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Quando Três é Melhor do que Dois

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Academic year: 2021

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Quando Três é Melhor do que Dois

Malvina Ester Muszkat1

Resumo

O presente artigo busca analisar, a partir de uma abordagem psicanalítica, os resultados de uma pesquisa qualitativa voltada para o estudo das práticas e representações masculinas relativas à questão da reprodução e da masculinidade. O tema da paternidade constitui o recorte sob o qual este trabalho analisa o material recolhido em entrevistas com 40 homens e 40 mulheres, casados e descasados, em duas coortes: de 25 a 39 e de 40 a 59 anos. Os resultados obtidos apontam para um esforço por parte dos homens, de ambas as gerações estudadas, no sentido de diferenciarem-se de suas figuras paternas, apontadas por eles como formais e distantes. Na coorte de 40 a 59 anos, pode-se observar mudanças nas tímidas tentativas de maior aproximação com as crianças e na participação das tarefas domésticas ligadas aos seus cuidados. A maior parte destes homens declara serem motivados não apenas pelo desejo de diferenciar-se de seus próprios pais, mas pela enorme pressão exercida pelas mulheres. Os depoimentos das mulheres – sempre usados como contraponto dos depoimentos masculinos – confirmam essa realidade.

Na geração mais jovem – coorte de 25 a 39 anos – os relatos masculinos denotam um interesse mais espontâneo dos pais em relação aos seus filhos e autêntico prazer no contato amoroso. Este grupo reconhece e se preocupa com a sobrecarga a que estão expostas suas companheiras e participam de suas aspirações profissionais. Trata-se de uma geração que procura soluções mais individuais, tanto no nível profissional quanto no familiar, praticando mais intensamente o que vinha sendo anunciado na geração anterior. Demonstram, entretanto, conviver fortemente com uma visão essencialista do gênero, que, carregada de mitos e estereótipos conflitantes com ideais intelectuais de igualdade e equidade, constelam toda a sorte de ambigüidades. Os depoimentos masculinos e femininos apontam, ainda, para um vago conhecimento da importância da presença paterna na estruturação dos processos

1 Psicanalista, presidente da organização não-governamental Pró-Mulher, Família e Cidadania, de São Paulo, SP, Brasil, e pesquisadora do Grupo de Estudos sobre Sexualidade Masculina e Paternidade (GESMAP).

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mentais da criança, o que somado às demais inseguranças, “empurram” os homens a aproximarem-se dos seus filhos pelo caminho que lhes parece mais seguro: o do espelhamento do modelo materno. Os depoimentos das mulheres confirmam essas observações caracterizando uma situação comum para homens e mulheres, a contradição entre a contemporaneidade do desejo e a influência, quase que irresistível, dos estereótipos tradicionais na prática dos papéis parentais.

Introdução

A demanda de respostas às perguntas sobre paternidade tais como: “o que é um pai? quem precisa de pai? a criança? a sociedade?”, estimula o debate sobre a compreensão dessa espécie de sintoma social de mal estar, sobre as representações de um pai que, privado de seus atributos tradicionais, ameaça se desagregar. Estas interrogações demonstram a atual instabilidade e perda das referências quanto ao papel do pai, que gera uma tendência, imediatista e convencional, de ir buscar soluções na figura da mãe como um modelo de referência estável. Este trabalho propõe-se a contribuir com alguns fundamentos, que, provindos da psicanálise, possam motivar uma reflexão estimulante sobre a paternidade, ampliando o plano exclusivo das práticas exercidas no âmbito familiar para a ancoragem simbólica da função paterna. Trata-se de uma proposta de cunho multidisciplinar que, como projeto integrado de pesquisa, teve todas as discussões que o orientaram, desde sua formulação, construção dos instrumentos de campo, até a definição dos indicadores, procurado atender a uma abordagem que integrasse o campo das Ciências Sociais e da Psicanálise, buscando sempre suas possíveis intersecções.

No campo das Ciências Sociais os estudos sobre a reprodução e a parentalidade, até recentemente, refletiram uma construção naturalizada do gênero feminino com ênfase quase que exclusiva na mulher. A posição secundária do pai neste tipo de concepção acabou por influir na definição dos sujeitos relevantes para o entendimento da dinâmica reprodutiva, manifesta no caráter feminino das amostras utilizadas na grande maioria das pesquisas. No âmbito dos estudos de gênero é a questão da maternidade assim como a crítica feminista à naturalização do sentimento materno (Chororow, 1978; Strathern, 1988). que têm sido examinadas com freqüência A presença de uma imagem materna idealizada é tão ativa no imaginário da cultura que, mesmo quando Chodorow (1978) e Badinter (1992) debatem a

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questão da naturalidade, elas não resistem à influência dos estereótipos e se apóiam no modelo materno como o modelo de relação, ternura e cuidado, interpretando as trocas afetivas e de cuidado dos pais com seus filhos como uma forma de maternar (maternagem para Badinter e maternação para Chodorow). Badinter critica o “mito do amor materno” (1980) mas, ao anunciar “a chegada do andrógino” (1986) ancora a maternagem no “princípio do feminino” conceito desenvolvido por Jung (1904) com o nome de Anima significando essência ou arquétipo. Trata-se de uma visão reducionista que atribui à natureza aquilo que é da cultura e retira da função paterna, qualquer aspecto de singularidade, reduzindo-a a um simples espelhamento da relação mãe-filho. A discussão acerca da reprodução assistida e suas implicações, que tem alimentado a produção recente na área dos estudos de gênero, também volta a colocar em foco o tema da maternidade (Strathern, 1995). Todos estes trabalhos tem negligenciado a figura paterna ou a mantido restrita ao seu papel institucional. Pouca atenção tem sido dada à compreensão da ressonância dos fatos sociais, históricos e familiares no mais íntimo dos sujeitos, seja enquanto pais, seja enquanto filhos. É nesse panorama que, de forma incipiente, começa a surgir um debate sobre o tema da paternidade, pensado de um ponto de vista masculino (Laqueur 1992; Rudick, 1992).

Já no campo da Psicanálise a questão da paternidade se coloca como fundamental na estruturação da identidade. Desde a explicação freudiana (Freud, 1905) do complexo edípico, da interdição do pai na díade mãe-filho instaurando a existência do terceiro, da ordenação do desejo, a presença paterna ocupa posição de destaque. Quando Lacan (1955) apresenta suas elaborações teóricas a respeito da especificidade da paternidade, ele a define como uma função constituinte da subjetividade e introduz o conceito de “função do Nome-do-pai” como função primordial na organização da vida mental. Com isso ele rompe definitivamente com a concretude projetada na imagem do pai pessoal. Rompe com qualquer dúvida acerca de um pai compreendido em termos de conduta ou de papéis exercidos de maneira realista no seio familiar, fornecendo, assim, uma base sólida para a distinção imagem/função permitindo pensar a paternidade em suas características mais diversas.

A pesquisa “Os Homens, esses desconhecidos... Masculinidade e Reprodução”– do qual o presente trabalho faz parte – pretende contribuir para uma ampliação das perspectivas nos estudos sobre reprodução e paternidade, focalizando as experiências e pontos de vistas

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masculinos sobre esse tema. Trata-se de uma proposta que procura transcender a dicotomia função/instituição, sem anular suas especificidades, dando conta de um sujeito ao mesmo tempo edípico e histórico, pensando edípico como singular e histórico como social.

Campo Conceitual

A questão da paternidade envolve um campo conceitual complexo, já que se constitui através de diferentes modalidades e registros. Há três distinções fundamentais que podem ser feitas: o pai como função simbólica, o pai como instituição jurídica e o pai biológico. No caso específico desta pesquisa, a discussão será apoiada apenas em dois registros, o do pai do ponto de vista dos fatos sociais, enquanto “instituição” e do ponto de vista dos fatos psíquicos, enquanto “função” (o Édipo, imagem do pai, superego).

Enquanto “instituição”, o pai é designado pela sociedade na ordem da legalidade, aí situando-se as grandes mudanças da atualidade. Enquanto “função”, ele é designado pela Psicanálise na ordem do simbólico, por sua função estruturante da vida mental. Na tentativa de re-integrar a dissociação estabelecida entre instituição/função há que se resgatar a idéia de que é através da simbolização da história, da cultura e do social que o “ser psíquico” se constitui numa identidade individual.

O intuito aqui é o de examinar, através dos depoimentos colhidos, como os pais de hoje, tão envolvidos nas transformações institucionais, vivem essa mudança de identidade e assumem sua função como filhos de seus pais e pais de seus filhos. Até então, as especulações mais comuns em torno da imagem do pai no nível das representações coletivas, tem sido a do surgimento de um “novo pai”, que evolui em direção a um modelo materno, como um espelho da mãe, simplesmente porque ele compartilha das tarefas domésticas e dos cuidados com os filhos. Esse tipo de interpretação sugere uma crença que aponta para alguns vieses básicos:

– dificuldade que se tem de pensar um pai diferente do modelo do Paterfamilias sem confundi-lo com a mãe;

– confundir as tarefas da mãe com a sua “função” psicológica que é a de uma pessoa que assume a “posição” de desejar uma criança;

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A função de pai, enquanto estruturante da vida mental, deve ser examinada através dos seus registros na constituição dos sujeitos e não exclusivamente através dos seus papéis. É nesse sentido, que a Psicanálise ensina a colocar o pai como princípio separador, como aquele que representa o corte simbólico do laço primordial que une a criança à mãe, permitindo sua entrada na cultura. Permite compreender como, através da sua posição no triângulo edípico, ocupando a posição de interditor do incesto, ele participa da estruturação da identidade sexual e da integração entre sujeito singular e sujeito social, cujos aspectos (sexual, singular e social) são interdependentes.

É através da interdição do incesto que o pai exerce sua função principal, garantindo a possibilidade de uma nova aliança para a criança que vive sua relação mítica com a mãe.2 A renúncia a esse acasalamento primordial (tanto por parte da mãe como por parte do filho), permite que a onipotência, originariamente atribuída exclusivamente à mãe, possa ser compartilhada com o pai. Este irá remeter a criança à Lei, proporcionando-lhe o acesso a um desejo relativizado. Somente a partir da relativização do desejo, é que o ser humano se torna capaz de identificar-se com as regras impostas pela cultura, garantindo assim sua legitimidade no grupo enquanto membro de uma sociedade. Este processo permite ao sujeito edípico adquirir o status de sujeito histórico.

Mesmo que cada sociedade tenha modalidades distintas no que diz respeito ao exercício da paternidade, a função do pai está sempre caracterizada pelo registro da interdição do incesto e a introdução às regras da comunidade. Entretanto, é preciso considerar que, ao mesmo tempo em que o pai exerce a função de representante da cultura, ele também se submete a ela e a transforma. E esse é o tema central desse artigo.

Método

As variáveis idade e situação conjugal foram usadas para identificar 6 grupos de homens e mulheres:solteiros e casados entre 18 e 24 anos; casados e descasados entre 25 e 39 anos;

2 O tema sobre a questão da diferenciação da resolução edípica para meninas e meninos foi profundamente debatido pela autora em Muszkat (1994).

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casados e descasados entre 40 e 59 anos. Não foi possível localizar nenhum homem casado na faixa dos 18 aos 24 anos nesta classe social.

Os sujeitos foram escolhidos pela técnica de network. Foram selecionados sujeitos de diferentes regiões da cidade de modo a garantir a heterogeneidade da classe média paulistana. O critério escolhido para a seleção baseou-se na bagagem intelectual dos sujeitos como um fator de distinção social. Foram escolhidos sujeitos de grau universitário ou cursando a universidade (os mais novos) com pais de nível superior.

As entrevistas basearam-se na história de vida dos indivíduos num formato que permitisse obter dados sobre experiências emocionais nas famílias de origem, vida amorosa e sexual na adolescência e idade adulta, eventos significativos na vida pregressa tais como casamento, nascimento dos filhos, separações, divórcios, etc. As entrevistas foram conduzidas de maneira informal, procurando seguir um certo roteiro que garantisse dados sobre vínculos afetivos nos vários ciclos de vida, relação com a parentalidade nos diferentes ciclos, reprodução, gênero, valores, fantasias e ideais relacionados com esses temas.

Perfil dos informantes

O material analisado provém das entrevistas realizadas com sujeitos pertencentes a duas gerações. A primeira, nascida entre 1937 e 1957, contava à época do trabalho de campo com idades entre 40 e 59 anos. A segunda é formada por nascidos entre 1958 e 1972, com idades de 25 a 39 anos à época das entrevistas. São estes os grupos cujo material mostrou-se mais significativo para a exploração dos temas de interesmostrou-se central do estudo, especialmente por terem tido a oportunidade de ter filhos ou de ingressarem em etapas da vida em que este tema passa a ser colocado.

Análise dos Resultados:

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Você vai ser pai…!!

É somente através da reprodução que os indivíduos passam do estágio filial para o estágio familiar ou parental sofrendo uma ruptura fundamental no seu ciclo vital.

Apesar das dificuldades a serem enfrentadas na conjugalidade, a ausência de filhos permite aos casais um espaço possível de negociação e de acomodação dos conflitos gerados por essa nova condição. Como as relações amorosas se organizam a partir dos sistemas relacionais de gênero, os primeiros conflitos, geralmente, decorrem de expectativas e idealizações criadas sobre os paradigmas culturais introjetados no processo de socialização.

Quando um casal passa da condição de par amoroso para a condição de casal parental a colisão entre os sexos e entre as diferentes culturas se acirra, tornando-se inevitável o surgimento de novos conflitos ou o ressurgimento de outros, aparentemente, já superados. Dificuldades na elaboração psíquica dessa nova condição podem desencadear sintomas de angústia e temores, promovendo a atuação de condutas inesperadas ou distúrbios emocionais reativos (pânico, fobias, depressões...). Não é coincidência que de 16 mulheres que se separaram de seus companheiros (6 das quais novamente em união), 9 referem ter sido abandonadas pelo marido logo após o nascimento de um filho, geralmente o primeiro.

Alguns depoimentos masculinos ilustram essas reações:

“Eu fazia tudo que um pai na época não fazia, até fralda eu lavava, quando na 1ª filha (…) fazia tudo que você possa imaginar, eu trocava fralda, eu dava banho, eu limpava o cocô (…) eu fazia tudo (…) mas era uma coisa que eu não gostava (…). Com a segunda, quando ela nasceu, eu fui embora…” (026, masculino, 41 anos, descasado, 2 filhos) “…então o marido passa a ser preterido em função do filho (…) a mãe toma todo o espaço da mulher (…) o sexo ficou meio sem sal. A gente tentou, de alguma forma, reverter essa situação e chegou uma hora que a gente estava, uh! até procurando alternativas (…) eu comecei a ter um caso com a empregada, não sem antes procurar, de alguma forma, passar que eu tinha interesse por ela para a minha mulher (…) Eu falei: olha eu estou a fim, ela está a fim, o que eu faço?” …nos separamos…” (095, masculino, 34 anos, descasado, 2 filhos)

No momento da reprodução, todo sujeito deve ceder seu lugar de filho a seu filho: ele precisa permitir a entrada desse filho na cadeia das gerações passando a ser o elo transitório dessa cadeia e não mais o fim dela. Sua mortalidade se inscreve aí, requerendo uma verdadeira elaboração simbólica de luto pela renúncia de si-mesmo. Do ponto de vista da representação, essa cessão de lugares pode ser concebida como profundamente ameaçadora,

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gerando um verdadeiro duelo de rivalidades com desejos de anulação do outro que veio para roubar este lugar (terceiro excluído).

Por estas e tantas outras razões individuais e culturais é que a dedicação ao vínculo amoroso se sobrecarrega com a presença de um novo membro que, apesar de representar o resultado desse vínculo, se interpõe a ele como uma drástica interferência na acomodação já obtida. A presença de um filho é um desafio ao relacionamento e à própria existência individual, que talvez possa ser compensado pelo prazer da paternagem, carregada de seus respectivos símbolos como atestam muitos de nossos entrevistados com frases do tipo “…É uma questão de continuidade…Filhos unem mais o casal…. Grande curtição criar filhos…São as coisas mais importantes da vida...”

Para Freud, “...na atitude dos pais carinhosos com seus filhos observamos uma revivescência e uma reprodução do próprio narcisismo...atribui-se ao filho todas as perfeições...a vida há de ser mais fácil para os filhos do que para seus pais...a criança há de ser, de novo, o centro da criação: ‘Sua Majestade o Bebê’, como um dia estimamos ser nós mesmos” (Freud, 1914).

Assim, a imortalidade tão duramente negada a nós mesmos pela realidade encontra refúgio nessa nova vida, a vida do bebê. Trata-se de um mecanismo que auxilia na superação das angústias despertadas pelas imposições e renúncias decorrentes das demandas impostas por esse novo ser.

É evidente que homens e mulheres vivem experiências distintas e se relacionam distintamente com sua descendência. Podemos falar do casamento “dele” e do “dela” assim como do filho “dele” e do “dela”. Tradicionalmente, a maternidade é o termo com o qual se compara a paternidade. Supõe-se que, pelo seu caráter biológico, a mãe seria sempre a referência imutável e eterna. Essa idéia de permanência aponta para uma visão essencialista – na qual a maioria dos nossos entrevistados ainda se apóia – que, provavelmente, dá suporte à idéia de que, nos dias de hoje, somente a paternidade se modifica.

“O papel do pai é aquele que a gente dá uma estrutura, eu diria uma estrutura de segurança para uma criança, é diferente da mãe que é uma estrutura mais de criar vínculos (…) vínculos afetivos, a proximidade, a pele, o dar de mamar, não sei te explicar..” (039, masculino, 51 anos, descasado, 1 filho)

“...a maternidade, você pode se separar de sua mãe novinho, ir para o outro lado do mundo, mas não sei, a mim me parece que tem uma relação sanguínea qualquer, que estabelece, sei lá, fosse eu um sujeito ligado ao esoterismo eu diria, sei lá, a um nível tipo de Universo (…) ou você tem uma presença ou você não é pai…” (057, masculino, 48 anos, descasado, 4 filhos)

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Areia Movediça

Enquanto a moral tradicional na instituição familiar garantia ao pai a função de organizar a sociedade e o domínio sobre a vida privada, o poder paterno era a forma suprema do poder

masculino. Modos de relação entre mulheres e homens, pais e filhos, foram construídos sobre

estes pilares. A divisão entre as esferas pública e privada lançou pais e mães em mundos diferentes, outorgando aos pais a representação da vida pública e jurídica e às mães a procriação e a nutrição nos seus sentidos mais amplos. Ancorada principalmente no reconhecimento do filho e na responsabilidade de prover materialmente a família, a paternidade descartava a responsabilidade sobre a contribuição emocional e afetiva assim como sobre os princípios básicos necessários ao cuidado, à sensibilidade e à continência, indispensáveis ao reconhecimento da absoluta dependência do bebê. Estas premissas ficaram tão naturalizadas na cultura que até hoje, quando os homens participam dos trabalhos domésticos relativos a trocar fraldas, dar banho, pôr o bebê na cama para dormir, fazem-no sob a responsabilidade residual e final da mãe. Porém, a garantia tradicional de um distanciamento confortável da vida doméstica, que sempre poupou o Paterfamilias dos conflitos emocionais, atinge hoje, violentamente e sem piedade, os nossos entrevistados.

Jogados na arena emocional homens, apesar de almejarem ser pais (nem sempre de forma enfática) sentem-se desamparados e hesitantes, em relação ao seu status e aos seus limites no que se relaciona ao exercício da paternagem. Recusando-se a reproduzir o modelo dos seus pais buscam um modelo próprio, modelo que a própria sociedade hesita em definir e que o poder feminino hesita em absorver.

“Meu pai não tinha presença ativa...meu pai era de fim de semana. A gente não era muito de conversa não...o que era ruim na verdade...Quando F nasceu eu tirei licença maternidade por 4 meses. Eu dei quase todos os banhos, troquei todas as fraldas...Já que é para ter filho eu tentei ser o melhor pai. Ser pai é complicado! Meu conceito de ser pai é essa coisa de ser participante...um pouco do que eu senti falta no meu pai é um pouco do que eu faço erradamente hoje. Eu repito muito do que meu pai era... Eu não gosto muito de ser pai...sou mais para filho..” (055, masculino, 37 anos, descasado, 1 filho)

Há uma tendência atual de se anunciar a “morte do Pai” ou o “novo-pai”, como se as demais referências se mantivessem estáveis. É indispensável que se possa examinar essa situação com mais cuidado, menos idealização e menos pré-conceito, levando em conta que, as possíveis mudanças no nível da paternidade não podem ser examinadas fora do

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contexto de um novo universo de expectativas e de representações subjetivas no âmbito da família como um todo, envolvendo todos os seus membros: pais, mães e filhos.

Do ponto de vista da representação na Lei, as várias formas de famílias hoje existentes – as monoparentais, as reconstruídas, as uniões estáveis e as famílias conjugais – estão legitimadas pela destituição do pátrio-poder, que aponta para uma igualdade de responsabilidades dos pais em relação aos filhos e até pelas leis de proteção à criança que diminuem o poder dos pais (agora se referindo aos homens). Não há interesse aqui em discutir esta questão, porém é preciso mencioná-la enquanto um fato que define a perda do poder absoluto do Pai e que, enquanto fato jurídico, constela um conjunto de comportamentos e de representações que lhe são associados. O pai só conserva o poder se se conduz bem, sendo que, diga-se de passagem, a justiça é sempre mais complacente para com as mães. E o que se espera de um bom pai? Que siga o exemplo de uma boa mãe?

Do ponto de vista subjetivo, os nossos sujeitos convivem com idéias essencialistas, carregadas de mitos sobre as imagens materna e paterna que justapõem-se a idéias de igualdade e equidade constelando toda sorte de ambigüidades e conflitos.

Não é verdade que a idéia de que “as crianças são da mãe” é uma crença da qual homens e mulheres vêm compartilhando nos últimos séculos, mesmo quando o Pai detinha todo o poder? O receio é de se destituir o pai de toda sua autoridade e se manter a “mãe das crianças” com poderes acumulados, o que irá reforçar ainda mais um velho desequilíbrio que se apóia na idéia de que “as mães sabem melhor do que os pais o que é melhor para a criança.” Este, sim, pode ser um grande perigo. Mas afinal, para que servem os pais?

E a mãe como é que fica?

As mulheres sofrem também, fortes reações emocionais com a experiência da maternidade. Ocorre que essas experiências nas mulheres, são avaliadas como antinaturais e interpretadas como patológicas, como no caso da “depressão puerperal”. Segundo uma perspectiva naturalista, seria impossível imaginar depoimentos em que as mulheres revelassem sentir, assim como os homens, sentimentos ambíguos no que diz respeito à procriação e à maternagem. Eis o que dizem algumas mulheres :

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“...o primeiro filho foi planejadíssimo, aí eu tive...fiquei mal, péssima...ele so me atrapalhava, eu estava terminando o mestrado...o bebê é uma coisa absurda, você tem que viver para o seu bebê porque ele só vive se você cuidar, isso é uma coisa que me ofendia demais.” (090, feminino, 42 anos, em união, 2 filhos)

“Ah, mudou a minha vida...eu não agüentava, não tinha paciência...porque você quer fazer outras coisas, porque criança requer cuidado, um tempo, uma paciência que você com 24 anos não tem...” (076 feminino, 43 anos, casada, 2 filhos)

Não se trata de discutir o quadro da depressão pós-parto mas de nos perguntamos porque, se para as mulheres este é considerado um quadro nosológico do âmbito da psiquiatria, nos homens, a recusa, o medo e a depressão pós-nascimento de um filho não recebem igual tratamento.3

“[Meu filho] nasceu nós já tínhamos 5 anos de casado (….). Sim, nós queríamos ter filhos e foi superplanejado, só que alguns meses antes do meu filho nascer eu fui fazer psicoterapia, apesar de todo o preparo que eu achei que tinha (…) logo que nascem os meus filhos eu fico um pouco distante…” (063, masculino, 45 anos,em união, 2 filhos)

Na coorte de 25 a 39 anos, das 10 mulheres casadas entrevistadas, 4 ainda não tiveram filhos, mostrando-se igualmente confusas em relação a essa decisão.

“Filhos são um projeto a longo prazo, quanto mais o tempo vai passando mais eu tenho vontade de protelar isso...” (064, feminino, 30 anos, casada, sem filhos)

Tudo indica, portanto, que decidir ter filhos e criá-los, representa hoje um problema não só para os homens mas também para as mulheres que se encontram envolvidas em suas carreiras.

Talvez, em parte porque, mesmo entre os casais contemporâneos com duas carreiras, o que representa a maioria da nossa amostragem, a tendência, após o nascimento de um filho, é a de reproduzir papéis tradicionais na divisão das tarefas domésticas e o cuidado com o filho. A vinda de um filho é um desafio para todas as tentativas de mudança efetiva. Apesar de todos os esforços do discurso desconstrutivista, na transição da conjugalidade para a parentalidade, os casais tendem a uma regressão aos papéis sexuais mais convencionais e a uma conseqüente diminuição de auto-estima nas mulheres.

3 Certas culturas assim chamadas “primitivas” tem a prática de tratar o pai de um bebê recém nascido como uma pessoa doente. Esta prática de algumas tribos da América do Sul é chamada couvade.

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O mesmo ocorre, porém com menor intensidade, com a figura mítica, datada historicamente, do Pai único e poderoso que ainda nos alcança e nos confunde. Suas características de força, dignidade, trabalho, honradez e severidade são os significantes nos quais ela ainda se apóia. Talvez as expressões hoje em voga tais como “morte do Pai”, “desintegração da figura paterna”, com conotações alarmistas, estejam não mais do que apontando para a perda destes significantes sem o cuidado de examinar o significado das mutações em andamento.

Por outro lado, parece prematuro, também, anunciar a existência de um “novo pai” com todas as conotações de ser um pai “melhor” do que o anterior (Nolasco, 1993). Essas idéias, tão enaltecidas por certos grupos, referem-se a um modelo paterno reconfortante, que costuma usar como referência o modelo da mãe que parece, novamente aqui, ideal e estável.

A romantização dos valores “feminino-maternos” tem chegado a extremos de se criar neologismos tais como “pães” para os “novos-pais”, reforçando a dicotomia entre as esferas “emocional” e “instrumental”. Quem sabe se, para que mudanças efetivas pudessem ocorrer, não bastaria considerar que as noções de nutrição, trabalho e dinheiro são esferas acessíveis a homens e mulheres, que, mantidas as diferenças, iriam se relacionar com elas de forma individual e pessoal.

Cenas de um casamento

A diversidade e a ambigüidade são as principais características das relações familiares e de gênero na família contemporânea. A pesquisa indica claramente a diversidade e a fluidez dos arranjos domésticos cuja constante é a busca de possibilidades alternativas ao modelo de mãe-dona-de-casa e pai-provedor. Há claras evidências de que as famílias da classe média paulistana põem em questão os sistemas de gênero adotados por suas famílias de origem. Mas também é claro que este remanejamento da família contemporânea encontra-se em plena criencontra-se de identidade. Um diálogo entre o pesquisador e uma das entrevistadas exemplifica bem esta situação.

“P – E pra ele? como que é na vida dele ter filhos e trabalhar?

E – Na vida dele, a vida profissional dele? Eu acho que tem a família num peso maior. Por isso ele me critica tanto. Hoje em dia ele me critica muito. Mesmo porquê, hoje em dia eu acho que o meu emprego está me exigindo mais do que qualquer outro que eu já tive, mais tempo, mais absorção e tudo mais e hoje o peso está mais pendente pra empresa do que o peso pra dentro de casa.

P – E como é isso pra você, tem sido um atrito?

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P – O que mais é fonte de atrito na relação de vocês?

E – Fonte de atrito? Olha, a principal fonte de atrito é essa coisa de eu não estar presente (…) os grandes atritos são sempre advindos de questões que me tirem do centro da família. É daí que vem os atritos (…) Ah! você não pára em casa … então é sempre em função de eu estar fora que surgem essas discussões

P – Como é a divisão de trabalho dentro da sua casa?

E – Olha, ele diz que é igual. Na verdade ele diz que faz mais coisas do que eu. Mas no fundo eu acho que não, eu acho que a mulher, no fundo, ainda carrega, esse lado doméstico, não é? A minha mãe ficava em casa o tempo inteiro, nunca trabalhou. Então ela cuidava de tudo, da arrumação da casa, das roupas, da comida, empregada, horrível isso, eu acho que no fundo, no fundo, isso continua da mesma forma. Logo que a gente casou era mais dividido, ele realmente ajudava mais porque ele lavava louça, a gente tinha uma faxineira que vinha duas vezes por semana, ele realmente lavava louça uma vez, eu lavava a outra, ou eu lavava e ele guardava e ele enxugava ou ele ajudava … mais do que ele ajuda hoje. Ele entende que levar crianças na escola é minha obrigação, pois bem, porque ele tem que trabalhar, eu também tenho que trabalhar… só que levar criança na escola é minha obrigação, então ele está para levar crianças na escola apenas quando eu não posso, e fica muito bravo com isso, muito bravo.

P – E é assim mesmo? Você que leva as crianças na escola? E – Eu levo as crianças na escola.

P – Isso não te agrada?

E – Olha, não que não me agrade, agrada. Só que eu acho que eu tenho tão pouco tempo quanto ele, ele trabalha, mas eu também trabalho.

P – E ele não pensa assim?

E – Eu acho que o discurso é assim, só que a ação é diferente. O discurso é de quem faz, e efetivamente faz, eu não vou dizer que não faz nada, não é isso, em absoluto, e ajuda muitíssimo, mas reclama de tudo que tem que fazer; se tem que fazer, tem que fazer…. E se é pra ter filho e é pra dividir, é igual mesmo, não é pra reclamar. Dividir é levar criança na escola, por exemplo, deveria ser um dia eu, um dia ele, ou, uma semana eu, uma semana ele, ou se eu levo todas as semanas e eu tenho que viajar uma semana, essa semana você vai levar e vai ficar quieto que vai levar.

P – Mas e dentro de casa como é que é?

E – Dentro de casa? Empregada é minha responsabilidade, a não ser que eu tenha que mandar empregada embora, porque não serve e não sei o quê, fica no meu pé, manda você a empregada embora, não, não tenho nada a ver, empregada é com você. Então daí o que acontece? Para contratar outra a responsabilidade é minha. Eu que tenho que entrevistar, eu que tenho que discutir salário, eu tenho que discutir, se vai servir com os horários que eu preciso ou se não vai, eu que tenho que dizer como é que é pra fazer as coisas. P – Você acha que isso acontece porque ele pensa que é o papel da mulher?

E – Com certeza. Pra mim é.

P – E há alguma diferença no relacionamento entre atualmente e antes?

E – Ah, sim, eu acho que antigamente ele era mais, fazia mais as coisas e achava que era parte da responsabilidade dele dividir as funções domésticas, em geral, ele também vem dessa educação cujo o homem não deve fazer nada, na casa dele era pior ainda do que na minha, porque eles são 3 irmãos, a mãe dele sempre fez tudo, teve babá, teve sei lá, tudo que precisava e ele não fazia nada. Então, eu até achava que era um discurso maravilhoso, super arrojado, não….. vamos dividir, vamos dividir… Antigamente a gente dividia, mas no fundo, no fundo, com os anos, você vê que ele foi se acomodando, foi se acomodando, se acomodando, e voltando às origens, às origens da sua criação porque era assim, um pensamento racional dele muito forte que deveria compartilhar(…) Então o que é dividir? (…) então chegou a ponto de ter que contabilizar. Eu comecei a falar pra ele do tipo: “Mas eu já fiz isso, fiz aquilo, fiz aquilo, e você?” Que eu queria mostrar pra ele que a divisão não estava bem dividida, estava ficando cada vez menos dividida, tive assim um período do nosso relacionamento que eu batia muito nessa tecla da contabilização. E foi ficando cada vez pior, muito horroroso até que um dia eu acabei desistindo desse discurso e eu achei que não valia a pena. No fundo eu acho assim, se você quer continuar junto de uma pessoa você tem que abrir mão de uma série de coisa. Eu não sou de abrir mão na primeira, muito pelo contrário, eu sou muito, muito teimosa, então eu até abrir mão de alguma coisa eu demoro, (...) ele demora mais. E eu acho assim, eu gostaria de não ter que precisar abrir mão, porque eu acho que eu perdi muito espaço meu. Espaço meu, porque é, minha pessoa, indivíduo, porque eu passo a ter que despender esse tempo que poderia ser meu, mais esse tempo pra família, eu não acho que isso é justo, pra família do ponto de vista administrativo, ponto de vista administrativo, que ninguém gosta de fazer isso. Ninguém gosta…

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P – Fale sobre o nascimento dos seus filhos.

E – Ah, tive filhos tarde, então pelo fato de eu não querer ter filhos, porque a minha vida independente era muito importante, eu precisava fazer um nome profissional, eu gostava muito disso e tudo o mais, eu adiei a coisa de ter filhos o máximo que eu pude, até o ponto que o meu marido. falou assim, você já está com mais de 30 anos, tá começando a ficar preta a coisa né, sinceramente eu não queria, mas aí nós tivemos nosso primeiro filho.” (090, feminino, 42 anos, casada, 2 filhos)

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Esse é o depoimento de uma mulher de 42 anos que declara estar satisfeita com seu casamento e com seu marido enquanto pai dos seus filhos. Seu discurso confirma mudanças nos sistemas de gênero e os conflitos gerados por estas mudanças nas relações conjugais. As tentativas de ensaio e erro indicam as dificuldades do casal de lidar com suas próprias ambigüidades: de um lado evitando veementemente, reproduzir os modelos introjetados, de outro enfrentando a inércia da sua própria subjetividade (Muszkat, 1994). Trata-se de uma experiência bastante confusa no que diz respeito ao choque entre novos conceitos ideológicos produzidos pela cultura contemporânea e o exercício cotidiano das funções que reportam à práticas e valores profundamente arraigados nas relações de gênero. Ambos demonstram o desejo de se diferenciar das suas famílias de origem e lutam nesta direção. Ela, entretanto, ainda se sente igual à mãe apesar do longo caminho percorrido no sentido da diferenciação. Trata-se de uma experiência emocional que tem menos a ver com os fatos e mais com a interpretação que se dá aos mesmos. Ou seja, ela, tal como sua mãe, sente-se cativa da maternidade. E o resultado é que a sobrecarga dos ideais se confunde com a sobrecarga do cotidiano. De um lado entrevistada luta para não reproduzir social e psicologicamente a imagem de sua mãe, de outro, não consegue renunciar inteiramente ao estereótipo materno. Apesar de declarar não querer ter filhos, pressionada pelo marido – e, obviamente, pelos seus próprios conflitos – não conseguiu recusar o “compromisso” com a maternidade.

É interessante notar que não existe qualquer ambigüidade (neste ou em outros depoimentos femininos) no que diz respeito ao investimento no trabalho e na auto-realização. O sentimento de estafa, a noção de sobrecarga, estão sempre associados ao trabalho doméstico e ao cuidado com as crianças. A questão da gratuidade ainda aparece carregada de preconceitos, tanto quando se refere à sua mãe, como nunca tendo trabalhado, como quando defende, insistentemente, o direito à divisão das tarefas domésticas. Segundo seu depoimento, seu companheiro expressa as mesmas contradições, no que concerne às mesmas questões, ou seja, a realização das tarefas domésticas e o cuidado com os filhos (querer e não querer dividir).

Depoimentos masculinos confirmam suas declarações:

“Eu tinha muito medo de ter filhos... Medo da mudança na vida(…) Acho que a vida antes de ter um filho e depois de ter um filho é completamente diferente. Eu convivi muito com eles, participei muito da…desde lavar a mamadeira, fazer a mamadeira; dar sopa…E a criança exige muito (…) então foi uma mudança

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completa(…) era um momento conturbado...eu me sentia muito feliz de ter um filho, mas tinha medo de lidar com essa envergadura de tarefa...Então, ao mesmo tempo era prazeroso, mas uma rotina MASSACRANTE. É duro conviver com isto. Mas para a mãe é pior ainda, muito pior. Até tem o amor pelo filho, mas o ódio de ter que lidar com aquilo tudo...” (073, masculino, 46 anos, em união, 2 filhos)

“Eu acho que é importante ter carreira (falando da ex-mulher), para mim é (…).Esses aí são filhos de uma geração de mães trabalhadoras que não tem toda essa atenção. Eu acho que a D e outras mulheres são muito infelizes como donas-de-casa. Uma vida muito limitada(…) resolveu ter filhos então agüenta (…). Desde que eles eram pequenos sempre foi uma briga assim, o horário que ela chega em casa para jantar. De repente eu acho que isso é uma briga minha. (…) você ficava esperando ela chegar, esperando ela chegar e ela não chegava. Ela vai operar sábado. Vai ter filho para ter foto na carteira?” (081, masculino, 39 anos, descasado, 2 filhos)

Está claro que, quando a questão é cuidar de crianças as idéias sobre participação e equidade vão “pro brejo.” O fato evidente é que, como já foi dito, existem mais crenças sobre as diferenças (baseadas no mito da vocação natural da mulher para a maternidade) do que diferenças de fato, na forma como homens e mulheres organizam seu relacionamento e a distribuição de responsabilidades pela educação dos filhos e o ganho do dinheiro.

Diferentemente dos seus pais os nossos sujeitos (homens e mulheres) aspiram integrar o trabalho à vida doméstica lutando contra pressões subjetivas e sociais. O tema da ambigüidade no conflito entre o público e o privado é tão atual entre os homens como entre as mulheres. No entanto, surpreendentemente, seja por defesa dos homens, seja por responsabilidade das mulheres, o fato é que tanto na coorte de 25 a 39 anos como na de 40 a 59 anos ainda há uma forte tendência, em ambos os sexos, a imaginar uma “natureza” feminina desejosa de ter filhos e mais apropriada para o exercício da maternidade, ou seja, para as tarefas relativas aos cuidados com esses filhos.

“Eu acho que lugar de filho é com a mãe! Numa separação eu acho que lugar de filho é com a mãe! (…) a presença da mãe é fundamental(…) é mais importante que a presença constante do pai. (…) a criança saiu do útero da mãe que foi uma coisa absolutamente traumática. Eu acho que só a mãe tem condição de resgatar e tentar continuar aquela proteção que (…) e o movimento do pai é diferente. (…) a aproximação do pai começa de fora para dentro. A da mãe é de dentro para fora. O pai é um estranho que vai chegando (…) por mais que você tenha esta coisa de dividir tarefas, por exemplo dar mamadeira, trocar fralda(…) cada vez mais responsabilidade dos dois, o papel é diferente. Eu acho que o papel do pai é mais logístico.”(028, masculino,48 anos,descasado,4 filhos)

Pai, qual é a sua?

O levantamento de dados a respeito das relações afetivas dos nossos sujeitos, com as figuras parentais revelou alguns aspectos no mínimo curiosos. Quase a totalidade dos

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homens entrevistados, ao mesmo tempo que se queixam da ausência e frieza dos pais (homens), referem experiências afetivas extremamente fortes com a figura materna.

“…minha mãe era uma figura maravilhosa, o que tinha o meu pai de autoritário, de prepotente, de coronel, ela tinha de doçura, de beleza, compreensão, de companheirismo, foi uma grande companheira minha, aliás até o fim da vida dela era muito minha amiga, criou os filhos todos com um certo nível de carinho (……) do ponto de vista político inclusive foi uma pessoa que me ajudou muito porque eu me envolvi(…) meu pai, apesar de ser progressista teve uma compreensão ruim(…) até o fim me deu toda a cobertura e sempre achou que eu estava no caminho certo e até nisso foi uma coisa muito bonita…” (057, masculino, 48 anos, descasado, 4 filhos)

Alguns homens chegam a se sentir sufocados pela presença excessiva da mãe

“Eu vivia basicamente só eu e minha mãe(...).era eu e ela só...meu pai é uma pessoa muito rígida(..).minha mãe é extremamente possessiva(..).eu fazia o que ela queria...depois, quando eu casei, eu chegava lá era um saco: ai! filho quer isso?... está com frio?...está gripado?...Não não estou mãe!...Mas a sua voz está diferente, filho!...Às vezes eu converso com a minha mulher e ela diz que eu tenho esse tipo, teimoso,machista...” (087, masculino, 48 anos, casado, 1 filho)

Já as mulheres, na sua maioria, queixam-se de dificuldades com suas mães, apontando para ligações muito importantes com os pais. Essas ligações independem de uma maior presença física dos mesmos, já que são construídas sobre fatores afetivos e subjetivos. Algumas chegam a declarar sentimentos hostis de parte a parte em relação às suas mães.

“Em relação à minha mãe e eu, em relação a mim, particularmente, a surpresa dela é que ela achava que ia ter um filho homem. Então a filha mulher não veio numa boa hora...então ela me abandonou. Quem cuidou de mim foi o meu pai(...).o terceiro filho é homem(..).quando ele nasceu ela substituiu o marido pelo filho...” (076, feminino, 43 anos, casada, 2 filhos)

“Minha mãe era muito chata na questão de educação e limpeza(...).meu pai já era mais assim, o lado bonachão...vamos curtir...vamos escutar música...me identifico com meu pai(...).eu acho que sou totalmente meu pai, eu aprendi muito com ele(...).a minha mãe ela se preocupa só com as aparências...” (075, feminino, 42 anos, casada, 2 filhos)

O mito da importância quase que absoluta da mãe no bem estar da criança já foi suficientemente debatido nesse artigo. Porém, a questão da presença excessiva da mãe na vida dos filhos raramente foi motivo de discussões acadêmicas. Ao contrário, a interpretação equivocada sobre os escritos de alguns autores psicanalistas, tais como Winnicott, Melanie Klein, e outros, pode até sugerir um determinismo psicológico que consideraria a maternagem como responsável por todo o desenvolvimento e bem estar psíquico da criança.

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A literatura e a mídia reproduziram essas idéias de tal maneira que, até no senso comum, a culpabilização da mãe nos fracassos da criança ou do sujeito adulto sedimentou-se.

Muito tem se debatido a respeito da elaboração edípica, sobre a importância da presença do pai na interdição do desejo incestuoso do filho em relação à mãe, mas pouco se debateu sobre o desejo incestuoso da mãe em relação ao filho. O feminino, enquanto sinônimo de mãe, ocultou na sombra da maternidade o desejo e o prazer da mulher e, somente hoje, na contemporaneidade, a mulher vem se revelando enquanto ser desejante.

Christiane Olivier discute amplamente em “Les enfants de Jocaste” (Olivier, 1980) a questão, geralmente omitida, do desejo da mãe em relação ao corpo do filho “...do que se preenche psiquicamente a menina quando recebe a mamadeira de uma mulher que não a deseja já que ambas pertencem ao mesmo sexo? (...) O Édipo, cruzamento incestuoso dos sexos – desejo incestuoso do menino por sua mãe e da mãe para o filho – existe apenas de um lado. A menina é desejada enquanto criança mas não enquanto corpo. Ela não é um objeto ‘satisfatório’ para sua mãe (...)e só poderia sê-lo para o pai.”

Se a menina se sente um objeto sexual “insatisfatório” para a mãe, o menino deve superar uma outra dificuldade: escapar do Édipo contra o desejo da mãe. Sua tese é a de que todos saímos prejudicados pela ausência do pai.

Nos homens, essa experiência (vide depoimento 087) toma a forma de ressentimento contra a mulher, (Muszkat, 1994), mantém o sujeito infantilizado e misógino, queixa absolutamente comum nas mulheres pesquisadas em relação aos homens.

“…ele era muito dependente também (…) uma pessoa muito apta para a vida prática…em trabalhos domésticos nem pensar, nenhuma participação, filho único criado por mãe superprotetora (…) homens não ficam muito sozinhos quando são deixados pelas mulheres, precisam rapidamente arrumar outra mulher…” (058, feminino, em união, 2 filhos)

Nas mulheres, por outro lado, instala-se uma corrida desenfreada pela satisfação do desejo do masculino o que poderá torná-la escrava da lei do homem e desconfiada das mulheres.

O equilíbrio contra o desejo da mãe está na possibilidade de se engendrar não um novo pai mas um “novo filho” e, principalmente, uma “nova filha”que desde o berço terá a oportunidade de conviver com um “objeto sexual” adequado. Isso depende daquilo que as

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mulheres, vêm, hoje, reivindicando dos seus homens, talvez por outras razões, mas com muita pertinência: a capacidade de exercer a paternagem na vida precoce do bebê.

Olhando por outro prisma é importante acrescentar que a Psicanálise defende a idéia de que a função paterna desempenha um papel absolutamente central na saúde psíquica dos sujeitos. O desequilíbrio nessa função pode gerar vários tipos de neuroses e de perversões. Pode-se notar que este conhecimento já é de domínio público, principalmente nesse grupo mais intelectualizado.

“…agora quando o pai se omite, é incrível esse negócio, os filhos ficam marcados, (…) o efeito do pai ser omisso (….) é um efeito de gerar patologia social, quer dizer, pessoas com baixa resistência à frustração, pessoas agressivas sabe(…)” (046 masculino, 55 anos, em união, 2 filhos)

Independentemente de como pais e mães se envolvem na procriação, Lacan ressalta que a presença do pai é essencial enquanto um terceiro simbólico que está investido do direito de representar a Lei da interdição do incesto na relação inicial de fusão com a mãe. Essa visão, não inclui inteiramente a idéia desenvolvida nos parágrafos anteriores, mas de alguma maneira a reforça.

Trocando em miúdos é o mesmo que dizer que alguém precisa praticar a interdição do incesto, porque esta é a forma de introdução da criança na cultura. O pai é, portanto, aquele que ao explicitar o limite na relação de intimidade com a mãe, inscreve o novo sujeito no mundo dos significantes, da linguagem, do seu sexo e da sua identidade. Funciona como um princípio separador que corta o laço simbólico primordial com a mãe (Uno), com o poder absoluto da mãe, promovendo uma nova aliança, a aliança com outra filiação que não a da mãe.

É importante, entretanto, não se confundir o representante da Lei com o legislador. A posição do pai é a de representá-la, ele não é a Lei. Enquanto representa a Lei que está fora dele, representa a cultura, demonstrando estar submetido à ela. O efeito de um pai que se confunde com a Lei é tão devastador quanto a de um pai que não cumpre sua função.

Outro dado importante é que o Pai simbólico não é necessariamente o pai concreto. Lacan utiliza-se da expressão “Nome-do-Pai” para designar uma função, a função de anunciar à criança a Lei sob os auspícios da qual ela nasceu e na qual deverá ser inscrita. É preciso que alguém lhe permita, através da transmissão da cultura encontrar sua ancoragem identificatória. A Lei, através da interdição do incesto, restringe a relação inicial de fusão

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da criança com a mãe permitindo o nascimento da criança para a cultura, ou seja, permitindo que ela aprenda a habitar um lugar que já estava lá quando ela nasceu. É através da exploração desse lugar (social) e da sua apropriação através dos processos identificatórios (psicológico) que o sujeito se constitui enquanto tal.

Portanto, pode-se dizer que, para que o Édipo se torne Histórico, é preciso que a mãe, por sua vez, tendo também sido submetida à palavra do Pai, se remeta a ela, endossando sua legitimidade. Essa é uma visão que permite integrar o sujeito singular e o sujeito social em um único sujeito pela própria noção de identidade.

Este cenário pode sugerir, na sua concretude, uma família constituída de mãe, pai e filho, sendo o pai concreto aquele que fala em Nome-do-Pai. Porém, sabe-se que em cada sociedade, em cada momento histórico-social, alguém que não necessariamente o pai biológico, ou um único pai, poderá exercer essa função.

Nesse sentido, o que está aqui descrito como elaboração edípica é a necessidade de romper uma relação mítica, onipotente, que o bebê vivencia na relação com a mãe (especularidade) para ser, não sem traumatismos e conflitos, iniciado nas convenções sociais, no conjunto de regras determinantes para cada sociedade e ali descobrir o lugar que lhe está reservado. Na qualidade de membro de uma determinada sociedade e de uma família em particular, ele poderá construir uma identidade.

Meninos e meninas deverão ser inscritos na cultura, e o serão segundo os sistemas de gênero datados em cada sociedade e da forma como o sujeito pensa e repensa suas experiências pessoais nessa sociedade. Em cada tempo político, em cada família, alguém, em Nome-do Pai, deverá preencher esta função. Assim sendo, o Pai exerceria uma dupla formulação:

– interditar o objeto do desejo que é a mãe

– garantir a legitimidade da filiação dos filhos ao grupo

Se acrescentarmos aqui a tese desenvolvida anteriormente (Olivier, 1980) teríamos que incluir mais uma função:

– proteger os filhos da misoginia e as filhas da subserviência à lei dos homens

Diante dessas premissas a resposta para a pergunta sobre se aquilo que vem sendo considerado como perda de “autoridade” do pai deverá acarretar a extinção da função paterna é negativa.

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Os depoimentos obtidos na pesquisa indicam que, o que vem ocorrendo nas famílias é um processo de remanejamento na sua dinâmica. Que nesse remanejamento os homens estão desenvolvendo novas práticas de relação com seus filhos, e que, apesar de diferentes de seus pais, caracterizam a função paterna como restritiva, responsável e participativa.

Do ponto de vista da participação na criação e nas trocas afetivas com seus filhos nota-se, nos sujeitos entrevistados, um esforço no sentido de buscar novas formas de relacionamento. O perigo é que nessas novas formas de relacionamento se perca a sua função simbólica central, a de representante da Lei na garantia da adequação do desejo.

O remanejamento, na família, vem se processando lentamente, com todos os membros se movendo como num tabuleiro de xadrez, buscando adaptar-se aos novos tempos. Nesse momento, falar num “novo pai” parece prematuro, deve-se apenas descrevê-lo já que não se pode prever qual fisionomia “definitiva” terá.

O fim das certezas

Dados obtidos através dos depoimentos tanto dos homens quanto das mulheres demonstram que na coorte de 40 a 59 anos as mudanças masculinas parecem muito mais reativas às mudanças das mulheres do que espontâneas.

No que diz respeito a essas mudanças vale a pena salientar alguns pontos:

– a desconstrução do papel mítico da maternidade (processo doloroso e resistente) – a ampliação da participação das mulheres no mercado de trabalho

– a luta das mulheres pela ampliação de seus direitos civis e familiares

– maiores exigências das mulheres quanto à participação dos companheiros no trabalho doméstico e cuidado com os filhos.

Quando as mulheres se adaptavam automaticamente ao papel de mãe e esposa, os conflitos decorrentes destas fontes eram aparentemente muito menores de parte a parte. Eventuais insatisfações conjugais eram superadas através de condutas adaptativas ou reprimidas pela noção de responsabilidade sobre os relacionamentos humanos e o compromisso moral de oferecer suporte emocional ao parceiro procurando sempre promover um estado aparente de harmonia entre o casal.

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Hoje, quando as mulheres convivem com um espaço maior de autonomia e auto-estima, elas passaram a expressar claramente suas decepções e exigências relativas à expectativas idealizadas em relação aos seus parceiros.

As conseqüências desse processo revelam-se de forma mais evidente na geração mais jovem (25 a 39 anos), por uma preocupação mais espontânea dos homens com relação a partilha dos afazeres, de acordo com as necessidades ligadas ao novo estatuto das mulheres. Essa geração teve que absorver as maiores transformações que atingiram a figura do pai enquanto instituição e o novo estatuto legal e social das mulheres, marcando uma ruptura entre gerações.

Esta é uma geração que revela aspirações de mudanças a níveis mais pessoais, praticando aquilo que vinha sendo anunciado na geração anterior. Esse homens demonstram maior reconhecimento da sobrecarga a que estão submetidas as suas companheiras e a importância do seu trabalho. Ainda assim (vale a pena chamar uma vez mais a atenção) a concepção a respeito da naturalidade da maternidade é muito utilizada para atribuir maiores responsabilidades para a figura materna (reiterada pelas mulheres).

Esses homens revelam, também, um interesse mais autêntico em relação aos filhos utilizando-se de expressões emocionadas para transmitir a experiência da paternidade: “…é um tesão!…foi a maior emoção da minha vida! …o filho equilibra emocionalmente!”

É verdade que, se não se pode falar de uma mudança estrutural na matriz cultural nesses tempos incertos, tem-se que reconhecer um processo revolucionário de ruptura com a imagem do pai tradicional.

Algumas condições tornaram essas mudanças irreversíveis:

– morte do paterfamilias criando uma necessidade de buscar formas mais inventivas de exercício da paternidade

– disjunção das funções de pai devido a várias reconstruções familiares, sendo que as funções de genitor, pai legal, pai educador, podem ser compartilhadas por vários homens (que podem assegurar uma ou outra dessas funções) quando não é a mulher que assume todas.

Esses elementos provocam efeitos imaginários, crenças e fantasias em que a ausência de hierarquia pode confundir-se com a ausência do personagem.

A interpretação de “morte do Pai”, diante da morte de uma forma anacrônica de poder e autoridade, parece uma visão alarmista e unilateral.

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Quando três é melhor do que dois

A análise dos dados, enquanto utilizando o grupo ou a coletividade como ponto de partida, ensina que a instituição Pai no contexto da família em mutação, transita entre dois sistemas de gênero.

Ao nível de uma análise mais subjetiva, que amplia o universo das práticas exercidas de maneira realista, refere-se ao sucesso da função paterna no nível do simbólico, enquanto passaporte subjetivo para a socialização do sujeito. Como isso pode ser observado através dos depoimentos?

Por exemplo, mesmo sendo unânimes, entre os homens dos dois grupos, as queixas à respeito da figura paterna, caracterizada como rígida, autoritária e distante, a importância do pai do ponto de vista moral, institucional e social está quase sempre presente. É comum a referência a uma presença moral marcante (mesmo que fria e distante), enquanto trabalho, responsabilidade e status (ratificada pelas mulheres).

Grande parte dos entrevistados provém de estratos sociais inferiores aos que atingiram hoje e atribuem a sua ascensão social e seu sucesso pessoal (amoroso, de relações) ao empenho e dedicação da figura paterna legitimada e reconhecida pela palavra da mãe (homens e mulheres). Como contraponto é comum àqueles que se sentem menos bem sucedidos na vida associarem seus fracassos a vivências de abandono na infância (pai alcoólatra, mãe depressiva).

A integração entre os fenômenos sociais e psíquicos torna possível um tipo de reflexão mais ampla, que avança sobre a questão da presença do pai para além do nível do real (concreto), já que, do ponto de vista da subjetividade, um pai ausente pode ser presente e um pai presente, ausente, porque é perfeitamente concebível que ele esteja lá, mesmo quando não está.

Pode-se dizer que alguns “pais ausentes” desses entrevistados sempre estiveram lá, tanto nas suas vidas como nas vidas de suas mães que, na verdade tomaram suas decisões, fossem mesmo as de ter ou não ter filhos, orientadas por suas regras e pela sua moral.

Seja como for, pode-se dizer que os resultados apontam para uma nova realidade. Os homens estão, cada vez mais, olhando para a paternidade como uma questão de qualidade e não de quantidade, de intimidade e não de poder. Entretanto, talvez por isso mesmo, considerando o maior empenho e dedicação que este ideal requer, o projeto de ser pai, está condicionado a algumas condições básicas que não incluem o status de supremo poder.

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A ampliação da família já não é uma questão tão “natural” na vida desses sujeitos, como parece ter sido para suas famílias de origem. Homens e mulheres (mesmo que em número bem menor) condicionam a procriação à situações materiais favoráveis e ao desenvolvimento de suas carreiras. Nesse sentido, assim como no sentido do tipo da relação que eles projetam ter com seus filhos digamos que homens e mulheres estão cada vez mais próximos um do outro. Talvez porque tão próximos, tão distantes... Quanto mais próximos em relação aos ideais e desejos tanto mais conflituados em relação aos compromissos mútuos, às mútuas funções.

Funções confundidas com tarefas no âmbito doméstico, não respondem às necessidades da criança. Se ter filhos representa um projeto a dois, ele não pode ser levado a cabo isoladamente, seja pela mãe, seja pelo pai. É como se fosse uma traição ao projeto comum. Divisão de tarefas podem ser intercambiáveis. Funções de pai e mãe, entretanto, não são intercambiáveis.

A criação de políticas públicas de esclarecimento, que permitam aos homens reconhecer sua importância, seu poder e suas verdadeiras atribuições enquanto pais, seriam fundamentais nesse momento de transição. Atribuições, que assim como as da mulher, vão muito além do simples trabalho braçal das tarefas domésticas e que se referem à importância da sua presença (não apenas física), na criação dos seus filhos. Da importância da sua função enquanto agente estruturante do processo de humanização (inserção social e estruturação mental). A criação de grupos de reflexão, para homens, (porque não grupos mistos?) sobre a função paterna seria de grande ajuda para todos – pais, mães e filhos – na conquista de um mundo melhor.

Para terminar, é importante explicitar que, para que a função do pai se exerça é preciso uma mãe disposta a se separar do filho, é preciso que exista nela um “lugar” para o pai. E que, portanto, o “lugar do pai” existirá sempre que houver uma mulher para legitimá-lo e um filho capaz de identificar-se com ele: ele se funda num conflito triangular.

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Referências

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