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Brasil: herói ou vilão.

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Academic year: 2021

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Brasil: herói ou vilão

Evaristo Eduardo de Miranda, de Campinas

Longe de estar encerrada no passado, essa tendência se mantém e se o desflorestamento mundial prosseguir no ritmo atual, o Brasil - por ser um dos que menos desmatou - deverá deter no futuro quase metade das florestas primárias do planeta. O paradoxo é que, ao invés de ser reconhecido pelo seu histórico de manutenção da

cobertura florestal, o país vem sendo severamente criticado pelos campeões do desmatamento e paulatinamente alijado da própria memória.

Na maioria dos países europeus, africanos e asiáticos, a defesa da natureza é um fenômeno recente. Mas a preocupação com a preservação florestal no Brasil vem de longa data. Desde o século XVI, no início do

povoamento português, as Ordenações Manuelinas e Filipinas estabeleceram regras e limites para exploração de terras, águas e vegetação. Em 1550 já havia uma lista de árvores reais, protegidas por lei, o que deu origem à expressão madeira-de-lei.

O Regimento do Pau Brasil, de 1600, estabeleceu o direito de uso sobre as árvores mas não sobre as terras,

consideradas reservas florestais da Coroa. Elas não podiam ser destinadas à agricultura. Essa legislação garantiu a manutenção e a exploração sustentável das florestas de pau brasil até 1875, quando entrou no mercado a anilina. Ao contrário do que muitos pensam e propagam, a exploração racional do pau brasil manteve boa parte da floresta atlântica até o final do século XIX e não foi a causa do seu desmatamento, fato bem posterior. Leis de proteção

O mesmo fenômeno ocorreu com os manguezais. Em 1760, um alvará real de Dom José I os protegeu. As Câmaras Municipais foram notificadas e chamadas a aplicá-lo. Em 1797, uma série de cartas régias consolidou as leis

ambientais daquele tempo: pertencia à Coroa toda mata à borda da costa, de rio que desembocasse

imediatamente no mar ou que permitisse a passagem de jangadas transportadoras de madeiras. A criação dos cargos de Juizes Conservadores, aos quais coube aplicar as penas previstas na legislação, foi outro marco em favor das florestas. As penas eram de multa, prisão, degredo e até pena capital para os incêndios dolosos. É bom

lembrar que a primeira lei dos Crimes Ambientais da era republicana só foi promulgada em 1999.

No final do século XVIII, surgiu Regimento de Cortes de Madeiras, estabelecendo regras rigorosas para a derrubada de árvores, além de outras restrições à implantação de roçados.

O desmatamento, dos séculos XVII ao XIX, limitou-se a alguns pontos da faixa costeira. Em junho de 1808, D. João VI criou a primeira unidade de conservação florestal, o Real Horto Botânico do Rio de Janeiro, com mais de 2.500 hectares. (Hoje o Jardim Botânico do Rio de Janeiro está reduzido a pouco mais de 100 hectares).

Uma ordem, de 9 de abril de 1809, deu liberdade aos escravos que denunciassem contrabandistas de pau-brasil e o decreto de 3 de agosto de 1817 proibiu o corte de árvores nas áreas circundantes às nascentes do rio Carioca. Em 1830, o total acumulado de áreas desmatadas no Brasil era inferior 30.000 km2. Hoje, desfloresta-se mais do que isso a cada dois anos.

Em 1844, após uma grande seca, o Ministro Almeida Torres, propôs desapropriações e plantios de árvores para salvar os mananciais do Rio de Janeiro. Em 1854 e 1856, começaram a ser desapropriados sítios com essa finalidade pelo Ministro Couto Ferraz. Em 1861, pelo decreto imperial 577 de D. Pedro II foram criadas (e plantadas) as Florestas da Tijuca e das Paineiras.

Fotos: Paula Saldanha

O Jardim Botânico/RJ foi criado por D. João VI, em 1808, com objetivos

preservacionistas. No século 20, o JB foi terrivelmente reduzido pela ganância dos interesses privados. Perdeu uma área de 2.400 hectares.

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Há 30 anos, as taxas anuais de desmatamento na Amazônia têm variado

de 15 a 20.000 km2, com picos de 29.000 e 26.000 km2, em 1995 e 2003. Apesar disso, o Brasil é o país que mais mantém sua cobertura florestal.

Summary

Brazil: heroe or villain

Who are the deforestation champions? Evaristo Eduardo de Miranda

Eight thousand years ago, Brazil had 9.8% of the world's forests. Today it holds 28.3%. Nowadays, less than 15.5 million square km are covered with pristine forests, about 24% of the 64 million square km that existed before the Human demographic and technological expansion. More than 75% of the world's forests have disappeared.

Except the Americas, all other continents have cut down their forests and the total amount is not insignificant, according to Embrapa Satelite Monitoring Center on the World's Forest Evolution Research. Europe alone, without Russia, once held more than 7% of the world's forests. Today there is only 0.1% left. In Africa once there were 11% and now, 3.4%. Asia had almost a quarter of the world's forested area (23.6%), now holds only 5.5%, and the deforestation hasn't stopped yet. On the other hand, South America once held 18.2% and now is

responsible for 41.4% of the world's pristine forests. The major area within this percentage - a number that keeps growing every year - is among Brazilian borders.

Far from belonging to the past, this trend is still maintained. Brazil is already one of the countries that have destroyed the least its forests, and if the world's deforestation continues at the same ratio, it will hold, in the next future, almost half of all the primary forests in the world. The greatest paradox is that, instead of being recognized for its conservation history, for maintaining the pristine forest cover, Brazil is actually severely criticized by the deforestation champions deprived themselves from their own memory.

In most European, African and Asian countries, the Nature defense is a recent phenomenon. In Brazil, however, the forest preservation concern goes back a long way in the past. Since the 16th century, as soon as the Portuguese settlement began, laws were enforced by the appointment of the Kings Dom Manuel and Dom Felipe II

(Ordenações Manuelinas e Filipinas), whom established rules and limits for the land, waters and vegetation

exploration. In 1550, there was already a list of "royal trees" protected by the King's determination, originating the expression "law-timber", still used in the present in Brazil to designate hardwood.

The Brazilwood Bylaws, since 1600, stated the rules for the trees conservation, not land use alone. There were areas, by then, which were considered as "Crown Forest Reserves". These land parcels couldn't be destined to agriculture. This legislation granted the forests sustainable maintenance and exploration until 1875 when aniline was introduced in the world's market . The rational Brazilwood exploration preserved a good part of the Atlantic Forest until the 19th century end, and this wasn't the deforestation cause, which occurred much later.

The same happened with the mangroves. In 1760 a royal permit signed by King Dom José I protected them. The municipal councils were notified and summoned to enforce the legislation. In 1797, a royal letters series credited the existing environmental legislation: all the forest on the coastal area or surrounding rivers that discharged immediately into the ocean, or any waterway that allowed barges transporting timber belonged to the Royal Portuguese Crown. Another important point in forests favor was the creation Judge of Conservation position, an authority who could enforce the penalties provided by the legislation. The penalties varied from fines,

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Harvest Bylaws was created, establishing severe rules for trees cutting as well as other restrictions to agriculture. From the 17th to the 19th century, deforestation was limited to the coastal area. In 1808, Dom João VI created the first conservation unit - The Rio de Janeiro Royal Botanical Gardens, with more than 2,500 hectares . A Royal Decree from April, 09, 1809 gave freedom to any slave that denounced Brazilwood smugglers and a decree from August, 03, 1817 forbade the trees cutting in the areas surrounding the Carioca river spring. In 1830, after 300 years of Portuguese settlement, the total deforested area in Brazil was less than 30,000 square km. Nowadays, more timber than that is cut down every two years.

In 1844, after a severe drought, Minister Almeida Torres proposed land expropriation and tree plantations to protect the Rio de Janeiro water reservoir areas. In 1854 and 1856, farms were expropriated by the Minister

Couto Ferraz, so that the area was devoted to conservation. In 1861, Tijuca and Paineiras Forests were created and planted by the Imperial Decree 577 from His Majesty Dom Pedro II. The protected area until now surrounds the Corcovado Mountain where the Cristo Redentor monument is located.

The present environmental thought and criticism in Brazil is a centennial historic continuity, a unique intellectual tradition. Through several mechanisms, the Portuguese and Brazilian Crown policy managed to keep the

vegetation preserved until the 19th century end. Different from Europe, Asia, Africa and even North and Central America (under European colonization), the deforestation in Brazil is a 20th century phenomenon.

In only 10 years, between 1985 and 1995, the Atlantic Forest lost more than one million hectares, more than all the area deforested during the Portuguese 322 year domain period. At São Paulo, Santa Catarina and Paraná States the march to the west brought great deforestation.

The Araucaria Pine Forests were donated by the Republic to the British-American railway constructors, along with the surrounding areas (15 to 30 km each railway side).

In the Amazon Basin, for over four centuries, the Humankind presence was limited to indigenous settlements, small villages and cities around the river embankments, conditioned by the extracting activity. The Amazon occupation occurred during the late 20th century, including the migration, the population growth, the roads implementation, the hydro-electrical power plants building and other infrastructure facilities.

In 30 years the deforestation rate varied from 15,000 to 20,000 square km with the highest rates - 29,000 and 26,000 - respectively in 1995 and 2003. This number decreased in the last two years, and now the rate is around 11,000 square km/year (INPE).

Despite some misplaced generalization, in the Southern States as well as in the Amazonian States, the deforestation isn't necessarily producing deserts, like it happened in a few African areas. As in the European countries, the Brazilian primary forest also gave place to high technology agriculture, competitive cattle raising and even productive planted forests (rubber, coffee, cacao, teka...).

The Embrapa study indicates that despite the last 30 years' deforestation, Brazil still is where the primary forest coverage is mostly maitained. Considering the original forests as 100%, Africa today has only 7.8% left; Asia has 5.6%; Central America has 9.7% and Europe, the worst, has only 0.3%. Although it is worth mentioning that there is an effort in Europe to re-forest the land for tourism and commercial purposes, it's impossible to ignore the fact that 99.7% of the primary European forests were replaced by cities, farm lands and commercial farming.

The continent that has mostly retained its forests is South America: 54.8% still intact. Due to the fact that Brazil comprises 69,4% of the continent primary forests, the country certainly can count on its great expertise to deal with this theme, facing the deforestation champions' criticism.

One also needs to take into consideration the effective historical management and exploration acts revival,

through public policies and long term practices, once they have granted the primary forests preservation in Brazil. Desmatamento: fenômeno do século 20

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Os dois gráficos mostram que o Brasil é um dos países que mais mantém sua cobertura florestal. Dos 100% de suas florestas originais, a África mantém hoje 7,8%, a Ásia 5,6%, a América Central 9,7% e a Europa - o pior caso do mundo - apenas 0,3%. Embora deva-se mencionar o esforço de reflorestar para uso turístico e comercial, não é possível ignorar que 99,7% das florestas primárias européias foram substituídas por cidades, cultivos e plantações comerciais. O continente que mais mantém suas florestas originais é a América do Sul com 54,8%. Com invejáveis 69,4% de suas florestas primitivas. Assim, o Brasil tem grande autoridade para tratar desse tema frente às críticas dos campeões do desmatamento mundial.

A foto de satélite mostra a proporcio-nalidade entre a floresta e a área urbana

A Floresta da Tijuca foi replantada por D. Pedro II, em 1861, louvada por Tom Jobim e representa hoje a maior floresta em área urbana do mundo

O pensamento e a crítica ambiental brasileira de hoje resultam de uma continuidade histórica de séculos, uma tradição intelectual única.

A política florestal da Coroa portuguesa e brasileira logrou, por diversos mecanismos, manter a cobertura vegetal preservada até o final do século XIX. O desmatamento brasileiro é fenômeno do século XX. Entre 1985 e 1995, a floresta atlântica perdeu mais de um milhão de hectares. Mais do que toda área desmatada no período da Coroa. Em São Paulo, Santa Catarina e Paraná, a marcha para o oeste trouxe grandes desmatamentos. As florestas de araucárias foram entregues pela República aos construtores anglo-americanos de ferrovias, junto com as terras adjacentes. (15 a 30 km de cada lado).

Amazônia

Na Amazônia, por quatro séculos, a presença humana limitou-se a cidades ribeirinhas e ao extrativismo. A

ocupação desenvolveu-se na segunda metade do século 20 com migrações, crescimento da população, construção de estradas, hidroelétricas e outras obras de infraestruturas. Há 30 anos, as taxas anuais de desmatamento na Amazônia têm variado de 15 a 20.000 km2, com picos de 29.000 e 26.000 km2 respectivamente em 1995 e 2003, porém com tendência de queda nos últimos dois anos, passando agora para 11.000 km2/ano, segundo o INPE . O estudo da Embrapa indica que, apesar do desmatamento dos últimos 30 anos, o Brasil é um dos países que mais mantém sua cobertura florestal. Dos 100% de suas florestas originais, a África mantém hoje 7,8%, a Ásia 5,6%, a América Central 9,7% e a Europa - o pior caso do mundo - apenas 0,3%. Embora deva-se mencionar o esforço de reflorestar para uso turístico e comercial, não é possível ignorar que 99,7% das florestas primárias européias foram substituídas por cidades, cultivos e plantações comerciais.

O continente que mais mantém suas florestas originais é a América do Sul com 54,8%. Com invejáveis 69,4% de suas florestas primitivas, o Brasil tem grande autoridade para tratar desse tema frente às críticas dos campeões do desmatamento mundial.

Há que ter também responsabilidade para reavivar, por políticas e práticas duradouras, a eficácia das medidas históricas de gestão e exploração que garantiram a manutenção das suas florestas primárias. Um bom começo seria recolocar sob responsabilidade do Ministério da Agricultura, as florestas cultivadas para produção comercial.

Ao contrário do que muitos pensam

e proclamam, a exploração racional do pau-brasil preservou a Mata Atlântica até 1875. Mais informações:

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(*) Evaristo Eduardo de Miranda é doutor em Ecologia e autor de vários livros, entre eles ""Quando o Amazonas corria para o Pacífico - Uma história desconhecida da Amazônia" - Ed. Vozes, lançado em 01/03/07, em São Paulo.

Referências

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