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Iniciativas e limites à modernização da gestão administrativa na Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia – UESB

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UNIVERSIDADE FEDERAL DA BAHIA ESCOLA DE ADMINISTRAÇÃO

NÚCLEO DE PÓS-GRADUAÇÃO EM ADMINISTRAÇÃO

Rosely Moraes Sampaio

Iniciativas e limites à modernização

da gestão administrativa na

Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia – UESB

Salvador - Bahia 2003

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ROSELY MORAES SAMPAIO

Iniciativas e limites à modernização

da gestão administrativa na

Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia – UESB

Dissertação submetida ao Núcleo de Pós-Graduação em Administração da Universidade Federal da Bahia como requisito parcial para obtenção do grau de Mestre Profissional em Administração.

Orientadora: Profa. Dra. Ruthy Nadia Laniado

Salvador - Bahia 2003

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ROSELY MORAES SAMPAIO

Iniciativas e limites à modernização

da gestão administrativa na

Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia – UESB

Dissertação para obtenção do grau de Mestre Profissional em Administração.

Salvador, 22 de dezembro de 2003.

Banca Examinadora:

Profa. Dra. Ruthy Nadia Laniado

Universidade Federal da Bahia – UFBA

Prof. Dr. Amilcar Baiardi

Universidade Federal da Bahia – UFBA

Profa. Dra. Tânia Fischer

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Aos meus pais, Antonio Vaz Sampaio (in memoriam) e Rosa Moraes Sampaio por me ensinarem a aprender.

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AGRADECIMENTOS

Ao Deus Eterno, em quem não há mudança e nem sombra de variação.

Aos meus pais, Antonio Vaz Sampaio (in memorian) e Rosa Moraes Sampaio pelo que representam na minha vida, e, meus irmãos, Robson Antonio Moraes Sampaio e Nádia Cristina Moraes Sampaio, pelo intenso amor que expressam por mim.

À profa. Ruthy Nadia Laniado pelos ensinamentos e os constantes desafios que a mim colocava. Agradeço pela confiança, pelas importantes contribuições e correções feitas a este trabalho e, sobretudo, pelo apoio na minha formação.

À Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia – UESB pelo incentivo a pós-graduação do corpo técnico-administrativo e pelo apoio institucional.

A todos os entrevistados que permitiram registrar as suas impressões sobre a experiência vivenciada.

À profa. Tânia Fischer por tornar o meu sonho de cursar o Mestrado uma realização possível.

Aos professores Francisco Teixeira, José Célio S. Andrade e José Antonio Gomes de Pinho pelo apoio e aprendizado durante o período em que trabalhei no Núcleo de Pós-Graduação em Administração – NPGA/EAUFBA.

A equipe do NPGA/EAUFBA, particularmente a Ernani, Dacy, Anaélia, Cilícia e Jade pela agradável convivência.

Aos colegas do Curso de Mestrado Profissional em Administração – Turma III pelo convívio ao longo do curso.

Aos professores do Curso de Mestrado Profissional em Administração, especialmente as profas. Maria do Carmo Lessa Guimarães e Sandra Maria Chaves Santos pela dedicação e brilhantismo em sala de aula.

À Liriam Castro por ter me acolhido na capital soteropolitana.

Correndo o risco de cometer omissões, agradeço a Elisabete Santos, Renata Rossi, Maria Ester Figueiredo, Tanya Andrade, Danielle Cavalcanti, Jaide Braga, Edilece Couto, Carmita Baltar, Ellen Melo Ribeiro, Maria Suely Ribeiro, Leila Fagundes, Alberto Marques, Profa. Elisabete Loiola, Roselita Menezes, Erbene Café, Magali Viana, Vanessa Melo, Denise Mayra Souza, Manuela Ramos,

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Débora Dourado, Marcelo Nolasco, Tereza Chenaud, Núbia Ramos e aos membros do grupo de estudo bíblico. Todos sabem o porquê.

RESUMO

Esta dissertação analisa a gestão administrativa observando a relação entre iniciativas e efetivação de projetos de modernização, tomando como parâmetro de análise o padrão dos valores culturais que facilitam ou obstaculizam um processo de mudança na gestão. Para tanto, investiga duas iniciativas de modernização propostas pelo Reitorado da Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia – UESB, para o período de 1999 a 2001. Os projetos - Implantação de um Novo Modelo de Desenvolvimento Gerencial na UESB e Orçamento Participativo na UESB: uma prática democrática – voltam-se para as áreas de recursos humanos e finanças, respectivamente. Esta investigação caracteriza-se como um estudo de caso, apoiado em fontes primárias e secundárias de coleta de dados. A interpretação das informações obtidas adota uma perspectiva sócio-cultural de análise e revela que fatores objetivos e subjetivos – valores culturais e padrões de conduta – dos envolvidos na proposição e implementação das referidas propostas implicaram, igualmente, nas condições de realização das mesmas, determinando os limites e o nível de consecução que obtiveram.

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ABSTRACT

This dissertation analyses the academic management in terms of the relationship between initiatives and the effective implementation of modernization projects taking into account the cultural values pattern which support or hide changes in the process of management. In order to reach this goal, the research analyses two proposals of management modernization held by the Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia UESB, for the 19992001 period. The projects -Implementation of a new model of management and Participatory Budget, were addressed to the human resources and finance areas, respectively. This research is led as a case study, supported on primary and secondary sources of data. It is adopted a socio-cultural approach for the data analysis. It was found that objective and subjective factors - cultural values and behaviour patterns - of those individual in charge of the proposals were determinant to the proposals success and have fixed the their limits and level of implementation achieved by them.

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SUMÁRIO

1. INTRODUÇÃO ... 12

1.1 A RELEVÂNCIA DA UNIVERSIDADE ... 12

1.2 DELIMITAÇÃO DA PESQUISA ... 15

1.3 ESTRUTURA DO TRABALHO ... 18

2. TRANSFORMAÇÕES NO MUNDO MODERNO ... 20 2.1 VELHOS HÁBITOS EM PRÁTICAS NOVAS: A MODERNIZAÇÃO CABOCLA E A TRANSFORMAÇÃO SOCIAL ... 25

2.2. DO “JEITINHO” BRASILEIRO AO ESTRANGEIRISMO: TRAÇOS DA CULTURA BRASILEIRA NA VIDA ORGANIZACIONAL ... 32 3. UNIVERSIDADE COMO ORGANIZAÇÃO NA SOCIEDADE ... 42 3.1 UNIVERSIDADE COMO ORGANIZAÇÃO: O SINGULAR NO COMUM ... 42 3.2 GESTÃO UNIVERSITÁRIA: A UNIVERSIDADE VISTA POR DENTRO ... 46

3.3 UNIVERSIDADE E GESTÃO: A COMPLEXA TRAMA DA PARTICIPAÇÃO E AUTOGESTÃO ... 51

3.3.1 As múltiplas faces da participação ...

51

3.3.2 O sentido da participação na gestão universitária ...

55

3.2 ALGUNS TRAÇOS HISTÓRICOS DA UNIVERSIDADE PÚBLICA NO BRASIL...

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4.O OBJETO EM SEU CONTEXTO: A UNIVERSIDADE ESTADUAL DO

SUDOESTE DA BAHIA – UESB ... 62

4.1 HISTÓRICO ... 62

4.2 ESTRUTURA ORGANIZACIONAL E ATIVIDADES

ACADÊMICAS ...

66 4.3 A COMUNIDADE UNIVERSITÁRIA: CORPO DOCENTE, TÉCNICO-ADMINISTRATIVO E DISCENTE ... 71

5. A DINÂMICA DE IMPLANTAÇÃO DOS PROJETOS DE MODERNIZAÇÃO DA UESB: O PLANEJADO E O VIVIDO ... 74

5.1 OS PROJETOS DE MODERNIZAÇÃO PARA A UESB: UMA ANÁLISE DOS DOCUMENTOS ... 74

5.2 A VISÃO DOS ATORES SOBRE OS PROJETOS DE MODERNIZAÇÃO ... 93 5.2.1 Construindo consensos: a mudança como foco ... 93 5.2.2 Compreendendo a participação como princípio orientador da gestão ... 98 5.2.3 Compreendendo os projetos como estratégias de renovação da gestão .... 103

5.2.4 “Remando contra a maré”: compreendendo os fatores que limitaram a implementação das propostas de modernização ... 108

5.2.5 Compreendendo a adesão dos atores às propostas de modernização ... 121

6. CONSIDERAÇÕES FINAIS ... 124

7. REFERÊNCIAS ... 129

8. APÊNDICE .. ... 137

(10)

LISTA DE FIGURAS

Quadro 01 - Tipologia simplificada de padrões culturais de comportamento 26 Quadro 02 - Traços brasileiros para uma análise organizacional ... 37 Quadro 03 - Principais características da universidade pública brasileira .... 45 Mapa I - Região Sudoeste do Estado da Bahia ... 64 Figura 01 - Macro Estrutura Organizacional da UESB ... 67 Quadro 04 - Quantitativo de servidores técnico-administrativos por nível de

qualificação ...

72

Quadro 05 - Experiências voltadas para o Planejamento da UESB – 1993/1999 ...

77

Figura 02 - Ciclo proposto para elaboração do Orçamento Participativo na UESB ...

92

Quadro 06 - Eixos de convergência dos projetos de modernização ... 96 Quadro 07 - A participação como ideal para a modernização na UESB ... 100 Quadro 08 - Fatores que limitaram a implementação dos projetos de

modernização na UESB – Dimensão Institucional ... 110 Quadro 09 - Fatores que limitaram a implementação dos projetos de

modernização na UESB – Dimensão Política ...

113

Quadro 10 - Fatores que limitaram a implementação dos projetos de modernização na UESB – Dimensão Sócio-Cultural ...

117

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Tabela 01 - Orçamentos destinados a UESB no período de 1999 a 2002 88

LISTA DE SIGLAS

ANPEd Associação Nacional dos Profissionais da Educação ASPLAN Assessoria de Finanças e Planejamento

CONSAD Conselho de Administração

CONSEPE Conselho de Ensino, Pesquisa e Extensão CONSU Conselho Universitário

COP Comissão de Orçamento Participativo CORH Conselho Orientador de Recursos Humanos FMI Fundo Monetário Internacional

GRH Gerência de Recursos Humanos

IES Instituições de Ensino Superior

LDB Lei de Diretrizes e Bases da Educação MEC Ministério da Educação e Cultura

ONGs Organizações Não-Governamentais

OP Orçamento Participativo

PAR Plano de Aplicação de Recursos PROEX Pró-Reitoria de Extensão

PRPPG Pró-Reitoria de Pesquisa e Pós-Graduação

RH Recursos Humanos

SIPLAN Sistema de Planejamento

SUCAB Superintendência de Construções Administrativas da Bahia UEFS Universidade de Feira de Santana

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UESB Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia UESC Universidade Estadual de Santa Cruz

UFBA Universidade Federal da Bahia UNEB Universidade do Estado da Bahia UNISANTA Universidade Santa Cecília

USCAL Universidade Católica do Salvador

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I. INTRODUÇÃO

1.1 A RELEVÂNCIA DA UNIVERSIDADE

A modernização das universidades públicas brasileiras foi objeto central da Reforma Universitária em 1968 e, desde então, tem se constituído na tônica das questões sociais prementes relativas à educação, conhecimento e ciência, debate que se atualiza em função da proposta de uma nova reforma para o sistema universitário brasileiro. Como será discutido ao longo deste estudo, o momento atual apresenta diferenças substantivas daquele produzido na década de 60. De acordo com Santos (1995), a universidade, em particular a pública, defronta-se com a necessidade de romper com o atual modelo e, por esta razão, é duplamente desafiada pelo Estado e pela sociedade. Mas, sugere o autor, parece não haver condições para defrontar este desafio, tanto mais que as transformações necessárias são profundas e não podem caracterizar reformas parcelares. Tal limite, mais do que conjuntural, parece ser estrutural, na medida em que a perenidade da instituição universitária, sobretudo no mundo ocidental, está associada à rigidez funcional e organizacional, à relativa impermeabilidade às pressões externas, enfim, à aversão a mudanças.

Santos (1995) discute os parâmetros da complexa situação em que se defronta a universidade hoje e aponta algumas das dificuldades que são inerentes à própria definição de suas funções sociais que, por serem múltiplas, geram, em muitos aspectos, antagonismos de difícil compatibilização. Pela sua novidade e importância e pelas estratégias ao mesmo tempo de ocultação e de compatibilização que suscitam, estes antagonismos formam os limites da capacidade de mudança na universidade e são hoje o tema central de uma abordagem sociológica e gerencial desta instituição. O autor analisa criticamente o modelo atual e afirma que é da natureza das instituições universitárias não intervir no nível das causas profundas de suas contradições, priorizando a gestão das tensões que tende a se tornar sistêmica e representa, sempre, a reprodução controlada de uma crise orgânica.

Trigueiro (1999) corrobora as críticas de Santos (1995). Este autor desenvolve o argumento de que a principal ameaça à instituição universitária não está fora dela, mas em seu próprio interior: suas práticas obsoletas, sua dificuldade em adequar-se a um novo contexto de relações sociais em um mundo economicamente complexo, seu conservadorismo e problemas como o corporativismo e o individualismo exacerbado, que reduzem o potencial inovador e criativo das universidades.

Como pode ser observado, os desafios da gestão universitária não se constituem em preocupação apenas para os seus dirigentes. Catani, Dourado e Oliveira (2001) analisaram a

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produção científica sobre educação superior1, estabelecendo a relação entre a natureza e o caráter

das instituições (pública, privada, confessional e comunitária) e seus desdobramentos na gestão e na reconfiguração dos modelos organizacionais. Concluíram que, entre o período que compreende a reforma universitária de 1968 até o ano de 1995, a gestão universitária esteve no centro do debate das análises realizadas por estudiosos do tema:

A gestão universitária esteve no centro da discussão do processo de implementação da reforma universitária de 1968 e se manteve como temática importante, especialmente nos diferentes contextos de crise das universidades públicas no período 1968-1995. Em tal percurso começou a entrar em cena a questão da identidade e do caráter distintivo da universidade. Nessa perspectiva é que se discutiu, em grande parte, a modernização-modelação institucionais e o aperfeiçoamento da gestão (CATANI, DOURADO e OLIVEIRA, 2001:79).

A renovação de modelos administrativos continua no centro das discussões da administração universitária até os dias atuais e situa-se em pólos que se estendem desde as críticas ao modelo burocrático das universidades, a fragmentação produzida pela departamentalização como forma de organização do trabalho, os mecanismos de participação e decisão, a autonomia como princípio acadêmico-administrativo até os discursos em prol da racionalidade administrativa, do aumento da eficiência na alocação dos recursos, da qualificação dos quadros de pessoal etc. Os autores citados levantam a hipótese de que o interesse em estudos que tratem da organização acadêmica e gestão se relacionam com a necessidade de modernização-modelação institucional requerida pelos gestores, no sentido de formular sistemas de informação que permitam um maior planejamento das atividades associados a políticas acadêmicas que tornem mais ágeis e eficientes o trabalho, além de ações no âmbito de cada instituição, de modo a tornar a gestão mais “profissional” e a estrutura acadêmica cada vez mais “funcional”.

Assim, de algum modo, os compromissos dos diferentes segmentos acadêmicos organizados com a gestão democrática nas universidades 1

O estudo analisa a produção científica sobre educação superior no período compreendido entre 1968 e 1995, presente nos periódicos catalogados no Banco de Dados Universitas/Br, organizado pelo GT Política de Educação Superior da Associação Nacional dos Profissionais da Educação – ANPEd.

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públicas parecem se ter vinculado à formulação de um modo de produzir que fosse mais eficiente socialmente, mas que não eximia essas instituições de uma reorganização interna do trabalho acadêmico (CATANI, DOURADO e OLIVEIRA, 2001:72).

Os autores que se preocupam com a temática da modernização na universidade brasileira, e que são referência para este estudo, são unânimes em afirmar que as questões relacionadas à gestão universitária quase sempre são adjetivadas com os atributos da racionalidade técnica, calcados nos princípios da eficiência e eficácia, aspectos particulares do modelo produtivista de mercado. Esta lógica de orientação retira do centro do debate a função crítica que concerne à universidade, ou seja, contribuir para a produção e sistematização de valores e conhecimentos que se relacionam com o desenvolvimento e o fortalecimento da sociedade e da cidadania ativa, evidenciando a participação e a cultura política e cívica sobre direitos e deveres. O compromisso social da universidade busca produzir conhecimentos científico, tecnológico e cultural que permitem ampliar o desenvolvimento e a integração social por meio da produção acadêmica e da formação de recursos humanos competentes para as constantes demandas que surgem. É assim que se torna possível pressupor uma sociedade civil participativa e uma cidadania inclusiva que garantam a liberdade, a igualdade, a justiça e a boa vida, isto é, fomentando na sociedade uma cultura política voltada para o bem comum e a solidariedade, bases da democracia moderna e da cidadania na sociedade de classes. Para Sobrinho (1996) não é a eficiência produtivista e a qualidade mercantilista, mas a eficácia democrática e a qualidade social e política que explicam o papel social da universidade. Pode-se acrescentar que a democracia e a boa condição de vida se beneficiam de uma universidade que se transforma e influencia a transformação da própria democracia de modo mais substantivo.

1.2 DELIMITAÇÃO DA PESQUISA

Estas considerações sobre a universidade e o mundo no qual a insere, colocam no centro do debate a gestão universitária como problemática de estudo. Esta temática evidencia -se sob diferentes perspectivas, uma vez que a universidade é um complexo objeto presente na realidade e que apresenta caráter e complexidade distintas, o que gera desafios analíticos e concretos para estudar cada uma ou todas estas instituições. Não obstante, experiências modernizadoras têm sido realizadas em algumas universidades brasileiras, a exemplo da construção

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de um modelo participativo de gestão adotado pela Universidade Santa Cecília – UNISANTA, o que revela um esforço conjunto de superação dos desafios da administração universitária2.

Com o objetivo de modernizar a gestão, particularmente nas áreas de finanças e recursos humanos, a Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia – UESB propôs dois projetos de modernização que conformam o objeto empírico desta pesquisa, quais sejam: a) Implantação de um Novo Modelo de Desenvolvimento Gerencial da UESB e, b) Orçamento Participativo na UESB: uma prática democrática. Para realizar este estudo, o trabalho guiou-se pela seguinte questão de pesquisa: como e por que os projetos de modernização propostos pelo Reitorado da UESB no período de 1999 a 2001 se efetivaram (ou não) enquanto ação propositiva no âmbito da Instituição?

Toma-se como pressuposto do problema que os projetos de modernização institucional envolvem: a) as dificuldades que a Universidade enfrenta; b) as novas abordagens sobre mudanças que permitem tornar a organização de ensino superior atualizada no seu tempo, e c) os impactos das propostas sobre a realidade vivida pela organização, conforme o nível de amadurecimento das mesmas e a vontade dos indivíduos envolvidos em torná-las bem sucedidas. No cerne destas questões, que envolvem fatores objetivos e subjetivos, considera-se que os padrões culturais de comportamento implicam, igualmente, em condições fundamentais de realização de projetos de modernização, remetendo as características das diferentes iniciativas aos atributos do capital social, como a cooperação e a participação dos envolvidos na consecução das propostas, além da confiança e dos valores de cultura política que moldam as condutas.

O objetivo geral deste estudo é, portanto, analisar a gestão administrativa observando a relação entre iniciativas e efetivação de projetos de modernização, tomando como parâmetro de análise o padrão dos valores culturais que facilitam ou obstaculizam o processo de mudança na gestão. Consequentemente, o presente estudo buscou entender o nível de consecução que alcançaram os projetos propostos para a UESB, em termos do desenvolvimento das diferentes etapas e implementação dos mesmos. Identificou-se, conforme cada projeto, os limites que determinaram o alcance (resultados) das medidas propostas em termos de mudanças, modernização e perspectivas futuras na gestão universitária. Para tanto, foi necessário analisar que padrões de valores, critérios e entendimento dos princípios de mudança na gestão expressavam os dirigentes envolvidos na produção e implementação dos planos em questão, levando em conta a tradição de gestão e as normas que prevaleceram no ambiente social.

O caminho metodológico percorrido na investigação insere este estudo no campo da pesquisa qualitativa. Reconhece-se que a escolha de uma abordagem para análise de um dado fenômeno não é determinada por si só, “mas é a natureza do problema ou seu nível de aprofundamento que, de fato, determina a escolha do

2

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método” (Richardson,1999:70). A definição por um método é influenciada pelo olhar do pesquisador, portanto, o resultado da pesquisa se constitui num “imbricamento entre a habilidade do produtor, sua experiência e seu rigor científico” (Minayo, 2000:23).

Embora haja diversidade entre os trabalhos denominados qualitativos, Godoy (1995:62-63) caracteriza alguns aspectos essenciais que identificam os estudos que se apoiam nesta abordagem: (a) possuem como preocupação fundamental o estudo e a análise do mundo empírico em seu ambiente natural. Para os pesquisadores que adotam esta abordagem um fenômeno pode observado no contexto em que ocorre e do qual é parte; (b) a pesquisa qualitativa valoriza o caráter descritivo da apreensão dos dados, preocupando-se com o processo e não simplesmente com os resultados ou produto. “Não é possível compreender o comportamento humano sem a compreensão do quadro referencial (estrutura) dentro do qual os indivíduos interpretam seus pensamentos, sentimentos e ações”. (Godoy, 2000:62); (c) O significado que as pessoas dão aos processos/experiências que participam são levados em conta pelo investigador que tenta entendê-los a partir da perspectiva dos sujeitos; (d) a utilização do enfoque indutivo na análise dos dados.

Para realizar esta investigação, utilizou-se o método do estudo de caso, estratégia de pesquisa recomendável quando se pretende analisar uma dada situação social, enfatizando as múltiplas dimensões, o seu contexto, divergências e os conflitos que a caracterizam (Godoy, 1995). Yin (1993) descreve algumas situações em que o estudo de caso é apropriado: quando se pretende investigar um fenômeno contemporâneo em seu contexto de vida real; quando as fronteiras entre o fenômeno investigado e o contexto não são claramente discerníveis, e quando é necessário fazer uso de múltiplas fontes de evidência. Estes aspectos caracterizam o presente estudo, o que justifica a escolha do método em questão.

A pesquisa ganha relevância no contexto atual da Reforma do Estado brasileiro que anuncia mudanças no sistema universitário do país, particularmente por tentar elucidar questões de fundo que, como será afirmado mais adiante, envolvem aspectos subjetivos dos modos de agir e manifestações objetivas que se constituem em elementos facilitadores ou obstaculizadores aos esforços modernizantes.

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1.3 ESTRUTURA DO TRABALHO

Para realizar a investigação sobre as experiências de modernização da gestão na UESB, situou-se a análise a partir de uma perspectiva que contempla contribuições teóricas dos seguintes campos do conhecimento: sociologia, antropologia e administração. O mapeamento teórico inicial sobre o tema tomou como ponto de partida os conceitos-chave que o orientam, quais sejam: universidade, cultura, modernização e gestão universitária. Paralelamente ao trabalho de campo, foi-se aprofundando a bibliografia, instituindo um movimento pendular entre o aporte teórico e a observação da realidade empírica. O trabalho monográfico é composto por seis capítulos e obedece a seguinte ordem de estruturação:

Esta Introdução, que apresenta o tema e o problema da administração universitária, contextualizando as experiências modernizadoras propostas pela administração central da UESB, para o período de 1999 a 2001, e ainda, os pressupostos e os objetivos da pesquisa.

O Capítulo 02 discute os fundamentos teóricos que apoiaram a pesquisa. Problematiza a questão da modernização na sociedade brasileira, trazendo para o centro da discussão a interpretação que privilegia elementos históricos e sociais para explicar as dificuldades de apropriação de novos valores e práticas que busquem romper com padrões de ação já estabelecidos. A idéia central que perpassa todo o capítulo trata da preocupação expressa na teoria social quanto às possibilidades concretas de constituição de novos valores e práticas num ambiente voltado para a cultura, o conhecimento e a ciência, mas, que se constitui em óbice as mudanças.

O Capítulo 03 trata especificamente da universidade como uma organização na sociedade. Apresenta suas características mais gerais, dando ênfase às suas particularidades, ou seja, o que a diferencia entre as demais organizações presentes na sociedade. Em seguida, analisa a gestão em instituições desta natureza e insere a noção de participação, temática que encerra um debate muito diversificado e, para o presente objeto de estudo, implica em estratégias e políticas de atuação definidas. Por fim, é apresentado um breve histórico da criação da universidade pública brasileira.

O Capítulo 04 apresenta o objeto em seu contexto real - a Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia - UESB, cenário em que os projetos de modernização foram propostos.

O Capítulo 05 analisa os resultados dos dados coletados no estudo empírico. O capítulo se subdivide em duas sessões: na primeira, descreve as experiências de modernização realizadas na década de 90 na UESB e analisa o conteúdo das propostas de modernização, que constituem o objeto deste estudo. Na segunda parte, a experiência modernizadora é investigada a partir da visão dos envolvidos na elaboração/implementação das propostas e busca-se confrontar os

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referenciais teóricos com os dados colhidos em campo entre os entrevistados – a percepção sobre a experiência de viabilizar a modernização na UESB.

Por fim, o Capítulo 06 reúne as conclusões da autora sobre o estudo realizado.

CAPÍTULO II – TRANSFORMAÇÕES NO MUNDO MODERNO

Os modos de vida produzidos pela modernidade desvencilharam o homem dos tipos tradicionais de ordem social. As transformações ocorridas foram mais profundas que a maioria das mudanças dos períodos históricos precedentes, de acordo com Giddens (1991). Embora reconheça que existem continuidades entre o tradicional e o moderno e nem um nem outro formam um todo à parte, o autor afirma que transformações profundas ocorreram tanto no plano extensional dos modos de vida quanto no modo de expressar a intencionalidade da ação do sujeito moderno. Sobre o plano extensional, as transformações serviram para estabelecer formas de interconexão social que recobrem o globo; em termos intencionais, elas provocaram alterações na forma de situar o indivíduo em diferentes esferas do mundo social e também alterações em algumas das mais íntimas e pessoais características de nossa existência cotidiana (GIDDENS, 1991).

Três características envolvem as descontinuidades que separam as instituições sociais modernas das ordens sociais tradicionais. A primeira diz respeito ao ritmo da mudança. A rapidez das mudanças em condições de modernidade é extrema, ainda que se conclua que as civilizações tradicionais podem ter sido, consideravelmente, também dinâmicas. A segunda descontinuidade

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refere-se ao escopo da mudança, ou seja a amplitude dos novos processos engendrados pela modernidade. E a terceira característica diz respeito à natureza intrínseca das instituições modernas – racionais e burocráticas - que não são encontradas em períodos históricos precedentes (GIDDENS, 1991).

Além destas características, a modernidade é definida temporalmente por um conjunto de transformações que emergiram na Europa, a partir do século XVII, e que ulteriormente se tornaram mais ou menos mundiais em sua influência. Configura, portanto, um conjunto de transformações profundas que ocorreram no conhecimento, na sociedade e na cultura a partir deste período e que trouxeram à tona o mundo tal como hoje o conhecemos e concebemos: um conhecimento e uma ciência laicos e autônomos, uma ordem social complexa regida por normas formais e contratos, e uma integração de culturas e territórios de forma intensificada. Estas transformações se pautaram em novos princípios e novas percepções sobre o homem e a realidade histórica, na formação de novas instituições sociais, novas visões sobre a política e personagens sociais distintos dos que predominavam no mundo tradicional (BARBOSA, 2001).

As transformações exigidas pela modernidade requerem uma modernização contínua das instituições para que estejam atualizadas em seu tempo. Consoante com Barbosa (2001), modernizar é a face material da modernidade e implica na infra-estrutura que objetiva os fundamentos da própria sociedade. No Dicionário de Política (Bobbio, Mateucci e Pasquino, 2000), a noção de modernização destaca que o desenvolvimento das sociedades possibilitou tomar consciência de que as transformações não são apenas o processo de difusão de instituições, valores e técnicas originadas nas sociedades européias, mas é um processo aberto e contínuo de interação entre sujeito, razão, instituições, culturas e técnicas que permitiram avanços integrados em todos os níveis, ainda que assimétricos entre diversas sociedades, como atesta a experiência colonial nas Américas. O aspecto mais relevante do processo se relaciona exatamente com o surgimento de novas formas políticas, novas relações econômicas e sociais, distintas e diferenciadas.

Este processo envolve todas as esferas do sistema social de forma freqüentemente conjunta, se desenvolve segundo modelos alternativos que apresentam características semelhantes e peculiares, modelos que permitem, porém, identificar, no transcorrer da história, sistemas políticos, econômicos e sociais mais ou menos modernos do que outros, com base em categorias comparadas (PASQUINO, 2000:768).

A principal contribuição da dimensão modernizadora para o presente estudo é a de que nenhuma reflexão sobre a mesma pode fugir de uma análise dos valores, das tendências, das atitudes e das motivações de indivíduos e

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grupos que podem influir, positiva ou negativamente, na aceitação e na produção de novas formas de agir social. A dinâmica deste campo de formação da ação social, no que ela contempla a objetividade de condutas e parâmetros de convivência social, ainda que mantendo vários elementos da tradição (família, comunidade, carisma etc), é assim descrita por Pasquino:

Da descoberta da existência de valores correlatos à Modernização ou em relação de causa e efeito com ela, se passou ao estudo dos modos como esses valores são criados, transmitidos e modificados e, portanto, a uma investigação cada vez mais complexa e sofisticada dos processos de socialização primária que não excluem a priori o peso das estruturas políticas e sociais (PASQUINO, 2000:775).

Na formação da cultura política moderna, que engloba liberdade, autonomia e democracia, observa-se um conjunto de normas, valores e crenças que se dissemina entre os indivíduos de um determinado grupo social e nação. Esta constatação possibilita compreender como experiências de transformação social operam em cada sociedade com um arcabouço cultural e político distintos, gerando processos diferenciados em seu interior, a partir da lógica subjacente aos atores que nela estão inseridos e que orientam as suas condutas. Barbosa (1999) explicita esta análise quando afirma que torna-se cada vez mais claro que a modernização não constitui um processo demográfico, social, econômico e político unilinear que conduz todas as nações numa determinada direção. Sabe-se, também, que seus contornos fundamentais não aparecem de forma idêntica em todos os lugares, quaisquer que sejam as diferenças ou especificidades. A modernização que transforma é vista como uma série de processos em que um núcleo comum engendra problemas e/ou acirramento ou abrandamento de aspectos tradicionais nas formações sociais envolvidas. Ou seja, ela não é uma simples substituição de um sistema tradicional por outro moderno, mas na realidade engendra composições, sincretismos e o novo.

Se por um lado, a modernização combina a modificação de estruturas organizacionais, valores e estratégias de ação, por outro, reposiciona o ator que atua na sociedade através das organizações, por exigir mudança de comportamento, novas percepções e valores. Barbosa (2001) amplia a questão observando os indivíduos nas organizações e enfoca a gestão, ressaltando que a dimensão gerencial da administração não é constituída em si por nenhum tipo de

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conhecimento técnico ou especificamente administrativo, mas pelas instituições, mecanismos sociais e políticas de significados que constituem a sociedade contemporânea. Adverte que se já está claro que os sistemas técnicos não são implantados em vácuos sócio-culturais, menos ainda as tecnologias gerenciais, cuja “matéria-prima” são os próprios indivíduos.

As organizações não são formadas pelo “Schmidt” de Taylor que operam categorias do tipo criatividade, intuição, empregabilidade, aprendizagem, organização por processos, serviços etc como definidas pelos seus formuladores. São constituídas por sujeitos que interpretam e ressignificam toda e qualquer tecnologia gerencial. São constituídas por sujeitos, como dizia Marx, amarrados a teias de significados. [...] Entender essas teias de significado e as instituições que as materializam na vida cotidiana é o mínimo que devemos buscar, se quisermos pensar estrategicamente as organizações no que toca ao seu desenvolvimento interno, o seu papel e as suas relações com a sociedade contemporânea” (BARBOSA, 2001:20-21).

Pensar a modernização em relação às instituições brasileiras requer indagar como os princípios normativos e institucionais que definem o mundo moderno operam no interior de uma sociedade ancorada numa lógica relacional, ou seja, como adquirem significação própria e distinta na prática social. Acredita-se que uma reflexão que privilegie este ângulo de análise não condiciona os esforços modernizantes ao determinismo cultural, mas, reconhece que os elementos de uma cultura formam uma variável estruturante da sociedade e as organizações e os indivíduos que a compõem são influenciados e a influenciam permanentemente, dando-lhe até mesmo uma conformação política.

Sabe-se que cultura é um conceito dominante na Antropologia e que após a década de 80 vem sendo usado com freqüência no campo da administração através do derivativo de cultura organizacional. Motta (1995), Barbosa (1999) e Freitas (2000) chamam atenção para a imprecisão conceitual advinda do uso do termo com a marca de um apelo pragmático da cultura de negócio. Freitas (2000) situa esta crítica:

O corpo teórico da cultura organizacional permanece fragmentado, difícil de ser apreendido integral e consensualmente por acadêmicos e práticos dessa área. Sua fragilidade conceitual e metodológica ainda é alvo de duras críticas. Em boa medida, essas críticas se referem à “apropriação indébita” de alguns conceitos tirados da etnologia e da antropologia cultural, bem como ao fato de os pesquisadores tenderem a reduzir o significado das produções culturais de um povo àquilo que é produzido numa convivência parcial, como a que se dá no seio das organizações (FREITAS, 2000:95).

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Nas organizações, a dimensão cultural e simbólica ingressa não apenas sob o rótulo de cultura organizacional, mas de diferença, discurso entronizado pela globalização e que se reflete, fundamentalmente, na noção de vantagem competitiva. A globalização, portanto, tirou a questão da cultura do âmbito exclusivo das discussões sobre culturas organizacionais e imbricou-a no tecido organizacional como parte do negócio, embora esta diferença seja “domesticada” pelo pragmatismo da cultura de negócios (BARBOSA, 1999;2002). Mesmo reconhecendo estas implicações, a autora afirma que o conceito de cultura abre caminho para uma discussão mais aprofundada sobre o peso da dimensão simbólica nas organizações e nas diferentes formas e teorias de gestão. Propõe o conceito de cultura administrativa, entendido como o conjunto de lógicas e valores contextualizados de forma recorrente na maneira de administrar de diferentes sociedades. E destaca que “a cultura, no sentido antropológico do termo, é um conjunto de mecanismos simbólicos que utilizamos para organizar a realidade” (BARBOSA, 1999:141).

Segundo Motta (1995), a cultura é um contexto de significados, um sistema de relações. As organizações baseiam-se em pressupostos básicos compartilhados sobre as relações com o ambiente, a natureza da realidade e dos relacionamentos humanos, do tempo e do espaço. Ressalta o autor que a cultura não pode ser nada diferente da realidade vivida, espontânea e subjetiva dos indivíduos. A cultura é e só pode ser a relação desses indivíduos com suas condições de existência.

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2.1 VELHOS HÁBITOS EM PRÁTICAS NOVAS: A MODERNIZAÇÃO CABOCLA E A TRANSFORMAÇÃO SOCIAL

A interpretação dominante nas análises sobre modernização no Brasil a define como complexa, ambígua e cheia de paradoxos. A referência que orienta as indagações sobre o perfil das transformações da sociedade brasileira é de uma formação histórica, caracterizada por diversos pensadores como dual, criada na tensão contínua entre tradição e mudanças. Como conseqüência, emerge, ao longo do século XIX e XX, um país de cultura personalista, pré-moderno e patrimonialista.

Historicamente, as formas, atenuadas ou explícitas, de um mundo pré-moderno convivem com experiências modernizadoras, como se fossem dotadas de uma certa plasticidade capaz de revestir velhos hábitos em práticas novas. Baiardi (1995) chama atenção para as conseqüências destes traços no Brasil contemporâneo.

Esses fatores, atuando junto ou isoladamente, têm impedido a formação de um verdadeiro tecido social que funcione como atenuador da exclusão e que sirva, também, para ampliar as manifestações de solidariedade, além de ser um meio propagador de atitudes progressistas e racionais (Baiardi, 1995:101).

O autor revisita a formação histórica brasileira e sugere que traços presentes na sociedade, que deveriam pertencer ao passado e se situam no âmbito da ideologia, sobreviveram à infra-estrutura econômico-social que as gerou, deslocando-se desta e adquirindo formas e temporalidade próprias. O elemento explicativo deste processo é a prolongada influência, em termos de visões de mundo e valores, exercida por uma mentalidade com raízes no pensamento aristocrático, senhorial e mercantil, de extração colonial e escravocrata, sobre o conjunto dos grupos sociais. A difusão incompleta de uma cultura liberal-burguesa no Brasil e as especificidades da transformação capitalista restringida produziram uma espécime de bloqueamento cultural que impõe a convivência com dois padrões culturais de comportamento em relação às mudanças necessárias para que a sociedade brasileira transitasse do estágio de modernidade insuficiente ou limitada ao estágio de moderna sem adjetivações (BAIARDI, 1995).

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Em uma análise comparativa, Baiardi (1995) sugere uma tipologia de padrões culturais de comportamento, que foi sistematizada conforme apresentado no quadro-síntese a seguir:

Quadro 01

Tipologia simplificada de padrões culturais de comportamento

Tipo de civilização

Modelo de colonização

Origem Natureza Características do padrão cultural de comportamento “Civilização moderna nos trópicos” (Gilberto Freyre Colônia de exploração Portuguesa – influenciada pela “civilização dos trópicos” e pela imigração ibero-mediterrânea Exploratória: terra como concessão, sujeição à coroa portuguesa

Neste tipo de padrão, desenvolveu-se a prática do descompromisso com a disciplina e com a racionalidade, a ética do ganho fácil, do protecionismo estatal sem limites, do direito a uma sinecura ou outras formas de segurança e de garantia, da esperteza e da malandragem “Civilização

subtropical” “meridional”

Colônia de povoamento

Imigrante não ibérico – influenciado pela ética protestante e pelos valores não necessariamente religiosos presentes nas sociedades de base camponesa européia e oriental – aponta na direção da valorização do trabalho manual e na fixação no território Fixar-se na terra/ colono

Devido à tradição ligada ao estilo de vida das sociedades camponesas, os descendentes desses grupos apresentam uma propensão para a agricultura de base familiar, para o artesanato em suas diversas formas, para a formação de cooperativas e outros tipos de organizações comunitárias, como círculos sociais, para a implantação de pequenas indústrias de base familiar. Enfim, para assumir o risco capitalista e valorizar o trabalho – inclusive o manual- , a disciplina e o ambiente em que vivem. Neste grupo, desenvolveu-se a ética da

responsabilidade, do ascetismo, da frugalidade e da acumulação, que é própria das sociedades camponesas da Europa ocidental

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Esta tipologia encontra sustentação em Holanda (1995) para quem a cordialidade, como característica da cultura política brasileira, representa o modo de ser que se move entre estas duas dimensões, concomitantes, do processo de modernização brasileira: um obstáculo à impessoalidade da ordem moderna, opondo-se à civilidade. Em seu trabalho seminal – Raízes do

Brasil – Holanda avalia que, no limite, esta seria a contribuição que a sociedade brasileira daria à

modernidade.

Já se disse, numa expressão feliz, que a contribuição brasileira para a civilização será de cordialidade - daremos ao mundo o “homem cordial”. A lhaneza no trato, a hospitalidade, a generosidade, virtudes tão gabadas por estrangeiros que nos visitam, representam, com efeito, um traço definido do caráter brasileiro, na medida, ao menos, em que permanece ativa e fecunda a influência ancestral dos padrões de convívio humano, informados no meio rural e patriarcal (HOLANDA, 1995: 146-147).

Holanda (1995) destaca que a existência de um sistema administrativo e um corpo de funcionários puramente dedicados a interesses objetivos é uma excepcionalidade no Brasil. Ao longo da história, as vontades particulares, assentadas em círculos fechados e pouco acessíveis a uma ordem impessoal, foram predominantes, resultando no particularismo e no patrimonialismo, expressos pela invasão do público pelo privado e do Estado pela família. Destaca, ainda, que dentro deste círculo, o familiar foi aquele que se exprimiu com mais desenvoltura e força em nossa sociedade.

E um dos efeitos decisivos da supremacia incontestável, absorvente, do núcleo familiar – a esfera dos chamados “contatos primários”, dos laços de sangue e de coração - está em que as relações que se criam na vida doméstica sempre forneceram o modelo obrigatório de qualquer composição social entre nós. Isso ocorre mesmo onde as instituições democráticas, fundadas em princípios neutros e abstratos, pretendem assentar a sociedade em normas antiparticularistas (HOLANDA, 1995:146).

Para Fedozzi (1997), o dilema original proposto por Holanda advém do fato de que o

homem cordial representa a impossibilidade de atingir uma ordenação impessoal que permita a

ruptura com os padrões privatistas, particularistas e oligárquico-patrimonialistas dominantes na sociedade brasileira.

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Num estudo comparativo entre a cordialidade em Holanda e o familismo amoral em Banfield3 como dilemas à modernização, Esteves (1998) considera que ambos os autores operam

em um mesmo movimento: a duplicação de suas narrativas. De um lado, produzem uma etnografia de sociedades atrasadas; de outro, constroem modelos de desenvolvimento cujos elementos não encontram correspondência naquelas sociedades observadas. No caso brasileiro, esta duplicação aparece em pares antagônicos, tais como: igualdade/hierarquia, racionalização/afetividade, civilidade/cordialidade. Já a simulação do modelo tocqueviliano na comunidade Montegranesi, estudada por Banfield, indica a existência de condições culturais que obstaculizam o desenvolvimento político, econômico e social na direção do moderno, por serem avessas a qualquer tipo de organização. “Com efeito, o familismo amoral é um ethos que se revela absolutamente inconsistente com as condições necessárias à passagem ao moderno” (ESTEVES, 1998:05). Com base nesta conclusão, o autor questiona: como proceder à modernização se o background cultural destas sociedades constitui-se, ele próprio, em óbice ao moderno? Ou, mais especificamente, como proceder à modernização nos quadros das tradições cordial e familista? Esteves (1998), baseando-se na preocupação expressa por Holanda em toda a sua obra, afirma que “qualquer que baseando-seja o caminho da modernização, este, para ter sucesso, deve levar em conta os aspectos particulares da tradição” (ESTEVES,1998:105).

O desconhecimento de qualquer forma de convívio que não seja ditada por uma ética de fundo emotivo, típica da tradição, corrobora a análise de DaMatta (1997a;1997b,1999) para quem a sociedade brasileira é relacional, pois nela, mais importante do que os elementos em posição, é a sua conexão, os elos que conjugam os seus elementos (DaMatta, 1997a). Ao enfatizar conceitos como “casa” e “rua”, enquanto categorias sociológicas que permitem espelhar como as relações sociais são estruturadas, sobrepostas, entrecruzadas ou antagônicas, conclui que uma seja capaz de englobar a outra em certas situações específicas.

Leituras pelo ângulo da casa ressaltam a pessoa. São discursos arrematadores de processos ou situações. (...) Aqui a emoção é englobadora, confundindo-se com o espaço social que está de acordo com ela. (...) Leituras pelo ângulo da rua são discursos muito mais rígidos e instauradores de novos processos sociais. É o idioma do decreto, da letra dura da lei, da emoção disciplinada que, por isso mesmo, permite a exclusão, a cassação, o banimento, a condenação (DaMatta, 1997a:19).

3Durante a década de 50, Edward Banfield levou a cabo uma pesquisa em uma cidade no Sul da

Itália, Montegrano, com o objetivo de encontrar as raízes da pobreza e do atraso característicos da cidade. Identificou um ethos familista, responsável pela inabilidade dos cidadãos de agir em

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Temos que nos dar conta, adverte DaMatta (1999), de que vivemos numa sociedade onde casa e rua são mais que meros espaços geográficos. “São modos de ler, explicar e falar do mundo (...). São também espaços de onde se pode julgar, classificar, medir, avaliar e decidir sobre ações, pessoas, relações e moralidades” (DaMatta, 1999:29,33). É neste cenário que as relações sociais operam. Uma lógica que exclui pela letra dura da norma e outra que inclui pela emotividade da casa. Estas lógicas não se colocam como excludentes entre si ou mesmo contraditórias, mas encontram a complementaridade na própria dualidade em que se expressam, formando um campo híbrido de valores intercalados em que se realizam a ação social. Motta (1990) descreve esta lógica de integração:

Em casa, junto aos familiares, padrinhos e amigos, vivo no conforto das relações pessoais, num mundo em que devo e recebo favores, no qual devo e me devem respeito, afeto, distinção. Na rua, ninguém me deve nada, eu e os demais cooperamos e competimos por recursos escassos sob o primado das regras, das leis e das normas das instituições da vida econômica e profissional (Motta, 1990:91).

concerto para a realização do bem comum ou, de fato, para a realização de qualquer objetivo que transcenda o interesse imediato da família nuclear (ESTEVES, 1998).

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Numa sociedade em que as relações pessoais formam a rede central de convivências, elas terão um peso significativo na esfera das trocas, à medida que um sistema fundado no “favor”, na “consideração”, na “amizade” se vê, constantemente, ameaçado pelos domínios da racionalidade moderna. Enriquece esta abordagem a análise realizada por Santos (1993), para quem os valores políticos da sociedade brasileira e os modos sociais de relacionamentos resultam, do ponto de vista do Estado e das instituições, em um híbrido institucional. Para o autor, o livre trânsito entre o conjunto das instituições poliárquicas e não-poliárquicas repercute diretamente na cultura cívica, com impactos na eficácia das políticas governamentais. Por exemplo, há no Brasil uma cultura da dissimulação de conflitos e baixa adesão à legislação e aos códigos formais, o que resulta em um descaso pelas instituições poliárquicas4 e um esvaziamento da cultura cívica.

Seguindo esta linha crítica à cultura política e sua influência na ação social, Martins (1994) e Oliveira (1996) refletem sobre a apropriação do público pelo privado. O primeiro é enfático em dizer que mesmo nos setores do Estado voltados para os serviços públicos, onde se situam os focos mais consistentes de crítica à corrupção e de elaboração de um discurso abstrato da cidadania (a universidade, por exemplo), encontram-se também práticas cotidianas de troca de favores e rupturas das normas, sociais ou organizacionais. Oliveira (1996) chama a atenção para a utilização da lógica da distinção e da relação para substantivar uma condição especial – diferenciada - construindo um cenário em que alguns têm direitos (e deveres) e outros têm privilégios. O autor exemplifica discutindo a demanda em prol da estrutura de representação paritária na universidade. Para ele, a defesa desta estrutura se apresenta como um exemplo da condição híbrida de relação entre ator e instituição, provocando dificuldades de superação dos efeitos perversos da lógica da relação personalizada (ou apelo da distinção em relação à norma), na medida em que tem lugar no âmbito de grupos sociais cuja identidade e projeto político declarados se definem em torno da bandeira da justiça social. Um princípio diametralmente oposto aos princípios sintonizados com as consequências “privatistas” com que atua na universidade, influenciando a gestão, caracterizando a apropriação do público pelo privado.

Barbosa (1992), discutindo a questão dos valores e da tradição na formação do jeitinho brasileiro, argumenta que o critério de não-diferenciação interna que orienta as relações dentro do sistema organizacional universitário brasileiro encarna com perfeição o que ela define como ideologia da igualdade radical. Pois, tais relações só podem ser compreendidas se forem analisadas sob a ótica de uma ideologia igualitária que se coloca como moldura básica através da qual se orientam, contraditoriamente, as relações no âmbito universitário. Conclui afirmando que:

4

Segundo Santos (1993), uma definição sucinta do conceito poliarquia compreende um elevado grau de institucionalização da competição pelo poder (existência de regras claras, públicas e obedecidas) associado à extensa participação política, só limitada por razoável requisito de idade. Funções básicas: provisão de segurança, proteção, previsibilidade e administração da justiça.

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Teoricamente, decretos universalizantes não combinam com tratamentos pessoais, mas é justamente isso que na sociedade brasileira tentamos compatibilizar, através de uma prática social que incorpora uma noção de indivíduo que tem suas raízes em duas totalidades distintas: uma legal e outra moral, que permite, conforme o plano (nível ou domínio) em que se estiver referindo, que ele seja o sujeito normativo das instituições e das situações (BARBOSA, 1992:123).

Diante destas interpretações, algumas indagações permanecem: como pensar as possibilidades de modernização num quadro em que os condicionantes de comportamento estão assentados sob padrões culturais que favorecem um ranço construído historicamente? Ou ainda, como tornar a atuação do Estado ou de suas instituições pautada em princípios gerais de cidadania político-cívica e valores democrático-participativos que realmente influenciem a conduta dos indivíduos de forma mais integrada entre o público e o privado, sem dicotomizar a conduta social em a “casa” e a “rua”?

Estas questões continuam instigantes e remetem à noção putniana de capital social em que o engajamento cívico dos atores é central para a concretização de mudanças, portanto, da modernização, inclusive de valores. Por engajamento cívico deve-se entender “o nível de participação e, também, de eficiência nas decisões e gestão em instituições públicas ou privadas envolvidas nos mais diferentes tipos de atividades” (LANIADO e BAIARDI, 1998:114). De acordo com Putnam (2000), a ação social dos indivíduos nas organizações – fundamentada numa vida cívica dinâmica - determina o padrão de evolução das instituições. Se uma comunidade se caracteriza por cidadãos atuantes e imbuídos de espírito público, pela consolidação de relações igualitárias, por uma estrutura social firmada na confiança e na colaboração, ela tem fortes chances de ter instituições sólidas que refletem o grau de coesão cívica dos seus membros (Putnam, 2000).

Centrado num enfoque institucionalista, Putnam (2000) vê a confiança como o valor central para gerar outras ações potencializadoras do capital social, a exemplo da cooperação e do associativismo. Quanto mais elevado o grau de confiança existente numa comunidade, maior será a disposição de seus agentes em cooperar. Laniado e Baiardi (1998:106), estudando a classe empresarial baiana, inferem que o grau de difusão de valores modernizantes nas organizações em geral – inclusive nas empresas – deve-se não somente aos determinantes econômicos de ordem estrutural ou conjuntural, mas, também, a maneira como atuam os atores em posições de poder nas instituições.

Visão de mundo e mentalidade recobrem de forma incisiva o desempenho do indivíduo – tanto nas escalas mais baixas como nas mais altas das hierarquias

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sociais – fazendo-o posicionar-se em relação aos determinantes macro-estruturais, retirando das trajetórias históricas a dimensão meramente teleológica que as análises reducionistas e simplificadoras sugerem (LANIADO e BAIARDI, 1998:107).

Visão de mundo e de mentalidade também orientam as condutas dos indivíduos na vida organizacional. A ruptura com modelos existentes mediante a adoção de novos valores na condução da gestão, tanto do Estado quanto de suas agências, requer alterações nos padrões culturais e de conduta dos indivíduos que nelas atuam. Pois são os próprios indivíduos que, principalmente, têm um papel que pese em relação aos obstáculos à modernização no interior das próprias organizações. Outros tantos fazem parte da própria cultura como um todo e exigem esforços prolongados de mudança, que se move por gerações. Isto é, enfrentar os obstáculos às transformações orienta a ação para a produção de um capital social mais desenvolvido, pois reforça as instituições ao modificar, nos micro espaços e nas múltiplas esferas do social, a cultura política. Uma instituição como a universidade, que tem o papel de produzir e disseminar saber e conhecimento, exerce exatamente um papel relevante neste circuito – atores, cultura política, mentalidade, instituições e capital social – contribuindo, portanto, para uma democracia mais consolidada e inclusiva.

2.2. DO “JEITINHO” BRASILEIRO AO ESTRANGEIRISMO: TRAÇOS5 DA CULTURA BRASILEIRA NA VIDA ORGANIZACIONAL

As análises sobre a influência da cultura brasileira sobre a vida organizacional tomam como ponto de partida os estudos clássicos produzidos por historiadores, antropólogos e sociólogos brasileiros, alguns já citados. A permanente questão levantada pelos interessados em identificar os vínculos entre comportamento individual e o ambiente organizacional constitui o foco dos estudos organizacionais que analisam a cultura da empresa à luz da formação histórica da sociedade brasileira. Na esfera micro-social, o debate parte do

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“Traços” é aqui entendido como características gerais que são comuns ou freqüentes na maioria dos brasileiros. Neste sentido, representam aqueles pressupostos básicos que cada indivíduo usa para enxergar a si mesmo como brasileiro (Freitas,1997:39).

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pressuposto de que a cultura de uma organização traz, em maior ou menor grau, a marca de seus correspondentes na cultura nacional6.

A contribuição de Hofstede (1994) é considerada um marco central para os pesquisadores brasileiros. A partir de dados coletados numa multinacional norte-americana,7 ele apresenta quatro diferentes padrões culturais de comportamento: distância hierárquica ou distância de poder, individualismo/ coletivismo, masculinidade/feminilidade e nível em que se evita a incerteza. Posteriormente, o autor complementou o trabalho adotando um quinto parâmetro denominado de orientação a longo prazo. Os parâmetros definidos por Hofstede (1994:09-10) podem ser descritos, sucintamente, como segue:

• A distância hierárquica ou nível de desigualdade aceito como normal em determinado país: desde o relativamente igual até o extremamente desigual;

• O individualismo ou a propensão dos membros de uma dada sociedade a agirem e reagirem de forma individualizada (oposição entre individualismo e coletivismo);

• A masculinidade ou nível de preeminência dos valores “masculinos” (agressividade, desempenho, sucesso e competitividade) sobre os valores “femininos” (qualidade de vida, relações humanas, dedicação, solidariedade), ou seja, valores que variam da dureza extrema à maior benevolência;

• O repúdio à insegurança que corresponde a preferência por situações mais ou menos rígidas (estruturadas) ou abertas e que vai de uma relativa flexibilidade a uma grande rigidez para adaptar-se a imprevistos;

• A orientação a longo prazo opõe-se às tendências de curto prazo. Neste parâmetro, os valores positivos são austeridade e tenacidade e os

6 Motta, Alcapadini e Bresler (2001), Barbosa (1999), Fischer e Mac-Allister (2001) são unânimes

em advertir que a análise de traços culturais de um dado país é uma tarefa extremamente difícil de ser realizada e ganha complexidade em virtude do pesquisador estar inserido nesta realidade.

7

Inicialmente, Hofstede pesquisou 40 (quarenta) subsidiárias da IBM em todo o mundo. Posteriormente, o objeto do estudo ampliou-se para 60 (sessenta), dando conta de culturas ocidentais e orientais. Os parâmetros definidos pelo pesquisador tomaram como base os valores de 160 mil (cento e sessenta) funcionários e executivos da referida empresa, em diferentes países.

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negativos são respeito pelas tradições e conformismo social (o medo do que “os outros dirão”).

As conclusões de Hofstede em relação ao Brasil são analisadas por Motta (1995;1997;2000a): um país caracterizado por uma sociedade coletivista, com um elevado nível de evitar a incerteza e uma enorme distância de poder entre seus membros. O nível de preeminência da dimensão feminina encontra-se muito próxima da masculina, sendo quase impossível situá-lo com precisão. Motta (1997) exemplifica estas dimensões e as compara com a formação social brasileira:

As organizações brasileiras geralmente apresentam uma distância de poder tão grande que parecem lembrar a distribuição de renda nacional e o passado escravocrata. A forma como trabalhadores e executivos são tratados parece, de um lado, basear-se em controles do tipo masculino, o uso da autoridade, e, de outro, em controles de tipo feminino, o uso da sedução (Motta, 1997:31).

Entre as características da sociedade brasileira analisadas por Hofstede, duas – distância de poder e aversão à incerteza – são comparadas por Motta (2000a) com o mundo organizacional. Segundo o autor, as organizações no Brasil são muito burocratizadas e hierarquizadas, ou seja, “distância de poder e procura de evitar a incerteza são características das organizações brasileiras, como são características da sociedade brasileira” (Motta, 2000a:13).

O autor ainda aduz ao debate no âmbito organizacional duas características também analisadas pelos cientistas sociais brasileiros: a primeira diz respeito à busca pelo estabelecimento de redes sociais pessoais no mundo do trabalho, numa tentativa de levar para o âmbito da racionalidade instrumental um pouco da afetividade do mundo da casa, do terreno das pessoas. A segunda dimensão relaciona-se com a primeira e diz respeito à ambigüidade como face da heterogeneidade brasileira. Com base nesta característica, exemplifica a pouca presença de valores democráticos no âmbito das organizações, mas, complementa o autor, não se caracteriza como uma autocracia, trata-se de algo intermediário, ambíguo, como muitos traços da cultura brasileira.

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Martins (1997) analisa a trajetória modernizante da administração pública brasileira e o ethos patrimonialista que subjaz no contexto social em que se desenrola a apropriação do público pelo privado. Observa que esta trajetória apresenta os esforços de implementação de formas institucionais antipatrimonialistas, a exemplo do padrão burocrático de administração pública iniciado por Vargas no Estado Novo e valorizado pelos militares no período autoritário. Mas, reconhece o próprio autor, que esse processo tem sido marcado pelas descontinuidades e contradições político-administrativas que impuseram um caráter dissociativo entre este padrão e o desenvolvimento de uma burocracia pública imbuída do seu papel no país.

A trajetória da modernização da administração pública brasileira revela, na perspectiva do Estado, uma difícil compatibilização e uma relação de disfuncionalidade recíproca entre política e administração, entre burocracia e democracia. Ora tentou-se consolidar uma burocracia, racionalizando-se funcionalmente a administração, à revelia da política e à custa da democracia, ora tentou-se descaracterizar o caráter funcional da burocracia pública pretensamente até em nome da democracia; ora obstaculizada, ora estimulada pelos agentes do Estado e da política nacional (MARTINS, 1997:175).

Em toda a sua argumentação, o autor reforça as dificuldades de modernizar a administração pública em virtude do conjunto de valores qualificados como patrimonialistas, que tem subsistido às iniciativas de transformação do Estado brasileiro. Embora reforce a idéia de que esta modernização é dissociativa, isto é, a construção burocrática é tendencialmente obstaculizada pela política, conclui afirmando que os traços marcantes da trajetória modernizante indicam a persistência de um ethos com forte caráter patrimonialista exercendo uma força (social) neste processo.

Vasconcelos (1995) corrobora as preocupações apresentadas por Martins (1997) e argumenta que, no caso brasileiro, existem estruturas históricas que funcionam como obstáculos reais aos esforços modernizantes e que influenciam o trabalho, sua produtividade e as formas de gerência.

Nosso ingresso entre as nações desenvolvidas, dotadas de um sistema produtivo moderno tem problemas relacionados com nossos padrões de comportamento cultural de uma forma geral e às questões

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ligadas a nossa baixa capacidade gerencial, mais especificamente. Isto fica mais claro quando nos lembramos que os valores que os indivíduos já têm ao ingressar no mundo do trabalho acabam por influenciar definitivamente suas ações, com resultados no nível geral de produtividade (VASCONCELOS, 1995:222).

Analisando a gênese da gerência no Brasil, o autor destaca que padrões de comportamento característicos do mundo fabril geraram o que ele denominou de coronelismo empresarial. Comportamentos que foram se amoldando à forma com que as fábricas – maiores responsáveis pela modernização no mundo do trabalho – foram se instalando no Brasil. Em decorrência desse curso de transformação, “nosso processo de industrialização deu-se de tal forma que foram mantidas velhas formas de ação ao lado de novos padrões de comportamento” (VASCONCELOS, 1995:223). Mesmo reconhecendo que no pós-guerra este cenário se modifica com a introdução do paradigma modernizante americano na gerência brasileira, o autor chama a atenção para uma espécie de descolamento dos valores da sociedade em relação aos princípios e diretrizes implantados na administração e gerência da realidade brasileira. E argumenta que este hiato se formou por não absorver e nem interagir com os valores culturais mais profundos do ambiente social onde se deu a industrialização modernizante, resultando em ilhas de racionalidade que convivem com modos coronelistas clássicos.

Freitas (1997) e Prates e Barros (1997) propõem um suporte instrumental para a análise da cultura organizacional sob o prisma da cultura brasileira. Reconhecendo que as transformações não se situam apenas no plano objetivo (estrutura, padrão de autoridade, divisão do trabalho, métodos de controle, comunicação interna), argumentam que elas se dão, fundamentalmente, devido a mudanças de atitudes e percepções dos indivíduos, porque são estimulados e condicionados pelas representações sociais e seus valores culturais correlatos, mesmo na organização. Freitas (1997) propõe um sumário dos principais traços brasileiros, aqueles nitidamente influentes no âmbito organizacional, conforme exposto no quadro a seguir:

Quadro 02

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