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GÊNERO EM QUESTÃO: O PROCESSO DE INSERÇÃO DA MULHER NA EDUCAÇÃO SUPERIOR

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Academic year: 2021

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GÊNERO EM QUESTÃO: O PROCESSO DE INSERÇÃO DA MULHER NA EDUCAÇÃO SUPERIOR*

Gisely Karla de Medeiros Carvalho1 Fernanda Fonseca Félix2 Wagner Douglas Artur do Nascimento3 Moisés Alberto Calle Aguirre4

Resumo:

Nas últimas décadas a educação pública brasileira tem se transformado e tomou uma configuração ainda mais significativa para a sociedade. Nesse sentido, o presente artigo proporciona os resultados de um estudo demográfico relacionado ao gênero, que tem como objetivo precípuo compreender como e em que medida a posse do capital cultural contribui para que as mulheres ascendam à Educação Superior. Mais especificamente, objetivou-se: identificar a forma de acesso de algumas coortes em determinados cursos universitários; especificar de quais redes de ensino os discentes originaram; e constatar a significância de estudantes de acordo com o curso segundo o gênero. Para tanto, a fundamentação teórica da pesquisa leva em conta que a mulher conquista cada vez mais novos espaços, entretanto seu ingresso na Educação Superior ainda parece condicionado por escolhas decorrentes das expectativas que a sociedade lhe impõe. De maneira a concatenar essas informações, esse trabalho volta-se aos conceitos de capital cultural e violência simbólica, empreendidos por Pierre Bourdieu. Todavia, a análise e a interpretação de microdados do Censo do Ensino Superior consolida o ponto fundamental da pesquisa ao comparar dois ambientes socioeconomicamente distintos: a Universidade Federal do Rio Grande do Norte e a Universidade de São Paulo. Conclui-se, portanto, que a tendência de feminização do ensino superior é mantida por um direcionamento de escolhas com maior vigor para determinados cursos, demonstrando que é imprescindível o aprofundamento teórico desse assunto.

Palavras-chave: Gênero. Capital cultural. Educação Superior. Feminização.

* Trabalho apresentado no VII Congreso de la Asociación LatinoAmericana de Población e XX Encontro Nacional de Estudos Populacionais, realizado em Foz do Iguaçu/PR – Brasil, de 17 a 22 de outubro de 2016.

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Aluna do Programa de Pós-graduação em Demografia, Universidade Federal do Rio Grande do Norte.

giselymedeiros@hotmail.com

2 Aluna do Programa de Pós-graduação em Demografia, Universidade Federal do Rio Grande do Norte. fernanda_ajulia@hotmail.com

3 Aluno do Programa de Pós-graduação em Demografia, Universidade Federal do Rio Grande do Norte. wagnerartur40@gmail.com

4 Professor do Programa de Pós-graduação em Demografia, Universidade Federal do Rio Grande do

Norte. calle@ccet.ufrn.br

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1. INTRODUÇAO

É fácil constatar que nos últimos anos o cenário da educação no Brasil tem se transformado significativamente, sendo possível observar uma maior tangibilidade do acesso à Educação Superior. No entanto, quando as relações de gênero são o objeto de estudo em questão, têm-se ainda árduos caminhos a serem percorridos. Pois, do mesmo modo que a vida na sociedade brasileira é crivada de inúmeros problemas, o acesso à educação, em especial ao ensino de nível superior, não foge à regra.

Nesse sentido, a elaboração deste artigo foi baseada em uma investigação do empoderamento da mulher frente aos desafios da sociedade atual, relacionando-o com os efeitos que a posse de capital cultural proporciona a este público. E, a partir de uma observação acerca da capacidade participativa feminina, no que diz respeito às dimensões da vida social, delineou-se o trajeto percorrido até o exercício da igualdade identitária ao adentrar na Educação Superior.

Logo, o objetivo desse estudo é, primordialmente, analisar como e em que medida acontece o ingresso da mulher na Educação Superior. Para isso, buscou-se configurar um maior detalhamento à pesquisa, o que incluiu especificidades como: constatar a magnitude de matriculados por curso segundo o gênero, identificar a forma de admissão deles e especificar de quais redes de ensino eles procedem, se pública ou privada.

1.1 Relações de gênero na Educação

Segundo Beltrão e Alves (2004), todas as conferências internacionais promovidas pela Organização das Nações Unidas (ONU) entre 1990 e 2000 tinham como finalidade o alcance de um mundo mais igualitário e com prosperidade, as propostas ali discutidas buscavam a eliminar as discriminações de sexo em todos os campos de atividade, sobretudo na educação. No entanto, Rosemberg (2001) afirma que apesar das metas das agendas de gênero e educação e das conferências internacionais – que tornaram possível a discussão e o auxílio na promoção da igualdade de gênero na educação – a questão da pobreza foi mais relevante que a equidade do gênero, uma vez que se pensava na inserção do público feminino na educação muito mais pelo fato de que mães com melhor nível educacional seria sinônimo de filhos educados e

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famílias menos pobres. Nessa perspectiva, a promoção da educação para mulheres estava fadada apenas a mero repasse de conhecimentos para os filhos, fato que se apresentou como pouco valorativo para as relações de gênero, tendo em vista a impregnação de valores arbitrários à igualdade social.

Embora reconhecendo as necessidades do sistema educacional brasileiro, deve-se estar atento ao fato de que, nas últimas décadas, o seu desenvolvimento ampliou o número médio de anos de estudo para ambos os sexos. No entanto, as mulheres ultrapassaram os homens em todos os níveis educacionais. Contudo, cabe destacar que o fato alcançado pelas mulheres na educação está atrelado a conquistas (parciais) em diversos campos, como: sua entrada no mercado de trabalho, sua maior participação política, a ampliação de seus direitos sexuais e reprodutivos, além de maior autonomia e liberdade (BELTRÃO; ALVES, 2004). Consequentemente, há de se destacar que o progresso, por parte das mulheres, no campo da educação foi e é fundamental para avanços em outros campos, processando-se tanto em termos quantitativos como qualitativos.

Em um estudo de caso, referindo-se especificamente ao Brasil no contexto da América Latina e Caribe, Crespo (2007) traz os seguintes dados comparativos de 1980 e 1990 em que o Brasil, aumentou a matrícula de mulheres de 48% em 1980 para 52% em 1990. Outro dado importante, o qual diz respeito à distribuição de cursos por sexo, aponta que em 1988 as mulheres representavam 84% nas Ciências Pedagógicas e 80% nas Ciências Humanas, em contrapartida, elas representavam 15% dos Cursos de Engenharias e 24% dos Cursos Técnicos Agrícolas. Ainda, observa-se o crescimento da participação de mulheres em outras carreiras como Direito com 42%, Ciências Naturais com 55% e Matemáticas e Computação com 43%. Diante destes dados, a investigação aqui apresentada pauta-se na compreensão das relações de gênero na Educação Superior, que desemboca num estudo mais específico acerca desse contexto.

Logo, faz-se necessário esclarecer que a temática do gênero ampliou-se mediante a diferenciação de duas abordagens teóricas: uma ligada à construção social de gênero, que, em suma, diz respeito aos papéis sociais de homens e mulheres na divisão sexual do trabalho, e a outra que se refere à construção simbólica de gênero, a qual é construída mediante símbolos/valores, ou seja, uma construção mental, que constitui a marca dos gêneros, masculino e feminino, em suas estruturas simbólicas e ideológicas. O que vem a tornar-se compreensível quando as diferenças e assimetrias são o resultado dos valores para os gêneros (BERNAL, 2005).

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É importante considerar como ponto de discussão, as duas perspectivas abordadas no campo da educação e de gênero no Brasil: a primeira é a extraescolar, conectada aos aspectos identitários (estudos de gêneros culturais), ou seja, a construção de uma identidade mediante a educação familiar e socialmente adquirida; a segunda se refere à interconexão de educação e gênero, com um enfoque para a educação formal, que se processa dentro da escola, no sistema de ensino, intraescolar (ROSEMBERG; MADSEN, 2011). Ressalta-se, então, que o estudo aqui apresentado se debruça na segunda abordagem, a qual se refere aos aspectos intraescolares, uma vez que busca identificar e analisar as diferenciações e especificidades da educação formal que o Ensino Superior brasileiro proporciona às mulheres.

Deste modo, é perceptível que ao adentrar na escola, a chamada educação formal, o público feminino é alvo de distinções no tocante à qualidade e à forma que o ensino é ministrado a elas. Pois, no que tange à atenção docente, verifica-se que existe um modo diferenciado que beneficia muito mais aos homens. Além disso, os conteúdos são apresentados de forma a favorecer explícita e/ou implicitamente os papéis sociais masculinos. Consequentemente, “os mecanismos de discriminação mais importantes que afetam às mulheres no sistema educativo já não se situam no aceso ao sistema, porém na qualidade e nas modalidades de educação, o que impede uma igualdade real de oportunidades entre os sexos” (BERNAL, 2005, p. 68, tradução nossa).

Frente a esse ponto de vista, tem-se que é a cultura que assegura na pessoa a ideia (e papéis) de gênero e é o gênero que irá perceber a vida em sociedade como um todo. Visto como, no decorrer da história humana, a cultura construiu e foi construída para naturalizar de forma exteriorizada (estruturas sociais) e internalizada (estruturas mentais) as diferenciações e especificidades entre homens e mulheres. Nesse sentido, a educação formal tem como espaço privilegiado a escola, ambiente onde se processam, ou se reforçam, e também se constroem os padrões de identidade pessoal entre homens e mulheres, bem como os projetos de futuro de ambos os sexos. “A cultura marca a os seres humanos com o gênero, e o gênero marca a percepção de tudo mais: o social, o político, o religioso, o cotidiano” (BERNAL, 2005, p. 69, tradução nossa). Deste modo, o contexto escolar constitui-se em um dos espaços que mais poderosamente interfere na construção da identidade pessoal de homens e mulheres, e de seus futuros projetos de vida.

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1.2 A seleção de gênero na Educação Superior: uma representação da violência simbólica

Ao observarem o entendimento da educação como uma realização pessoal, Beltrão e Alves (2004) esclarecem que muitas mulheres optam por uma qualificação educacional superior como forma de vencer as barreiras ocupacionais do mercado de trabalho, uma vez que as melhores e mais interessantes oportunidades são destinadas aos homens, ainda que com um tempo médio de estudo inferior. Outro importante aspecto concernente a essa temática refere-se ao atributo qualitativo da educação ministrada às mulheres. Pois, ao passo que a integração das mulheres no sistema de ensino se resolve, outros infortúnios surgem – os quais estão relacionados à qualidade e ao ambiente educacional. Pois, nota-se que o público feminino está sujeito a impedimentos ligados aos estereótipos presentes nos materiais educacionais, bem como a uma orientação profissional segregada, dissimulando assim a participação da mulher no progresso científico-tecnológico (BERNAL, 2015).

Diante destas colocações, é possível adotar a reflexão de Bourdieu quanto à violência simbólica, a qual é apresentada pela imposição da cultura (arbitrário cultural) de um grupo como a verdadeira ou a única existente, em que os representantes das culturas dominantes – sejam eles indivíduos ou instituições – expõem seus bens culturais como naturalmente ou objetivamente superiores aos demais, pois, desta maneira sustentam a sua posição elevada (NOGUEIRA; NOGUEIRA, 2009). Tal compreensão pode ser observada com facilidade nas práticas diárias, em especial quando se trata de relações de gênero na sociedade.

E, quanto a isso, Bourdieu e Passeron (2014) discutem as possibilidades educacionais para homens e mulheres, de acordo com a origem social, afirmando que há uma repartição desigual entre os gêneros, apesar da situação quase pareada. Todavia é nítida a desvantagem do público feminino (a qual enfraquece nos estratos superiores). E é nessa perspectiva que o entendimento da violência simbólica faz-se necessário, uma vez que a desvantagem educativa e de gênero vincula-se às probabilidades estatísticas que apontam que as mulheres ao ingressarem no ensino superior tendem a seguir para as áreas ligadas às Ciências Humanas (Pedagogia, Letras) e os homens para as áreas Científicas e Exatas, tendência influenciada pelos padrões tradicionais de divisão do trabalho (e os "dons") entre os sexos. Consequentemente, de uma maneira geral, as mulheres tendem a ser “condenadas” para as faculdades de artes e ciência, se preparando para uma profissão docente.

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Logo, para compreensão desta pesquisa, tem-se a necessidade de tomar ciência acerca de estudos que abarcam a violência simbólica, tendo em vista sua forte presença no campo da educação. Pois, no ambiente da educação formal, a imposição de convicção no discurso oficial, perpetrada pela escola, pode ser facilmente percebida. Nesse sentido, Bernal (2015) coloca que, a escola tende a legitimar ideais a partir do estabelecimento de certos critérios de verdade, que persuadem os estudantes com “promessas de felicidade”. Forma, deste modo, uma rede de representações que convence pessoas a aceitarem uma ordem social e de gênero definida como natural, verdadeira e racional.

1.3 Capital cultural: a chave para o sucesso educacional

Outro conceito intrínseco explorado neste estudo diz respeito ao capital cultural do estudante que ingressa na Educação Superior – em especial estudantes do gênero feminino, uma vez que é nesse público que consiste o cerne da pesquisa. Evidencia-se, portanto, que este trabalho se propõe a buscar o entendimento acerca do capital cultural, que, segundo Bourdieu (1986) expõe o capital cultural sob três formas de estado: o incorporado, que se refere às disposições de longa duração da mente e do corpo; o objetivado, sob a forma de bens culturais (discos, livros, quadros, etc.); e o institucionalizado que confere propriedades relativas ao contexto escolar (títulos e certificados).

Em presença da conceituação de capital cultural, Bourdieu e Passeron (2008) assumem que a cultura escolar tem uma ligação bastante associada à cultura da elite. Deste modo, referem-se ao capital cultural como um conjunto de prioridades adquiridas pelos indivíduos, que é indispensável para a compreensão da desigualdade social no contexto escolar, pois, quando a ação dos seres é construída através de uma incorporação – o habitus, que é o reflexo da realidade social vivida – tem-se a explicação para o modo de agir dos indivíduos, a internalização do meio social e a posterior externalização.

Assim, consoante a Bourdieu e Passeron (2014, p. 42), “se as vantagens ou desvantagens sociais pesam tão fortemente sobre as carreiras escolares e, geralmente, sobre toda a vida cultural [do aluno], é porque, de forma percebida ou desapercebidamente, elas são sempre cumulativas”. Nesse sentido, os autores se voltam a aspectos relacionados também ao capital econômico, pois renda, bens e salários da família dos estudantes são fatores determinantes para a compreensão de capital cultural, para entender a classe social, a cultura

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familiar recebida e adquirida, as oportunidades de acesso à cultura e aos investimentos feitos pela família quanto ao seu grau de escolaridade e à trajetória escolar.

Bourdieu e Passeron (2008, 2014) expõem, portanto, a seletividade do contexto educacional. Eles mostram como estudantes podem ser excluídos e marginalizados dependendo das classes sociais que se originam, porque, ao se exigir determinada familiaridade com os conteúdos e a cultura ensinada nos centros de ensino, o sistema educacional limita a entrada de determinados grupos e classes populares, privilegiando e perpetuando a reprodução de estudantes com maior capital cultural e econômico nos ambientes de educação formal.

2. MATERIAL E MÉTODOS

O desenvolvimento metodológico desse estudo apresenta como principal fonte de dados o Censo do Ensino Superior – realizado no Brasil pelo Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Anísio Teixeira (INEP), junto ao Ministério de Educação (MEC) – o qual se constitui alicerce da análise, visto que é uma adequada base de informação para operacionalizar os dados referentes ao capital cultural e econômico dos estudantes da Educação Superior.

A seleção das informações constantes nessa base de dados foi realizada com a utilização do Statistical Package for the Social Sciences (SPSS), um software de apoio à tomada de decisão, capaz de transformar dados em informações importantes – uma metodologia que auxilia na identificação e na abrangência do impactado gerado pelas variáveis com relação às escolhas dos indivíduos ou de um grupo dentro de uma estrutura social.

Ao buscar expandir o conhecimento acerca das relações de gênero dentro de determinados espaços e tempos, a investigação, com base na estatística descritiva, deu ênfase à avaliação da variável sexo correlacionada a outras variáveis: escola de origem; formas de ingresso; cursos. A mensuração quantitativa desses dados compõe uma averiguação muito importante, pois traz consigo a compreensão de aspectos quantitativos necessários para o alcance dos resultados. Entretanto, diante de uma necessidade iminente, a pesquisa voltou-se a outras variáveis, as quais assumem um caráter mais qualitativo para a pesquisa. Assim, as

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variáveis que indicam que os alunos dessas universidades têm algum tipo de apoio (social, alimentação, moradia ou transporte) apontam uma aproximação com os capitais cultural e econômico.

A análise destaca uma comparação entre dois recortes espaciais distintos: a Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN), maior universidade pública do estado norte-rio-grandense, situada na Região Nordeste; e a Universidade de São Paulo (USP), instituição de ensino superior mais antiga do estado paulista, pertencente ao Sudeste brasileiro. E traz a partir de um detalhamento temporal, definido pelos anos de 2010 e 2014, observações pertinentes extraídas dos Censos do Ensino Superior.

Essa pesquisa leva em conta a influência das variáveis extraídas desses bancos de dados, pois os Censos do Ensino Superior atuam no levantamento de informações essenciais para a formulação de políticas públicas, e que auxiliam para que haja adequadas distribuições de investimentos privados e governamentais. Essas variáveis, então, são compostas por dados que devem ser observados com atenção, pois expõem características peculiares dos cursos de graduação da UFRN e USP, mostrando que há determinações de áreas específicas para homens e/ou mulheres. Essa perspectiva fundamenta-se no fato de que as informações pesquisadas, e tratadas estatisticamente, comportam traços delineadores da realidade social, econômica e ambiental de determinada região.

É imprescindível uma observação quanto às informações que constam na análise desse estudo, pois elas se referem apenas a alunos de seis cursos de nível superior das duas universidades, são eles: Medicina; Direito; Pedagogia; Enfermagem; Engenharia e Letras. Tais cursos foram escolhidos tendo em vista que têm maior atratividade por determinados gêneros e, diante desse fato, observa-se a necessidade de entender a masculinização/feminização destes cursos. Logo, trabalhar com base numa análise de dados do Censo do Ensino Superior mostra-se importante, pois este instrumento apresenta especificidades de informações, as quais não são trabalhadas no Censo Demográfico devido ao seu caráter macro.

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3. RESULTADOS E DISCUSSÃO

Com o propósito de analisar o ingresso da mulher na Educação Superior, a pesquisa buscou indicativos de mudanças nos padrões educacionais desse nível. Para isso, analisou dados de UFRN e USP elegendo um conjunto amostral (Tabela 1 e 2) composto por alunos de seis graduações distintas, escolhidas haja vista maior atratividade por determinados gêneros. Sabendo que algumas áreas do universo acadêmico parecem estar destinadas a determinado público, como se houvesse uma restrição a certos gêneros, buscou-se informações acerca da dimensão quantitativa de mulheres por curso em relação aos homens.

Tabela 1 – Percentual de matriculados por cursos de graduação segundo o sexo, UFRN: 2010 e 2014

UF

RN

CURSOS

Matrículas 2010 Matrículas 2014 Variação

Anual T O T A L F E M M ASC % F E M % M ASC T O T A L F E M M ASC % F E M % M ASC % F E M % M ASC Direito 1742 690 1052 39,6 60,4 1450 654 796 45,1 54,9 -5,2 -24,3 Engenharias 3409 861 2548 25,3 74,7 3810 1332 2478 35,0 65,0 54,7 -2,7 Medicina 620 274 346 44,2 55,8 696 319 377 45,8 54,2 16,4 9,0 Enfermagem 623 543 80 87,2 12,8 718 613 105 85,4 14,6 12,9 31,3 Letras 1096 706 390 64,4 35,6 1628 1077 551 66,2 33,8 52,5 41,3 Pedagogia 1742 1517 225 87,1 12,9 1866 1545 321 82,8 17,2 1,8 42,7 Total dos selecionados 9232 4591 4641 49,7 50,3 10168 5540 4628 54,5 45,5 20,7 -0,3

Fonte: Elaboração própria. Baseada nos microdados do Censo da Educação Superior 2010 e 2014 (INEP/MEC).

A dimensão quantitativa de mulheres por curso em relação aos homens é o ponto fundamental dessa pesquisa, que leva em conta que a mulher tem conquistado cada vez mais novos espaços – anteriormente restritos a homens, que eram ‘detentores’ do poder e limitavam o acesso ao conhecimento. No entanto, os dados mostram que para as duas universidades os homens ainda são maioria em 2010 (Tabela 1 e 2), porém, isso se inverte consideravelmente no ano de 2014 na UFRN (Tabela 1). Fato que se atrela às conquistas (parciais) das mulheres em diversos campos: mercado de trabalho, participação política, ampliação de direitos sexuais e reprodutivos, além de autonomia e liberdade (BELTRÃO; ALVES, 2004).

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Tabela 2 – Percentual de matriculados por cursos de graduação segundo o sexo, USP: 2010 e 2014

USP

CURSOS

Matrículas 2010 Matrículas 2014 Variação

Anual T O T A L F E M M ASC % F E M % M ASC T O T A L F E M M ASC % F E M % M ASC % F E M % M ASC Direito 2575 1017 1558 39,5 60,5 2878 1266 1612 44,0 56,0 24,5 3,5 Engenharias 11058 2684 8374 24,3 75,7 11794 3377 8417 28,6 71,4 25,8 0,5 Medicina 1495 574 921 38,4 61,6 2210 1138 1072 51,5 48,5 98,3 16,4 Enfermagem 1317 1189 128 90,3 9,7 1429 1251 178 87,5 12,5 5,2 39,1 Letras 10406 6880 3526 66,1 33,9 9564 6430 3134 67,2 32,8 -6,5 -11,1 Pedagogia 1130 915 215 81,0 19,0 1160 938 222 80,9 19,1 2,5 3,3 Total dos selecionados 27981 13259 14722 47,4 52,6 29035 14400 14635 49,6 50,4 8,6 -0,6

Fonte: Elaboração própria. Baseada nos microdados do Censo da Educação Superior 2010 e 2014 (INEP/MEC).

As informações trazidas pelo Censo da Educação Superior revelam a, já percebida, feminização e/ou masculinização de algumas áreas acadêmicas, previstas por Bourdieu e Passeron (2008) quando afirmaram que as escolhas de carreira universitária têm determinantes sociais. Nesse ponto, observou-se o capital cultural dos estudantes, optando por compreender esse aspecto através de variáveis que especificam a origem desses universitários (Tabela 3), se procedem de escola pública ou privada.

Tabela 3 – Rede de ensino que o estudante procede segundo sexo, UFRN e USP: 2010 e 2014

Rede de ensino

UFRN 2010 USP 2010

Total Fem % Fem Masc % Masc Total Fem % Fem Masc % Masc

Privada 4 1 25 3 75 33297 16069 48,26 17228 51,74 Pública 0 0 0 0 0 3350 1515 45,22 1835 54,78

Sem

informação 34615 16074 46 18541 54 31 13 41,94 18 58,06

Rede de ensino UFRN 2014 USP 2014

Total Fem % Fem Masc % Masc Total Fem % Fem Masc % Masc

Privada 41526 18354 44 23172 56 59236 27592 47 31644 53 Pública 34149 16042 47 18107 53 21536 10258 48 11278 52

Sem

informação 3507 1511 43 1996 57 76 39 51 37 49

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Quanto às informações do sistema de ensino originário dos estudantes indicam que em 2010 a USP difere pouco para os dois sexos, entretanto ingressantes oriundos do ensino privado compõem um número robusto (33.297 estudantes), ou seja, 90% dos alunos destes cursos de graduação cursou o último ano do ensino médio na rede privada. Essa perspectiva se estende para o ano de 2014, porém há uma redução – assim, observa-se que 73% dos estudantes procedem da rede privada e 27% de escolas públicas. Com esta disparidade, verifica-se que a USP tem estudantes com capital cultural bem desenvolvido, pois o nível escolar anterior pode proporcionar maior aporte de conhecimentos.

Ao contrário da USP, a UFRN não disponibilizou dados para uma análise coerente com esse estudo no ano de 2010 (Tabela 3). Contudo, no ano de 2014, a UFRN já apresenta esses dados, que expõem estimativas próximas tanto para as variáveis de sexo, como no quesito procedência de rede escolar. Esse fato pode estar correlacionado às políticas de acesso ao ensino mais igualitário, aplicadas neste ambiente, uma compensação para aqueles que não tiveram boas oportunidades educacionais no ensino de base.

Averiguou-se também a admissão às cadeiras universitárias (Tabela 4), vislumbrando as opções as formas de ingresso: vestibular e Exame Nacional de Ensino Médio (ENEM). Para compreender que processo mais beneficiaria sócio e igualitariamente os sexos.

Tabela 4 – Formas de ingresso segundo o sexo, UFRN e USP: 2010 e 2014

Formas de ingresso

UFRN – 2010 UFRN - 2014

Fem Masc Total % Fem % Masc Fem Masc Total % Fem % Masc

Vestibular 14661 17056 31717 46,22 53,78 10999 11747 22746 48,36 51,64

ENEM - - - 4451 5195 9646 46,14 53,86

Formas de ingresso

USP – 2010 USP - 2014

Fem Masc Total % Fem % Masc Fem Masc Total % Fem % Masc

Vestibular 34164 40484 74648 45,77 54,23 36061 40116 76177 47,34 52,66

ENEM - - - -

Fonte: Elaboração própria. Baseada nos microdados do Censo da Educação Superior 2010 e 2014 (INEP/MEC). Nota: Outras formas de ingresso não compõem os dados desse quadro.

Nesse ponto, pensou-se o ENEM como um facilitador para o ingresso de mulheres nas universidades, porém a pesquisa não constatou o resultado desejável porque a USP apresentou apenas a admissão via vestibular nos dois períodos. Todavia, para a UFRN – que aderiu, e trabalhou, concomitante as com duas formas de ingresso em 2014 – esse aparato não possibilitou nenhum aumento expressivo do público feminino nos cursos acadêmicos.

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É imprescindível destacar que a ampliação da oferta de vagas e cursos nas Instituições de Ensino Superior, da rede pública e privada, e as políticas públicas que incentivaram o ingresso de mais pessoas nas faculdades nesse período – como o Sistema de Seleção Unificada (Sisu) que usa a nota do Exame Nacional do Ensino Médio (ENEM) – são ações estratégicas que favoreceram a redução de desigualdades sociais e econômicas e que podem, presumivelmente, ter alavancado o interesse do público feminino para ingressar com mais intensidade na Educação Superior.

A pesquisa ainda contemplou outros aspectos, os quais condizem com bolsas de apoio que os estudantes recebem (Tabela 5). Esses dados expõem o capital econômico dos alunos. Tendo em vista que os alunos que aderem a esses auxílios, em geral, têm um capital econômico mais diminuto, o que recai sob a necessidade de bolsas que ajudem o custeio dos estudos dos estudantes.

Tabela 5 – Percentual de apoio recebido pelo estudante segundo sexo, UFRN e USP: 2010 e 2014

Tipo de apoio

UFRN USP

2010 2014 2010 2014

% Fem % Masc % Fem % Masc % Fem % Masc % Fem % Masc

Social 54,8 45,2 54,4 45,6 48,3 51,7 52,5 47,5 Alimentação 55,5 44,5 52,1 47,9 47,1 52,9 51,8 48,2 Moradia 47,8 52,2 45,3 54,7 48,7 51,3 54,0 46,0 Transporte 60,1 39,9 69,5 30,5 64,9 35,1 45,7 54,3

Fonte: Elaboração própria. Baseada nos microdados do Censo da Educação Superior 2010 e 2014 (INEP/MEC).

Diante do exposto (Tabela 5), nota-se que a UFRN apresentou mais mulheres recebendo auxílio nos dois anos, exceto no quesito moradia. Já a USP tem mais homens que recebem apoio em 2010, mas isso se reverte completamente em 2014. Nessa perspectiva, retoma-se Bourdieu e Passeron (2008), pois os autores afirmam que as escolhas de carreiras universitárias possuem determinantes sociais, o que implica a continuidade, ou não, do aluno nesse nível educacional.

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4. CONSIDERAÇÕES FINAIS

Esse estudo traz para a discussão acadêmico-científica a questão do gênero, com base em dados extraídos do Censo da Educação Superior, o que possibilitou alcançar um diagnóstico indicador de pouca feminização nas universidades pesquisadas. Entretanto, os resultados suscitam reflexões acerca da suposta imparcialidade das Instituições de Ensino Superior no direcionamento de escolhas com maior vigor para determinados cursos. Assim, através de um embasamento teórico pautado nas perspectivas bourdieusianas, foram observados aspectos que reforçam a imperatividade que o capital cultural e o capital econômico geram socialmente nos ambientes educacionais.

Desta forma, os instrumentos utilizados na pesquisa – microdados dos Censos do Ensino Superior de 2010 e 2014 – necessariamente continham elementos capazes de fornecer informações que, além de norteadoras, abarcavam o conhecimento acerca da qualidade do ingresso de mulheres em seis cursos universitários diferentes. Assim, com base nas informações colhidas através da observação dos dados desses censos, foi possível obter um diagnóstico indicador da pouca feminização da Educação Superior no Brasil.

Diante da correlação das diversas variáveis empreendidas nesta pesquisa, compreende-se que os resultados obtidos suscitam diversas reflexões acerca do estudo de gêneros envolvendo a Educação Superior no Brasil. Portanto, acredita-se que, com estudos mais aprofundados, seja possível colocar em xeque a seleção de gênero das universidades, as quais apresentam implicações decorrentes da violência simbólica. Para tanto, faz-se necessário ações estratégicas que favoreceram a redução de desigualdades econômicas e de gênero que, presumivelmente, alavancarão o interesse das mulheres para investir na Educação Superior.

5. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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Referências

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