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Significados e particularidades da linguagem no trabalho

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(1)Revista de Educação Vol. 13, Nº. 15, Ano 2010. Glória de Fátima Pinotti de Assumpção Faculdade Anhanguera de Taubaté gloriapinotti@yahoo.com.br. SIGNIFICADOS E PARTICULARIDADES DA LINGUAGEM NO TRABALHO. RESUMO Este artigo tem por objetivo mostrar particularidades da linguagem que circula nos espaços de trabalho e a dificuldade de atribuir significados por um ator social iniciante. A linguagem usada no trabalho empresas é pouco ou nada difundida no mundo exterior a ela, o que faz com que, os indivíduos que não estão inseridos naquele contexto desconheçam seus significados e utilizações até mesmo para executar uma tarefa simples. Para desenvolvermos este artigo foram realizadas pesquisas de campo em duas etapas. Primeiramente em uma fábrica de óculos e em seguida com um grupo de alunos do ensino médio. Nossa pesquisa revelou que os alunos, os prováveis futuros atores sociais não têm domínio da linguagem utilizada nos espaços de trabalhos. Palavras-Chave: linguagem e trabalho; linguagem em situações de trabalho.. ABSTRACT This article has for objective to show particularities of the language that circulates in the spaces of work and the difficulty to attribute meanings for an beginning social actor. The used language in the work is little or nothing spread out in the exterior world it, what she makes with that, the individuals that are not inserted in that context is unaware of its meanings and uses even though to execute a simple task. To develop this article had been carried through research of field in two stages. The first stage of the research was carried through in a plant of eyeglasses and second, with the collected corpus, it was applied in pupils of average education. Our research disclosed that the pupils, the probable futures social actors do not have domain of the language used in the spaces of works. Keywords: language; working language in the work situations.. Anhanguera Educacional Ltda. Correspondência/Contato Alameda Maria Tereza, 2000 Valinhos, São Paulo CEP 13.278-181 rc.ipade@aesapar.com Coordenação Instituto de Pesquisas Aplicadas e Desenvolvimento Educacional - IPADE Artigo Original Recebido em: 4/3/2010 Avaliado em: 27/2/2011 Publicação: 15 de outubro de 2011. 45.

(2) 46. Significados e particularidades da linguagem no trabalho. 1.. INTRODUÇÃO Percebe-se que em um ambiente de trabalho existem tipos diferentes de linguagens, principalmente a oral que os atores sociais usam: uma comum ao nosso cotidiano e a outra a somente conhecida e utilizada pelos trabalhadores em seus postos de trabalho. O foco da nossa pesquisa está constituído exatamente na linguagem falada apenas no ambiente de trabalho no momento em que os atores sociais executam suas tarefas1. A linguagem utilizada no ambiente de trabalho difere da linguagem usada em outros ambientes, como por exemplo, a escola, isto é fato, e do local de trabalho precisamente da tarefa a ser executada, o linguajar pode ser ainda mais estranho aos ouvidos de quem está fora ou se iniciando naquele ambiente. Ao questionarmos sobre a diferença do modo da utilização da linguagem, no que diz respeito ao significado das palavras e expressões usadas no trabalho, descobrimos dois fatos interessantes: primeiro que existem pouquíssimas pesquisas neste campo e segundo que o ambiente de trabalho é extremamente rico para uma pesquisa linguística em caminhos antes pouco explorados. Não entraremos no campo gramatical e deixamos de lado as concordâncias, coesões e o certo e o errado, para aproveitar a essência do significado atribuído a cada expressão coletada, principalmente para tratar da linguagem específica que situa o trabalhador em seu espaço de trabalho. As produções escritas sejam os pequenos recados ou os relatórios mais complexos seguem uma norma somente, a utilizada e conhecida por aqueles que estão diretamente envolvidos no processo, ou seja, a gramatical sendo de difícil compreensão, até mesmo por indivíduos que estão dentro da mesma empresa, nos diversos setores. A diferença na linguagem utilizada dentro do espaço de trabalho que conseguimos perceber em nossa pesquisa vai desde os nomes das peças ou máquinas até as expressões corriqueiras conhecidas e compreendidas apenas pelos atores sociais que as inventaram e que as utilizam em suas rotinas de trabalho. Nosso objetivo será elucidar da forma mais nítida possível a linguagem conhecida e usada pelos trabalhadores em uma bancada e a diferença entre o mundo externo e interno de uma fábrica de óculos. Optamos por uma empresa de pequeno porte, que aqui conheceremos apenas pelas iniciais I.O.P.E. Ltda., e apesar de nossa pesquisa ser de conhecimento da empresa iremos suprimir também o nome completo dos nossos colaboradores. O presente trabalho visa mostrar a linguagem utilizada em situações de. Revista de Educação • Vol. 13, Nº. 15, Ano 2010 • p. 45-58.

(3) Glória de Fátima Pinotti de Assumpção. 47. trabalho em relação à identificação e o desconhecimento da mesma frente aos alunos de uma escola pública de ensino médio quando terão sua primeira oportunidade de trabalho. Pretendemos com este estudo mostrar que a linguagem utilizada na bancada, ou seja, pelos atores sociais em atividade, é de difícil alcance ou quase nenhum utilizada no terceiro fora daquele espaço. Nosso interesse foi justificado pelo fato de que estes alunos ao saírem ensino médio, na sua maioria, vão direto para o campo de trabalho. Na região, são as fábricas pequenas que proporcionam a maior oportunidade do primeiro emprego. Devido a isso se faz interessante conhecer até que ponto a linguagem ajudaria ou tornaria mais difícil a adaptação deste jovem dentro da empresa.. 2.. A LINGUAGEM NO TRABALHO Nouroudine (2002) traz uma reflexão a respeito dos modos de linguagem no ambiente de trabalho de forma distinta. Segundo o autor existem três tipos distintos e entrelaçados de linguagem: a linguagem como trabalho, a linguagem do trabalho e a linguagem sobre o trabalho. Neste artigo priorizaremos nossa análise a partir das considerações acerca da linguagem no trabalho. Embora o autor trate de maneira separada os três tipos, também deixa claro que uma não se dissocia da outra e de certa forma até se complementam. O ambiente de trabalho envolve diversas situações que vão desde a atividade de produção ao convívio social entre seus colaboradores, e devido ao grande número de horas de convivência, os indivíduos envolvidos passam a ter uma linguagem própria e incomum aos que estão de fora daquele ambiente. Nouroudine (op.cit.) também trata ambas de forma precisa e objetiva, porém, na sua concepção, a linguagem sobre o trabalho deverá ser mais pesquisada por ser a ponte de interpretação das demais. Nessa perspectiva, o autor não enfoca a escrita e sim os diálogos ocorridos dentro do ambiente de trabalho. Boutet (1993) outra estudiosa sobre o tema vai além, pois trata tanto do dialogo como da escrita. Segundo ela, a linguagem no ambiente de trabalho pode ser oficial e não oficial e considera como oficial aquela que é utilizada pelos profissionais responsáveis pela atividade e pela orientação dos “subordinados”, dando como exemplo os médicos que elaboram os laudos e prescreve a medicação. Sobre a linguagem não oficial, a autora. 1 Os linguistas citados fazem uso diferenciado para os termos tarefa e atividade: Tarefa refere-se ao trabalho prescrito e podem envolver textos escritos como orais e atividade ao trabalho realizado.. Revista de Educação • Vol. 13, Nº. 15, Ano 2010 • p. 45-58.

(4) 48. Significados e particularidades da linguagem no trabalho. traz como exemplos as enfermeiras e suas anotações, que na maioria das vezes simplificam as palavras usadas pelos médicos para agilizarem a atividade a ser realizada. Em suas pesquisas, a autora ainda mostra que embora esta linguagem tenha caráter não oficial não deixa nada a dever para a oficial, pois seus envolvidos compreendem e são capazes de reproduzir a linguagem utilizada pelos médicos, porém seria moroso o processo, dificultando a passagem de plantão. A linguagem escrita no ambiente de trabalho, no pensamento da autora, media a compreensão das situações de falas entre um ou mais funcionários com as ordens ou recados transmitidos primeiramente de forma oral. E também afirma que no ambiente de trabalho existe textos que não são produzidos para serem lidos, aqueles que os denomina como prescritos e os escritos do trabalho real. O primeiro, os prescritos, são feitos para testemunhar, arquivar o assunto em questão, e só irão ser lidos quando houver necessidade; os escritos do trabalho real geralmente são anotações feitas para facilitar a atividade, estes são lidos constantemente pelos funcionários envolvidos. Retomando, então, Nouroudine (2002), que problematiza a complexidade da linguagem no trabalho, da seguinte forma: [...] o trabalho é complexo na medida em que integra propriedades múltiplas, cada uma participando da formação de uma significação dinâmica e variável nos campos social e histórico. [...] As atividades, os saberes, os valores são propriedades intrínsecas ao trabalho, que se manifestam no cruzamento e na contaminação mútua. Se não há trabalho sem que haja intenção expressa por um sujeito individual e/ou coletivo, a orientação da atividade (esboçada na intenção) é necessariamente dirigida por uma dinâmica transformadora inscrita na atividade, ordenada e organizada em torno de coletivos de trabalho, para os quais a cooperação é indispensável. (NOUROUDINE, 2002, p.19).. Pelo nosso entendimento, os autores têm a mesma convicção ao dizer que os escritos e os diálogos do ambiente de trabalho seriam incompreendidos fora deste ambiente e que deveria haver uma pesquisa mais aprofundada na linguagem “sobre o trabalho” de modo que pudesse ser melhor compreendida pelos seus atores. Lacoste (1995), também estudiosa da linguagem no trabalho, nos diz que a situação de trabalho integra o ambiente da atividade, as condições objetivas nas quais ela se exerce, as coerções de toda ordem que pesam sobre os atores. Trata-se, portanto, de uma rede complexa sobre a qual se constitui a ação, um plano secundário ao qual estão dirigidas as crenças, os raciocínios, dentre outros. Resolvemos intercalar o pensamento de Assumpção (2006) referindo-se às instruções no trabalho o que para nós veio confirmar a importância da linguagem dentro do ambiente de trabalho; esta em seu artigo elucida a linguagem e a experiência profissional necessárias para uma eficaz transmissão de conhecimentos.. Revista de Educação • Vol. 13, Nº. 15, Ano 2010 • p. 45-58.

(5) Glória de Fátima Pinotti de Assumpção. 49. Para a execução de uma atividade de trabalho, há necessidade de se concentrar atenções em diferentes instruções. Essas instruções são entendidas como os prescritos organizacionais, os quais dão ao profissional condições ideais de interpretabilidade a assuntos e temas ligados a sua capacidade de experiências adquiridas ao longo do tempo e num padrão de qualidade estabelecidas, que dão ao praticante uma posição de credibilidade junto aos demais trabalhadores do coletivo no seu ambiente de trabalho. Os atores da cena enunciativa que se instala no momento da transferência desse conjunto de conhecimentos, aqui aceitos como a pratica do profissional, são tratados no trabalho, como interlocutores da mesma situação. (ASSUMPÇÃO, 2006). Se juntarmos as perspectivas dos autores citados, teremos a confirmação do pensamento de Nouroudine em que afirma que a linguagem no trabalho seria uma das realidades constitutivas da situação de trabalho global na qual se desenrola a atividade. Confirmados por essa realidade, acredita-se que a linguagem em situações de trabalho é também um conjunto de instruções relativas às estratégias que devem ser usadas para associar um sentido aos enunciados que se configuram quando um locutor transfere a prática do trabalho ao outro interlocutor, como dito por Assumpção (2006). Por isto, a linguagem utilizada no ambiente de trabalho passa a ser por demais particular dado que na comunicação em situação de trabalho e durante a atividade, ela é utilizada como meio de gestão do tempo de trabalho. No espaço de trabalho conhecido como bancada, como revelou a nossa pesquisa, percebe-se que é comum os atores sociais receberem orientação para que evitem ficar conversando com o colega do lado, em geral é solicitado falar apenas o necessário para a realização da tarefa, ou conversas paralelas podem atrasar a produção ou acarretar erros na elaboração da tarefa, segundo o pensamento dos encarregados. Na verdade, o que se percebe é que a linguagem no trabalho está de forma complexa e sempre relacionada diretamente com a realização da atividade do trabalho, pois embora não permitido, surgem assuntos diversos de importância variada para os envolvidos e observadores. Como mesmo dito por Boutet (1993), a linguagem sobre o trabalho ocorre com muito mais frequência que as demais, e algumas vezes de forma informal, constituída em pequenos comentários a respeito da tarefa realizada no final do dia ou de forma formal, como relatórios tecendo comentário sobre a produção ou conduta do dia, mês ou ano, ou qualquer outro comentário sobre fatos diversos.. 3.. METODOLOGIA Para a produção deste trabalho realizamos uma pesquisa de campo em duas etapas com duração de doze meses, e uma análise interpretativa da linguagem em situações de trabalho vivenciada pelos trabalhadores na bancada de fábrica de óculos e a leitura de material teórico que sustentassem as nossas análises. A primeira etapa consistia de. Revista de Educação • Vol. 13, Nº. 15, Ano 2010 • p. 45-58.

(6) 50. Significados e particularidades da linguagem no trabalho. observação dos atores sociais em seus postos de trabalho, entrevista não estruturada e anotações da linguagem utilizada no ambiente. A segunda etapa consistia de mostrar a linguagem utilizada no ambiente de trabalho em termos e expressões aos alunos do ensino médio de uma escola pública, que ao concluírem tornar-se-ão iniciantes na atividade de trabalho. A indústria de óculos, situada no interior de São Paulo, é de pequeno porte, do tipo coligada com mais duas na mesma área. Seu produto final consiste em óculos para sol e para grau, produzindo desde as pequenas peças até a montagem final. Tem em seu quadro cerca de 100 funcionários, entre os quais encontramos 10% com ensino médio e 30% cursando o ensino médio ou cursos técnicos, e a grande maioria, 60%, com apenas o ensino fundamental incompleto. Inicialmente frequentamos a porta da empresa para tentar coletar os dados necessários e embora fôssemos conhecidos da maioria dos funcionários, no primeiro contato tudo o que conseguimos foram respostas vazias, deixando a impressão de que os mesmos tinham receio de conversar de forma habitual com alguém do ambiente externo à empresa. Devido a este fato passamos a fazer a leitura teórica para esta nossa pesquisa, enquanto aguardávamos uma oportunidade para uma nova abordagem ao pessoal que se tornariam os nossos colaboradores. A oportunidade veio por meio do funcionário Elias F., conhecido de outros tempos, quando ficamos sabendo que a empresa precisava de soldadores com experiência e que para nossa sorte enquadrávamos no perfil desejado, vislumbrando assim a nossa oportunidade tão aguardada. Isso ocorreu em 2008 e fomos contratados logo em seguida. Durante 12 meses trabalhamos e conversamos com os funcionários para a coleta das informações. Como a força braçal da empresa é de pessoas com nível escolar baixo tivemos de fazer perguntas menos complexas, o que resultou em algo fascinante para nós, vindo ao encontro de nossas expectativas. Como já dito, colhemos, através de conversas e anotações, expressões e palavras soltas faladas diariamente pelos funcionários da empresa, que durante doze meses foram observados por nós. Para este trabalho, escolhemos apenas 35 delas, as usadas mais próximos de nossa bancada. Para nós somente importou observar a forma e o significado da linguagem no ambiente de trabalho. Na sequência passaremos à análise do corpus que se encontra dividido em duas etapas: primeiramente a coleta realizada na fábrica e na segunda, a coleta realizada com os alunos do ensino médio. Revista de Educação • Vol. 13, Nº. 15, Ano 2010 • p. 45-58.

(7) Glória de Fátima Pinotti de Assumpção. 4.. 51. ANÁLISE DO CORPUS Este item consiste na análise do corpus coletado na primeira etapa da pesquisa. Serão demonstrados termos e expressões colhidas na fábrica.. Excerto 1 [Solde agora as pernas 1200 na armação A2] Esta orientação foi dada pelo encarregado da seção à soldadora. No nosso entendimento trata-se de uma mistura de ordem e solicitação ao mesmo tempo. Para o nosso nível de compreensão, torna-se evidente que não se trata de pernas humanas e nem de móveis, mas de uma peça que terá a função de sustentar os óculos no rosto do usuário, já que o produto final deverá ser um par de óculos. Assim como esta ordem é perfeitamente clara para os trabalhadores experientes, para um recém chegado poderia causar. um. certo. estranhamento. e. até. mesmo. dúvida.. Se. a. linguagem. explicativa/instrutiva do encarregado não for clara e precisa poderá resultar em erros na elaboração do processo ou atraso na finalização da tarefa. Durante nossa pesquisa também foi possível observar que os erros de produção ocorrem devido aos funcionários não compreenderem o que o encarregado quer transmitir em sua solicitação, ou seja, há um desencontro de linguagem: a utilizada pelo encarregado e a conhecida e praticada pelo empregado. Acrescido ao fato de que alguns encarregados querem aparentar superioridade intelectual sobre os funcionários usando para tanto uma linguagem por demais tecnicista com detalhamento de cálculo e algumas vezes até pejorativa, o que vamos mostrar na citação a seguir.. Excerto 2 [Para realizar o fechamento do aro 1002 use a máquina de baixa freqüência e prata de 0,2 milímetro. Quero que fique apenas uma curvatura de 15º, se você preferir use o eletrodo nº 06 com regulagem de 50Wts]. Esta orientação foi dada por RW, encarregado do setor de solda e prensa em 2008. Nela e por ela percebemos que a linguagem utilizada pelo encarregado está sobrecarregada de informações técnicas de solda o que dificulta o entendimento rápido e eficaz da informação. E ficamos a nos perguntar se o encarregado observou a experiência e o conhecimento suficientes que a soldadora deveria ter para realizar a tarefa a contento. Outro ponto que observamos nessa instrução é o fato de que havia escolha quando o encarregado usou a expressão se você preferir. Mais uma vez refletimos sobre a. Revista de Educação • Vol. 13, Nº. 15, Ano 2010 • p. 45-58.

(8) 52. Significados e particularidades da linguagem no trabalho. problematização da linguagem no ambiente de trabalho e nos perguntamos se essa linguagem é alcançada por um iniciante. Durante o tempo em que permanecemos dento da empresa conseguimos, através de conversa, sem que houvesse caráter de entrevista, juntar algumas palavras e expressões muito utilizadas, como estas que estão no excerto a seguir:. Excerto 3 [Este funcionário é gabaritado para fazer os rebites; aquele não tem competência para soldar a A2; estas pernas vão para sucata; nossa, você só morcega; traça o ângulo para ajustar o aro]. Comentários e instruções como essas, principalmente quando advindos de superiores ou encarregados, ou não são compreendidos por empregados ou os deixam deprimidos e sem estímulos para realizar sua função por serem por demais coercitivos. O funcionário que acabou de entrar no ambiente de trabalho terá uma certa dificuldade para entender do que eles estão falando e somente com o tempo poderá compreender, ou seja, irá desenvolver suficientemente a linguagem daquele local para melhor acompanhar a tarefa ou a atividade.. Excerto 4 [Aliviano], [Bambiano], [Azarano] e [Fica morgando ai cara] Estas expressões demonstradas no excerto 4 foram ditas por funcionários da seção de montagem e significam respectivamente adiando, está mole, ficar sem fazer nada e ficar parado sem trabalhar. No nosso entendimento, os funcionários mudaram ou transformaram os significados destas palavras, dando um significado muito particular, usada somente entre eles em seus postos de trabalho, o que nos leva a perceber o quanto seria difícil para um iniciante executar a tarefa.. Excerto 5 [Deixa de ser tão pelego] A expressão do excerto 5 dita por uma funcionária da seção de solda a um colega significa deixa de ser tão aplicado no trabalho. Esta frase é muito usada em períodos de greve, cujo funcionário que, pelo seu senso de responsabilidade, se vê obrigado a entrar para trabalhar recebe o apelido de pelego, que significa fura greve. Este apelido, para os demais funcionários, serve como xingamentos e é carregado de desdenho.. Revista de Educação • Vol. 13, Nº. 15, Ano 2010 • p. 45-58.

(9) Glória de Fátima Pinotti de Assumpção. 53. Excerto 6 [Esquece, você não tem gabarito para querer fazer este tipo de solda] Dita por encarregado de uma seção a um funcionário de bancada a expressão pode significar que a pessoa não tem qualificação para aquela tarefa. Durante nossa permanência na fábrica percebemos que os encarregados tinham um apego especial por esta frase e a pronunciavam sempre que possível. O que eles não reparavam é que deixavam os funcionários em estado de depressão por ter um significado tão pejorativo e forte para um iniciante.. Excerto 7 [Traga a carriola e tire daqui essas sucatas] Esta ordem foi dada por funcionário da seção de solda com o sentido de trazer o carrinho de retirar o lixo reciclável. A palavra sucata pode ser de fácil alcance para o iniciante, mas nos perguntamos como seria quanto à carriola.. Excerto 8 [Páre de morcegar e volte a trabalho] Esta ordem quer dizer para parar de andar pela fábrica sem fazer nada, ou parar de voar pela fábrica. Embora seja de extrema importância levantar-se e se esticar, inclusive é uma recomendação dada pela saúde no trabalho movimentar-se a cada x espaço de tempo para descansar a coluna. Porém não possui o mesmo significado para os encarregados, ou seja, significa burlar a hora de trabalho.. Excerto 9 [Perna, aro, haste, plaqueta, ponte, travação, aparelho, gabarito, tubo, bancada, pedal, caneta de solda, dobradiça, ponteira, pião, macho] Este conjunto de palavras do excerto 9 são nomes de peças que para os iniciantes ou para as pessoas que estão fora daquele ambiente de trabalho não são entendidas. Esta linguagem só é utilizada para nomear peças para produzir seu produto final, como seriam então compreendidas em uma tarefa? Como um de nosso objetivo é comparar estes significados com os alunos do ensino médio, levamos até eles algumas frases colhidas na bancada e solicitamos que identificassem a linguagem utilizada reconhecendo as palavras ou expressões. Nesta. Revista de Educação • Vol. 13, Nº. 15, Ano 2010 • p. 45-58.

(10) 54. Significados e particularidades da linguagem no trabalho. segunda e última parte do nosso trabalho, passamos a mostrar como os alunos reconheciam estas expressões. Antes, porém, convém informar que para esta parte da pesquisa estagiamos em uma escola pública no interior de São Paulo. Escola fundada em 1960, atualmente com 750 alunos entre o ensino fundamental II, EJA e o ensino médio. Com a permissão da direção selecionamos apenas dez, que nosso entender atendeu perfeitamente aos propósitos deste artigo. Por sugestão da professora de língua portuguesa levamos em consideração o histórico escolar de cada aluno e escolhemos aqueles que tinham poucas faltas e as melhores notas. Separamos os alunos em dois grupos, um de meninos e outro de meninas, embora inicialmente desejássemos fazer grupos mistos, o que não foi possível devido ao elevado nível de competição entre eles. Por estarmos tratando com menores de idade não iremos aqui divulgar nomes, iremos apenas identificá-los como alunos da EENCL. Permanecemos estagiando nesta escola de um janeiro de 2008 a fevereiro de 2009, aproveitando assim este tempo para colher os dados necessários para a segunda parte dessa nossa pesquisa. Esta etapa consistiu de levarmos a linguagem que circula no ambiente de trabalho até os grupos e verificar se eles reconheciam o significado de cada expressão que ouvimos durante nossa incursão pela fábrica. Vejamos como se constitui esse novo corpus. [Traga a carriola e tire daqui essas sucatas]; [Que droga de chefe é você que não sabe usar o paquímetro]; [Esquece você não tem gabarito para fazer este tipo de solda]; [Deixa de ser tão pelego]; [Atenção funcionários o uso dos EPIs são obrigatórios]; [Fica morgando aí cara]; [Pare de morcegar e volte ao trabalho]; [Se fica aliviando estamos ferrado]s; [Esta bancada está bambiano]; [Solde este travessão com urgência]; [Picou o cartão hoje]; [Aquele já rodou]; Revista de Educação • Vol. 13, Nº. 15, Ano 2010 • p. 45-58.

(11) Glória de Fátima Pinotti de Assumpção. 55. [Caramba, acho que vou aproveitar o facão de ouro]; [Beleza, o pacotão é no fim do ano]; [Droga a solda descambou]. Todas estas frases foram coletadas na fábrica, porém, propositalmente omitimos este fato dos jovens para não influenciar em suas respostas. Os grupos tinham o mesmo número de participantes, e colocamos cinco para cada lado. Após entregarmos as folhas solicitamos que eles nos dissessem o que entendiam com aquelas expressões. Apenas para norteá-los utilizamos a pergunta base: O que, na sua opinião, significam estas expressões? Os grupos trataram de fazer adaptações para buscar a resposta a partir de conhecimento de mundo e sem fazer qualquer relação à linguagem utilizada no ambiente de trabalho. O grupo formado pelas meninas transformou as expressões para [traga uma maca para buscar o paciente, que deveria ser muito velho, por isto o chamaram de sucata]. Por ter uma de seus membros filha de um enfermeiro, o grupo respondeu que a primeira expressão deveria ser a padiola ou a maca e que possivelmente estava escrito errado. E comentou:“Gabarito é coisa de prova, a folha de resposta para ser exato”. Para elas, gabarito está sempre relacionado a alguma prova e deixaram de lado o resto da expressão, o que faz o sentido da expressão usada na fábrica ficar completo. A expressão EPI significa equipamento de segurança ou proteção individual. O grupo interpretou de forma correta, devido a mesma menina. Segundo ela, o pai era obrigado a usar. Sobre as demais expressões resolveram não opinar, segundo elas, para não falar besteira. O grupo formado pelos meninos, no primeiro momento, respondeu coisas que não devem ser mencionadas, somente depois de brincar bastante com as expressões decidiram dar opiniões relevantes. Para eles, [carriola era o carrinho usado pelos coveiros para transportar os caixões, que foi emprestado para alguém desovar o carro velho]. Para a expressão [Que droga de chefe é você que não sabe usar o paquímetro], afirmaram categoricamente que todo chefe é uma droga e burro e, para a expressão [Esquece, você não tem gabarito para fazer este tipo de solda], usaram o mesmo significado que as meninas, gabarito é a folha da resposta da prova. Quanto a palavra pelego que aparece na quarta expressão, o grupo disse que pelego é aquele CDF mauricinho. Os meninos também disseram que morgando seria sujando e morcegar seria o mesmo que azarar as periguêtes. Sobre a quinta expressão, que menciona OS EPI, não manifestaram opiniões. Revista de Educação • Vol. 13, Nº. 15, Ano 2010 • p. 45-58.

(12) 56. Significados e particularidades da linguagem no trabalho. As respostas, embora já esperássemos que não seria a mesma linguagem usada pelos funcionários, saíram mais espantosas do que o esperado, tanto que nós fomos obrigados a procurar o significado da palavra periguête, e descobrimos que nem os próprios jovens têm um significado definido para esta. Para alguns é garota da balada, bonita e para outros é garota fácil ou mulher de vida fácil. Vale ainda ressaltar que quando planejamos esta pesquisa com os alunos da escola, imaginamos que eles procurariam as respostas no dicionário, porém isso não ocorreu, eles inferiram as respostas utilizando seus conhecimentos de mundo o que tornou tudo mais interessante. Como o nosso intuito era verificar se haveria o reconhecimento das expressões ou mesmo conduzi-los para tal, norteamos os alunos esclarecendo-lhes a origem das expressões, e procuramos fazer com que eles buscassem as respostas nos colegas que trabalhavam em fábricas semelhantes as que colhemos os dados. Na última semana de nossa permanência na escola, fizemos o último encontro e os alunos fizeram a comparação entre a linguagem da fábrica e a linguagem escolar e ficaram entusiasmados com as respostas descobertas. Chegaram a conclusão que a linguagem de peão de fábrica era igual ao inglês que eles estudavam (dito por eles, sic) aprendiam na norma culta e depois inventavam significações mais interessantes. Porém os alunos concluíram que CDF era mesmo um pelego, que não importava a situação, ele entra de qualquer forma.. 5.. CONSIDERAÇÕES FINAIS Esta pesquisa revelou que a linguagem utilizada no ambiente de trabalho consiste em um linguajar particularmente diferente na sua essência, e com seu modo de conduzir o pensamento do ator social para o trabalho. Esta linguagem consiste em um mundo linguístico operacional complexo e fascinante, fazendo com que o ator social desenvolva um repertório de expressões estranhas à linguagem formal, porém rica de significados no universo2 do trabalho.. Como descobrimos que a fábrica é um universo linguístico à parte, com regras e conceitos distintos, e que dentro dele existem inúmeras formas de discriminação, revelados pela linguagem, nos certificamos também do quanto poderia ser importante prosseguir em linguagem e trabalho abordando o preconceito dos encarregados perante os atores sociais vitimados pela própria linguagem. Essa parte chamou-nos atenção uma vez que o funcionário ao ser questionado diretamente responde somente aquilo que acredita ser agradável aos ouvidos do patrão, evitando a todo custo fazer alguma crítica, porém se nos encontramos vivenciando a sua rotina e fazendo parte da equipe como membro ativo, este mesmo funcionário fala de forma espontânea, criticando ou até mesmo elogiando seus colegas de trabalho ou supervisores. Sobre este tema ver pesquisas relacionadas à clinica da atividade no grupo Atelier PUC/SP. 2. Revista de Educação • Vol. 13, Nº. 15, Ano 2010 • p. 45-58.

(13) Glória de Fátima Pinotti de Assumpção. 57. Pudemos notar com a distinção proposta pelas considerações teóricas utilizadas que a linguagem no ambiente de trabalho possui características próprias, não apenas nos termos utilizados, mas também na maneira de sua utilização. A linguagem que circula no ambiente de trabalho tem um objetivo definido, e para terem sucesso, os atores sociais envolvidos precisam conhecê-la e interpretá-la corretamente, e será essa interpretação única, o fator decisivo para a obtenção do sucesso ou do fracasso da atividade exercida. O artigo de Nouroudine nos ajudou a determinar o que queríamos colher de informações dos funcionários, porém faltou a parte do como abordar sem cairmos no erro, novamente, de assustar os nossos colaboradores e consequentemente nos frustrarmos diante de uma recusa ou evasão; para encontrarmos uma estratégia eficaz aprofundamos nossa parte teórica nos artigos de Boutet e de Assumpção. Esta pesquisa veio a comprovar que os concluintes do ensino médio, assim como outras pessoas que não tiveram contato com o mundo das fábricas, terão dificuldades nos primeiros meses com a linguagem utilizada no ambiente de trabalho devido à diferença de significação das palavras, o que faz da fábrica um universo linguístico completamente diferenciado dos demais, linguagem determinada por ela como fala de pião de fábrica. Embora os nomes dados às peças e aos materiais sejam de fácil assimilação, pode causar certo estranhamento aos ouvidos do jovem, o que tornaria ainda pior a dificuldade do primeiro emprego. Concluímos que a linguagem no trabalho pode ser tanto formal quanto informal porque ela se processa no convívio social dos atores sociais que fazem parte de um determinado setor. Estes atores usam a formalidade para expressarem ordens, principalmente as escritas e relatar procedimentos. Em grande parte, esta linguagem é informal, porque sempre os envolvidos encontram formas adaptáveis para as atividades a serem desenvolvidas e transmitem uns aos outros para que possam facilitar a realização de determinada tarefa.. AGRADECIMENTOS Nossos agradecimentos aos colegas de bancada que permitiram observar, mesmo que tão discretamente, as atuações em seus postos de trabalho e aos alunos da Escola. À Direção e à Professora de Língua Portuguesa nosso muito obrigada.. Revista de Educação • Vol. 13, Nº. 15, Ano 2010 • p. 45-58.

(14) 58. Significados e particularidades da linguagem no trabalho. REFERÊNCIAS ASSUMPÇÃO, Glória de Fátima Pinotti. Instruções: a linguagem prática do trabalho, um trabalho de prática linguageira. In: TRAVAGLIA, Luiz Carlos (org). Linguistica: caminhos e descaminhos em perspectiva. Uberlândia: EDUFU, 2006. BOUTET, Josiane. Quelque proprietés des écrits au travail. In: Langage et travail. Les ecrits au travail. Paris: Cahier. n.6, p. 21-18. LACOSTE, M. Fala, atividade, situação. In: Linguagem e Trabalho. Rio de Janeiro: Lucerna, 1998. p. 16-36. NOROUDINE, Abdallah. A Linguagem: dispositivo revelador da complexidade do trabalho. In: SOUZA-E-SILVA, M. Cecília P. Linguagem e Trabalho. Construção de objetos de análise no Brasil e na França. São Paulo: Cortez, 2002. p. 17-30. DUARTE, Francisco; FEITOSA, Vera. Linguagem e Trabalho. Rio de Janeiro: Lucerna, 1998. FÄITA, Daniel. Análise diálogica da atividade profissional. Rio de Janeiro: Imprinta Express, 2005. GREGOLIN, Maria do Rosário. Sentido, sujeito e memória: com o que sonha nossa vã autoria? In: GREGOLIN, Maria do Rosário; BARONAS, Roberto. Análise do discurso: as materialidades do sentido. São Paulo: Claraluz, 2003. GUERIN, et al. Compreender o trabalho para transformá-lo. A prática da Ergonomia. São Paulo: Vanzolini, 2004. LACOSTE, M. Peut-on travailler sans communiquer? In: BORZEIX, Anni; FRAENKEL, Béatrice (orgs). Langage et Travail. Paris. CNRS Editions: 2001. Capítulo 1. p 21-53 SOUZA-E-SILVA, Maria Cecília; FÄITA, Daniel. Linguagem e Trabalho. São Paulo: Cortez, 2002. Glória de Fátima Pinotti de Assumpção Mestre em Linguística Aplicada, Professora de Linguística, Leitura e Produção de Textos. Pesquisa a linguagem em contextos específicos. Possui trabalhos publicados e é professora do ensino superior na Faculdade Anhanguera de Taubaté.. Revista de Educação • Vol. 13, Nº. 15, Ano 2010 • p. 45-58.

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