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Trilogia do Samba : um estudo da perspectiva contemporânea da coreógrafa Andrea Jabor.

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Academic year: 2021

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NIVERSIDADE

D

E

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ISBOA

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ACULDADE

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OTRICIDADE

H

UMANA

Trilogia do Samba: Um estudo da perspectiva contemporânea da coreógrafa Andrea Jabor

Dissertação elaborada com vista à obtenção do Grau de Mestre em Performance Artística - Dança

ORIENTADOR: Prof. Doutor DANIEL TÉRCIO RAMOS GUIMARÃES

Júri:

Presidente

Professora Doutora: Ana Maria Macara de Oliveira Vogais:

Professora Doutora: Lívia Jimenez Sedano

Professor Doutor: Daniel Tércio Ramos Guimarães

Renata Carvalho Andrade 2013

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NIVERSIDADE

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ISBOA

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ACULDADE

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OTRICIDADE

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UMANA

Trilogia do Samba: Um estudo da perspectiva contemporânea da coreógrafa Andrea Jabor

Dissertação elaborada com vista à obtenção do Grau de Mestre em Performance Artística - Dança

ORIENTADOR: Prof. Doutor DANIEL TÉRCIO RAMOS GUIMARÃES

Júri:

Presidente

Professora Doutora: Ana Maria Macara de Oliveira Vogais:

Professora Doutora: Lívia Jimenez Sedano

Professor Doutor: Daniel Tércio Ramos Guimarães

Renata Carvalho Andrade 2013

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AGRADECIMENTOS

(...) A bênção, todos os grandes Sambistas do Brasil Branco, preto, mulato Lindo como a pele macia de Oxum (...) Em Samba da Benção Vinicius de Moraes agradece pedindo a benção a todos aqueles que estiveram com ele nos ensinamentos, nas parcerias e na vida. Aqui abro espaço para a benção e ao agradecimento àqueles que me deram as mãos e caminharam juntos comigo.

À benção minha mãe, aquela que descansa meu fim de tarde quando canta, que preencheu meus dias com os meus primeiros sambas e que sempre se juntou a mim a dançar pela casa. Obrigada pelos dias a mais, pela paciência a mais, pelo amor que não se mede.

À benção meu pai, sambista de coração, que passeou comigo na música brasileira, em casa e nas rodas. De todo coração, agradeço pela confiança e pela alegria de participar disso e de tantas outras coisas nesses dois anos.

À minha avó, que no quintal das mangueiras, dançava comigo de porta-bandeira, improvisando uma toalha enrolada na haste da vassoura e uma coroa dourada na cabeça. Que já se foi, mas que fez os meus dias mais especiais.

À benção Alberto Carvalho, poeta da nossa casa, meu avô, a quem eu ouvia ‘naquela mesa’ onde ele sentava sempre, suas melhores conversas e sem dúvidas, as melhores piadas. Obrigada pelo cheiro constante de arte!

À benção aos meus irmãos! À Gabriela, que com samba ou sem samba, é minha amiga, construiu comigo o Rosa Negra Grupo de Dança e torce incondicionalmente por mim. À Daniel, que com poucas palavras e com o coração gigante, está sempre do meu lado. E à minha irmã do coração, Solange, minha eterna ‘paraíba’ que apaixonada por samba como eu, participa em tudo na minha vida.

À minha Mi, linda e doce como sua mamãe oxum, a benção à dança que nos apresentou, aos sambas que nos arrepia e às nossas madrugadas musicais...

À benção Grazi, parceirinha da dança e amiga de anos, que torce, chora e samba muito comigo! À leveza das poesias noturnas..

Ao meu amigo de há anos Ismael, que mesmo de longe me chateava todos os dias para que eu sempre fizesse sempre o melhor por mim. Obrigada pela amizade incondicional.

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À Alexandre, amigo das artes, da vida, que acompanhou esse processo com muita conversa, muita torcida, e com toda paciência conseguiu me aturar nos meus piores momentos.

À benção Klely, que no iniciozinho de tudo, contribuiu para que minha vontade de seguir em frente não fosse interrompida em meio às dúvidas e receios.

À benção Tia Cristina, com sua alegria que contagia e as conversas que me fortaleciam. À benção Flor, Antero e os nossos grandes encontros que a música proporcionou.

À Dona, minha pequena grande amiga portuguesa. Pelo companheirismo, pelo abraço maternal e pelo “eu sei que tu consegues” de sempre.

À benção a minha Martolina, por chegar colorindo os meus dias... À amizade e à dança que nos encanta!

Às meninas do mestrado, pela cumplicidade, amizade e pelo crescimento.

Aos professores pela dedicação a ensinar. Em especial à Ana Macara e à dança que nos levou para fora das salas.

À benção ao meu orientador Daniel Tércio, pelas aulas inesquecíveis, pela confiança e pela mão estendida de sempre.

À benção a Andrea Jabor e a Companhia Arquitetura do Movimento, pela abertura, pela generosidade e ao encanto dos seus sambas! Ao Mestre Manoel Dionísio e à Escola de Mestre-Sala, Porta Bandeira e Porta-Estandarte, pela ternura com que me recebeu para me ensinar sobre a linda dança do casal.

À benção ao samba, aos sambistas e aos sambas que aprendi. À benção porque é felicidade, pensamento em Ventura, sorriso bom, braços abertos e pés em voo.

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iii RESUMO

Esta pesquisa está direcionada para os modos de fazer da dança contemporânea e suas mobilidades. Para tanto, focou no estudo da Trilogia do Samba, dirigida e coreografada pela carioca Andrea Jabor através da Companhia Arquitetura do Movimento.

A concentração da Trilogia nas matrizes do samba (samba de terreiro, samba de partido-alto e samba-enredo), convocadas no Dossiê elaborado pelo IPHAN, que reconhece o samba como Patrimônio Imaterial Cultural da Humanidade, levou-nos a desenvolver uma reflexão pautada em conceitos como a contemporaneidade, tradição e identidade. Com isso, o intuito foi perceber como aconteceu o cruzamento entre os territórios do samba com o fazer contemporâneo de Andrea Jabor, incidindo sobre a relação entre tradição e contemporaneidade.

Palavras-chave: dança contemporânea, samba, tradição, identidade, Andrea Jabor, coreografia brasileira

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iv ABSTRACT

This research is directed to methods of making contemporary dance and their mobilities. Therefore, the study focused on the Samba Trilogy, directed and choreographed by Andrea Jabor from Rio de Janeiro by Company Architecture Movement.

The concentration in the matrix trilogy samba (samba de terreiro, samba de partido-alto and samba-enredo), called the dossier prepared by IPHAN, which recognizes the samba as Intangible Cultural Heritage of Humanity, led us to develop a guided reflection on concepts such as contemporary, tradition and identity.

Thus, the aim was to understand how it happened the intersection between the territories of the samba with making contemporary Andrea Jabor, focusing on the relationship between tradition and contemporaneity.

Key-words: contemporary dance, samba, tradition, identity, Andrea Jabor, brasilian choreography

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v ÍNDICE AGRADECIMENTOS...i RESUMO...iii ABSTRACT...iv ÍNDICE DE FIGURAS...vii I. INTRODUÇÃO...01

1. Por onde ando...01

2. Laços...03 3. Nós...08 II. METODOLOGIA...10 4. Quadro Teórico...10 4.1. Ser Contemporâneo...10 4.2. Tradição e Identidades...20 5. A Prática Teórica...25

5.1. Corpomídia e as Cinco Peles...27

5.2. Antropofagia Cultural...31

6. A Prática de Terreno...36

6.1. Samba e seus contextos...36

6.1.1. Samba de Terreiro...44

6.1.2. Samba de Partido-Alto...49

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III. ARQUITETURAS QUE SE MOVIMENTAM...57

7. Andrea Jabor e a Companhia Arquitetura do Movimento...57

8. Com que roupa eu vou, pro samba que você me convidou?...60

9. A Trilogia do Samba...73

9.1. Sala de Estar: As Cinco Peles do Samba...73

9.2. A Cruz, o Xis e o Esplendor...91

9.3. Arquitetura do Samba: A dança do Mestre-Sala e Porta- Bandeira...106

9.4. Processos Negociais...118

IV. PALAVRAS FINAIS...125

V. FONTES DE ESTUDO...129

VI. ANEXOS...135

10. DVD Sala de Estar: As cinco peles do samba...135

11. DVD Ao Samba: A cruz, o xis e o esplendor...136

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ÍNDICE DE FIGURAS

Fig.1 Abaporu. Pintura, 1928. Tarsila do Amaral...31

Fig. 2 Oficina de Samba de Terreiro no Centro Coreográfico do Rio de Janeiro. Foto, 2009. Elisa Hugueney...46

Fig. 3 Encontro “A dança e o canto dos atabaques”. Foto, 2012. Elisa Hugueney...51

Fig. 4 Adereços de Carnaval. Desenho, 2013. Renata Carvalho...57

Fig. 5 Samba em Terreiro. Pintura, s.d. Heitor dos Prazeres...60

Fig. 6 Crianças em aula. Foto, 2012. Rafael Ferreira...68

Fig. 7 Casal de crianças em aula. Foto, 2012. Rafael Ferreira...69

Fig. 8 Casal do nível intermediário em aula. Foto, 2012. Rafael Ferreira...69

Fig. 9 Casal do nível avançado em ensaio. Foto, 2012. Rafael Ferreira...70

Fig. 10 Sala de Estar: As cinco peles do samba. Desenho inicial no chão com fita branca, 2007. Andrea Jabor...73

Fig. 11 Primeiros momentos. Sala de Estar: As cinco peles do samba. Foto, 2007. Dalton Valerio...75

Fig. 12 Passista em Sala de Estar: As cinco peles do samba. Foto, 2007. Dalton Valerio...80

Fig. 13 Sala de Estar: As cinco peles do samba. Outros desenhos no chão com fita branca, 2007. Andrea Jabor...86

Fig. 14 Cena final Sala de Estar: As cinco peles do samba. Foto, 2007. Dalton Valerio...89

Fig. 15 Ao Samba: A cruz, o xis e o esplendor. Desenhos no chão com fita branca, 2009. Andrea Jabor...91

Fig. 16 Cena inicial Ao Samba: A cruz, o xis e o esplendor. Foto, 2009. Elisa Hugueney...94

Fig. 17 Percussão corporal em Ao Samba: A cruz, o xis e o esplendor. Foto, 2009.. Elisa Hugueney...98

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Fig. 18 Referência a Malandros. Foto, 2009. Elisa Hugueney...101 Fig. 19 Sambista sob guarda-chuva iluminado. Foto, 2009. Dalton Valerio...102 Fig. 20 Mestre Dionísio em bailado. Arquitetura do Samba: A dança do mestre-sala e

porta-bandeira. Foto, 2010. João Braune...108

Fig. 21 Aprendiz de casal de mestre-sala e porta-bandeira? Foto, 2010. Dalton

Valerio...111 Fig. 22 Sapateadora. Arquitetura do Samba: A dança do mestre-sala e

porta-bandeira. Foto, 2010. João Braune...114

Fig. 23 Cena final em referência à evolução de uma Escola de Samba. Foto, 2010. Vantoen Pereira Júnior...115

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I - INTRODUÇÃO

1. Por onde ando

O caminho é iniciado por uma rede. Uma rede que se forma porque coisas acontecem a toda hora e vêm de todos os lados para irem para todos os lados. É o trânsito da arte, da vida que se movimenta incessantemente e quando você se desloca e olha de cima, vê as linhas que se cruzam e os pontos que se interceptam. E um desses pontos é o que nos interessa.

Um ponto que provocou a necessidade de ampliar a pesquisa relacionada aos modos de fazer da dança contemporânea, quando encontra, nesse caso, no samba carioca um caminho de pesquisa e criação a ser percorrido. E foi no seu mais recente trabalho, a

Trilogia do Samba, que o fazer coreográfico de Andrea Jabor realizou esse encontro. O

trabalho veio integrar o repertório da Companhia Arquitetura do Movimento, que tinha já no seu portfólio produção nos domínios das artes plásticas, literatura e tecnologia.

O samba é uma manifestação cultural que desde finais do século XIX atravessa e percorre o Brasil. Passou pelos terreiros, pelos blocos, pelo controle, pela resistência, profissionalização, popularização, sofreu mudanças, tomou o carnaval, as rádios, e hoje é um dos símbolos identitários mais fortes da nação brasileira.

Sendo assim, em 2007 o samba carioca foi reconhecido como Patrimônio Cultural Imaterial da Humanidade, através do Dossiê Matrizes do Samba do Rio de Janeiro:

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Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional e desde então, a coreógrafa pesquisa esse terreno.

Andrea concentrou-se nesses traços identitários e o resultado deu origem aos trabalhos:

Sala de Estar: As Cinco Peles do Samba (2007); Ao Samba: a Cruz, o Xis e o Esplendor

(2009) e Arquitetura do Samba: a dança do Mestre-Sala e Porta-Bandeira (2010), o que veio a somar ao repertório plural da Companhia.

A dissolução de fronteiras, no sentido de “mover-se livremente entre os territórios simbólicos de diferentes identidades” (Hall, 2009, p.88), ou seja, de estarmos tratando de um objeto que tem na sua concepção terrenos com estéticas e influências diferentes é o que desencadeia essa pesquisa, assim como o entendimento de que o encadeamento do olhar coreográfico contemporâneo com o universo do samba, nesse caso, é reflexo dos modos de funcionamento do corpo e deste na contemporaneidade.

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2. Laços

A Arquitetura do Movimento, companhia em questão, trabalha com a produção em dança contemporânea, o que, consequentemente, requer reflexões acerca da contemporaneidade e da produção em dança contemporânea. Perguntas acerca desse universo conduziram a uma literatura que dá tratamento a esse tema, não fixando uma resposta, mas conduzindo a possíveis soluções e a novos questionamentos.

Assim sendo, no Quadro Teórico deste estudo é convocada a perspectiva do que é ser contemporâneo de Giorgio Agamben (2009) quando este reflete sobre a relação do homem com seu tempo, ampliando a ideia de que temos que estar com o olhar completamente voltado para o tempo em que vivemos, mas mais que isso, é sabermos nos deslocar dele.

Esse olhar atento, atitude marcadamente atribuída à arte contemporânea, reflete-se nos modos de fazer da dança contemporânea, e para isso cruza-se com as perspectivas de Simone Gomes (2009), Denise Siqueira (2006) e Laurence Louppe (2012), as quais contribuíram para questões voltadas para a complexidade do corpo, tais como as diversas técnicas corporais, fundamentais para compreender os diferentes modos de fazê-la, o seu caráter polissêmico, o trânsito incessante entre o estabelecido e o provisório, e a poética, quando provoca no outro a possibilidade da construção de sentidos plurais.

Dois outros importantes conceitos para a pesquisa foram os de Tradição e Identidade. Nesse caso, eles derivam do terreno do samba, em si mesmo, e introduzem questões acerca do caráter da tradição, já que o próprio samba encontra-se entre o trânsito da preservação de costumes e tradições e os deslocamentos provocados no decorrer do tempo que alteram o que para muitos deveria ser imutável.

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O que define uma tradição? Qual sua relação com o tempo, com o presente, com o passado? Discussões sobre esse tema levantadas por Eric Hobsbawn (2012) e o seu contínuo interesse pelas tradições, quando questiona sua inventividade, são trazidas para dar suporte aos questionamentos levantados que se relacionam ao jogo de articulação com os elementos tradicionais do samba.

O samba é um dos símbolos culturais que mais representa o Brasil e carrega em si uma forte relação identitária com a cultura brasileira. Ao dizer Eu sou sambista, sendo sambista, o outro não é, e não sendo, como se dá a relação de pertencimento a essa identidade? Como se concebe a identidade na contemporaneidade? Existe uma homogeneidade na construção interior da identidade do samba?

Stuart Hall (2009, 2011) questiona qualquer estrutura fixa de identidade, à medida que essa construção é feita historicamente, através das negociações e desestabilizações que acontecem a todo momento nos diferentes momentos da vida. E então, traz os sistemas culturais como atuantes nas mobilidades de identidade do sujeito. Com isso, se um sujeito tem identidades móveis, que se articulam com os fatos ao longo da sua vida, como manter a homogeneidade, por exemplo, nos costumes e tradições que identificam o samba?

Seguidamente, na A Prática Teórica serão trazidos os conceitos que se relacionam com o estudo do corpo e sua relação com o entorno. Considerando aqui, a necessidade de entender como aconteceu a negociação entre os corpos que transitaram entre modos de fazer das duas diferentes narrativas: as práticas do samba, sua movimentação, rituais e a utilização de seus elementos, com a perspectiva de criação em dança contemporânea, quando da sua atitude investigativa no tratamento dos seus temas.

Para tanto, recorreu-se ao conceito de Corpomídia proposto por Helena Katz (1999) e Christine Greiner (2012), ao entenderem que o corpo se relaciona com seu entorno por

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um trânsito incessante de informações que são negociadas no próprio corpo e transformadas em corpo.

Outro conceito que será apresentado é o de Cinco Peles, pois foi através dessa formulação elaborada pelo arquiteto e artista plástico austríaco Friedensreich Hundertwasser, que a coreógrafa iniciou a concepção do primeiro trabalho da Trilogia,

Sala de Estar: As Cinco Peles do Samba. O conceito baseia-se em perceber as esferas a

que estamos relacionados, para então, encontrar caminhos que desenvolvam modos melhores de sermos para estarmos em harmonia com o ambiente.

As reflexões acerca da Trilogia remeteram também ao conceito de Antropofagia Cultural, proclamado em 1928 pelo modernista brasileiro Oswald de Andrade, como um possível caminho para entender por quais esferas perpassam a atitude da coreógrafa ao adentrar nesse terreno e fazer dele seu objeto de pesquisa para criação.

Em A Prática de Terreno é sustentado teoricamente por uma bibliografia relacionada ao samba, que atravessam questões relacionadas ao seu significado dentro da cultura brasileira, sua relação com o tempo presente, com o tempo e suas dinâmicas. Passa pelo que se chama de identidade brasileira, mesmo transitando numa hierarquia cultural devido ao seu caráter popular; desenvolve discussões em torno da manutenção de suas tradições, o que para muitos sambistas, está se perdendo; a relação com Escolas de Samba e questões que fizeram desse universo um campo amplo de discussão dando suporte para tentar entender como aconteceram as articulações encontradas na Trilogia

do Samba e como isso reflete no fazer da dança contemporânea e na

contemporaneidade.

Para tanto, a rede foi sendo feita através de autores como Renata de Sá Gonçalves (2008) em seu estudo sobre os ranchos carnavalescos do Rio de Janeiro do fim do século XIX e primeiras décadas do século XX, ao traçar um caminho pelo popular,

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através desses ranchos e sua relação com a dinâmica cultural da cidade e o uso social do espaço urbano como fundamental para a ampliação das redes de vivências e práticas.

As contribuições vieram também de Sérgio Cabral (2011), estudioso e conhecedor do samba e do carnaval carioca, através de um apanhado histórico, cheio de histórias dos seus protagonistas, do estudo antropológico lançado por Roberto DaMatta (1997), quando tenta elucidar a compreensão dos dilemas da sociedade brasileira, através de festas como o carnaval e Hermano Vianna (2012), que vai ao encontro da complexa rede formada até o samba ser transformado em símbolo de identidade nacional. Um processo longo e repressor, mas que viveu entre as décadas de 20 e 30 um momento onde o desejo da existência de uma brasilidade era criado e sugerido através das manifestações artísticas que viriam a ser determinantes na concepção do que hoje temos como identidade nacional.

Foi trazido o aprofundamento de Roberto M. Moura (2004), quando percorre as rodas de samba e desvenda questões desse universo da cultura popular, trazendo o entendimento da sua relação com o que se designa erudito, e o que poderia vir a ser oposição, encontra uma complementação, quando entende o samba como um espaço para pensar a sociedade brasileira. E o estudo mais específico de Walnice Nogueira Galvão (2008) relacionado ao carnaval carioca, sua importância e seus desdobramentos dentro da cultura brasileira. Dentro disso, percorre os carnavais de rua e chega ao sambódromo do Rio de Janeiro e levanta o problema da domesticalização do carnaval de rua e o afastamento que se criou entre o público e o carnaval com sua ida para o Sambódromo.

Além de Muniz Sodré (1998) quando busca o significado do samba na sociedade brasileira e encontra na cultura negra “as fontes geradoras de significação para o samba” (Sodré, p.9, 1998). Apesar de a ideia levar aos estudos Semiológicos, afasta-se um pouco da ideia formal e se deixa levar pelos caminhos que seu objeto o leva, como o

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mesmo diz, assumindo “o risco do envolvimento ou da paixão” e assim, perceber a sobrevivência do samba no processo sistemático de afirmação da identidade negra desenvolvido no seu caminho de resistência.

Em Arquiteturas que se movimentam, traz a Coreógrafa e o trabalho dela junto à Companhia, além de um espaço chamado Com que roupa eu vou, pro samba que você

me convidou? que trata do caminho de chegada à Trilogia, além de abordar

especificamente a aproximação da coreógrafa com o Mestre Manoel Dionísio, diretor da Escola de Mestre–Sala, Porta–Bandeira e Porta-Estandarte, onde foi laboratório da Companhia para a realização do terceiro trabalho.

E finalizando essa parte, um estudo sobre a Trilogia numa análise interpretativa das obras, separadamente, além de uma análise contextual e os desdobramentos que elas trazem em Processos Negociais, relacionados aos conceitos apresentados. O olhar é voltado para o samba, sua movimentação e aos elementos que foram trazidos aos trabalhos, aos sentidos atribuídos e como se deu a inserção deles através desse recorte contemporâneo.

E na última e quarta parte, Palavras Finais, será trazida uma possível resposta à pergunta levantada em torno do objeto, além das proposições e possíveis e novos questionamentos.

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3. Nós

O interesse na pesquisa em dança contemporânea e seus diferentes modos de fazer encontrou no trabalho em questão um campo interessante para pensar e analisar esses fazeres.

A aproximação com o objeto de pesquisa trouxe o desejo de tentar buscar quais redes foram formadas entre aqueles que participaram dos encontros territoriais. Nesse ponto percebeu-se a necessidade de desenvolver uma reflexão que passasse pela revisão crítica de um quadro teórico em que se mesclassem conceitos como o de contemporaneidade, tendo em vista o campo de trabalho e de pesquisa da coreógrafa Andrea Jabor juntamente à Companhia; de arte e de dança contemporânea, reflexos da sua produção, e também de questões da tradição e da identidade foram colocadas em inter-relação, visto que o próprio terreno do samba passa por tais domínios.

Um campo de pesquisa fundamentalmente comprometido com questionamentos, na procura por novos caminhos encontrou-se com um universo que constantemente busca a manutenção de suas tradições e costumes, como caminho para se manter vivo. O que poderia ser movimentos antagônicos é pensado como possibilidade de conciliamentos a outros ecos.

A partir disso, o problema que orienta este estudo é formulado da seguinte maneira: Considerando a obra coreográfica de Andrea Jabor, que tipo de ligação entre o samba e a dança contemporânea é possível identificar? Sobre esta pergunta uma outra perscruta nas suas dobras: como acontece a relação entre a tradição e contemporaneidade?

Dentro dos conceitos trazidos, surgiram outros que se relacionam com o foco do trabalho: O que seria ser contemporâneo? Qual o comportamento do corpo contemporâneo em sua contemporaneidade? Quais os caminhos percorridos daqueles

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que se aventuram pela arte contemporânea? O que determina uma obra ser contemporânea? Como trabalha a dança contemporânea?

Como se dá a relação de corpos sempre em trânsito quando se desloca para um terreno com características próprias? Como as informações cruzadas na dissolução de fronteiras proposta entre as duas narrativas em questão foram negociadas nesses corpos? Como se percebe isso em cena? Que corpos são trazidos?

Qual o caráter atribuído à atitude da coreógrafa ao evidenciar em cena elementos, protagonistas e comportamentos do samba? A opção pelo samba e de trazer em cena

costumes e tradições do que chamamos de universo do samba, incide numa necessidade

de afirmá-lo como identidade nacional? Revela-se como um caráter de manutenção e reafirmação dessas tradições?

Sendo assim, que qualidade se percebe nessa busca? A atitude da coreógrafa pode ser designada como antropofágica, no sentido de que se alimenta da própria cultura brasileira para sua produção artística? Ou é à dança contemporânea que se deve atribuir esse caráter?

Para além de fixar respostas para cada pergunta, tentou-se encontrar um caminho para que possibilitasse compreender os cruzamentos percebidos na Trilogia, se os antagonismos foram reforçados ou não, e perceber a obra através dos “retornos e ressonâncias”, como sugere Louppe, eliminando a ideia de dar e receber, propondo a partilha, o encontro, reforçando que a arte não tem um papel estático e definitivo, mas que consegue também conduzir a lugares desconhecidos, a diferentes percepções, intervindo diretamente no interlocutor.

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II – METODOLOGIA

4. Quadro Teórico

4.1. Ser contemporâneo

A abordagem teórica que estrutura essa pesquisa baseia-se em reflexões acerca da contemporaneidade, dança contemporânea, tradição e identidade. Os modos de fazer na criação em dança contemporânea e a presença do samba nesse trabalho indicaram as reflexões nesse sentido. E a primeira pergunta dentro dessa perspectiva foi o que viria a ser contemporâneo, o que se entende como um ser contemporâneo e como se percebe o comportamento do contemporâneo dentro da sua contemporaneidade.

Apesar de fundamentar seu pensamento sobre o que é ser contemporâneo em áreas como astrofísica, neurofisiologia e moda, Agamben expõe algumas das suas inquietudes acerca da condição do contemporâneo em uma aula do curso de filosofia da Faculdade de Veneza no ano de 2007. Assim, traça seu caminho através de um poema que reflete a necessidade de retorno, o olhar para trás sem poder mais viver, e não só, exige um olhar atento ao seu tempo, mesmo tendo este, e justamente por isso, como simbolicamente diz o poeta, “o seu dorso fraturado”. É aqui que exatamente onde nos encontramos.

O entendimento do que é ser contemporâneo trazido pelo filósofo, quando este reflete a relação do homem com seu tempo através desse deslocamento, o olhar para trás e o confronto com a ideia de que temos que estar completamente de acordo com nosso tempo, é o centro da reflexão.

É um trânsito que permite uma visibilidade maior e um entendimento crítico das relações que acontecem nesse fluxo. O olhar é fixo no seu tempo, é nele que se vive, no

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entanto, é onde devemos nos questionar e ampliar nosso olhar. Saber transitar e se afastar quando necessário e, nesse deslocamento, diagnosticar não só a luz do tempo, mas, principalmente, suas trevas, aquilo que irá provocar esses questionamentos e levar seu olhar a outros tempos, relacionando-os, para que a luz do seu não o cegue.

O contemporâneo é aquele que percebe o escuro do seu tempo como algo que lhe concerne e não cessa de interpelá-lo, algo que, mais do que toda luz, dirige-se direta e singularmente a ele. Contemporâneo é aquele que recebe em pleno rosto o facho das trevas que provém do seu tempo. (Agamben, 2009, p.64)

O anacronismo trazido por Agamben (2009, p.59) sugere que o homem contemporâneo é aquele que estabelece “uma relação singular com o próprio tempo, que adere a este e ao mesmo tempo toma distâncias”, pois é este deslocamento que fará com que a visão sobre seu tempo seja clarificada, conseguindo assim, diagnosticar a “íntima obscuridade” (Agamben, 2009, p.64) do seu tempo. Saber distanciar remete a uma espécie de maturidade, já que se trata de uma atitude que nos reposiciona para tentar perceber além do que se vê, da comodidade, perceber as ranhuras, o incômodo, conseguindo somente com o deslocamento diante do seu próprio tempo, já que para Agamben (2009, p.59):

Aqueles que coincidem muito plenamente com sua época, que em todos os aspectos a esta aderem perfeitamente, não são contemporâneos porque, exatamente por isso, não conseguem vê-la, não podem manter fixo o olhar sobre ela.

Um poema escrito em 1923 pelo poeta russo Osip Mandelstam chamado O Século é chamado para reforçar uma questão colocada pelo filósofo quando relaciona a vida do contemporâneo com sua noção de poesia. Recorre porque o próprio poeta relaciona-se com o tempo por dois vieses, a fratura e a sutura, inerentes ao tempo histórico e ao tempo do homem. Essa relação tem um caráter instável e impede de perceber uma origem, e isso o poeta demonstra quando, através do seu dorso fraturado, é que o tempo ou século, no poema, volta-se para trás para ver suas pegadas.

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O Século1

Meu século, minha fera, quem poderá olhar-te dentro dos olhos e soldar com o seu sangue as vértebras de dois séculos?

Enquanto vive a criatura, Deve levar as próprias vértebras,

Os vagalhões brincam Com a invisível coluna vertebral. Como delicada, infantil cartilagem

É o século neonato da terra

Para liberar o século em cadeias Para dar início ao novo mundo

É preciso com flauta reunir Os joelhos nodosos dos dias.

Mas está fraturado o teu dorso Meu estupendo e pobre século.

Com um sorriso insensato Como uma fera um tempo graciosa

Tu te voltas para trás, fraca e cruel Para contemplar as tuas pegadas.

Imageticamente falando, Mandelstam reforça que a atenção ao próprio tempo é imprescindível para perceber sua fratura e tentar suturá-la, sendo o poeta, o contemporâneo, aquele que deve “soldar com seu sangue o dorso quebrado do tempo” (Agamben, 2003, p.60), correspondendo ao pensamento contemporâneo desenvolvido por Agamben, quando traz o contemporâneo como alguém que deve ter além do olhar fixo no seu tempo, saber se deslocar para perceber suas sombras, aquilo que se tenta

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esconder quando a luz pode cegar e, consequentemente, questionar, transformar e “colocá-lo em relação com os outros tempos, de nele ler de modo inédito a história, de ‘citá-la’ (...)” (Agamben, 2003, p.72).

Através do poema de Mandelstam, a abordagem de Agamben sobre a relação do homem com o tempo e a contemporaneidade, clarifica essa necessidade de retorno, do olhar voltado para o escuro, pois traz a relação do poeta com o tempo, a relação dos tempos, passado e presente, colocando-o como uma fratura, “aquilo que impede o tempo de compor-se” (Agamben, 2009, p.61). É como se o questionamento, o ato de mover-se entre essas relações e a partir delas agir ativamente no seu próprio tempo, desestabilizasse qualquer linearidade histórica, a qual é construída de forma inquietante, por aqueles que nela verdadeiramente atua, sem saber ainda o que está por vir.

O poeta traz a ideia de incompletude e provisoriedade da história, porque nela existe uma presença que se ausenta, pois na contemporaneidade existe a fratura que precisa ser suturada, quando “o século recém-nascido, com um gesto quase impossível para quem tem o dorso quebrado quer virar-se para trás, contemplar as próprias pegadas” (Agamben, 2009, p.61), sendo esta a última imagem trazida por Mandelstam em seu poema.

Esse movimento de olhar para trás, ao que Agamben chama de retorno, é algo constantemente repetido, pois o caráter provisório do presente, da contemporaneidade para o seu contemporâneo e a fratura que precisa ser suturada nunca permite fundar uma origem, para assim, “entrever um limiar inapreensível entre um ainda não e um não

mais e compreender a modernidade como imemorial e pré-histórica. São algumas das

fraturas, das cisões no tempo com as quais o sujeito, o poeta, tem que lidar” (Agamben, 2009, p.20).

No entanto, nessa movimentação, ele não retorna vazio. É com ela que se marca uma atitude de maturidade do ser contemporâneo que mais do que fixar-se ao seu tempo,

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desloca-se nele. O jogo com o tempo colocado como uma característica marcante no comportamento do indivíduo na contemporaneidade e o olhar atento a ele faz-se desdobrar na atitude estabelecida por Andrea Jabor, quando, através da criação em dança contemporânea, incide seu olhar para o samba.

O samba funciona como um dos símbolos que mais marca a cultura brasileira. Apesar da origem cronológica e espacial ainda render discussão, o que importa aqui são as memórias que não se perderam no tempo, um passado que está presente não só na memória, mas nos batuques que atravessam o país. Um passado que é retorno, quando além dele ainda estar presente na cultura brasileira, a própria atitude da coreógrafa faz esse trânsito com o passado que está presente e com olhar no presente, busca esse passado.

“A distância – e, ao mesmo tempo, a proximidade - que define a contemporaneidade tem o seu fundamento nessa proximidade com a origem, que em nenhum ponto pulsa com mais força do que no presente” (Agamben, 2006, p.69). É uma busca que, de acordo com o próprio Agamben, não se limita a saudar o passado nem revivê-lo, mas olhar para o futuro através da capacidade de repensar seu presente.

A opção por algo que mesmo fazendo parte de uma longa história dentro da cultura popular brasileira, muitas vezes submetido a uma condição de significância questionada, instiga a analisar essa aproximação, pois é à produção de arte contemporânea que se delega o papel de refletir o seu tempo e suas inquietações. Esse papel poderia ficar comprometido e incompleto se a mesma ignorasse a sua relação, não só com questões que envolvem seu próprio tempo, como as diferentes manifestações artísticas, independente de hierarquias, mas também se não desenvolvesse um olhar crítico, de busca e aprendizados.

O caráter questionador e revelador atribuído à arte contemporânea revelam-se, nesse caso, no “desafio [da dança contemporânea] de transitar no limiar entre o estabelecido e

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o provisório, entre a institucionalização e a liberdade criativa, entre a repetição e a diferença” (Gomes, 2003, p.118).

Dentro dessa perspectiva, a dança contemporânea é trazida por Denise Siqueira como um sistema complexo de comunicação e do corpo, sob vários pontos de vista, sendo o que materializa esse pensamento dentro de um sistema cultural. Ela enfatiza a dança contemporânea como um espaço onde os diversos conceitos, as diferentes técnicas corporais, diretamente ligadas à dança ou não, mas que transitaram pela história do corpo, foram e ainda são fundamentais para compreender os diferentes modos de fazê-la.

O estudo traz também Simone Gomes e Laurence Louppe. A primeira traz o caráter polissêmico da dança contemporânea, quando, articulando-se entre o estabelecido e o provisório, provoca ainda mais possibilidades de sentidos. No entanto reflete, que se de um lado existe a necessidade de adentrar pelo desconhecido, pela pesquisa de movimento que possa ampliar o vocabulário buscando uma linguagem mais autoral e mais vinculada ao discurso pretendido, por outro lado, corre-se o risco de gerar novos códigos, baseados na repetição desses novos elementos.

Laurence Louppe faz uma análise da dança contemporânea e sua relação com quem assiste, refletindo sua ação no imaginário, as percepções, o que ela vem a chamar de poética. Traz seu aspecto complexo e plural como características que contribuem não só para refletir o mundo, mas como possibilidade de configurá-lo, pois esse processo acontece no corpo e esse é que, através de suas ações, constrói formas e sentidos.

Conduz seu caminho através do encontro com a poética, sendo ela não só de caráter observador, do que emerge do contato com a obra, mas as transformações que acontecem no campo observado. A poética revela “o caminho seguido pelo artista para chegar ao limiar artístico” (Louppe, 2012, p.27) e, além disso, o ponto que conseguimos passar para sentir o que vai além do que conseguimos ver.

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Esse caráter de particularidade diante da relação com o corpo (ou corpos), presente na dança contemporânea fortalece seu caráter investigativo, questionador, transitório, plural, pois “a dança contemporânea nasceu a partir da quebra de verdades estabelecidas sobre o conceito de dança e da transgressão aos modelos considerados ideais (...)” (Gomes, 2003, p.116) fundamentando-se na condição do universo contemporâneo da arte: caminhos permeáveis e abertura de limites nos modos de pensar e fazer.

A busca relaciona-se com a ideia de rede, de articulações, com a não dependência do outro, com a abertura de possibilidades e caminhos a serem percorridos. A dança contemporânea ressoa um tanto abrangente e ao mesmo tempo unificadora. Os discursos não são iguais, mas estão à procura de questionamentos, de proposições.

Abrange porque propõe possibilidades inimagináveis ao se pensar no fazer em dança e, com isso, os corpos estão cada vez voltados a uma pesquisa incessante de tais possibilidades. Ao mencionar possibilidades, não se trata apenas de níveis de dificuldade de execução, mas às referências presentes na movimentação que se percebe “nas escolhas, nos olhares, no relacionamento com o outro e na forma de encenar” (Marinho e Vicente, 2006).

Talvez seja sensato trazer a fala de Siqueira (2006, p.107)quando esta diz que “a dança contemporânea é hoje uma construção estética consistente, embora difícil de conceituar”. Sensato no sentido de que, a concordância com ela reflete a postura desse trabalho, no entendimento da dança contemporânea como um vasto campo de estudo, onde não há fixações de limites nos seus modos de pensar e fazer, mas um lugar de descobertas, onde se percebe uma produção incessantemente comprometida com a pesquisa do corpo em movimento, em que ele “seja ao mesmo tempo sujeito, objeto e ferramenta do seu saber, e é a partir dela que outra percepção e uma outra consciência do mundo poderão emergir (Louppe, 2012, p. 21).

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Difícil porque, apesar da mesma colocar que o desenvolvimento da sua pesquisa encontrada no seu livro Corpo, Comunicação e Cultura: a dança contemporânea em

cena, onde entende que o corpo do dançarino contemporâneo é reflexo dos “‘contágios’

culturais através de trejeitos, gestos e posturas” e que com isso, “a dança deve ser pensada como um fenômeno resultante de uma rede de influências e interferências” (2006, p.7), ela responde de modo particular, e essa particularidade não permite que se encontre um caminho linear que caracterize o seu fazer.

Mais do que respostas, a dança contemporânea faz perguntas que instigam o sua realização. A linguagem pode ser revelada a cada experimentação e necessidade. Não há regras que delimitem como começa ou termina cada criação e seus modos de fazer. Lia Rodrigues, em palestra2, revelou que seu então trabalho não partiu de um tema, mas que este apareceria durante o processo de experimentação. Esse é um processo de criação em dança, mas qual técnica utilizar para se fazer um trabalho que não se sabe exatamente qual é? Ou, como articular as técnicas com as necessidades do discurso?

Toda vez que tive algo a dizer, eu o disse da forma que julguei certa. Motivos diferentes exigem técnicas diferentes. Isso não implica nem evolução nem progresso mas um acordo entre a ideia que se deseja expressar e os meios que deseja expressá-la. (PICASSO citado por GERLINGS, 2008, p.150)

Esse questionamento também é colocado por Nirvana Marinho e Valéria Vicente (2006), quando trazem o processo de absorção de referências como algo contínuo e que isso dificultaria a elaboração de uma técnica para a criação coreográfica. Técnica é comumente associada a um sistema direcionado em função do que já fora estabelecido como regra, mas em se tratando de criação, no caso, em dança, o conceito de técnica reconfigura-se a partir das intolerâncias e inquietações, como fala Nirvana em uma das mensagens eletrônicas3 Sobre a intolerância (2005): “(...) a possibilidade de encontrar

2 Itaú Cultural – Rumos Aracaju / 14-04-2009

3 Texto produzido em emails e editado por Wagner Schwartz e Nirvana Marinho. Setembro, 2003. Publicado no www.idanca.net em 20/10/2005.

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uma nova pausa, um novo desenho no espaço e de estar nesse estado observador é que abre caminhos para esse estado de criação e experimentação”.

O corpo é constituído por ideologias, por leituras, pelas técnicas ensinadas, e a definição de estruturas revela-se num trabalho constante de descoberta da identidade, de uma linguagem. Mas definir não é uma regra, é uma busca natural para, quem sabe, responder às exigências cotidianas de quem busca na arte respostas para suas perguntas. Antes de responder, se responder, a arte sugere, propõe, cria, recria e faz perguntas que nem sempre tem respostas, mas tem estudo.

Helena Katz (2006) é enfática, ao dizer que antes de começar qualquer conversa em dança, é preciso que esta nunca seja reduzida aos efeitos que produz em nós. O tratamento deve ser ampliado. A produção em dança é mais que o efeito visual ou emocional que ela é capaz de causar. Na proposta contemporânea, as perguntas são feitas porque se estuda dança e os modos de fazê-la. Por trás do “estranho” e do “não entendível”, expressões comumente verbalizadas ao assistir dança contemporânea, performances, improvisações, existem pesquisas para aquele resultado, que nem sempre é final, é a construção de um discurso ou de modos de fazer, mas não é a dança pela dança, o movimento pelo movimento, é intenção em ações corporais.

A intenção nem sempre é pré-meditada ou está inteiramente na capacidade deliberativa do coreógrafo. O professor e pesquisador Paulo Paixão (2007) em seu artigo, cita os parâmetros relativos ao fazer arte contemporânea de Michael Archer, historiador da arte contemporânea, os quais revelam certo padrão nas características de fazer dança contemporânea, tais como, as diferenças nos estilos, desmistificação da aura da obra de arte, a utilização de elementos diferenciados para sua criação, enfim, tópicos encontrados constantemente na dança contemporânea e que nos instiga a se perguntar se existem parâmetros para sua construção e que tendências são essas.

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A tentativa de se afastar de tais tendências para não cair na mesmice e, assim, criar o diferente, revela-se um tanto tentador a quem está à procura do novo para produzir. As influências são inevitáveis, mas não são pontos negativos. São elas também que vão abrindo caminhos para novas ideias e conduzem os olhares de quem trabalha com dança a analisar as perspectivas da produção nessa área.

A discussão sobre técnica em dança e criação coreográfica parece inesgotável e todas as diferenças de opiniões e modos de produção só fazem da dança um objeto de estudo cada vez mais intrigante e mais criativo, e cada trabalho fortalece os diferentes caminhos que convergem em um ponto unificador: enfatizar a dança como área de estudo, de comunicação, de ideologias e como algo que estará, paralelamente, ligado às transformações humanas.

Através dessas reflexões, apoiamos esse estudo do cruzamento do samba com a dança contemporânea através da análise da Trilogia do Samba. A inquietação presente nas produções de dança contemporânea é observada também nos trabalhos em questão, quando parecem buscar novos entendimentos na relação com o samba e suas práticas. Gomes (2003, p.117) ressalta o fazer contemporâneo alargando seu sentido e não simplesmente designá-lo como um lugar onde “tudo pode”, para ela:

(...) não basta se jogar no chão, rolar, saltar, fazer contorções e espirais, vestir-se ou despir-se (como está na moda) para afirmar-se como artista contemporâneo. É preciso penetrar em toda esta complexidade do mundo contemporâneo e nas sutilezas e contradições, ficando atento e sincronizado com as simultaneidades e com as tentativas de discernimento.

A contemporaneidade, assim como a arte, está pautada nas relações de trânsito que existem entre os acontecimentos do dia a dia. A busca pelo outro ou a necessidade de ir até o outro, nesse caso, nas práticas do samba, levou-se a tentar entender como ele é visto a partir de conceitos relacionados à tradição e identidade. A Trilogia vem como campo de não só de encontros, mas como um lugar para perceber que tipo de relação se

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percebe nesses encontros. Como o trabalho de uma coreógrafa, marcadamente pela pesquisa e produção em dança contemporânea, dialoga com as práticas do samba?

4.2. Tradição e Identidades

Convocadas pelo próprio terreno do samba, a Tradição e Identidade atravessam as discussões de Eric Hobsbawn, quando questiona a soberania da primeira diante do tempo e a percepção dela como uma coisa inventada, e de Stuart Hall, quando percebe nos Sistemas Culturais agentes mobilizadores da identidade do sujeito, ou seja, este passa a ser detentor de várias identidades.

As tradições atravessam o tempo e a história e não há, dentro dela, de acordo com Hobsbawn nenhum lugar ou tempo que não tenha ocorrido a invenção das tradições, quando diz que “inventam-se novas tradições quando ocorrem transformações suficientemente amplas e rápidas tanto do lado da demanda quanto do lado da oferta” (2012, p.11/12). É como se a existência de referenciais mantidos através do uso costumeiro, estabelecesse não só uma organização onde a tradição existe, mas também, assim, se sentissem pertencidos ao meio em que vivem, seja numa comunidade ou no seu país. A tradição inventada corresponde a

um conjunto de práticas, normalmente reguladas por regras tácita ou abertamente aceitas; tais práticas, de natureza real ou simbólica, visam inculcar certos valores e normas de comportamento de repetição, o que implica, automaticamente, uma continuidade em relação ao passado. Aliás, sempre que possível, tenta-se estabelecer continuidade com o passado histórico apropriado. (Hobsbawn, 2012, p.8)

A intenção de permanência pelo tempo confronta-se com a ideia de mudança que o próprio tempo provoca, além do caráter provisório da contemporaneidade, atribuindo a ela um caráter superficial, descartável e instantâneo, seja nas relações entre as pessoas ou com as coisas. Apesar da mobilização por vezes trazida em discursos para que valores sejam resgatados e as relações sejam tratadas mais profundamente.

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Aprofundando-se ou não, a tradição está vinculada à manutenção de características associadas à sua origem, resistentes ao tempo. E os costumes, frequentemente confundidos entre si, são diferenciados por Hobsbawn (2012, p.9) em suas designações, quando este faz um paralelo à função de juiz:

O “costume” é o que fazem os juízes; tradição (no caso, tradição inventada) é a peruca, a toga e outros acessórios e rituais formais que cercam a substância, que é a ação do magistrado. A decadência do “costume” inevitavelmente modifica a “tradição” à qual ele geralmente está associado.

A manutenção pode ser vista como algo que é uma fixação natural pelo tempo, que o atravessa e mesmo assim se mantém, ou como algo que suplantou o tempo através da imposição de vigência de práticas. No primeiro caso, escapa-se da denominação

inventada, quando o historiador percebe que “não é necessário recuperar nem inventar

tradições quando os velhos usos ainda se conservam” (2012, p.15).

O costume revela-se como algo adaptável, que tem um sentido de plasticidade. Para Hobsbawn “o costume não pode se dar ao luxo de ser invariável, porque a vida não é assim nem mesmo nas sociedades tradicionais” (2012, p.9) e confere a ele esse caráter móvel, no qual, os diálogos e as experiências vivenciadas pelo tempo confirmarão sua completa autonomia para mudar e se isentar de qualquer ação de controle imposta, garantindo da mesma forma a sua legitimidade.

A busca pela imutabilidade de uma tradição estimula a pensar no seu papel no lugar onde ela atua, assim como, o que provoca essa tentativa de relação fixa com o passado. O sentido de uma representatividade identitária assegurada em cada tradição inventada vagueia pela história e consolida as relações com a cultura nacional.

As culturas nacionais são compostas não apenas de instituições culturais, mas também de símbolos e representações. Uma cultura nacional é um discurso – um modo de construir sentidos que influencia e organiza tanto nossas ações quanto a concepção que

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temos de nós mesmos. As culturas nacionais, ao produzir sentidos sobre “a nação”, sentidos com os quais podemos nos identificar, constroem identidades. Esses sentidos estão contidos nas histórias que são contadas sobre a nação, memórias que conectam seu presente com seu passado e imagens que dela são construídas. (Hall, 2011, p. 51)

As tradições, através de seus costumes, vão estabelecendo diferentes relações com o tempo, com o passado, com o presente, com as pessoas e o sentido de identidade criado nessas relações, passa a ser também reestruturado quando desloca o sentido de identidade a uma esfera móvel e plural. Para Hall, “à medida que os sistemas de significação e representação cultural se multiplicam, somos confrontados por uma multiplicidade desconcertante e cambiante de identidades possíveis, com cada uma das quais poderíamos nos identificar – ao menos temporariamente”. (2011, p.13)

Foi assim que os Estudos Culturais ampliaram e flexibilizaram o que se tentava definir como a identidade do homem moderno. Qualquer estrutura sólida que se quisesse definir parecia então, inviável, passando a se pensar nos sistemas culturais como determinantes para provocar alterações na identidade do sujeito, envolvendo questões de raça, nacionalidade e etnia, dissolvendo fronteiras através do cruzamento de redes cada vez mais constantes.

O trânsito de informações, as diferentes vivências, a articulação entre povos e todo esse ininterrupto fluxo de acontecimentos amplia a relação política existente entre sujeito – sociedade – nação, e a isso se designa como “sentimento de identidade e lealdade” (Schwarz citado por Hall, 2012, p.49), ou seja, “um sistema de representação cultural, (...) uma comunidade simbólica” (Hall, 2011, p.49)

Um sistema cultural que desenvolve essa relação de identidade com seus símbolos culturais e, com ela, o desejo de manutenção, é como se encontrasse uma espécie de porto, aquilo que vai designar de certa forma quem é e a que pertence. Mas não num sentido de posse ou cerceamento, mas como algo que tem por trás uma história, um

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passado, um vínculo estabelecido numa trajetória que se relaciona com o que se vive hoje.

Essas relações cruzadas, toda essa rede móvel que fragmenta e desloca o sujeito, ao mesmo tempo em que gera o que se chama de crise de identidade, acaba por desenvolver uma espécie de equilíbrio, no sentido de conseguir com que as sociedades encontrem, à medida que o fluxo acontece, um meio de se manterem vivas. Assim como em Hall,

[As sociedades] são atravessadas por diferentes divisões e antagonismos sociais que produzem uma variedade de diferentes “posições de sujeito” – isto é, identidades – para os indivíduos. Se tais sociedades não se desintegram totalmente não é porque elas são unificadas, mas porque seus diferentes elementos e identidades podem, sob certas circunstâncias, ser conjuntamente articulados. Mas essa articulação é sempre parcial: a estrutura da identidade permanece aberta. (2011, p. 17-18)

Um símbolo cultural carrega em si o apelo identitário com seu local e com as pessoas desse local, assim como um conjunto de características que fortaleceram sua existência, permanência e fizeram dele integrante de um sistema cultural. Essa relação de pertencimento em Hall (2009, p.109) refere-se à uma “correspondência” que se mantém continuamente com o passado, de forma que “a utilização dos recursos da história, da linguagem e da cultura para a produção não que daquilo nós somos, mas daquilo no qual nos tornamos” vem a ser o modo como as coisas se transformam e não como algo que se repete.

[As identidades] surgem da narrativização do eu, mas a natureza necessariamente ficcional desse processo não diminui de forma alguma, sua eficácia discursiva, material ou política, mesmo que a sensação de pertencimento, ou seja, a “suturação histórica” por meio da qual as identidades surgem, esteja, em parte, no imaginário (assim como no simbólico) e, portanto, sempre em parte, construída na fantasia ou, ao menos, no interior de um campo fantasmático.” (Hall, 2009, p. 109)

No Brasil, a relação com o samba acontece, principalmente, com o reconhecimento dele como identidade nacional, sendo envolvido por uma história oscilante e por vezes

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contraditória, carrega em si costumes que estão apoiados num conjunto de tradições que implicam na sua manutenção, seja ela através da inventividade, quando são criadas novas formas de se fazer e mesmo assim não deixa de ser, ou quando os antigos costumes ainda são preservados.

Apesar de não se pretender com essa pesquisa apontar uma historiografia do samba no Rio de Janeiro, faz-se necessário andar por algumas passagens que nos levará a uma possível compreensão da sua articulação com a contemporaneidade, focada aqui na criação em dança, sob o olhar da coreógrafa Andrea Jabor com a Trilogia do Samba.

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5. A Prática Teórica

É preciso voltar à Praça Onze, nas primeiras décadas do século XX nas rodas de samba na casa de Tia Ciata, “baiana de nascença, africana de corpo e carioca de coração” (Moura, 2004, p.35). Lá se formavam as rodas de samba com uma paisagem chamada de universo do samba. As rodas são “uma ampliação do universo doméstico, o espaço onde o trabalhador dá lugar ao boêmio e a rotina cede vez à criatividade – num certo sentido de recuperação de energias em que o sambista se sente em “casa” ”(Moura, 2004, p.37)

O processo de fomentação do samba passa muito por isso, da “casa” para a “rua”, ou nesse trânsito, e entre a não profissionalização, quando das festas e a profissionalização, com o rádio, além da conturbada relação com o crescimento da cidade do Rio de Janeiro e o crescimento do carnaval no início do século XX, com as Escolas de Samba.

A tradicionalidade do samba é hoje questionada quando antigos mestres se entristecem com seus encaminhamentos. Um jogo de puxa corda entre a manutenção de tradições e as mudanças que a modernidade e seu trânsito sugerem, o que para eles podem acabar com o samba ou fazer com que ele perca sua identidade. Mas como falar de unificação cultural ou de manutenção de costumes em um país que tanto proclama a diversidade étnica, cultural, pautada num processo de miscigenação?

Talvez não precise ir ao extremo, talvez seja preciso procurar entender porque essa corda ainda não se rompeu e ver como possibilidade, a existência de uma articulação não só com a dinâmica da contemporaneidade, mas também com os fluxos dentro do próprio universo do samba, os quais devem ser considerados e pensar que é difícil uma unificação dentro de algo em movimento. O que há é um desejo paradoxal de origem, de permanência de algo que sempre esteve, no entanto, em negociação com os acontecimentos ao seu redor.

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O paradoxo poderia ser resolvido com o entendimento da segunda concepção de identidade cultural proposta por Hall, sendo tanto um tornar-se, quanto ser. “Isso não significa negar que a identidade tenha um passado, mas reconhecer que, além disso, o passado sofre uma constante transformação” (Woodward, 2009, p.28). O que faz com que ele ainda se mantenha com uma raiz forte, mas que cresce livre, arriscando novos caminhos sem deixar de olhar para sua origem, ou para as memórias que remetam ao mais próximo dela.

E aqui, com foco no objeto de estudo, é preciso entender como acontece quando esse homem contemporâneo visto agora como um sujeito de identidade fragmentada, capaz de desenvolver múltiplas identidades, fixas ou não, se desloca para adentrar num terreno, que mesmo com as transformações, carrega na sua tradicionalidade características que devem ser respeitadas.

Considerando a complexidade de cruzamentos entre uma teoria de sobrevoo – onde sustentamos o aparelho conceitual – e uma teoria de proximidade – onde radicamos o terreno de pesquisa – percorremos um caminho investigativo recorrendo também às ferramentas metodológicas aplicadas ao trabalho de campo.

Sendo assim, foi estabelecido o contato com a coreógrafa em junho/2012, a qual respondeu com interesse, deixando aberto o caminho para as necessidades posteriores. Estabelecido o contato, em setembro estive no Rio de Janeiro, onde foram feitas entrevistas com a coreógrafa e com o Mestre Manoel Dionísio, ícone do carnaval carioca que fundou em 17/07/1990 a Escola de Mestre-Sala, Bandeira e

Porta-Estandarte, que funciona no Setor Dois do Sambódromo, na Marquês de Sapucaí no

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Além de receber os três trabalhos da Trilogia em vídeo, tenho comigo mais um conjunto com os três DVDs4 das oficinas de dança relacionadas às matrizes do samba carioca realizadas em 2009 pela Cia Arquitetura do Movimento, que darão suporte para a análise das obras na parte 3.

Em trabalho de campo, estive no Centro Coreográfico da Cidade do Rio de Janeiro, local de ensaio da Companhia e na Escola de Mestre-Sala, Porta-Bandeira e Porta - Estandarte, aqui com participação nas aulas de Porta-Bandeira. Acompanhei e assisti a Companhia na apresentação do seu terceiro trabalho, Arquitetura do Samba: A dança do

Mestre-Sala e Porta-Bandeira e também visitei a quadra da Escola de Samba

Acadêmicos do Salgueiro.

Depois de um mês de conversas, buscas, participações, saí com o material recolhido em registros fotográficos e audiovisuais, diário de bordo, além da abertura que ficou estabelecida para a continuidade da pesquisa com mais perguntas, informações ou o que fosse necessário.

5.1. Corpomídia e as Cinco Peles

O entendimento de corpo como o de um Corpomídia de si mesmo, proposto por Christine Greiner e Helena Katz, revela-o como um articulador e elaborador de informações, que se configura numa relação de negociação com as informações que já se encontram nele e, consequentemente, esse estado de transitoriedade reflete no processo de criação de cada trabalho. Nesse caso, o corpo deverá estar sujeito a novas configurações de movimento, tempo e espaço, ao desenvolvimento de ações corpóreas contínuas de experimentação, ou seja, um corpo disposto a uma forma de movimentação

4Os três DVDs referidos tiveram o patrocínio da Secretaria Estadual de Cultura do Rio de Janeiro e do prêmio Funarte Klauss Vianna / 2008 com o Projeto: Arquitetura do Movimento:, 10 anos – Manutenção, Memória e Intercâmbio.

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não-reprodutiva apenas, mas que busca caminhos que estejam acordados com a necessidade e o contexto de cada trabalho.

O corpo como meio contínuo de passagens, adquire o caráter daquilo que não é estático, pois ele sofre alteração a todo momento. Esse pensamento revela a transitoriedade do homem, que o tempo todo está em negociação com as informações que lhe chegam ou que o cerca.

A somar com Katz e Greiner, Jussara Setenta apresenta a proposta de dança como um

Fazer-Dizer do corpo, concebida através da Teoria dos Atos de Fala do linguista John

L. Austin, que parte do entendimento que “falar é uma forma de ação” (2008, p.20), de forma que existe uma realização de fato, e não só a descrição, quando algo é pronunciado, chamado de performatividade. Assim, ampliando para além do domínio verbal, apresenta esse Fazer-Dizer do corpo e propõe que a linguagem pode compreender-se num fazer que acontece quando se diz, que ela não acontece fora do que se diz, mas existe no que é dito. Ou seja, a linguagem é o instrumento de realização da ação e “o falar (comunicar) pode deixar de ser entendido somente como uma mera transmissão e veiculação de informação, pois ocorre um outro tipo de atribuição de valor ao que é comunicado”. (2008, p.18)

Assim, Setenta (2008) utiliza-se desses conceitos e propõe a construção de um modo de dizer, inventar a própria fala de acordo com o que quer ser falado, o que ela denomina de fazer-dizer do corpo. E isso se faz presente no formato da construção coreográfica. É o corpo que realiza suas ações de fala a partir de uma linguagem constituída por estas ações.

A ideia de Corpomídia e a proposta do Fazer-Dizer se relacionam quando trazem o entendimento de que as vivências experienciadas são transformadas em corpo e no que concerne à comunicação, para além, o corpo deverá encontrar seu caminho, uma organização em atos corpóreos que ampliem as opções para além do estabelecido, do

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que já existe, onde o fazer deve ser o que se quer dizer e assim, coloca a dança como arte do dizível.

O corpo, portanto, não é recipiente, mas lugar de cruzamento e de alteração de estados, à medida que mantém com o mundo relações de mudança de conjugação, quando deixa de “ser” para “estar”, de desenvolvimento de falas as quais são transformadas em corpo. Para tanto, a linguagem é sugerida, desenvolvida e desempenhada como uma forma de pensar o corpo a partir de necessidades, ou seja, expandir as possibilidades de formas de falar e assim “apresentar o corpo como o realizador da ideia que comunica”. (Setenta, 2008, p.26)

O processo de relação entre corpo e ambiente, através do entendimento de corpo como

corpomídia e da dança como um fazer-dizer do corpo revela um caráter inquietante do

próprio corpo, quando este existe de forma sempre-presente durante o fluxo inestancável de informações, que num processo de contaminação o constitui, elaborando e reelaborando a todo o tempo seu entendimento de mundo.

Além do que, corresponde ao fazer-dizer que tem na fala/linguagem o resultado dessa relação, ou seja, não existe um padrão, nem uma linearidade para se chegar a um resultado, este chega a partir de um processo investigativo e de articulação para organizar o que cada corpo traz consigo já que “a organização da fala da dança faz das informações trocadas entre corpo e ambiente, o seu material no mundo. Registros, traços e vestígios de vida; histórias de vida”. (Setenta, 2008, p.40).

Dessa forma, percebe-se o caráter investigativo e de deslocamentos presente no ambiente de criação em dança contemporânea, onde a pluralidade de corpos e histórias é percebida dando espaço para se discutir o modo que cada corpo encontra de se resolver, para então organizá-las.

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A Teoria das Cinco Peles - epiderme, roupas, casa, identidade e a terra -, formulada pelo pintor, arquiteto e ambientalista austríaco Friedensreich Hundertwasser, foi convocada para o presente estudo mediante a sua utilização como referência para a criação do primeiro trabalho da Trilogia, Sala de Estar: As Cinco Peles do Samba.

Hundertwasser realizou em Paris, no ano de 1954, sua primeira exposição, e desde então, suas atividades como arquiteto, pintor, gravador, ambientalista, naturista e higienista moral continham uma relação com as camadas relacionadas ao seu espiral que partia do eu para o exterior.

Em 12 de dezembro de 1967, na Galeria Hartmann em Munique, quando discursou The

right to the third skin, apresentou a terceira pele e fechou o ciclo dos seus principais

temas, até então, a respeito sobre sua espiral. O discurso era para anunciar a terceira pele do homem como uma alteração livre de sua casa.

Como homem e pintor, reencontrou sua primeira pele ao tirar a segunda, que viria a ser suas roupas e então, proclamar a casa como a terceira. Depois, em 1972 suas preocupações ideológicas ampliaram e sua espiral crescia à medida que novos questionamentos surgiam. Assim, a quarta pele foi acrescentada, sendo esta o ambiente social do homem, seja a família, os amigos ou o país onde vive. Sua relação com o meio ambiente veio a somar no acréscimo da quinta e última pele, a qual está relacionada com o planeta, o ar, os cosmos.

Hundertwasser relacionou suas atividades e formulou um pensamento voltado para a relação harmônica do homem com a natureza, uma reflexão sobre o ser e o estar na Terra, e incentivou a criatividade individual em oposição racionalismo que direciona o indivíduo ao estruturar o seu habitat e determinar seu modo de vida.

A inquietude, característica vigente na contemporaneidade, leva o homem cada vez mais a refletir e questionar sobre sua relação com o entorno e a querer entender como

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acontecem essas relações. A ideia da pele como representação dessas camadas na

Teoria proposta por Hundertwasser fortalece aqui o seu papel de via, de uma camada de

trânsito constante, que é onde se dá justamente a intersecção com as teorias sobre o corpo já apresentadas.

5.2.

Antropofagia cultural

Fig. 15 Abaporu. Pintura óleo sobre tela, 1928. Tarsila do Amaral. Museu de Arte Latino-Americana de Buenos Aires, MALBA, Argentina.

Na revista de letras e culturas lusófonas Camões, na edição nº 21, dedicada a encontrar as relações artísticas entre Brasil e Portugal, sete ensaios designados à arquitetura, artes plásticas, música, teatro, cinema, literatura e dança reúnem autores portugueses e brasileiros para transitarem por entre as distâncias e as proximidades que encontram de

um lado ao outro do oceano.

No ensaio de dança, “Ligações, trilhos e cruzamentos entre Portugal e Brasil nos universos da dança”, Daniel Tércio sabendo da extensão que o assunto provoca e da delimitação que se tem que ter para aprofundamentos, discorre sobre essa relação transatlântica sem caminhar por clichês, mas pondo em causa questões pertinentes a

Imagem

Fig. 1 5 Abaporu. Pintura óleo sobre tela, 1928. Tarsila do Amaral. Museu de Arte Latino-Americana de Buenos Aires, MALBA, Argentina
Fig 3  Encontro A dança e o canto dos atabaques. Centro Coreográfico do Rio de Janeiro
Fig. 4 30 Adereços de Carnaval. Desenho aquarela sobre papel, 2013. Renata Carvalho. Arquivo pessoal
Fig. 11  Primeiros momentos. Sala de Estar: As cinco peles do samba. Foto, 2007. Dalton Valerio

Referências

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