas e contribuindo sobremaneira na reconfiguração dos usos dos espaços nos quais elas são cultivadas. Desse modo, segundo Fabrini (2008, p. 36), nota-se que “o campo brasileiro está em constante transformação e consequentemente, a cada momento, são acrescentados novos

conteúdos que pedem à ciência, interpretação”, cabendo a realização de novos estudos que deem conta do entendimento dos inúmeros processos que agem remodelando os espaços rurais e os cultivos agrícolas, conforme propõe Jean (2003).

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conformação de uma importante reestruturação produtiva do setor do coco1. Infere-se que

anteriormente não existia um cultivo de coco realmente estruturado no país, uma vez que o fruto era produzido sobretudo em comunidades litorâneas e em pequenas quantidades sob os moldes do extrativismo. Hoje, no entanto, observa-se a configuração de um novo modelo de produção, responsável por levar ao desenrolar de dinâmicas das mais diversas, conforme pretendemos destacar e analisar ao longo de toda a dissertação, no intuito de melhor apreender os rebatimentos desse processo em curso.

A partir dessa reestruturação produtiva nota-se a difusão de uma nova maneira de se produzir coco no Brasil, caracterizada especialmente pela utilização de modernos insumos, implementos e técnicas de cultivo, pela utilização intensiva de capital e tecnologia, pelo aumento considerável da produção, da produtividade, da área plantada e do consumo de coco e seus derivados, pela reconfiguração completa do seu circuito espacial produtivo, entre outros, dando origem a uma nova geografia do coco no país, significativamente distinta da já existente. Com isso há uma importante modificação na organização e no uso dos novos espaços que passam a se especializar no cultivo do fruto, alterando também a maneira como se processam as relações sociais associadas à produção de coco.

Com efeito, justificando a escolha da temática aqui apresentada, consideramos que somente através de um estudo mais aprofundado é que será possível apontar os rebatimentos advindos desse novo sistema de produção do coco no Brasil a partir da reestruturação produtiva que atinge o setor. Nesse sentido, e segundo aponta Ramos (2003, p. 376), apenas através de uma análise mais atenta é que podemos revelar que

[...] por trás da aparente similaridade na paisagem de um mesmo cultivo, em tempos e lugares diversos, há um novo sistema de produção. Por trás de uma paisagem rural há novas dinâmicas espaciais, há uma outra organização produtiva que na maioria das vezes não são perceptíveis num primeiro momento.

Diante desse entendimento, acredita-se que a reestruturação produtiva do setor do coco no país pode ser verdadeiramente apreendida somente a partir de uma análise precisa e in loco da configuração dos espaços de produção do fruto, visando compreender sobretudo como eles se comportam diante do novo momento do cultivo de coco, responsável por modificar sobremaneira os usos e a organização espacial. Assim, no intuito de explicar como se processa essa reestruturação produtiva do setor do coco, é necessário investigar especialmente a forma e o conteúdo dos espaços onde ela se materializa, tendo em vista que a forma e o conteúdo

1 Estamos considerando o setor do coco como algo que remete conjuntamente à sua produção agrícola, ao seu

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espaciais (SANTOS, 2009) são importantes categorias que nos permitem compreender os rebatimentos advindos com essa reestruturação.

Para tanto, e com o objetivo de fornecer uma validade empírica capaz de demonstrar com mais veemência o comportamento dos processos em curso, escolhemos tomar o Estado do Ceará enquanto estudo de caso. O Ceará se destaca no cenário nacional como um dos mais importantes produtores de coco, possuindo uma considerável área plantada com coqueiros e uma grande quantidade produzida com o fruto, contando ainda com diversas empresas agrícolas e agroindustriais especializadas no seu cultivo e processamento industrial, apresentando também um circuito espacial produtivo de coco altamente dinâmico, que passa a ser reorganizado em virtude da recente mutação observada nesse setor.

Existem determinados espaços no Ceará onde é possível vislumbrarmos o desenrolar de diversas dinâmicas diretamente associadas a reestruturação produtiva em curso, sendo importante, pois, tomar o território cearense enquanto o recorte espacial da presente pesquisa, até mesmo para melhor entendermos o que acontece com a produção brasileira. Desse modo, realizamos um estudo panorâmico, no intuito de abarcar, em partes, a compreensão da reorganização do setor do coco no Brasil, e ao mesmo tempo partimos para um estudo que foca no particular, analisando o novo comportamento desse setor no Ceará. Assim, pretendemos fazer uma exposição centrada na análise conjunta da nova geografia do coco no Brasil, de um modo geral, e no Ceará, mais especificamente.

Depois de apresentados os recortes temático e espacial da pesquisa, se faz importante indicar as questões centrais que orientam o desenvolvimento da nossa investigação, as quais seriam: como se organiza a nova geografia cearense do coco diante da reestruturação produtiva que atinge nacionalmente esse setor e quais são as principais dinâmicas socioespaciais resultantes desse processo? A partir dessa perspectiva, o objetivo principal deste trabalho é compreender a organização da nova geografia do coco no Ceará, atentando para a reestruturação produtiva que vem dinamizando o setor e para seus principais rebatimentos socioespaciais. Nesse sentido, nossos objetivos específicos são:

a) caracterizar a reestruturação produtiva do setor do coco do Brasil e evidenciar suas implicações na organização da produção cearense;

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c) analisar a distribuição espacial do cultivo de coco no Ceará e compreender como estão organizados os seus espaços de produção;

d) indicar quem são os agentes inseridos no circuito espacial produtivo do coco no Ceará e perceber de que maneira eles são inseridos nesse contexto de reestruturação produtiva;

e) apresentar alguns dos mais importantes conflitos e implicações advindas com a materialização desse processo de reestruturação produtiva do setor.

Enquanto recorte temporal, considera-se a década de 1990 como o início da reestruturação pela qual passa o setor do coco. Dessa forma, nossa investigação está concentrada especialmente nas duas últimas décadas, de 1990 a 2010, estendendo-se até 2014, quando finalizamos a pesquisa. Destaca-se que centrar a análise a partir da década de 1990 é extremamente importante para compreender não somente para a configuração da produção de coco, e sim o comportamento geral das atividades agrícolas realizadas no Brasil. Elias (2007) e Frederico (2010) tomam essa década como o marco da entrada definitiva da agricultura brasileira no período técnico-científico-informacional, quando os eventos característicos de tal período atingiram o campo de maneira a reestruturar as relações técnicas, econômicas, sociais, culturais, políticas e espaciais até então existentes.

Do ponto de vista teórico, nossa pesquisa alicerçou-se sobretudo nos trabalhos dos geógrafos Milton Santos e Denise Elias. Em Santos (1985, 1986, 1994, 1996, 2003, 2008abc, 2009) encontramos um importante arcabouço baseado na elucidação de uma teoria geográfica que tem por objetivo a tentativa de compreensão do espaço, o qual foi fundamental para um melhor entendimento das discussões relacionadas à produção e à organização desse espaço, especialmente a partir de uma série de noções, conceitos e categorias de análise desenvolvidas por esse autor e que nos foram indispensáveis para a apreensão e análise das dinâmicas socioespaciais resultantes da reestruturação produtiva do setor do coco.

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Cabe destacar que a pesquisa aqui apresentada não teve início apenas quando da nossa entrada no mestrado, haja vista que desde 2011 estudamos o contexto produtivo do coco, incialmente com o intuito de concluirmos nosso trabalho de conclusão de curso, que teve como objetivo principal a análise dos circuitos espaciais da produção do fruto em seis municípios do litoral oeste cearense. Com essa pesquisa inicial, nos deparamos com diversas dinâmicas associadas ao setor do coco como um todo – setor esse que vinha passando por inúmeras transformações, as quais não foram contempladas na monografia. Concluído esse trabalho2,

passamos a nos dedicar à proposta que, depois de muitas lapidações, resultou na dissertação. Já outra atividade que contribuiu para o atual estágio da investigação ora apresentada foi a elaboração de um relatório de pesquisa, o mémoire3– realizado em função de um master (semelhante a um mestrado) que fizemos na Université Paris 1 Panthéon-Sorbonne, na França, no período de 2013 a 2014 –, no qual expusemos o contexto de reestruturação produtiva do setor do coco no Brasil e analisamos seus rebatimentos em um perímetro irrigado cearense. Assim, a realização desses dois trabalhos (a monografia e o mémoire) nos permitiu avançar na compreensão do contexto produtivo do coco e nos possibilitou inclusive perceber as mudanças pelas quais ele passa, já que estamos trabalhando com o mesmo objeto de estudo há mais de quatro anos. No entanto, esse estudo pôde ser consideravelmente aprofundado somente a partir da realização da pesquisa do mestrado, que foi de março de 2013 a abril de 2015.

A exposição dos resultados desta pesquisa, aqui apresentados em formato de dissertação, foi dividida em cinco capítulos, interligados entre si. No primeiro deles, tratamos de fornecer elementos que justificam a existência de uma verdadeira “geografia do coco”, indicando o que faz da produção desse fruto um objeto de estudo da Geografia. Aqui são apresentados ainda os principais pressupostos teóricos considerados para dar suporte à pesquisa. Os procedimentos metodológicos também são indicados nesse capítulo, no intuito de expor detalhadamente todo o percurso de consecução do nosso trabalho de investigação.

Já no segundo capítulo a organização socioespacial e produtiva do coco no Brasil é evidenciada, onde indicamos algumas características que perpassam seu sistema produtivo e o histórico dessa produção no país. São apresentados também os mais importantes elementos que caracterizam a reestruturação do setor, destacando principalmente a modernização do seu processo produtivo, a popularização e internacionalização do consumo de água de coco e a

2Que teve como título “Os circuitos espaciais e os círculos de cooperação da produção de coco no Litoral Oeste do Ceará” (CAVALCANTE, 2012), realizado sob a orientação da professora Denise Elias.

3 Que teve como título La restructuration de la production de noix de coco au Brésil: enjeux et défis. Le cas des

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atuação do setor agroindustrial. Em seguida focamos na organização espacial da produção de coco no país, onde caracterizamos as dinâmicas referentes às produções regionais e estaduais e abordamos a formação de novos espaços que se especializam nesse cultivo.

O terceiro capítulo é dedicado à apresentação do contexto produtivo e espacial do coco no Ceará, onde apontamos a organização do cultivo do fruto aí realizado e as bases da sua modernização. Ressaltamos ainda a questão da espacialização da produção cearense de coco, caracterizando a distribuição espacial desse cultivo e os espaços nos quais essa produção é realizada, dando um destaque a um importante perímetro irrigado especializado no cultivo de coco. No quarto capítulo abordamos as relações sociais de produção de coco no Ceará e identificamos os principais agentes que integram o seu circuito espacial produtivo, focalizando na organização dos produtores, trabalhadores, intermediários e agroindústrias e em suas particulares formas de atuação, especialmente em virtude de suas novas funções evidenciadas a partir da materialização da reestruturação produtiva.

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Capítulo 1

PROPOSIÇÕES TEÓRICAS E PERCURSO METODOLÓGICO

Partindo do princípio de que não há pesquisa científica sem teoria e sem metodologia, procuramos neste capítulo apresentar as proposições teóricas e o percurso metodológico de nosso estudo, antes de adentrar mais a fundo a produção de coco, objeto maior de nossa investigação. Explanamos, inicialmente, acerca do objeto de pesquisa geográfico, visando justificar o porquê de se trabalhar a produção de coco sob o viés da Geografia e indicando

elementos que comprovem a existência de uma verdadeira “geografia do coco”. Além disso,

apresentamos as principais noções que estamos considerando ao longo da dissertação, que nos dão um importante suporte teórico. Na sequência, dedicamo-nos a indicar como a pesquisa foi realizada, evidenciando os procedimentos metodológicos tomados no decorrer desse processo, atentando para a construção de uma matriz analítica associada a uma busca bibliográfica, de dados e de informações.

1.1 PRODUÇÃO DE COCO – OBJETO DE PESQUISA GEOGRÁFICO?

“Mas o que o coco tem a ver com a Geografia?”. Essa foi a pergunta que mais ouvimos quando da realização de nossos trabalhos de campo e que nos levou a pensar o porquê de o coco (e todo seu circuito espacial produtivo) poder ser considerado, de fato, um objeto de estudo geográfico. Entretanto, antes de entrarmos nessa questão, é preciso discutir primeiramente qual a natureza do objeto de pesquisa da ciência geográfica e o que torna os fenômenos ocorridos em um dado espaço passíveis de investigação por parte dos geógrafos. Nesse sentido, será que podemos falar da existência de um objeto geográfico? É o que pergunta Santos (2009) em A natureza do espaço. E se esse objeto geográfico realmente existe, então o que seria ele?

O referido autor atesta que assim como em outras disciplinas é comum se falar da

existência de “um objeto social ou um objeto antropológico, entende-se que, numa disciplina geográfica sequiosa de autonomia – e de legitimidade epistemológica – também se queira

afirmar a existência de um objeto próprio” (SANTOS, 2009, p. 72). Com isso, pode-se considerar que há algo inerente à ciência geográfica e que é perfeitamente passível de se tornar seu objeto de estudo. Desse modo, e de acordo com Lévy e Lussault (2013, p. 734), em Dictionnaire de la Géographie et de l’espace des sociétés, “o geógrafo apreende o espaço a partir da criação de objetos geográficos, que tornam possíveis seu trabalho de investigação”.

De acordo com Santos (2009, p. 72), “os objetos que interessam à Geografia não são

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rodagem, um porto, uma floresta, uma plantação, um lago, uma montanha. Tudo isso são

objetos geográficos”. Dentro dessa perspectiva, Lévy e Lussault (2013, p. 734) também acrescentam que “a cidade é um objeto geográfico, o urbano é um outro, assim como o finage,

o terroir, o rio, o sistema produtivo local, enfim, todas as unidades que compõem o espaço e a

espacialidade, em quaisquer que sejam as escalas”. Nesse sentido, infere-se que todo e qualquer elemento inserido no espaço pode ser considerado enquanto um objeto geográfico.

Para os geógrafos, os objetos são tudo o que existe na superfície da Terra, toda herança da história natural e todo resultado da ação humana que se objetivou. Os objetos são esse extenso, essa objetividade, isso que se cria fora do homem e se torna instrumento material de sua vida, em ambos os casos uma exterioridade (SANTOS, 2009, p. 72-73).

O desafio seria, então, transformar esses objetos geográficos em objetos de estudo da ciência geográfica. Por exemplo, uma plantação não é, por si só, um objeto de pesquisa da Geografia – uma ciência regida por métodos e investigações que lhes são particularidades. É toda uma série de dinâmicas associadas a essa plantação que lhe confere um teor passível de ser considerado como um objeto de estudo geográfico. E o mesmo vale para o coco. A priori, considera-se que não é o coco em si, o fruto oriundo do coqueiro, que é o objeto da investigação geográfica, mas sim as inúmeras dinâmicas que estão intimamente relacionadas a todas as etapas que perpassam seu movimento produtivo.

Desse modo, o coco, sempre associado ao seu circuito espacial produtivo, pode sim ser considerado como um objeto de pesquisa da Geografia, não pelo fato de esse fruto ser produzido em um determinado espaço, mas sobretudo em virtude de sua produção estar permeada de dinâmicas intrinsecamente ligadas a questões de ordens socioespaciais, que podem ser analisadas e apreendidas a partir de métodos inerentes às pesquisas geográficas. Acrescenta-se ainda que, de acordo com Lévy e Lussault (2013, p. 734), é o modo como fazemos as perguntas e pensamos a problemática da pesquisa que vai dar o tom geográfico ao estudo, questões essas

que têm por objetivo transformar os objetos em “problemas geográficos”.

Esse seria então o verdadeiro sentido do “pensar geograficamente” a que se refere Stock (2006), onde até mesmo a produção de coco pode se tornar um objeto de pesquisa geográfico,

uma vez que, como já dizia Cosgrove (1998), “a geografia está em toda parte”. Cabendo, assim,

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tivermos do que deve ser o objeto da disciplina geográfica [é que] ficamos em condições de tratar, geograficamente, os objetos encontrados”.

Nesse sentido, é perfeitamente possível trabalharmos a produção de coco a partir de uma perspectiva geográfica, que inclusive há tempos é objeto de estudos realizados por geógrafos, entre os quais destacamos os apresentados por Santos (1941) e Pedrosa (1947), estudos pioneiros realizados na Geografia acerca do contexto produtivo do coco. Esses artigos foram publicados nos primeiros volumes da Revista Brasileira de Geografia, editada pelo IBGE, como

parte do projeto “Tipos e Aspectos do Brasil”, que vinha apresentando um grande panorama

geográfico e cultural do país. Neles os autores caracterizaram, respectivamente, a produção de coco no litoral nordestino e os trabalhadores que faziam a colheita do fruto.

Além desses artigos, destacam-se também as seguintes publicações: o artigo de Simões (1954), no qual ela apresenta a distribuição espacial do cultivo do fruto na Bahia; a importante obra A terra e o homem no Nordeste, de Andrade (1964), onde a produção de coco ganha um relativo destaque, especialmente quando o autor analisa como o seu cultivo se difundiu nessa região, quais as utilidades do coqueiro e dos frutos e como se processavam as relações de trabalho nos coqueirais; o artigo também de Andrade (1968), onde ele realiza uma breve análise da produção de coco em Alagoas; a dissertação de França (1988) e a tese de Costa (1998), que apresentam as características e as dinâmicas inseridas no cultivo do fruto realizado em Sergipe.

Fora essas publicações, poucos são outros trabalhos realizados por geógrafos acerca da produção de coco, o que não nos impede de pensar na existência de uma peculiar “geografia do

coco”, que merece ser debatida e analisada com mais vigor, a fim de que se possa aprofundar o conhecimento acerca das principais dinâmicas que permeiam o seu circuito espacial produtivo. E esse seria, também, um dos objetivos do presente trabalho, que é dar uma contribuição ao entendimento de parte dessas dinâmicas inerentes à produção desse fruto, que muitas vezes passam despercebidas aos olhos de diversos pesquisadores, mas que são igualmente importantes para a compreensão do processo de uso e organização do espaço rural brasileiro.

Desse modo, e a partir das proposições lançadas especialmente por Castro (1937, p. 23),

quando diz que “dentro do estudo da alimentação, formam-se, assim, especializações orientadas para o seu estudo fisiológico, sua expressão sociológica, sua repercussão nos domínios da

antropologia, suas aplicações terapêuticas”, e por Freyre (1971, s.p.), ao assegurar que “todo produto que seja, sob critério antropológico, à base de um complexo sociocultural de vida e de convivência humana, é susceptível de servir de objeto a uma sociologia especializada no seu

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Desse modo, se todo produto tem uma história, uma antropologia4 e uma sociologia que lhe são

próprias, por que não também uma geografia5 que lhe seja particular?

Observando os estudos realizados pela Geografia Agrária, nota-se que é recorrente o desenvolvimento de trabalhos que dão um especial destaque à conotação geográfica da agricultura e dos produtos agrícolas. As obras organizadas por Elias e Pequeno (2006), Bernardes e Ferreira Filho (2006), Charvet (2008), Marafon e Pessoa (2008), Bernardes e Aracri (2010), Ferreira et al. (2011), Guibert e Jean (2011), Costa e Lisboa (2012), Nahum et al. (2014) e Wizniewsky e David (2015), por exemplo, retratam muito bem esse debate, ao analisarem a intrínseca relação entre a atividade agrícola e as inúmeras dinâmicas socioespaciais dela resultantes. Além desses trabalhos, há vários outros que se dedicam a apreender a geograficidade da produção agrícola, indicando a existência de um vasto campo de pesquisa6.

Com isso, percebe-se que dentro da Geografia Agrária existe um importante pluralismo temático, teórico e metodológico7, que realiza desde estudos centrados na análise do espaço a

partir do desenvolvimento das atividades agrícolas e da modernização agropecuária, a aqueles ligados à reprodução das relações sociais de produção, ao aprofundamento do modo de produção capitalista no campo, à luta pela conquista e permanência na terra, à relação campo-cidade, entre outros temas. Nesse sentido, em virtude desse pluralismo temático e teórico, nosso estudo foi pensado, inicialmente, sob o viés da Geografia Agrária, entretanto recebeu fortes aportes advindos principalmente da Geografia Econômica, assim como da Geografia Regional, das Indústrias, da População e dos Serviços.

Assim, e de um modo geral, tomamos essa “geografia do coco” enquanto algo que engloba elementos de diversas subdivisões da ciência geográfica, com o intuito de apreender nosso objeto de estudo como um todo e não calcado apenas em aspectos meramente produtivos. Entretanto, diante das nossas próprias limitações e a fim de alcançar os objetivos propostos com este trabalho, concentraremos nossa análise especialmente na geografia da produção de coco, enquanto atividade agrícola, assim como nas geografias da produção industrial e da comercialização, tentando perceber suas principais nuances e articulações estabelecidas entre espaços e agentes, não abrindo mão de apresentar ainda as geografias da distribuição e do consumo do fruto, mesmo que parcialmente.

4 Lody (2011), em Coco: comida, cultura e patrimônio, apresenta uma antropologia do fruto, destacando

características da produção e do consumo de coco pelo mundo.

5 A partir da leitura de Paulino (2012), na obra Por uma geografia dos camponeses, fica claro que é possível construir uma “geografia” de qualquer que seja o objeto, sendo obrigatório, no entanto, sempre considerar as variáveis derivadas da intrínseca relação entre espaço, sociedade e tempo.

6 A exemplo que retrata Rieutort (2011) ao analisar o caso da Geografia Rural francesa.

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Retomando nossa questão inicial: mas o que o coco tem a ver com a Geografia e quais são os elementos que caracterizam o estudo da geografia do coco? Para responder a essas perguntas é necessário atentarmos para a importância que a discussão em torno da noção de espaço geográfico adquire para a compreensão dos processos inseridos especialmente no cultivo de coco, tendo em vista que todo ato de produção agrícola é, ao mesmo tempo, um ato de produção do espaço8, conforme aponta Santos (2008), tornando-se, pois, dois atos indissociáveis, já que “não há produção que não seja produção do espaço” (SANTOS, 1994, p.

88)9. Nesse sentido, é preciso ficar claro que todo o movimento produtivo do coco é também

um fator que leva à (re)produção e à (re)organização do espaço10.

Esse movimento produtivo do coco vai originar espaços que lhe são bastante

particulares. Retomando a ideia de “instâncias produtivas” apresentada por Santos (1985), que

juntas nos dariam uma melhor compreensão do próprio espaço, entendido pelo autor como algo uno, total e indivisível, vislumbramos a existência de no mínimo quatro instâncias ligadas à produção: o espaço da produção propriamente dita, o da circulação, o da distribuição e o do consumo, mutuamente interligados e interdependentes. Essas instâncias também são observadas nessa geografia do coco, uma vez que desde a concepção e produção agrícola, passando pelo processamento industrial, comercialização, circulação, distribuição e consumo do fruto, observamos um processo constante de (re)produção e (re)organização do espaço.

Assim, sempre que nos referirmos aos “espaços de produção de coco”, por exemplo, estaremos implicitamente considerando tais espaços como algo socialmente construídos e onde se dão o desenrolar das relações sociais, considerando ainda seu histórico processo de produção e seu permanente movimento de reprodução. Pensar nos “espaços de produção de coco” é ir muito além da dimensão produtiva e abarcar de uma vez só as dimensões espacial e social, ou, em uma só palavra, socioespaciais. É nesse sentido que pretendemos prosseguir na análise da geografia do coco, abarcando sempre que possível seus aspectos produtivos conjuntamente com os aspectos socioespaciais.

Isso nos levaria a uma questão de ordem eminentemente geográfica, pois compreender como se organiza a geografia do coco é ir para além desse aspecto produtivo, é ver como o espaço e a sociedade são inseridos nesse movimento específico que remete à produção do fruto.

8Produzir significa tirar da natureza os elementos indispensáveis à reprodução da vida. A produção, pois, supõe

uma intermediação entre o homem e natureza, através das técnicas e dos instrumentos de trabalho inventados para o exercício desse intermédio” (SANTOS, 2008, p. 202).

9 O autor aborda essa questão em diversas obras, mas especialmente em Santos (2008), sobretudo no capítulo O

espaço total de nossos dias.

10 De acordo com Chaleard e Charvet (2004, p. 23), os agricultores não produzem apenas gêneros agrícolas, eles

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Analisar essa geografia do coco, entre outras coisas, é identificar e perceber como se organizam os fixos e fluxos11 relacionados ao seu circuito espacial produtivo; é compreender como se dão

as interações entre seus espaços de produção, distribuição, circulação e consumo; é analisar de que maneira o global dinamiza o local, e vice-versa, e interfere na produção do fruto; é compreender o papel de cada um dos agentes inseridos em seu circuito espacial produtivo e analisar como eles se relacionam entre si; é atentar para o uso e gestão do território por parte dessa produção e dos agentes que a dinamizam.

Além disso, e grosso modo, quando se analisa a geografia do coco se está diretamente trabalhando com seu circuito espacial produtivo, que é importante para indicar as inúmeras escalas pelas quais perpassam a produção do fruto, unindo em um só movimento todas as instâncias produtivas relacionadas ao setor, espacialmente dispersas. Diversos são os geógrafos, como M. Oliveira (2002), Elias (2003), Xavier (2003), Bernardes (2006), Castillo e Frederico (2010), Arroyo (2012), Bomtempo (2012) e Frederico (2014), entre outros, que apontam que a melhor maneira de se apreender a dimensão geográfica de uma dada produção é tomando como ponto de partida uma análise centrada no seu “circuito espacial produtivo” (ou da produção),

noção apresentada algumas vezes por Santos (1986, 1994, 1996)12.

De acordo com Castillo e Frederico (2010, p. 463), essa noção enfatiza, ao msmo tempo,

“a centralidade da circulação (circuito) no encadeamento das diversas etapas da produção; a condição do espaço (espacial) como variável ativa na reprodução social; e o enfoque centrado no ramo, ou seja, na atividade produtiva dominante (produtivo)”. Esses autores indicam também que “os circuitos espaciais de produção pressupõem a circulação de matéria (fluxos materiais) no encadeamento das instâncias geograficamente separadas da produção, distribuição, troca e consumo, de um determinado produto, num movimento permanente” (CASTILLO; FREDERICO, 2010, p. 464-465).

Assim, de um modo geral, podemos entender um circuito espacial produtivo como tudo aquilo que está direta ou indiretamente relacionado à produção propriamente dita de um produto qualquer até chegar ao seu consumidor final, passando pela distribuição e pela comercialização, além de envolver uma série de outras etapas e processos incluídos nesse movimento constante de produção-distribuição-comercialização-consumo, sempre articulado aos “círculos de

11 Para Santos (1994), o espaço seria formado pela junção de fixos, que são os próprios instrumentos de trabalho

e as forças produtivas, e de fluxos, que são o movimento, a circulação. Ainda segundo o autor, “as categorias clássicas, isto é, a produção propriamente dita, a circulação, a distribuição e o consumo, podem ser estudados

através desses dois elementos: fixos e fluxos” (SANTOS, 1994, p. 77).

12 Santos (1986) vai se referir à existência de três tipos de circuitos: circuitos de ramos, circuitos de firmas e

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cooperação” (SANTOS, 1994, 1996), que vão garantir a transferência de informações, capitais,

ordens, financiamentos e tecnologias.

Segundo Santos (1994), o simples ato de entender a configuração dos circuitos espaciais de uma dada produção possibilita o entendimento do movimento das mercadorias no espaço, visto que para apreender o funcionamento desse espaço é indispensável captar tal movimento (SANTOS; SILVEIRA, 2003). Ainda de acordo com o autor, “como os circuitos produtivos se

dão, no espaço, de forma desagregada, embora não desarticulada”, a importância que o processo de produção-distribuição-comercialização-consumo tem, “a cada momento histórico e para

cada caso particular, ajuda a compreender a organização do espaço” (SANTOS, 1985, p. 03).

Assim, o movimento das mercadorias no espaço já seria um importante indicador que auxilia na compreensão desse próprio espaço13.

Atualmente, as diversas relações e as trocas que se dão no interior das instâncias produtivas não se organizam mais de forma somente local, regional e/ou nacional, e sim de uma forma global. Por essa razão, segundo Santos (1994, p. 49), não podemos mais falar em circuitos

regionais da produção, onde com “a crescente especialização regional, com os inúmeros fluxos

de todos os tipos, intensidades e direções, temos que falar de circuitos espaciais da produção”.

Além disso, com a crescente desconcentração espacial produtiva, tanto agrícola como industrial, os mercados consumidores estão se distanciando cada vez mais dos principais centros produtores, impondo a existência de meios que interliguem os espaços da produção aos espaços do consumo, geograficamente dispersos.

Como a localização das diversas etapas do processo produtivo (produção propriamente dita, circulação, distribuição, consumo) pode doravante ser dissociada e autônoma, aumentam as necessidades de complementação entre lugares, gerando circuitos produtivos e fluxos cuja natureza, direção, intensidade e força variam segundo os produtores, segundo as formas produtivas, segundo a organização do espaço preexistente e os impulsos políticos (SANTOS, 1996, p. 128).

Dessa maneira, o uso dessa noção possibilita a compreensão de como o espaço é produzido e organizado pelo cultivo de coco. E é nesse sentido que pretendemos seguir nossa análise, tomando todo o setor do coco como um objeto de estudo geográfico e procurando abarcar os mais significativos processos observados com o desenrolar da nova geografia desse fruto, marcada por uma reestruturação produtiva responsável por gerar novas e importantes dinâmicas socioespaciais, que serão analisadas à luz da Geografia.

13 Isso nos levaria, ainda, a apreender o “uso diferenciado de cada território por parte das empresas, das instituições, dos indivíduos e permitem compreender a hierarquia dos lugares desde a escala regional até a escala mundial”

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Por essa razão, pensar essa geografia do coco nos leva, antes de mais nada, a pensar a própria Geografia, tomada aqui enquanto uma ciência encarregada do estudo da relação entre espaço e sociedade. A produção de coco é nosso ponto de partida e o tema central que guia nossa reflexão e análise, entretanto nossa discussão não gira em torno exclusivamente dela e de seu circuito espacial produtivo, e sim desse espaço e dessa sociedade, objetos maiores e fruto das constantes inquietações dos geógrafos. Conforme veremos, é o espaço e a sociedade que dão a tônica ao nosso estudo, mas que só serão apreendidos a partir do vislumbramento da peculiar geografia do coco.

1.2 O DEBATE TEÓRICO E AS NOÇÕES FUNDAMENTAIS

Ao apresentar e analisar essa geografia do coco é indispensável atentarmos para uma discussão teórica que fundamente o desenrolar da nossa pesquisa. Segundo assegura Sposito

(2004, p. 65), todo método de análise “contém suas próprias leis, sua base ideológica, suas

categorias para a elaboração dos vários conceitos e teorias que nos permitirão realizar nossa leitura científica do mundo”. Destacamos que por mais elementos empíricos que apresentemos, nossa análise só será completa se eles estiverem ancorados em um sólido debate teórico que consiga auxiliar na compreensão da realidade que está sendo objeto de investigação.

Assim, consideramos que todo estudo empírico deve estar ancorado em uma discussão teórica pertinente que possibilite avançar na exposição das ideias e na compreensão dos processos em curso. Desse modo, ao longo da dissertação recorremos a diversos autores14 que

nos fornecem importantes concepções teóricas que são fundamentais para nos auxiliar no desenvolvimento de nossa problemática. Por esse motivo, sempre que necessário, tais autores e as ideias por eles lançadas são postos em evidência a fim de dar um suporte teórico à nossa análise empírica, levando a um melhor entendimento da mesma.

Além disso, para compreendermos o novo momento da geografia do coco no Brasil é fundamental considerar noções muito mais amplas e que nos ajudam a melhor apreender as principais mutações observadas no setor do coco. Para tanto, a fim de abarcar uma maior complexidade e levantar questões teóricas mais apropriadas, nossa reflexão gira basicamente em torno de três noções principais – reestruturação produtiva, territorialização do capital e dinâmicas socioespaciais –, sendo importante melhor defini-las no intuito de se evitarem equívocos e interpretações errôneas aos quais realmente estamos nos referindo.

(28)

Nesse sentido, é necessário refletir inicialmente sobre as discussões em torno da noção

de “reestruturação produtiva”, tomando as considerações lançadas por Soja (1988, 1993) como uma das principais referências15. Em linhas gerais, o autor (1993) entende a reestruturação como uma “mudança em direção a uma ordem e uma configuração significativamente diferentes da vida social, econômica e política” (p. 193), implicando “fluxo e transição, posturas

ofensivas e defensivas, e uma mescla complexa e irresoluta de continuidade e mudança” (p.

194). Assim, a reestruturação deve ser entendida enquanto um processo, devendo ser tomada como sinônimo de reorganização e de reajustamentos.

Destaca-se que essa reestruturação é, antes de tudo, uma reestruturação capitalista (SOJA, 1993), aparecendo como uma luta contra a rigidez do sistema capitalista (BENKO, 2002), como uma forma de ajustamento desse sistema de produção às novas necessidades impostas pelo mercado globalizado de bens e serviços e pelo atual período histórico, marcado por um regime de acumulação flexível do capital (HARVEY, 1992). Regime esse caracterizado por uma flexibilidade dos processos e dos mercados de trabalho, dos produtos e dos padrões de consumo, e ainda pelo surgimento de novos setores de produção, segundo aponta Harvey (1992), conforme observamos atualmente em diversas partes do mundo16.

Quando essa reestruturação capitalista se expressa no plano produtivo, capaz de implicar profundas modificações na maneira como se organiza uma determinada produção, estamos

diante de uma “reestruturação produtiva”, definida por Gomes (2011) como um processo de

mudança espacial, social, tecnológica e organizacional, reconfigurando tudo o que está sendo produzido. A autora explica também que essa reestruturação implica sempre uma mélange e uma tensão entre o velho e o novo, entre as formas já previamente instaladas no espaço e os elementos advindos com esse processo, como também indica Soja (1988)17. Dessa forma,

apesar de dotar novos conteúdos ao espaço, a reestruturação produtiva não consegue eliminar as rugosidades18 advindas de tempos anteriores e nem eliminar as relações sociais de produção

já estabelecidas, mas sim reorganizá-las.

15 Soja (1988) assevera que passamos por três tipos de reestruturação: a ontológica (estabelecida pela relação entre

o espaço, o tempo e o ser), a social (ou produtiva, atrelada a uma reestruturação espacial do capitalismo) e a cultural (ligada à desconstrução e à reconstituição da modernidade).

16 Autores como Thomaz Júnior (2004), Leite (2005), Gomes (2011) e Hespanhol (2013) asseguram que no Brasil

tal reestruturação produtiva é observada desde meados do final da década de 1970, mas que esse processo se intensificou somente a partir dos anos 1990, assegurado por uma política neoliberal de crescimento econômico, acarretando transformações em diversas parcelas do território nacional, no processo produtivo de inúmeros produtos e setores e na organização do trabalho urbano e rural.

17Para Soja (1988, p. 07), “a reestruturação está enraizada em uma crise e em um conflito competitivo entre o

velho e o novo, entre a ordem herdada e a ordem proposta. Não se trata de um processo mecanicista ou automático”. 18 Entendidas enquanto heranças de tempos antigos, produzidas em um determinado período, mas que continuam

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Alves (2008) alerta, entretanto, que a reestruturação produtiva não envolve apenas a produção propriamente dita, ultrapassando o processo produtivo em si e atingindo diversos setores, inserindo em uma mesma lógica uma série de diferentes espaços e agentes. Já Benko (2002) destaca que o regime de acumulação flexível, capaz de levar a uma reestruturação das atividades produtivas, induz a uma reorganização do espaço e da sociedade, não atingindo apenas a dimensão econômica, mas influenciando também as dimensões espacial e social. De

acordo com Alves (2008, p. 09), “ao restringir o processo de reestruturação produtiva apenas à

sua dimensão econômica propriamente dita, oculta-se, hoje, mais do que nunca, traços

essenciais da restruturação capitalista”.

Assim, ao dar uma nova configuração ao espaço e à sociedade, a reestruturação produtiva surge enquanto fenômeno socioespacial (GOMES, 2011). Portanto, essa reestruturação implica mudança e reordenamento das diversas relações inseridas em um dado setor, sendo capaz de acarretar modificações na organização dos processos produtivos e das relações sociais de produção, promovendo reajustamentos nas dimensões sociais, econômicas e políticas e trazendo rebatimentos diretos na configuração espacial (SOJA, 1988). Dessa maneira, quando analisamos a reestruturação produtiva de um determinado setor, como o do coco, deve-se atentar também para suas implicações socioespaciais e não apenas para aspectos unicamente produtivos19.

Conforme já indicado, esse processo de reestruturação atinge e reorganiza diversos setores, entre eles o agrícola. Quando essa reestruturação se materializa na agricultura, por exemplo, estamos diante do que Elias (2003) denomina de “reestruturação produtiva da

agricultura”. Analisando o caso brasileiro, a pesquisadora considera que através desse processo foi possível intensificar o modo de produção capitalista no campo, modernizar a produção agrícola e reorganizar as tradicionais formas de comercialização, distribuição e consumo. A autora destaca também que atualmente a agricultura brasileira não escapa da nova ordem

econômica e se realiza de forma globalizada, “se não na sua produção propriamente, na sua

circulação, distribuição ou seu consumo, mostrando-se uma das atividades mais contagiadas

pela revolução tecnológica” (ELIAS, 2003, p. 59).

Elias (2003) evidencia que muito embora desde o século XVI a atividade agrícola brasileira apresente crescente processo de internacionalização, somente em meados do século XX é que se conhece uma ação contínua de reestruturação e globalização, processos esses

19 Nesse sentido, como sugere Gomes (2011), caberia à Geografia analisar tal processo de reestruturação produtiva

(30)

aprofundados e consolidados nestes primeiros anos do século XXI, quando assistimos a uma considerável inserção de tecnologia, ciência e informação no processo produtivo agrícola, culminando em uma reestruturação da agricultura do país e possibilitando novos e importantes usos do território nacional. Enquanto outrora se tratava apenas de uma internacionalização, com a exportação da produção agrícola cultivada nos moldes do plantation, Elias (2003, p. 36)

destaca ainda que hoje podemos falar de um “processo mundial de produção e de tudo o mais que lhe dá sustentação: mundialização do mercado, do capital, das firmas, do consumo, dos gostos e, até mesmo, da mais-valia e dos modelos de vida social”.

A reestruturação produtiva da agricultura, conforme aponta Elias (2003, 2006, 2007, 2012), caracteriza-se em especial pelos seguintes processos, entre outros: introdução de modernos insumos e implementos no processo produtivo agrícola, modernizando a produção; readequação dos principais circuitos espaciais produtivos; consolidação de grandes empresas agrícolas e agroindustriais; integração de capitais comerciais, financeiros, industriais e agrícolas; surgimento de novos espaços especializados no desenvolvimento de uma agricultura científica e de mercado. Destaca-se que essa reestruturação produtiva pela qual passa a agricultura atinge tanto a base técnica quanto a econômica e a social, exercendo profundos impactos sobre os espaços rurais, que passam por um acelerado processo de reorganização, mostrando-se extremamente abertos à forma capitalista de produzir (ELIAS, 2006).

Elias (2003), ancorada em Delgado (1985) e Graziano da Silva (1998), considera que um dos principais fatores responsáveis pelo desencadeamento da reestruturação da agricultura nacional foi a mudança da base técnica do processo de produção agrícola, chamado por muitos

de “modernização da agricultura”20. Essa mudança significa que a reprodução ampliada do setor

agrícola passa a depender cada vez menos da dotação de recursos naturais utilizados como insumos e cada vez mais dos meios de produção gerados em setores especializados da indústria (DELGADO, 1985), contribuindo para ampliar a dependência da agricultura ao setor industrial. A esse respeito, Graziano da Silva (2003) afirma que uma série de inovações responsáveis pela mudança da base técnica da produção do país passaram a adiantar substancialmente o processo

produtivo agrícola, levando, dessa forma, a “um novo uso do tempo e um novo uso da terra”

(SANTOS; SILVEIRA, 2003, p. 118).

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Essa reestruturação produtiva da agricultura foi fortemente impulsionada em um primeiro momento pelos governos ditatoriais (de 1964 a 1985), continuada pelos governantes neoliberais que vieram em seguida (de 1985 a 2002) e reafirmada nos mandatos de Lula e Dilma (a partir de 2003). São evidentes os resultados das sucessivas ações empreendidas pelo Estado, sempre associado aos interesses do capital privado representado por importantes empresas agrícolas e agroindustriais, na tentativa de reestruturar a agricultura nacional, tornando-a mais dinâmica, rentável e competitiva, a ponto até mesmo de conseguir transformar o Brasil no “país

do capitalismo agrário”, nos termos de Roux (2012). Para Gonçalves Neto (1997) e Elias

(2003), coube ao Estado brasileiro adequar a produção e o território à reprodução do capital na agricultura do país, funcionando como o principal maestro das transformações necessárias para levar a uma reestruturação produtiva do setor (ELIAS, 2003, p. 65).

Tal reestruturação da agricultura nacional ocasionou profundos impactos no espaço agrícola brasileiro, remodelando suas dinâmicas produtivas e sociais. Conforme denotam estudos realizados por todo o país, nos espaços onde essa reestruturação do setor se materializa com mais intensidade notamos, além de outros processos, o acirrar das especializações produtivas, com a substituição de antigos cultivos, notadamente os voltados para a subsistência, por cultivos mais rentáveis e inseridos em uma agricultura de mercado. Observamos também a inserção cada vez maior de novos produtores nesse contexto, seja mediante a utilização do pacote técnico recém-difundido seja pela in/direta vinculação aos circuitos globalizados da produção e do consumo. Nota-se, ainda, o aumento do poderio de grandes empresas agrícolas e agroindustriais, instaladas principalmente nas regiões de expansão do modelo produtivo chamado de agronegócio21, um dos retratos do atual momento agrícola do país.

Em linhas gerais, esse movimento orquestrado pelo Estado e pelo capital privado no intuito de inserir a agricultura no contexto da reestruturação produtiva significou, antes de mais nada, a territorialização da racionalidade capitalista no campo, abrindo margem para o desenvolvimento da agricultura de mercado e promovendo rebatimentos que atingiram seletivamente espaços, produções e produtores com o único objetivo de ampliar o potencial agrícola do país e difundir a lógica de produção empresarial por todos os setores, tornando-os capazes de responder às exigências de um crescente mercado consumidor, seja ele interno e/ou externo. A partir daí, e cada vez mais, o que, quando, como e onde produzir passaram a ser

21Estamos entendendo aqui o “agronegócio” enquanto um setor produtivo (ideologicamente) altamente rentável,

Imagem

Figura 01  –  Organização da matriz analítica.
Tabela 01 – Produção mundial de coco (em toneladas), por países. 1970 – 2010.
Tabela 02 –  Produção mundial de coco (em toneladas), por países.
Tabela 05 –  Brasil. Estrutura fundiária dos estabelecimentos que cultivam coco: total dos estabelecimentos  (em unidades), área total (em hectares) e quantidade produzida (em mil frutos)
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Referências

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