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A psicomotricidade no estágio sensório-motor

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Academic year: 2021

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(1)REVISTA DE EDUCAÇÃO. A PSICOMOTRICIDADE NO ESTÁGIO SENSÓRIO-MOTOR UM OLHAR PARA O DESENVOLVIMENTO INFANTIL. Fernanda Ros Ortiz. – Centro Universitário Anhanguera de Campo Grande - Unidade 1. RESUMO: O artigo discorre acerca do desenvolvimento infantil no estágio sensóriomotor, em especial, aquelas no campo da psicomotricidade. Para tanto, partiu-se de uma revisão de literatura, envolvendo o estudo de diferentes autores clássicos e contemporâneos, o que configura uma pesquisa de cunho bibliográfico, por meio da qual foi possível tecer breves reflexões sobre a importância dessa área no processo de desenvolvimento e aprendizagem da criança, tanto na primeira fase quanto nas posteriores. Nesse contexto, pensamento e ação estão intimamente relacionados, de modo que um interfere no outro, oferecendo um significado multidisciplinar para o corpo e a motricidade humana. Com base no referencial teórico e por meio de análise dedutiva, percebeu-se que a psicopedagogia necessita amplamente de informações vinculadas aos aspectos psicomotores, de forma que são essenciais para a realização de qualquer tipo de intervenção ou prevenção nas dificuldades de aprendizagem infantis.. PALAVRAS-CHAVE: desenvolvimento Infantil; sensóriomotor; psicomotricidade.. KEYWORDS: Children Development. Sensorymotor stage. Psychomotricity.. ABSTRACT: The intention of this paper is to study the first stage of cognitive development (sensory-motor stage) in relation with psychomotor skills. To do so, a literature review was made, including classical and contemporary authors, which means that this research is a bibliographic study about the proposed theme. So, it was possible to make some reflections about the importance of these areas (cognitive, psychological and motor) in children´s development and learning process in the first stage and in the later ones. In this context, thought and action are closely related, so that one affects the other, offering a multidisciplinary meaning to the studies in these areas of knowledge. Based on the theoretical framework and through deductive analysis, it was noted that psychopedagogy studies need information about psychomotor aspects, which are essential in order to perform any kind of intervention or prevention of children´s difficulties in learning.. Artigo Original Recebido em: 28/10/2011 Avaliado em: 18/08/2013 Publicado em: 30/05/2014 Publicação Anhanguera Educacional Ltda. Coordenação Instituto de Pesquisas Aplicadas e Desenvolvimento Educacional - IPADE Correspondência Sistema Anhanguera de Revistas Eletrônicas - SARE rc.ipade@anhanguera.com v.14 • n.18 • 2011 • p. 127-138.

(2) A psicomotricidade no estágio sensório-motor: um olhar para o desenvolvimento infantil. 1. INTRODUÇÃO O desenvolvimento da inteligência humana revela-se assunto instigador para profissionais de diversas áreas, sobretudo aqueles que dependem diretamente deste saber, quais sejam, pedagogos, psicólogos, psicopedagogos, entre outros. Ao se debruçar sobre uma temática multifacetada como essa, percebe-se o quanto emanam discussões e visões distintas, ancoradas em determinadas condições sociais, históricas, culturais e, especificamente, profissionais. Por esse raciocínio, as relações entre conhecimento, aprendizagem e criança, fomentam indagações, que levam a questões sobre por que determinados estímulos são fundamentais para o desenvolvimento infantil, ao partir de uma concepção que destina um papel central ao ambiente social. Por se entender a psicomotricidade como a ciência, a qual possui como objeto de estudo o indivíduo em suas relações motoras com o meio, numa concepção holística de compreensão do movimento, decidiu-se discorrer e refletir sobre o trabalho psicopedagógico e suas áreas interlocutoras. Afinal, nessa visão, pensamento e ação estão intimamente ligados, fazendo parte de uma relação dinâmica de aprendizagem. Em síntese, procura-se observar em que aspectos o desenvolvimento infantil global é potencializado e qualificado quando se aplica a devida atenção à aliança entre movimento e intelecto. Destarte, este artigo pretende apresentar uma maneira de enxergar o desenvolvimento da criança em estágio sensório-motor, período compreendido do nascimento aos 24 meses de vida, tecendo reflexões referentes ao campo supramencionado, organizadas nos seguintes tópicos: Um olhar para o significado do corpo ao longo da civilização humana; Psicomotricidade, estágio sensório-motor e desenvolvimento infantil; A psicopedagogia enquanto espaço de discussão da psicomotricidade: contribuições; considerações finais.. 2. UM OLHAR PARA O SIGNIFICADO DO CORPO AO LONGO DA CIVILIZAÇÃO HUMANA A tarefa de defender alguma ideia sobre determinado assunto é bastante séria, afinal, envolve expor a visão de mundo que se vê numa área específica do conhecimento. Assim, para tecer uma breve narrativa acerca da temática escolhida, utilizou-se principalmente das ideias de Barreto e Falcão (2009), num estudo sobre a história da psicomotricidade que apresenta um panorama da evolução desse campo, por meio de uma revisão de literatura. Ao longo dos anos, o conceito de corpo e suas relações sofreram profundas transformações. O culto ao corpo iniciou na Grécia, onde imprimiam e exibiam nas artes e arquitetura os retratos da concepção de Platão (427-347 a. C.) dicotômica, separando corpo e alma.. 128. Revista de Educação.

(3) Fernanda Ros Ortiz. A história do corpo é construída com a história da humanidade. Ao longo da sua historia, o corpo foi marcado por significações diversas, atribuídas ora pela ciência em sua evolução constante, ora pela cultura de diferentes povos e épocas, ora pelo social carregado de suas crenças e mitos. Foi alvo de questionamentos entre os povos orientais e ocidentais através do pensamento filosófico. (COSTA, 2007, p. 21). Os primórdios do pensamento psicomotor iniciaram-se a partir de Aristóteles, cujas ideias valorizavam a ginástica como atividade que moldava o espírito, crendo numa relação interdependente de corpo e alma. (FALCÃO; BARRETO, 2009). No século XVIII, Descartes acentuou o dualismo. Contudo, estudos no campo da neurofisiologia deram espaço a um novo pensamento, resultado de uma necessidade da área médica de encontrar explicações plausíveis para determinados fenômenos patológicos. O termo psicomotricidade é utilizado a partir de 1870, quando apresentou um enfoque neurológico naquele momento. No decorrer das descobertas, foi em 1907 que Dupré, neurologista francês, definiu a síndrome da debilidade motora, quando constituiu um marco na história desse campo. Entre outras considerações, formulou suas noções numa linha filosófica neurológica, e associou o desenvolvimento da psicomotricidade com a inteligência e a afetividade. Enquanto campo científico, acredita-se que Henri Wallon (1879-1962) é o pioneiro na psicomotricidade. Nas palavras de Falcão e Barreto (2009, p. 87), “O movimento (ação), pensamento e linguagem são unidades inseparáveis. O movimento é o pensamento em ato, e o pensamento é o movimento sem ato.” Por meio do pensamento de Wallon, foi possível criar uma técnica terapêutica com o propósito de reeducar as funções motoras, de maneira que se conservasse o olhar para a afetividade. Segundo Sousa (2004), as observações de Henri Wallon foram essenciais para a compreensão do desenvolvimento neurológico do recém-nascido e da evolução psicomotora da criança, pois sua teoria prega como única expressão e primeiro instrumento do psiquismo o movimento, relacionando tônus e emoção. Para ele, a emoção é o que reveste o conhecimento, a consciência e o desenvolvimento da personalidade. Ajuriaguerra foi um dos responsáveis pelas primeiras técnicas reeducativas vinculadas aos distúrbios psicomotores, ao destacar o corpo e sua relação com o meio. Sousa (2004, p. 18) afirma que este autor foi o único que conseguiu “[...] romper efetivamente com o imperialismo neurológico e com o conceito de paralelismo psicomotor de Dupré.” Além desses, outros autores contribuíram para o pensamento contemporâneo acerca do assunto. Na Alemanha, em 1942, Kofka, Kohler e os psicólogos da Gestalt interessaramse pelos mecanismos da percepção. Os trabalhos de Schultz ou de Jacobson que definiram os primeiros métodos de relaxação e os psicopedagogos que estudaram o desenvolvimento sensório-motor da criança, como Clapariede, Montessori e Piaget na área da Psicologia evolutiva, propiciaram uma melhor compreensão no desenvolvimento de criança. (FALCÃO; BARRETO, 2009, 85).. v.14 • n.18 • 2011 • p. 127 - 138. 129.

(4) A psicomotricidade no estágio sensório-motor: um olhar para o desenvolvimento infantil. Piaget foi um dos estudiosos que mais se preocupou com as relações entre a motricidade e a inteligência, ressaltando que tais aquisições são anteriores à linguagem, alicerces de todas as outras aprendizagens posteriores no decorrer do desenvolvimento. Para ele, “A inteligência verbal ou refletida baseia-se numa inteligência prática ou sensório-motora, a qual se apoia, por seu turno, nos hábitos e associações adquiridos para recombiná-los.” (PIAGET, 1987, p. 13). Outros nomes somaram esforços, oferecendo “[...] ênfase especial à relação, às emoções e ao movimento.” (FALCÃO; BARRETO, 2009, p. 88). São alguns deles. Diatkine, J. Buges, Jolivet, S. Leboaci. Le Boulch, influenciado por Wallon, apresentam, na década de 1970, ideias que objetivavam minimizar o problema da educação psicomotora nas escolas. (FALCÃO; BARRETO, 2009). Assim, aos poucos, a psicomotricidade foi adquirindo autonomia e especificidade, ao passo que aglutinou elementos da psicanálise, da neurologia, psicologia, ao se mostrar inserida numa perspectiva do “corpo em movimento” e não mais da motricidade isolada. Operou-se, a partir desse momento, no plano global, ao oferecer enfoque a três dimensões: instrumental, cognitiva e tônico-emocional. No plano terapêutico, por exemplo, nota-se que [...] não se trata mais de uma reeducação, mas de uma terapia psicomotora, que se ocupa, observa e opera num corpo em movimento que se desloca e que constrói a realidade, à medida que se emociona e cuja emoção manifesta-se tonicamente. (FALCÃO; BARRETO, 2009, p. 90).. Ademais, Costa (2007) esclarece que por meio da inserção de contribuições psicanalíticas, entre as quais o conceito de sujeito desejante, outras possibilidades e perspectivas foram lançadas no trato com as questões psicomotoras, embora suas linhas de ação sejam distintas, porém complementares. Segundo dados, foi por volta de 1968 que se iniciou no Brasil a difusão das informações e trabalhos em torno do campo. Tanto no Brasil quanto na Europa, a educação especial foi o elo e a gênese da psicomotricidade. Logo, era vista como um recurso a fim de “corrigir distúrbios e preencher lacunas de desenvolvimento das crianças excepcionais.” (FALCÃO; BARRETO, 2009, p. 92). Por conseguinte, a partir da década de 1970, o cenário da formação de profissionais brasileiros na área foi ampliado com a promoção de eventos acadêmico-científicos, ao criar uma comunidade psicomotricista. Le Bouch (1992) afirma que, inicialmente, a imagem da psicomotricidade estava ligada à patologia. Aos poucos, a reeducação foi tomando o lugar dessa concepção, quando corrigiu por meio de técnicas e saberes apropriados os transtornos e prevenindo déficits em outras áreas. Nesse processo, o afeto é primordial no desenvolvimento.. 130. Revista de Educação.

(5) Fernanda Ros Ortiz. Entre outras conclusões, nota-se que O percurso deste braço científico, no entanto, vai sendo marcado pelas diferentes concepções que o homem vai construindo acerca do corpo, ao longo da História, sob a influência de movimentos como o Romantismo e o Humanismo, por exemplo [...]. (SOUSA, 2004, p. 17).. Por fim, percebe-se que uma nova abordagem surgiu ao longo da história, ao conceber um sujeito que está relacionado ao aparato psicomotor e cognoscente. Do corpo enquanto máquina ao movimento manifesto da emoção e do intelecto, muitas transformações ocorreram. A crença passa a ancorar-se num dialogo tônico, nas relações corporais, enquanto reflexo do psiquismo, propondo a tríade: estrutura, intelecto e tônico-emocional. (COSTA, 2007).. 3. PSICOMOTRICIDADE, ESTÁGIO SENSÓRIO-MOTOR E DESENVOLVIMENTO INFANTIL Pensar em desenvolvimento infantil é explorar um terreno escorregadio e multifacetado. De acordo com uma abordagem holística, entende-se que a criança não é apenas composta pela linguagem, ou afetividade, ou motricidade, mas por um todo, indivisível, completo, uno, demonstrando possibilidades particulares e infinitas de conhecer e apreender o mundo. Piaget (1987) pautou seus estudos inicialmente na biologia, buscou conhecer de que maneira deu-se o desenvolvimento da inteligência. Para tanto, realizou observações, analisando-as e organizando sua epistemologia genética. Identificou o período do nascimento aos 24 meses de idade como “sensório motor”, enfatizando os processos motores enquanto a primeira inteligência na criança. Nesse contexto, é conveniente afirmar que nos primeiros meses de vida uma série de modificações cognitivas realiza-se, a fim de dar espaço ao pensamento racional e intencional, base para aquilo que o sujeito construirá no campo das aprendizagens no decorrer de sua trajetória. Ao nascer, o ser humano possui uma série de características próprias da espécie. No entanto, as inúmeras potencialidades, predispostas a emergirem mediante relações sociais estabelecidas ao longo de sua vida, darão espaço às maiores conquistas no campo do aprender. Destarte, esse ser constrói o conhecimento de maneira ativa, na medida em que interage com seu meio social, e modifica suas estruturas cognitivas sempre que necessita ampliar suas condições de raciocínio e aprendizagem (nas palavras de Fonseca, 2008, ‘adaptação biológica’). Ou seja, quando determinado conhecimento não lhe serve tão bem para agir no mundo, é reelaborado por meio de suas antigas conquistas, num processo contínuo de assimilação (input) e acomodação (output). v.14 • n.18 • 2011 • p. 127 - 138. 131.

(6) A psicomotricidade no estágio sensório-motor: um olhar para o desenvolvimento infantil. O desenvolvimento da inteligência, é pois, em grande medida, função do contexto social e histórico-cultural, isto é, da qualidade e do tipo de interações e mediatizações que os outros exercem sobre o individuo, ou seja, é fruto da incorporação ou integração do que está fora dele, ou melhor dito, de como o extracorporal ou o extra biológico que consubstanciam a cultura são transmitidos pelos outros mais experientes e são apropriados pelo próprio indivíduo. Em síntese, de como o que está fora do corpo se torna, por integração com os outros, incorporado. (FONSECA, 2008, p. 40).. Tais conceitos são intrínsecos ao funcionamento psicomotor, afinal a inteligência “[...] é a resultante e o resultado da experiência do indivíduo. [...] é através da experiência como ação e, portanto, como motricidade, que o indivíduo simultaneamente integra e incorpora o mundo exterior e o vai transformando.” (FONSECA, 2008, p. 76). Segundo Piaget (1987, p. 13), a construção da inteligência dá-se de maneira particular, pois “A inteligência verbal ou refletida baseia-se numa inteligência prática ou sensóriomotora, a qual se apoia, por seu turno, nos hábitos e associações adquiridos para recombinálos.” De maneira bastante simplificada, nessa visão, assimilação constitui-se em interpretarmos o mundo exterior e acomodação ajustar o conhecimento em função de características de uma situação ou objeto (respostas adaptativas, logo motoras). São dois eventos interdependentes, contínuos e igualmente importantes para a construção do conhecimento, pois faz parte de um processo dialético. (FONSECA, 2008). A inteligência é fruto de uma organização interna, à medida que o indivíduo incorpora características do meio numa relação dialética entre as características do “ser” (inato, biológico) e do “incorporar” (meio). Isso é possível porque um depende do outro, constituindo um processo contínuo de equilibração. (PIAGET, 1987). A criança estabelece, assim, a relação com o mundo exterior por meio da circularidade entre as percepções (assimilação) e as ações (acomodação), já que é o conjunto de adaptações que, na sua circulação corporalizada pela motricidade, irá transformar a inteligência prática e sensório-motora em inteligência reflexiva e gnósica. (FONSECA, 2008). Toda a inteligência humana, segundo Piaget, é fruto de uma série de experimentações sensoriais, portanto de base motora, que forma as primeiras aprendizagens na criança, das quais ela necessitará fazer uso para conquistar novos conhecimentos e evoluir. Assim, “[...] a coordenação do sistema sensório-motor é a primeira e última demonstração da inteligência humana.” (FONSECA, 2008, p. 80). Conforme alerta Fonseca, “[...] antes da aquisição da linguagem (período pré-verbal) a criança demonstra a sua inteligência ou adaptação por estruturas sensório-motoras cada vez mais aperfeiçoadas e complexas.” (2008, p. 80). Nessa perspectiva, conforme mencionado, a inteligência é fruto da ação e da interação, alicerçada na experiência. Para Piaget, a inteligência prática permite que os pequenos passem por um processo de descoberta por meio de esquemas de ação (retenção), ao ter o gesto como uma pré-. 132. Revista de Educação.

(7) Fernanda Ros Ortiz. linguagem, quando organizam regulações afetivas e suas estruturas de categorização tátil cinestésica. (FONSECA, 2008). Assim, as relações que estabelecem com os outros e com os objetos à sua volta estão imbricadas à evolução de suas funções psíquicas superiores, na medida em que dá sentido e significado às suas experiências nesse mundo. Por conseguinte, o social e mesmo o afetivo tornam-se essenciais, e contribuem para a formação do ser social em constante desenvolvimento. Através da ação sobre o meio físico com o meio social e da interação como ambiente social, processa-se o desenvolvimento e a aprendizagem do ser humano. É um processo complexo, em que a combinação de fatores biológicos, psicológicos e sociais, produz nele transformações qualitativas. Para tanto desenvolvimento envolve aprendizagem de vários tipos, expandindo e aprofundando a experiência individual. (LIMA, 2010, p.1).. A inteligência não aparece pronta. É proveniente de um conjunto de bases precedentes, pois são processos de ordem motora. Os primeiros reflexos do bebê darão lugar, posteriormente, às atividades intelectuais intencionais propriamente ditas. (PIAGET, 1987). Na perspectiva de Ajuriaguerra, a consciência corporal, resultado da internalização da imagem do próprio corpo, possui íntima relação com o desenvolvimento da personalidade e, consequentemente, com o potencial de aprendizagem do indivíduo. Entre outras concepções, “[...] a noção do nosso corpo é não só uma estrutura sensorial e cinestésica registrada e integrada no cérebro, mas também, e simultaneamente, uma estrutura funcional indispensável a todas as condutas.” (FONSECA, 2008, p. 111). Tal imagem é formada por um conjunto de percepções (interoceptivas, proprioceptivas, exteroceptivas), pois é unidade intrínseca da formação da personalidade humana. A noção de membro fantasma, evidenciada por Ajuriaguerra, confirma essa hipótese, visto que a ausência de um membro do corpo não impede que o indivíduo possua uma representação mental do mesmo. (FONSECA, 2008). Carvalho e Pessanha (2007) estabelecem a relação entre a consciência corporal (em especial, a falta dela), manifestada por meio dos desenhos da figura humana, realizados por algumas crianças de cinco e seis anos, e sua dificuldade no processo de alfabetização. Tal relação nos remete à teoria de Le Bouch (1982), cujos estudos apontam para a comunhão entre imagem visual do corpo e desenvolvimento de outras habilidades, entre elas a apropriação da leitura e da escrita. Em outras palavras, aquele que não consegue representar o próprio corpo, possui dificuldade em fazê-lo também com o mundo. Assim, uma estimulação satisfatória precisará contar com atividades audiovisuais de percepção, mas também aquelas baseadas na experiência vivida de movimento e intencionalidade. Afinal das contas, o autoconhecimento do corpo é favorável ao controle tônico e à atenção, bem como outros aspectos criadores de competências. (CARVALHO; PESSANHA, 2007). v.14 • n.18 • 2011 • p. 127 - 138. 133.

(8) A psicomotricidade no estágio sensório-motor: um olhar para o desenvolvimento infantil. Esses conceitos acerca da consciência corporal necessariamente atuam em torno da relação integrada entre as esferas do comportamento humano (fisiológica, libidinal e social), ressaltando que “[...] o corpo não é apenas um instrumento de construção e de ação, mas também o meio concreto e último de comunicação social.” (FONSECA, 2008, p. 107). É, portanto, um veículo estruturador do desenvolvimento da personalidade e do potencial de aprendizagem. [...] é através da motricidade que a criança não só organiza as suas condutas, mas também desenvolve as estruturas do seu sistema nervoso, estruturas, aliás pelas quais, mais tarde, pode comunicar, pensar e ajuizar, isto é, aprender. (FONSECA, 2008, p.124).. Potencializar as aprendizagens das crianças é rico e oportuno por lidar com seres que possuem a progressão biológica pautada nos aspectos motor e afetivo, para então redistribuir suas energias às outras áreas, enquanto constroem conhecimentos importantes e sólidos, bases para projeções futuras. Costa (2007), à luz das teorias psicanalíticas, crê na condução do processo de consciência corporal por um sujeito desejante. A ótica evidencia que o não aprender é fruto de uma negação por parte do mesmo, fruto de seu inconsciente. O corpo é a expressão desse psiquismo, sede dos instintos e está também interligado ao desenvolvimento psicossexual na infância. Para a autora, ao enfrentar desequilíbrios nas situações psicológicas dos processos libidinosos, a condição desejante de aprendiz do indivíduo torna-se tolhida ou conturbada. Ou seja, aprender está diretamente relacionado a inúmeros processos afetivo emocionais, construídos na trajetória de vida de cada um, entre outros fatores. Dessa maneira, a psicomotricidade, enquanto campo de concepção do corpo em movimento, revela a rica contribuição ao desenvolvimento infantil da estimulação adequada das crianças em estágio sensório-motor. Pode-se dizer que prescindir dessa percepção é semelhante a rejeitar a possibilidade de aproveitamento do amplo potencial de aprendizagem das crianças.. 4. A PSICOPEDAGOGIA ENQUANTO ESPAÇO DE DISCUSSÃO DA PSICOMOTRICIDADE: CONTRIBUIÇÕES A psicopedagogia surge da intersecção entre conhecimentos da psicologia, psicanálise e pedagogia, e objetiva readaptar os educandos que, embora inteligentes, eram socialmente inadaptados na escola ou em casa, além de apresentar dificuldade em aprender. A visão inicial era patologizante e organicista, visando ‘reeducar deficiências’. A partir de então, novas contribuições foram surgindo para dar conta dessas questões. Entende-se por psicopedagogia o campo de estudo do processo de aprendizagem e as variáveis que nele interferem. Nesse contexto, detectar em que medida o desenvolvimento. 134. Revista de Educação.

(9) Fernanda Ros Ortiz. da criança e de sua inteligência dependem de estimulação adequada, a fim de prevenir possíveis falhas no processo de aprendizado, assim como tratá-las, torna-se também preocupação central daquele campo. Nessa perspectiva, é rico e oportuno todo o trabalho ou estudo que estiver ancorado na lógica da prevenção, quando busca oportunidades para favorecer o crescimento holístico do sujeito cognoscente. Por essas razões, quaisquer tributos serão bem vindos, visto que trabalham a favor da compreensão das variáveis conectadas ao processo de aprendizagem. A psicomotricidade insere-se na lógica tributária de respostas a determinadas questões ligadas ao desenvolvimento, além de fomentar indagações que engendram posturas mais adequadas nesses âmbitos. Isso ocorre porque sua principal concepção sugere que corpo e mente caminhem juntos, repelindo a dualidade característica das concepções iniciais nesse campo. O corpo é um instrumento de interação com o outro e de articulação do pensamento. Por meio de gestos, praxias e movimentos, apreende o mundo, entendendo-o e desenvolvendose. A excessiva preocupação com o intelecto, proveniente das ideias racionalistas, muitas vezes valorizadas pelo contexto social e educacional, marginaliza a importância do corpo em movimento. Tal concepção é perniciosa, afinal, as primeiras aquisições no âmbito da inteligência são construídas por intermédio de bases motoras. O corpo é o instrumento comum na relação psicopedagógica e psicomotora, sede dos sintomas do não aprender e das experiências acumuladas para novas aprendizagens. Diante desta percepção, fica evidente a similaridade entre a Psicopedagogia e a Psicomotricidade. (COSTA, 2007, p. 16). Ao falar de corpo enquanto objeto de interação, recorre-se à teoria de Wallon, citada por Sousa (2004), no sentido de compreender qual o significado dessa afirmação. O diálogo tônico de que fala o autor é a relação que motricidade e afetividade estabelecem na construção da personalidade e desenvolvimento do indivíduo. Nesse âmbito, o contato com o outro na primeira infância é de fundamental importância, pois é nos mais diversos atos que a vivência corporal permite o ajustamento entre o sujeito e seu meio, quando valoriza a construção gradativa de sua autonomia. O ato mental interiormente organizado vai projetar-se exteriormente, com base no ato motor. O pensamento inicial da criança, ainda incipiente e vago, vai necessitar dos gestos para se exteriorizar, enquanto os instrumentos verbais não estão integrados, os gestos, encarados como instrumentos não- verbais vão servir para veicular as suas ideias e as suas noções. (FONSECA, 2008, p. 29).. Tal processo torna claro que o sistema nervoso somente poderá obter uma maturação adequada se tiver a seu alcance condições adequadas permeadas de sensações táteis, provocadas pelo diálogo tônico, provocados por aqueles que cuidam e se importam com a criança. (SOUSA, 2004). Até a aquisição da linguagem, a motricidade é, pois, a característica preferencial e prioritária às suas necessidades básicas e aos seus estados emocionais e relacionais. A motricidade na criança é, por isso, já nessa fase tão precoce, a expressão do seu psiquismo prospectivo. (FONSECA, 2008, p. 15). v.14 • n.18 • 2011 • p. 127 - 138. 135.

(10) A psicomotricidade no estágio sensório-motor: um olhar para o desenvolvimento infantil. Nogueira, Carvalho e Pessanha (2007) realizaram, durante oito meses, uma investigação com crianças e professores de uma instituição escolar envolvidos com a série final da educação infantil e 1º ano do ensino fundamental, no campo da alfabetização e letramento, relacionado à psicomotricidade. Embora a leitura e a escrita não sejam o foco de estudo do presente artigo, é importante evidenciar as contribuições que as autoras apresentaram para este campo. “O corpo é o ponto de partida para a construção da personalidade e, assim, para a construção da lecto-escritura.” (CARVALHO; PESSANHA, 2007, p. 16). Como visto, entre outras conclusões, o trabalho demonstrou que os aspectos psicomotores estão intrinsecamente relacionados à aquisição da leitura e da escrita. A respeito disso, Fonseca (2008, p. 85) também discorre: No caso de aprendizagens escolares ditas verbais: ler, escrever, contar (e, para mim, também pensar), a transformação deverá assentar em aprendizagens anteriormente já conseguidas, conservadas e consolidadas, ditas não-verbais – psicomotricidade, desenho, jogo, canto, dança, música, etc. -, a partir das quais a introdução de novos elementos e variáveis permitirá, então, novas adaptações integradas e, consequentemente, novas aprendizagens. (FONSECA, 2008, p. 85).. Por fim, destaca-se como a psicomotricidade necessita de contribuições de áreas distintas, visto que é multidisciplinar por natureza. Entre essas, a psicopedagogia constituise numa via adequada, ao contribuir largamente para a compreensão de determinadas questões no campo dos estudos com o corpo em movimento.. 5. CONSIDERAÇÕES FINAIS Falar em aprendizagem e desenvolvimento demanda acionar conhecimentos de diferentes áreas, conforme se mencionou inicialmente. Nesse contexto, psicopedagogia e psicomotricidade relacionam visões distintas, mas complementares, tomando como importante objeto de estudo o desenvolvimento infantil, bem como outros temas afins. O corpo foi abordado e obteve significados distintos ao longo da civilização, enquanto fruto de concepções calcadas em saberes divergentes ou suplementares. Nas últimas décadas, vários estudiosos atribuem-lhe um conceito relacional, ao rejeitar as antigas concepções cujas principais crenças eram de que o corpo estaria alienado à mente, ou seja, era apenas um instrumento motor. Sucessivas modificações ocorreram antes das ideias atualmente divulgadas entre os teóricos contemporâneos, porta-vozes do que se tem de melhor em matéria de desenvolvimento, aprendizagem e sua relação com o corpo. Portanto, a ideia dominante é a de que o corpo e a mente mantêm estreitas conexões, já que são interdependentes e estruturadores do desenvolvimento da inteligência como um todo. Nesse contexto, a psicomotricidade toma sentido e espaço, apresentando-se enquanto base primordial para o desenvolvimento infantil. Tal pensamento decorre da crença,. 136. Revista de Educação.

(11) Fernanda Ros Ortiz. sustentada e ressaltada principalmente pelo epistemólogo Jean Piaget e seus seguidores, de que a motricidade é a primeira inteligência na criança. Autores de diferentes áreas esclarecem que os primeiros anos de vida da criança são essenciais para a formação das primeiras aprendizagens, pois é quando adquirem determinados conceitos referentes ao pensamento lógico e a diferentes habilidades. Tais conceitos constituem-se em alicerces para as futuras aquisições, como a leitura e a escrita, por exemplo. Ao debruçar especificamente sobre o período sensório-motor, buscou-se conhecer em que medida o desenvolvimento da inteligência depende dos estímulos fornecidos nessa fase, de modo que a psicomotricidade tem relação íntima e direta com aquela. Urge então que, especialmente os primeiros dois anos de vida da criança são fundamentais para promover avanços cognitivos por intermédio da psicomotricidade, afinal os resultados serão colhidos nos âmbitos intelectual, afetivo e social, ao longo de toda a sua vida. Possibilitar a livre expressão da criança, na medida em que vivencia seus medos, frustrações e angústias por meio do corpo, é permitir que se encontre no meio em que vive, enquanto adquire progressiva autonomia para atuar nele. Portanto, partilha-se do entendimento de que se faz necessária a congruência na atuação junto às crianças dos profissionais da pedagogia, psicologia, psicopedagogia, além de neurologistas e pediatras, sempre mantendo um olhar voltado para o crescimento integral do indivíduo, baseado em propostas de maximização do potencial de aprendizagem, bem como a qualificação desse processo. Afinal, a adequada formação necessita estimular as habilidades intelectuais por meio inclusive da motricidade, auxiliar na compreensão do conhecimento por intermédio de experiências realizadas com satisfação e prazer, ao promover a interação com o meio social e favorecer a apropriação crítica e criativa das situações do mundo.. REFERÊNCIAS COSTA, Auredite Cardoso. A psicomotricidade em seu movimento dinâmico. In: COSTA, Auredite Cardoso. Psicopedagogia e psicomotricidade. Pontos de intersecção nas dificuldades de aprendizagem. 5 ed. Petrópolis: Vozes, 2007, p. 21-30. ______________________. Um olhar psicanalítico. In: COSTA, Auredite Cardoso. Psicopedagogia e psicomotricidade. Pontos de intersecção nas dificuldades de aprendizagem. 5 ed. Petrópolis: Vozes, 2007, p. 37-52. ______________________. Um pensar interdisciplinar: psicomotricidade e psicopedagogia. In: COSTA, Auredite Cardoso. Psicopedagogia e psicomotricidade. Pontos de intersecção nas dificuldades de aprendizagem. 5 ed. Petrópolis: Vozes, 2007, p. 31-36.. v.14 • n.18 • 2011 • p. 127 - 138. 137.

(12) A psicomotricidade no estágio sensório-motor: um olhar para o desenvolvimento infantil. FALCÃO, Hilda Torres; BARRETO, Maria Auxiliadora Motta. Breve histórico da psicomotricidade. Ensino, Saúde e Ambiente, Volta Redonda, v.2, n.2, p.84-96, agosto 2009. Disponível em: <http:// www.unipli.com.br/mestrado/rempec/img/conteudo/Texto_7_Hilda_Falcao.pdf>. Acesso em: 18 maio 2011. FONSECA, Vitor da. A criança é o seu corpo: introdução à obra de Ajuriaguerra. In: FONSECA, Vitor da. Desenvolvimento psicomotor e aprendizagem. Porto Alegre: Artmed, 2008, p. 104-222. _________________. Da embriologia motora à embriologia mental: introdução à obra de Piaget. In: FONSECA, Vitor da. Desenvolvimento psicomotor e aprendizagem. Porto Alegre: Artmed, 2008, p. 75-103. _________________. Prelúdios psicomotores do pensamento: introdução à obra de Wallon. In: FONSECA, Vitor da. Desenvolvimento psicomotor e aprendizagem. Porto Alegre: Artmed, 2008, p. 15-73. LE BOUCH. Evolução da psicomotricidade e situação atual. In: LE BOUCH. O desenvolvimento psicomotor do nascimento até 6 anos. A psicogenética na idade pré-escolar. Porto Alegre: Artes Médicas, 1992, p. 20-26. __________. O conceito de imagem do corpo e sua evolução. In: LE BOUCH. O desenvolvimento psicomotor do nascimento até 6 anos. A psicogenética na idade pré-escolar. Porto Alegre: Artes Médicas, 1992, p. 15-19. LIMA, Sandra Vaz de. A importância da psicomotricidade na educação infantil. Psicopedagogia on line. Disponível em: <http://www.psicopedagogia.com.br/artigos/artigo.asp?entrID=1222> . Acesso em: 15 jul. 2010. PIAGET, Jean. O nascimento da inteligência na criança. 4 ed. Rio de Janeiro: Guanabara, 1987. NOGUEIRA, Liliana Azevedo; CARVALHO, Luzia Alves de; PESSANHA, Fernanda Campos Lima. A psicomotricidade na prevenção das dificuldades no processo de Alfabetização e Letramento. Perspectivas online, Campos dos Goytacazes, v.1, n.2, p.9-28, 2007. Disponível em: <http://www.perspectivasonline.com.br/revista/2007vol1n2/volume%201(2)%20artigo2.pdf>. Acesso em 7 jun. 2011. SOUSA, Dayse Campos de. O corpo e o movimento psicomotor. Revista Iberoamericana de psicomotricidade e técnicas corporales. n.14, p. 17-26, maio de 2004. Disponível em: <http://www. iberopsicomot.net/2004/num14/14articulo2.pdf>. Acesso em 19 jul 2011.. 138. Revista de Educação.

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