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Reestruturação produtiva do setor

O CONTEXTO DAS RELAÇÕES SOCIAIS DE PRODUÇÃO

4.3 INTERMEDIÁRIOS: ENTRE A PRODUÇÃO E O CONSUMO

Além dos produtores e dos trabalhadores, outros agentes de grande importância inseridos no circuito espacial produtivo do coco são os intermediários, principais responsáveis por efetuar a comercialização e a circulação dos frutos, funcionando como uma ponte de ligação entre a produção e o consumo. Santos (2008c, p. 226), em um estudo sobre os circuitos da economia urbana, já indicava que tais intermediários agem “como um elo entre a demanda e a oferta”, o que lhes garante um papel privilegiado nessa intermediação e, portanto, uma posição estratégica no abastecimento. Desse modo, e na maioria das vezes, esses agentes articulam, ao mesmo tempo, os produtores agrícolas e os consumidores finais.

É importante destacar que os intermediários englobam um grupo formado por inúmeros agentes diferentes, que integram a chamada intermediação mercantil tradicional (MALUF, 1992), formada pelo comércio atacadista, e em alguns casos também pelo varejista. Integram

esse grupo de intermediários sobretudo os atravessadores, que são aqueles que adquirem os frutos com os produtores e os revendem em seguida, além também dos distribuidores, operadores logísticos e proprietários de depósitos e armazéns, incumbidos de escoar e armazenar toda a produção e fazer com que a mesma chegue aos comerciantes e vendedores.

De todos esses agentes o principal deles é, sem dúvidas, o atravessador, encarregado direto de chegar até o produtor de coco e adquirir a sua produção, que depois é encaminhada para os demais agentes inseridos nesse circuito. Por esse motivo, restringiremo-nos a descrever apenas as principais características dos atravessadores e não as dos demais agentes que atuam na comercialização, circulação e distribuição dos frutos, o que será feito a partir da realização de 14 entrevistas com tais atravessadores, que foram muito importantes no sentido de facilitar a compreensão da forma na qual eles estão organizados e atuam.

De um modo geral, e a partir do que observamos durante os trabalhos de campo, os atravessadores que atuam na região em análise são também produtores de coco e/ou têm algum parentesco com esses produtores, que inicialmente resolveram atuar comercializando o fruto por uma necessidade de ampliar seus rendimentos. Esses atravessadores iniciaram nessa atividade vendendo sua própria produção (e/ou de algum familiar) e, percebendo a sua viabilidade, começaram também a comercializar a produção de outros produtores, dando origem aos atravessadores tal qual conhecemos hoje.

Destaca-se que para atuar como um atravessador é necessário, antes de mais nada, ter uma grande capacidade de articulação com os outros agentes inseridos no circuito espacial produtivo do coco, passando pelos produtores e chegando aos distribuidores, atacadistas e vendedores. Ademais, precisa possuir um importante montante de capital acumulado, para iniciar o negócio, como também dispor de um pequeno caminhão para realizar a colheita e as entregas próximas e/ou ter os contatos das empresas de frete para transportar os frutos para regiões mais longínquas. Desse modo, apenas uma ínfima parcela de produtores se arrisca a tentar entrar no negócio de compra e venda de coco.

Por esse motivo, e com a total ausência de cooperativas, a maioria desses produtores se tornam diretamente dependentes dos atravessadores para que seus frutos sejam comercializados, processo esse que gera uma série de conflitos entre esses dois agentes, conforme destacaremos apenas no próximo capítulo. Todavia, existem ainda outros produtores que eliminam o papel do atravessador e comercializam diretamente com as agroindústrias e/ou com os consumidores finais, reduzindo a participação dos intermediários no controle dessa atividade. Isso explica por que nem todos os frutos comercializados no Ceará passam, necessariamente, pela intermediação dos atravessadores.

Esses importantes agentes não se destacam apenas por adquirir e revender a produção de coco, mas também por realizar a colheita dos frutos, no caso do coco verde, e por descascá- los, no caso do coco seco. É de responsabilidade dos atravessadores recrutar um grupo de trabalhadores que ficam encarregados de colher a produção de coco verde, já que esses frutos devem ser comercializados e distribuídos no mesmo dia em que são colhidos, devido à sua alta perecibilidade; desse modo, há não colheita de coco verde que não esteja a cargo dos atravessadores. Já em se tratando de coco seco, na maioria das vezes são esses agentes os responsáveis por também recrutar os trabalhadores para descascá-los e transportá-los.

Além disso, os atravessadores são também responsáveis por decidir para quem revender os frutos e determinar o destino da produção, assim como a maneira como se dará esse escoamento, excluindo por completo o produtor de participar desse processo. No ato da negociação e comercialização dos frutos, eles são encarregados ainda por, de certa forma, controlar os preços que serão repassados aos produtores e determinar quanto cada um deles vai receber por sua produção, resultando em uma série de embates entre ambos, conforme já mencionamos. Mesmo assim, hoje são os atravessadores os quase únicos agentes que atuam nesse processo de comercialização e distribuição dos frutos.

Por esse motivo, os atravessadores podem ser facilmente encontrados nos principais espaços de produção de coco no Ceará. O perímetro irrigado Curu-Paraipaba, por exemplo, foi o local onde observamos a maior concentração de atravessadores, quantidade que varia sempre de acordo com o período do ano e com a demanda de coco verde no mercado nacional, que pode fazer aumentar a procura pelo fruto e consequentemente ampliar o número de compradores do produto162. Ressalta-se que esses agentes sempre estiveram presentes naquele espaço, onde, de acordo com Lima (2005, p. 156), os atravessadores encontrados nos perímetros irrigados cearenses surgiram inicialmente por uma necessidade dos próprios produtores, que encontraram nesses atravessadores o único meio possível de vender a sua produção.

Só para termos uma ideia dessa presença efetiva dos atravessadores nos locais onde o coco é cultivado, estudos demonstram a grande concentração desses agentes em espaços altamente especializados na produção do fruto, como é o caso do perímetro irrigado Curu- Paraipaba, onde 91% dos produtores comercializam coco exclusivamente via atravessadores, conforme aponta Mendes (2011), e do Curu-Pentecoste, com 94% dos produtores negociando apenas via esses agentes, como indica Lima (2005). Isso também é observado em outros perímetros fora do Ceará, a exemplo do São Gonçalo (PB), a partir do que apresenta Lucena

162 No período da realização dos trabalhos de campo havia aproximadamente 30 atravessadores atuando no Curu-

(2010), em um estudo centrado na análise da comercialização de coco aí realizada e todas as dinâmicas que envolvem esse processo.

Durante os trabalhos de campo e com a realização das entrevistas percebemos que os atravessadores atuam de maneiras diferenciadas, até mesmo porque eles possuem características bastante distintas uns dos outros, formando um heterogêneo grupo. Assim, diversos são os modos pelos quais esses atravessadores podem ser distinguidos, tal como foi observado com os produtores de coco. Dependendo da variável escolhida é possível traçar diferentes rumos de apreensão das principais características inerentes a tais agentes, entre as quais estão as formas de atuação, os destinos da produção, os produtos comercializados, os espaços utilizados para tal fim, a quantidade comercializada e o perfil dos fornecedores.

Levando em conta as formas de atuação dos atravessadores e os destinos da produção de coco, nota-se que eles podem ser subdivididos em três grandes grupos. Existem atravessadores com uma restrita atuação, que são aqueles que atuam no espaço limitado da comunidade onde vivem, vendendo sua própria produção e adquirindo os frutos com parentes e/ou produtores mais próximos e os revendendo para atravessadores maiores. Essa prática foi observada especialmente nas comunidades litorâneas de Amontada e Itapipoca, onde os pequenos produtores vendem para um outro produtor que também atua como atravessador, que depois repassa essa produção para atravessadores maiores que se encarregam de encaminhá-la para outros compradores, quase sempre localizados na região Sudeste.

Existem também os atravessadores com uma atuação intermediária, que são aqueles que adquirem os frutos em distintas comunidades e em vários municípios diferentes, movimentando uma importante quantidade de coco todos os dias. Eles se caracterizam por possuir um caminhão próprio e uma equipe de trabalhadores (seja de tiradores/derrubadores ou de descascadores) sempre a postos para, diariamente, ir até os produtores adquirir os frutos. Esses atravessadores revendem o coco diretamente para as fábricas, para o mercado atacadista, para centrais de abastecimento, para pequenos comerciantes e vendedores, ou até mesmo para outros atravessadores maiores.

Há ainda o grupo dos atravessadores com significativa atuação, que movimentam diariamente dezenas de toneladas de coco – verde ou seco –, que podem possuir seus próprios caminhões, inclusive de maior porte, e que enviam a produção para compradores de todo o país. Esses atravessadores se distinguem dos demais não apenas pela grande quantidade de frutos comercializada todos os dias, mas por adquiri-los em espaços que vão além dos localizados no Estado do Ceará, já que, dependendo da grande demanda e da pouca produção estadual, eles saem em busca de coco em vários outros Estados, notadamente nas regiões Norte e Nordeste.

São também esses os atravessadores com maior poder de negociação no momento da compra dos frutos, em virtude da grande quantidade de mercadoria em questão.

Nesse contexto, é evidente a formação uma verdadeira “rede de atravessadores” atuando no mercado do coco no Ceará, onde uns sempre acabam comprando a produção dos outros. Dessa forma, esses atravessadores dificilmente atuam sozinhos, havendo uma grande articulação com os outros que agem nessa mesma atividade, como também com os produtores e com os compradores e distribuidores. E são esses últimos os responsáveis por chegar até os atravessadores informando a intenção na compra dos produtos, cabendo a eles adquirir a quantidade de frutos determinada por tais compradores.

Muitos são os fornecedores de coco para esses atravessadores, indo desde pequenos a grandes produtores, sem distinção. No entanto, normalmente não há fornecedores fixos, cabendo aos atravessadores estar sempre em busca de novos produtores dispostos a lhes vender a sua produção; além disso, também não há um mercado fixo de coco, uma vez que os compradores finais163 devem sempre estar em contato com os atravessadores. Por vezes chegam a existir “produtores de confiança”, que normalmente fornecem coco aos atravessadores, como também “compradores certos”, que adquirem esses frutos; no entanto, não existe nada assegurado concretamente.

Assim, mesmo não havendo um mercado fixo, há uma tendência de cada atravessador se consolidar no fornecimento de coco para alguns poucos locais, mas para diferentes compradores. Por exemplo, existem atravessadores que vendem exclusivamente para Fortaleza, que abriga o maior mercado de coco verde do Ceará164, já outros vendem apenas para cidades como Teresina, São Luís e Natal, atuando somente no Nordeste, enquanto outros ainda atuam apenas vendendo coco para o mercado do Sudeste, representado especialmente pela cidade de São Paulo. Há atravessadores que comercializam os frutos para as agroindústrias, instaladas ou não no Ceará, que diariamente adquirem uma grande quantidade de coco (fotos 39 e 40). Ainda há outros que revendem os frutos tanto para agroindústrias quanto para distribuidores, dependendo sempre do preço do coco no mercado. Percebe-se, desse modo, que são vários os locais de destino do coco e que os atravessadores se especializam em atender mercados já previamente estabelecidos.

163 Que podem ser donos de centrais de distribuição e armazenamento, donos de restaurantes e barracas de praia,

vendedores de coco, representantes de supermercado e agroindústrias, entre outros estabelecimentos.