A
OFICINA
“OS
SABERES E OS SABORES
DO
PÃO”
COMO
PRÁTICA EDUCATIVA
- “UM
OUTRO OLHAR
SOBRE
O
CONHECIIVIENTO DISCIPLINAR
ESCOLAR
Dissertação submetida
ao
Colegiadodo
Curso
deMestrado
em
Educação do
Centro de Ciências
da
Educação, Universidade Federal de Santa Catarina,como
requisito parcial para a obtençãodo
título de Mestre.
Orientadora: Prof. Dr*
Maria Oly Pey
_'..`.,¿gf_Í___ V
UNIVERSIDADE
FEDFRAL
DE
SANTA
CATARINA
CENTRO
DE
CIENCIAS
DA EDUCACAO
`PROGRAMA
DE
POS-GRADUAÇAO
CURSO
DE
MESTRADO
EM
EDUCAÇÃO
“A
OFICINA
"OS
SABERES
E
OS SABORES
DO
PÃO
"COMO
PRÁTICA
EDUCATIVA
-UM
OUTRO
OLHAR SOBRE O CONHECIMENTO
DISCIPLINAR ESCOLAR.
Dissertação submetida
ao
Colegiado
do
Curso de
Mestrado
em
Educação
do
Centro
de
Ciênciasda
Educação
em
cumprimento
parcial
para a
obtenção do
títulode
Mestre
.
em
Educação.
APROVADO
PELA
COMISSÃO
EXAMINADORA
em
14/12/98Dra.
Maria
Oly
Pey
(orientadora)Wgxua
\\
Dr.
Ubiratan D'Ambrós¡‹›
«fz¬-
-
X,
Í
_
Ã
Dr.
Reinaldo Matias
Fleuri~'
'Dr. Francisco
Antonio
Fialho (suplente)W
/4
/'dfl
Maria
Luiza
PintoLemos
Guerra
( Chico
Buarque
&
Milton Nascimento)'
Debulhar
o
trigo.
Recolher
cada bago do
trigoForjar
no
trigo
o
milagre
do pão
e
se
fartar
de
pão.
_Decepar
a
cana
Recolher a
garapa da
cana,
Roubar
da cana
a
doçura
do
mel,
se
lambuzar
de
mel.
Afagar
a
terra
Conhecer
os
desejos
da
terra,O
cioda
terra,a
propícia estação
A
todos aqueles
que
participaram
da
comunhão
'dos saberes
e
dos sabores
desta
produção.
Lú
-Primavera
de 1998
LISTA
DE FIGURAS
... .. viRESUMO
... .. viiABSTRACT
... .. viii1.
APRESENTANDO
OS INGREDIENTES
DA
PESQUISA
... .. 012.
CONT
EXT
UALIZACÃO
HISTÓRICA
DA
PESQUISA
... ..O4
2.1Meu
encontrocom
a prática educativade Oficinas
... .. O 11 ` - r - 3.COLOCANDO A
MAO
NA MASSA
-COMO
SE
DA
O
FAZER
E
O
SABER
20
3.1Quem
fezo
pão
... ..20
3.2
Como
fizeram opão
... .; ... .. _ 21 3.2.1Os
saberes dos professores sobreo pão
... .. 213.2.2
Alguns
saberes históricos, culturais e científicos sobreo pão
... ..24
3.2.3
Os
saboresdo pão
vividos pelos alunos ... .. 314.
UM
OUTRO
OLHAR
SOBRE
O
CONHECIMENTO
DISCIPLINAR.
... ..43
4.1
O
olhardominante
sobreo conhecimento
... ..43
4.2
As
disciplinasdo conhecimento
... ..48
4.3
As
disciplinas e as instituiçõesde
seqüestro ... .. 524.4
O
conhecimento disciplinar escolar e a sua limitação.. ... .. 634.5
O
poder disciplinarda
escola nossade cada
dia. ... ..67
4.6
A
ntualizaçãodo
discurso disciplinar escolar ... ..74
4.8
A
coerçãodo
discurso escolar ... .. 765.
UM
OUTRO
OLHAR
SOBRE
O
FAZER
DA
OFICINA
... .. 816.
REPARTINDO
E
METABOLIZANDO A PRODUÇÃO
FINAL
DA
OFICINA
... .. 937. Bibliografia. ... .. 102
Figura 1-
Desenho
dos alunos ... ..35
Figura 2-
Desenho
dos alunos ... ..36
Figura 3-
Desenho
dosahmos
... ..39
Figura 4-
Desenho
dos alunos ... ..40
O
trabalho questiona inicialrnente oproblema
da fiagmentação do conhecimento no
ensino de ciências e biologia. Apresenta a trajetória
da
produçãoda
Oficina
"Os
saberese os sabores
do
pão"como
prática educativa.Essa
prática parte dos saberes das pessoassobre o ato
de
fazer pão.A
oficina pretendenão
só fazer pão,como também
discutir osoutros saberes envolvidos nesse ato: físicos, químicos, biológicos, nutricionais e ainda
históricos, culturais e sociais.
Os
conhecimentosque
podem
ser gerados e construídosno
processode
desenvolvimento dessa oficinaforam
discutidos pelos participantesda
pesquisa,
um
grupo
de professores e alunosda
rede municipal de ensinode
Florianópolis. Utiliza
como
fimdamentação teóricao pensamento
deMichel
Foucault, procurando explicarcomo
se constituiu, historicamente,a
organizaçãodo conhecimento
disciplinar escolar e suas limitações;
o
poder disciplinarda
escola; a ritualização e a coerçãodo
discurso disciplinar. Apresentatambém
os saberes quepodem
ser gerados econstruídos
no
processo de desenvolvimentoda
Oficina,bem como
seus limites epossibilidades
como
prática educativa.The work
argues primarilyon
theproblem
of theknowledge
fragmentation in thebiology
and
sciences teaching. Itshows
the development of aworkshop
“Knowing
and
the tastes
of
the bread”, asan
educative activity. This activity startsfrom
people'sknowledge of
bread making.The workshop
intended not only tomake
bread, but alsodiscuss the
knowledge
involved in this act: physical, chemical, biological, nutritionaland
also historic, culturaland
social.The
knowledge
thatwas
created in thedevelopment
processof
theworkshop
was
discussedamong
the participants, a groupof
teachers
and
studentsfi'om
the Organization of municipal educationof
Florianópolis. Ituses as a theoretical
fundament Michel
Foucault”s thought, trying to explain theway
theorganization
of
the school disciplineknowledge and
how
its limitation got constituted,the di-sciplinary
power
of
school, the ritualizationand
coercionof
disciplinary speech. Italso presents the
knowledge
thatcan be
generated,and
created in the processof
theworkshop
development, as its limitsand
possíbilities while an educative practice."
O
pão nosso de cadadia dá-nos hoje..."(Mateus, 6:11)
Este trabalho de pesquisa não pretende fazer mais
uma
das críticas tãocomuns
a_situação escolar;
ou
defenderuma
detenninadomodelo
pedagógicoou
uma
mudança
profunda
na
organização e nas práticas escolares. Pretende, istosim, proporum
outro olharpossivel sobre o
conhecimento
disciplinar escolarque
produzalgumas
práticas escolares eseus rituais favorecendo a escolarização
como
instrumento de disciplinamentodo
corpo edo
saber.
Penso
e defendouma
educação voltada para a vida eque
favoreça o desenvolvimentocognitivo, afetivo e interpessoal de crianças e adolescentes, enquanto pessoas e participantes de qualquer grupo social.
Sonho
a utopia possível deuma
educaçãoem
qualquer espaçode
convivência
onde
haja alegria, prazer e liberdade de sentir, pensar e vivenciar situaçõesque
nos
levem
tanto a aprendercomo
ensinar, independentemente de quaisquer hierarquias.~
Tenho
fome
de pao, de saber e de fazer.u
Neste trabalho, propositadamente, utilizo algumas metáforas para caracterizar os
"ingredientes"_
da
pesquisa realizada. Assim, cada capítulo é Lun ingrediente ,importante dessa grande "receita".No
entanto, não éuma
receita qualquer de que se segue os passos mecanicamente.Os
"ingredientes" estão interligados unscom
os outros, e a ausência deum
deles quebra a constituição
da
produção final - os saberesque
podem
ser gerados pelaprática educativa
que
aqui será descrita.Esta pesquisa é resultado de
uma
preocupação históricacom
a fragmentaçãodo
conhecimento
no
ensino,que
me
acompanha
desde aminha
formação profissional e duranteacompanhou
também
em
iniciativas das quais participei, relacionadas a projetos defonnação
de professores para o ensinode
ciências e biologia. .A
pesquisatambém
foimotivada
pela oportunidade de repensarminha
própriaprática
como
educadora, contribuindo assim para que outras pessoastambém
possam
refletir sobre aforma
disciplinar escolarde
se tratar o conhecimento.u
Um`outro motivo
foi o envolvimento pessoalcom
esse trabalho,que
me
levou adesenvolver
uma
prática educativa, a Oficina, a partir deuma
prática vivencial - o ato defazer pão. i
O
primeiro ingrediente é a descrição daminha
trajetória de vida profissional, oquestionamento
em
relação àfiagmentação
do
conhecimentono
ensino de ciências ei biologia,meu
encontrocom
as oficinasdo Núcleo
de Alfabetização Técnica-NAT,
ecomo
sedeu
a produçãoda
Oficina
"Os
saberes e os saboresdo
pão"como
prática educativa.No
III capitulo, apresento outros ingredientes importantesda
pesquisa, e"como
se colocou amão
na massa",ou
seja,como
sedeu
o fazer e o saberda
Oficina
realizadacom
grupos de professores e alunosda
rede mimicipal de ensino de Florianópolis. Descrevotambém
como,
através desta prática educativa, é possível criar condiçõesde
possibilidade de provocar discussões e análises sobreo
conhecimento disciplinar escolar e suas limitações, propiciando assimuma
vivência diferenciada de construção de saberes individuais ecoletivos.
No
capítulo IV, recorroao pensamento
de Michel Foucault, para explicarcomo
se constituiu a organizaçãodo conhecimento
disciplinar escolar, a organização das disciplinas,suas limitações; o poder disciplinar escolar; a ritualização e a coerção
do
discursodisciplinar. I
No
capítuloV
o olhar foucaultianofomece
elementos para analisar a própria práticaeducativa
com
a Oficina,ou
seja, permite olhar o "fazer"da
mesma.
O
trabalhocom
aOficina mostra
como
todos esses ingredientesformam
uma
"massade
saberes e sabores"significativos, resultado
da produção
individual e coletiva das pessoasque
fizeram
partedo
mesmo.
Essa "massa de saberes" e sabores criou condições de utilizar essa ftmdamentação para analisar as falas dos professores e alunos, questionar a organização e ritualização escolar, e constatarque
oconhecimento
disciplinar escolar é limitadoem
relação a outras.formas
de
ver, sentir, pensar, conhecer e fazero
conhecimento. Ainda, nesse capítulo, mostro oque
as entrevistascom
as professoras revelaram sobre esta prática. _~
Concluo
analisando os limitesda
Oficina
como
prática educativa e as possibilidadesdeste trabalho
como
forma de
se terum
outro olhar euma
outra forma de pensar e tratar o2.
CONTEXTUALIZAÇÃO
HISTÓRICA
DA
PESQUISA
Meu
interessepela discussão sobre a fragmentaçãodo conhecimento
escolar émuito antiga. Ela surgiu durante a realização
do
estágio de graduaçãoem
Biologiana
Fundação
Educacionaldo
Alto Uruguai Catarinense -FEAUC'
em
Concórdia-SC.Só
com
muita insistência, consegui realizaralgumas
atividades que integrassem a biologiacom
outras áreas (quimica, fisica e matemática), porque os professores das disciplinasda
área científicada
escolaonde
realizava o estágio não aceitavamque
se trabalhassecom
aulas, "diferentes das aulas normais", pois,segundo
eles, afetariao
bom
andamento
das
mesmas.
Sem
desistirda
idéiada
integração, o estágio acabou sendo desenvolvidoatravés de alguns projetos extra-classe
com
os alunosdo
2° grauda
escola. `Na
pós-graduaçãoem
matemáticana Fundação
Universidade Regionalde
Blumenau
-FURB-Blumenau-SC,
encontreium
novo
obstáculo, agora deordem
institucional,
quando da
organização deum
Projeto de estudosdo
Estreito“Augusto
César”l,
no Rio
Uruguai,em
que
se pretendia,com
outros colegas pesquisadores,integrar as disciplinas de matemática, química, fisica e biologia.
A
coordenaçãodo
curso não aceitou
que fizéssemos
mn
projeto integrado,embora
o objeto de pesquisadas disciplinas"
que nos
era exigida, embora, 'na prática, continuássemos trabalhandocom
omesmo
objetode
estudo e deforma
perfeitamente integrada.Ao
finaldo
Projetocada
um
de nós entregou, separadamente,o
seu relatório demonografia
de conclusãodo
curso.
u
Como
professora, continuei interessada pelo problema da fragmentaçãodo
conhecimento
disciplinar escolar.Em
1985, elaboreium
projeto de pesquisa -"ProjetoIntegrado
no
ensinode Química
e Matemática" -, aprovado pelaCAPES
atravésda
FEAUC
- Concórdia.Esse
projeto foi desenvolvidocom
alunos de 2° graudo
Colégio"Olavo
Ceco
Rigon", atravésde
atividades extra-classe.O
Mais
tarde, jána
função de responsável pelocomponente
curricular de Ciências e Biologiada
9°UCRE
-Unidade
de Coordenadoria Regional deEnsino-SEC-SC-,
participei
como
docente 'do “Projeto de Aperfeiçoamento de professores de sériesiniciais
no
1° Grau”,da Fundação do
Oeste Catarinense -FUOC,
em
Joaçaba. EsteProjeto, envolvendo professores
da
rede estadual e municipal dos 14 municípios da região, tinhao
objetivode
propiciar a melhoriado
ensino. Desse trabalho, surgiramna
época
outros questionamentos relacionadoscom
a fragmentaçãodo conhecimento
disciplinar e a
concepção
dos professores sobreo que
é conhecimento. '_
Os
professores descreviam situações que, segundo eles, “dificultavam obom
desempenho
e aprendizagem”do
alunos.Uma
delas era 0 fato deque
um
grupo dealtmos,
conforme
os professores,teimavam
em
jogar "bolinhas de gude"na
própria sala de aula. Partindo desse "problema" resolvemos trabalhar, justamente,com
o significado1
Documentário científico sobre o Estreito “Augusto César”, no Rio Uruguai. Anais da 38" Reunião Anual
desse
jogo
para os alunos naquelemomento,
procurando entender porque osmesmos
se interessavambem
mais
pelo jogodo
que pelas aulas.. `Esses professores descobriram então,
com
os seus alunos,que
o "jogo debolinhas de gude" envolvia muitos conhecimentos
que
eles já possuíammas
que nós eaescola ignorávamos,
como
por exemplo: qual omelhor
solo para se jogar; figurasgeométricas envolvidas
no
jogo; noções de força; trajetória;movimento do
corpo; etc.Através dessa constatação
passamos
a explorar os conteúdos a partir de situaçõesproblema, e das
concepções que
os alunos apresentavam.Refonnulamos,
assim, Vaprópria metodologia
de
abordagem
dos conteúdosdo
ensino de ciências daquelesprofessores, adequando-a, desta forma, ao objetivo especifico
do
Projeto de “tornar o processo ensino-aprendizagemum
momento
significativopara
professores e alunos”(Projeto
Aperfeiçoamento
de professores de séries iniciaisdo
1o. Grau, l987:2).Por
essa época,mudanças
no
quadro politico-educacionalem
Santa Catarinaacabaram
porme
afastar por algtuntempo
dessa discussão,em
virtudeda
extinção dasUCRES,
ocasiãoem
que
projetoscomo
aquelesforam
simplesmente desativados.Transferindo-me para o Estado
do Rio Grande do
Sul, Porto Alegre, sob regimede
permuta
( 1990-92), busqueiuma
aproximaçãodo
meu
trabalho'com
as idéiasinterdisciplinares
que
se discutia na época.Com
isso, procurei integrar as atividades e projetoscom
amatemática
que já desenvolvia,com
o trabalho de outro professor ligadoao ensino de ciências.
Dessa
integração surgiram as primeiras idéiasde
se criar urnaoficina para explorar a construção de conceitos matemáticos
como
de unidades de medida, proporções, conjuntos, frações, etc., integradoscom
conceitos relacionados aocorpo
humano
e aomeio
ambiente. Essa experiência foi apresentadana fonna de
um
mini-curso ministrado
no
8°Simpósio
Sul Brasileirodo
Ensino de Ciênciasz.Em
1993, retomei ao Estado e transferi-me para Florianópolis. Apresentei-mepara receber informações sobre as turrnas
com
que
iria trabalhar, à diretorado
Colégio Estadual"Simão
Hess". Ela entregou-meum
livro de Ciências - que os alunos jáhaviam
recebido
do
PNLD-MEC-,
e osprogramas
com
os conteúdos a serem desenvolvidos nas5” séries (Ar,
Água
e Solo).Neste
momento,
deparei-menovamente
com
amesma
problemática.Chegava
.auma
escola pública de grande porte,em
que o ano
letivo já estavaem
andamento; tunnasque
játinham
iniciado oano
letivocom
outra professora que deveria substituir; alunoscom
livros didáticos padronizados.Apesar de o
Estado já ter implantado sua Proposta Curricular, a fragmentaçãodo conhecimento
era visível, a partirdo
próprio conteúdo da série - separadoem
ar,água
e solo -.Como
romper
com
essa situação já estabelecidaetrabalhar
o
conhecimento deuma
forma
integrada?Aproveitei as experiências
de
integração vivenciadas anteriormente, e decidipartir
da
análise das concepçõesque
os alunos tinham sobre os conteúdosda
série, vistosaté agora. Perguntei o
que
jáhaviam
estudado, e prontamente mostraramcom
amaior
satisfação os livros que
haviam
ganho. Indicaram os dois capítulos lidos einformaram
que
játinham
respondido aos questionários.Logo
depois disseram:"Agora
é só fazer aprova, professora!" Olhei para cada
um
deles e voltei ame
questionar: Seguiria estasmesmas
regras? Continuariacom
omesmo
“método
bancário” denunciado por Paulo2
Mini-curso "O ser humano e o ambiente - proposta de atividades integradoras de 1° Grau
em
Ciências eMatemática" , ministrado
em
Criciúma-SC, J`ulho de 1990,em
con`unto J com o Prof. Antonio Femando Guerra.Freire? Continuaria a trabalhar apenas aqueles conteúdos de
forma
fragmentada e linear previstano
livro didático, esquecendo a riquezade
conhecimentos que esses alunostrazem
do
seu cotidiano forada
sala de aula?Como
utilizar outras formas de trabalhar esseconhecimento
que
a escola, muitas vezes, ignora?Pelo
que
me
parecia, para os alunos tudo estava nonnal.Todos
estavam ajustados, contentes,com
seus livros encapados, alguns capítulos decorados e o conteúdo "trabalhado".Perguntava-me
então: Isso é aprender ciências?Essa
maneira deensinar
ciências reflete muitobem
um
ensino tradicional,sem
questionamentos, memorístico, livresco,com
conteúdos fragmentados dentro da própria área de ciências, e, ainda, dissociadosda
realidade dos alunos.Posso
afirmar
que
se o nosso ensino fosse voltado às reais necessidades dos alunos,o
futuro deles seriamenos
preocupante. Eles, ao invésda acomodação,
estariamproduzindo e
não
apenas reproduzindo conceitos fragmentados. Isso os acaba entediando e provocando a desatençãoem
sala de aula e o desinteresse pelo estudo.Um
ensino»como
estenão
está respeitando os alunos nos seus estilos de pensar,aprender e criar, dando-lhes o direito de construir seus próprios conhecimentos e
com
isso a sua própria história
como
sereshumanos.
'A
partir daí 0que
fazer? Decidi , então, colocarem
prática as idéias que já tinhadesenvolvido anteriomiente, elaborando
uma
atividade para explorar a criatividade de cada aluno e, a partir dela, introduzir as noções e conceitos cientificos. Entreguei a cadaum
folhas de papelem
branco e soliciteique fizessem
alguns desenhos; quaisquerdesenhos;
enfim,
o que
surgisseem
suas mentes.Alguns
perguntaram se esses desenhosnecessariamente,
mas
com
tudoo que
surgisseno momento,
independente de serou
não
ligado à disciplina.
Ounos
atéafirmaram
que
uma
aula assim, parecia maiscom
educação
artísticado
quecom
ciências. .Durante 0
trabalho, percebique aflorava
em
cadaum
a alegria de expressarlivremente as suas idéias através
do
desenho: os seus desejos, sentimentos.A
criatividade
de cada
um
se apresentava naquela folha branca de início, e que, logo após, se enchiacom
o
colorido desenhode
cadaum.
Duarte (1986) faz referência sobre a questão de
como
expressar os sentimentos eemoções:
... ~
"Educar
os sentimentos, as emoçoes,nao
significa reprimi-lospara que
se
mostrem apenas
naqueles (poucosmomentos
em
que
nosso"mundo
de
negócios " lhes permite. Antes, significa estimulá-los
a
se expressarem,a
vibrarem frente
a
momentos
que
lhe sejam significativos.Conhecer
as própriasemoções
e ver nelas osfundamentos de
nosso próprio "eu"é
a
tarefa básica
que toda
escola deveria ter, se elasnão
estivessem voltadassomente
para
a preparação de Mão-de-obra para a
sociedadeindustrial " (Duarte, 1986166).
V
Após
terem realizado os desenhos, os alunos listaram todos os seus elementos,escrevendo-os
flemfluma
folhade
papel pardo colocada na parede da sala de aula.Com
alistagem dos elementos desenhados (água, rios, mar, montanhas, sol, nuvens, seres
vivos, etc.)
começamos
a discussão sobrecomo
cada elemento poderia ser enfocadona
disciplina de ciências.
No
próprio debate, os alunosperceberam que
os elementos desenhadosnão
seapresentavam isolados e que existia
uma
relação muito grande entre eles,como
por exemplo: as rochascom
o mar,com
as aves,com
o
pescador; a destruição da natureza eclaramente
que
os alunosnão
sãomeras
"folhasem
branco" (nosentidodado
porLocke
no
século XVIII) as quais o professor vai preenchendocom
seus conhecimentos.Nesse
momento,
a
partir das concepçõesque
estavam presentes nos própriosdesenhos, busquei
a
participação dos alunos para a construção de conteúdossignificativos a
serem
utilizadosem
nossas aulas.Comecei
também
a questiona-los,perguntando se a água,
o
ar eo
solo estavam presentes e eles responderam: “Senão
tivesse água, ar e solo,
nada do que
havia sidodesenhado
poderia exístír”!Já acreditava
que não
tem
sentido fragmentar o conhecimento sobre a naturezaem um
conhecimento disciplinarque o
separaem
conteúdos - água, ar e solo. Preocupei-me em
mostrar isso aos alunos atravésda
atividadecom
os desenhos, para que elespudessem
criticar aforma de
como
issovem
sendo apresentado, e entender que sepoderia pensar de
uma
outra maneira, diferente daquelaforma
padronizada apresentadano
livro didático e reproduzida pelo professor atravésdo
ensino.Através
da
análise dos desenhos,minha
constatação foi ade que
os altmos játinham
a noção deque não há
sentidoem
estudar a natureza fragmentado-a.Verificaram
também
que não se justifica essa fragmentação para entendê-la. Perceberam, ainda,que
existiam pontos
em
comtun
entre as disciplinas, sejam elas artesou
ciências.A
maioriados desenhos mostrava
uma
"visãode
totalidade"que
os alunostinham
da vida,da
natureza, pois osmesmos
não
asviam
isoladas.Dessa maneira,
mais
questionamentos continuavam:como
é possível aprendersobre
meio
ambiente, sem,no
entanto, interagircom
essemeio?
Mesmo
assim, a escolaobjetivo. Acrediçiíto
que quando
se separa, fiagrnenta, se perde o 'sentido da totalidadedo
conhecimento, se perde o sentido
da
extensão eda
profundidade das coisas. ~Após
terem
feito a análise dos desenhos, discutimos a .possibilidade de transformaro conteúdo
destesem
estórias, poesias, enfim, Luna outraforma
de expressão escrita e livre, diferente daquela tarefa cansativaque
é copiarno
cademo
aquiloque
oprofessor copia
do
livro didático. ACom
aprodução
individual e coletiva dos alunos concluída,fizemos
algumas
comparações
com
o
livro didáticoque
possuíam, e eles perceberam quetambém
sabiam
produzir seus próprios textos e
que
tinham a capacidade de ser autores.A
partir disso,fomos
construindo juntos outras situaçõesde
aprendizagem, trabalhando os conteúdosda
sérieda fonna mais
integrada possível.2 . 1
Meu
encontrocom
a prática educativa deOficinas
Ainda
em
1993,com
o objetivo de pesquisar mais diretamente a questão dafragmentação
do
conhecimento,aproximei-me do
trabalho realizado peloNúcleo de
Alfabetização Técnica -
NAT,
do Centrode Educação da
Universidade Federal de SantaCatarina
-UFSC.
Foi
no
NAT
que
conheci a proposta de oficinas,uma
modalidade de pesquisaeducacional que
tem
como
um
dos objetivos "trabalhar ciências, tecnologia, arte,percepção
e outros saberes sob aforma
de oficinas (...)uma
modalidade alternativade
que
procurava aprofundarcomo
objeto de pesquisa para o mestradoem
Educação
eCiência. i
1
Conforme
Guerra
(1996), as experiênciasdo
NAT
com
Oficinas
como
modalidade de pesquisa,têm
tentado criar “espaçosde
liberdade”onde
se procuraromper
com
osmecanismos de
hierarquizaçãodo
saberno
espaço escolar,promovendo
com
as pessoas siniaçõesde
"convivencialidade3", de circulação de saberes entre essaspessoas, autorizando-as a desenvolverem a criatividade, a solidariedade, a liberdade,
através
do
exercícioda
dialogicidade, possibilitando, assim, a autoformação e -aconstrução
de
saberes. Essas vivênciascom
asOficinas
como
espaçosde
liberdade,procuram, dessa forma, possibilitar condições para
o
exercício tanto da autonomia individualcomo
coletiva das pessoas dentro deuma
perspectiva libertária.Guerra ( 1996) ainda diz
que
através da pesquisacom
asOficinas do
NAT,
têm-seprocurado estabelecer condições
de
possibilidade de superação de problemastradicionais
do
ensino, entre eles, a excessiva fragmentação e hierarquizaçãodo
conhecimento escolar, fragmentado
em
diferentes áreas e especialidades, oque
justamente interessa ao
meu
trabalhode
pesquisa.As
pesquisascom
as Oficinas, desenvolvidas desde 1990no
âmbitoNAT,
têm
procurado desenvolver temáticas relacionadas à corporeidade, sexualidade, fotografia,
som
eimagem,
etnobotânica, teatro de bonecos, espaço urbano, informática e redes decomunicação, etc., envolvendo
uma
série de saberes: a arte, a percepção, linguagens, o3
No
sentido dado por Illich ( 1976) quando se refere ao fato de que cadaum
de nós define-se pela relaçãoque mantém com os outros e com o ambiente.
Também
Maturana (1992) defende a idéia do educar a partirdo estabelecimento de
um
“espaço de convivência desejável para 0 outro onde o eu e o outro possammovimento,
a ludicidade, as ciências, tecnologias, e outras formas de saber,como
formas de elaboração e construçãodo conhecimento
dentro deuma
perspectivaeducacional não-disciplinar.
Para
Guerra
(op.cit.:23), as Oficinasprocuram
dar contada
construção/elaboração
de
um
saber,de
autoria individual e coletiva,que
se fazna
interação e
na
relação entre pessoasno
sentidodo
saber,do
saber fazer edo
ser, eno
fazer coisas juntas.Os
fundamentos
desse tipode
pesquisa e das possibilidades deconstrução/elaboração
de
saberes está baseada nos seguintes eixos teóricos:o da
díalogicídade,
que
se constitui.na quebra das relações hierárquicas entre as pessoas,ao
nível das interações pessoais e coletivas;
o da
auto-organização, relacionada àpossibilidade de Luna organização diferente das formas disciplinares tradicionais,
instituindo, dessa forma, novas formas
de
saber; e por último, 0 da não-discíplínaridadeentendida
como
o
questionamentodo
saber disciplinar institucionalizado (classificadocomo
científico, filosófico, jurídico, religioso),um
saberque
se apresentacom
o estatutode
“verdade universal”, desqualificando outras formas de saber. (Guerra, 1996)Nesse
sentido, procura-se, nas Oficinas, ativar oschamados
saberes locaisou
“etnosaberes", “saberes
de
resistência, instituintesem
relação aos saberesinstitucionais
com
estatuto asseguradode
verdade... " (Pey, 1994) aque
estamos submetidos e sujeitados atravésdo
processode
escolarização.As
pesquisasdo Núcleo
de Alfabetização Técnicatêm
originadoalgumas
como:
“Alfizbetização Técnica- propondo'uma
modalidade
de trabalhoeducativo "(1994), e
também
produzido inúmeros artigos, publicadosem
revistasnacionais e intemacionais. .
As
Oficinas do
NAT
são desenvolvidas tantoem
escolas de 1° e 2° Graus,Universidades,
como também
em
encontros e simpósiosem
que se discute educação.As
Oficinas
jáforam
apresentadasno
exterior,em
diferentes países:no
Museu
de Arte,Ciência e Percepção
Humana
(Exploratorium),em
São
Francisco,CA-USA;
na
Associação
Pedagógica
Paidéía,em
Mérida-Espanha e na Universidade Nacional de Córdoba,na
Argentina.No
Brasil, já foram apresentadasno Espaço
Ciência Viva,no
Rio de
Janeiro; Estação Ciência,em
São
Paulo,no
CECA
(Centro de Assessoria PopularAltemativa);
no
CEDEP
(Centrode Educação
Popular) eno
EDUGRAF
(Laboratório deSoflware
Educacionalda
UFSC),
estas últimasem
Florianópolis.Também
já foram realizadas oficinascom
gruposde
professores de assentamentosdo
“Movimento
Sem
Terra”,
com
oGrupo
deFonnação
de
liderançasda
Pastoralda Saúde da
Diocese deFlorianópolis, e, --também,
no
presídio femininodo
Complexo
Penitenciário deFlorianópolis. '
As
atividadesdo
Núcleo
levaram ao desenvolvimento de convênios decooperação educacional
com
instituiçõescomo
o "Espaço CiênciaViva"
- Rio deJaneiro; "Exploratorium" -
São
Francisco-USA; Universidade de Ciênciasda Educação
de
Moçambique
- África; Universidade Técnica de Lisboa - Portugal; AssociaçãoAtualmente, o grupo continua a desenvolver trabalhos e 'realizar discussões para a reflexão, aprofundamento e alcance
da
pesquisa educacionalcom
as Oficinas,buscando
a sua reelaboração constante e o conseqüente processo dedesdobramento
eprodução
de novas oficinas.Retomando minha
trajetóriacomo
professora, foi a partirdo
ingressono
mestrado
em
Educação
e Ciência,que
tive a possibilidade de poder refletir e discutir aminha
prática e osmeus
questionamentoscom
relação à fragrnentaçãodo
conhecimento. Paralelamente ao curso, desenvolvi junto aoNAT
um
trabalho de pesquisa, produção ediscussão de oficinas, seus limites e possibilidades de 'aplicação
em
espaçoseducacionais.
Inicialmente,
comecei
a desenvolver, juntamentecom
um
dos pesquisadores, a Oficina "Nosso Corpo: esse descor1hecido","uma
prática corporal desenvolvida atravésde
uma
sériede
vivênciasem
que
se utilizaa
ludicidade, motrícidade, música, ciência,arte, explorando
a linguagem
corporal ea
díalogicidadecomo
formas de
expressãoda
corporeidade." (Guerra
&
Guerra, 1994). Durante essa prática, já se tentava trabalhar deuma
forma
não-fragmentada, questionando o conhecimento disciplinar escolar.Foi a partir
de
urna das vivências daquelaOficina
- Vivenciandoo
trajetodo
alimento
no
corpo -que
se constituiu o processo de desdobramento damesma,
dando
origem
auma
outra Oficina: "Os Saberesdo
Pão", desenvolvida pormim.
Então, esse
meu
fazer, omeu
encontrocom
o trabalho e a fundamentação teórica das Oficinas, eo
repensar sobre a fragmentação eo
conhecimento disciplinar escolarforam
odesafio que
me
fizeram
criar e desenvolverum
trabalho dentro desta-começou
a se constituir historicamente a partir de questões profissionais e vivenciais,dando origem
auma
prática educativa vivencial.Mas
por que vivencial?O
ato de fazero pão
faz parteda
minha
história de vida.Quando
residiaem
PortoAlegre, fazia pães
como
complementação da
renda familiar.Até
aquelemomento,
esseato apenas representava esta parte financeira,
sem
relação diretacom
a atividade pedagógicaque
exercia.Mesmo
assim,ao
trabalhar conteúdos de biologiacom
alunos trabalhadoresdo
segtmdo
grau noturno,eu
sempre
faziauma
reflexão sobreo que
é vida e quenecessidades fisiológicas são necessárias para que essa vida se mantenha.
A
alimentaçãoera
sempre
apontadacomo
a mais importante, etambém
que
esta deveria ser saudável,sem
produtos químicos,ou
seja, amais
natural possível.A
partir disso, surgia adiscussão sobre produtos integrais e, consequentemente, o pão
como
alimento básico.Assim, quando
abordavao
conceito de nutrição, tentava não ficar apenas dentrodo
aspecto fisiológicoda
digestão. Essa discussão ultrapassava o aspecto biológico,extrapolando-o para os aspectos ñsicos, químicos, matemáticos e, principalmente, os
econômicos. Neste
momento,
eu
falavado
meu
fazer e percebia o interesses dos alunosem
produzir pães para melhorar sua nutrição etambém
diminuir os custos de seu própriosustento.
i
Foi nesse
momento
que percebi que o pão não possuía maisum
significadoapenas vivencial e financeiro,
mas
também
educativo.Mas
este educativonão
selimitava apenas ao
conhecimento
disciplinar escolar da biologia, pois ultrapassava assuas fronteiras,
uma
vez que surgiam questionamentosque
não faziam parte dosenquadravam
ao disciplinar. Foia
partir dissoque
comecei a questionar a idéia dalimitação
do conhecimento
disciplinar. `Mas
então, porque
0pão na
educação?Todos
os diaso
pão está presenteem
nossa alimentação.
No
entanto, se fazpouca ou
quasenenhuma
reflexão
sobre o processo de fazer pão.Todo
oconhecimento
envolvido nessa prática histórico-cultural-científica
não
é usualmente aproveitadocomo
atividade educativa.O
pão, e o ato de fazerpão não fazem
parte da rotina escolarou
mesmo
doprocesso
de
transmissãode
conteúdos escolares,mas
delespodem
ser retiradosou
mesmo
construídosuma
série de saberes significativos que,embora
ligados ao dia-a-diadas pessoas, ou, talvez, por causa disso
mesmo,
muitas vezes são esquecidos.g
A
construção deuma
prática educacional a partirdo
fazer 0pão
constituiu-se,assim,
como
objeto de pesquisa deste trabalho.A
partir disso delimitei os objetivosgerais
da
pesquisa, quais sejam:0 Utilizar a _
Oficina
como
uma
ferramenta capaz de possibilitar aosparticipantes
uma
outraforma de
olhar, e, a partir disso, questionar erepensar as regras
do conhecimento
disciplinar escolar.0 Investigar os seus limites e possibilidades
como
prática educativa.Busquei,
com
ai construção dessa prática educativa,uma
possibilidade para adiscussão
da
problemática da fragmentaçãodo
conhecimento que tenho presenciadono
ensino, e as limitações
do
conhecimento disciplinar escolar.É
importante deixar claroque
0 objetivo daOficina
nao seresume
ao atode
abordando aspectos fisicos, químicos, biológicos, nutricionais e, ainda, históricos,
culturais, sociais, e outros saberes,
bem como
seus possíveis desdobramentoscomo
modalidade
educativa.A
Oficina
parte dos saberes que as pessoastêm
sobre o pão: seu significado,tipos,
forma
de fabricação, etc.Algumas
pessoasque
jápossuem
essa prática de fazeropróprio
pão
em
suas casas, auxiliam os outros participantesna
separação dosingredientes,
na
preparaçãoda
massa
edo
fermento eno
processo de cozimento.Ao mesmo
tempo
em
que
a preparação vai se desenvolvendo,vão
surgindouma
série de questionamentos quanto à
origem
ecomposição
química e nutricional decada
ingrediente, à quantidade de
cada
um
na
preparaçãoda massa
e decomo
sedá
o processo de fennentação, etc.Além
disso, realiza-se o cálculo dos gastos para se fazeruma
determinada quantidadede
pães, 0 custo unitário de cadaum, comparado
com
ocusto
do pão
vendido nas padarias. Discutem-setambém
as possíveis vantagens de sefazer pão
em
casa,ou
não.Após
estes questionamentos, discutem-se os limites e as possibilidades de utilização dessa práticacomo
modalidade
educativa, a partir dos saberes - individuais ecoletivos -
que
podem
ser gerados e construídosno
processo de desenvolvimento dessaOficina. Esses saberes
passam
a ser significativos para a vida dessas pessoas, não se reduzindo a apenasum
conteúdo disciplinar (neste caso o conteúdo poderia ser o denutrição
na
disciplina de biologia) a ser transmitido,memorizado
e avaliado,Tomam-
se, então,
um
“conteúdo vivencial”,ou
seja,tem
um
significado existencial para as pCSSOaS.Procurei mostrar, até aqui,
como
aOficina “Os
saberes- e os saboresdo pão”
começou
a ser desenvolvida pormim,
inicialmentecom
pequenos grupos, até se transformarem
objeto de pesquisa,como
será descritono
próximo capitulo.*
~ r
3.
COLOCANDO
A
MAO
NA
MASSA
-COMO
SE
DA
O
FAZER E
O
SABER
3.1
Quem
fezo
Pão
A
pesquisa foi realizadaem
três etapas.Na
primeira, aOficina "Os
saberes e os saboresdo
pão" foi desenvolvidacom
duas turmas de30
professores das séries iniciais,da
Rede
Municipal
de ensino de Florianópolis, participantesdo
ProjetoFormação
Continuada/UFSC
com
o SubProjeto: -"Oficinas
como
modalidade educativa parao
ensino de 1" a 4” séries
do
1° grau". '_
'
Na
segtmda
etapa, duas escolas municipaisforam
assessoradas pormim,
como
pesquisadora, através de reuniões
com
as professoras e coordenação pedagógica parao
desenvolvimento
da
Oficina
com
os alunos das três primeiras séries, cerca de 25 alunosem
cadaturma
.As
escolasque
desenvolveram a oficina foram: EscolaDesdobrada
J ose'Jacinto
Cardoso
- Bairro Serrinha,com
duas turmas, e a Escola Básica Beatriz deSouza
Brito, bairro
do
Pantanal,com uma
tunna.Na
terceira etapa, após terem desenvolvido aOficina
com
seus alunos, trêsprofessoras
foram
entrevistadas. Identificarei para efeito desta pesquisa asmesmas
como
professora 1, 2, e 3.
H
As
entrevistascom
as professoras(Anexo
I)foram
abertas.A
conversa foiem
tomo
do
trabalhocom
a oficina, sobre educação, aprendizagem, conhecimento efragmentação
do conhecimento
As
questões-chave dessas entrevistas foram:0
O
que você achou da
experiênciacom
a oficina?0 Quais as possibilidades e os limites
em
trabalharcom
a oficinano
ambienteescolar?
As
questõesacima foram
apenas para nortear a entrevista. Durante a conversacom
as professoras, surgiram outras questões e colocações importantesque
nãoforam
deixadas
de
lado. ~As
oficinastambém
foram
gravadasem
vídeocom
a intençãode
se preservar as falas das professoras e dos alunos durante esse trabalho, paraserem
analisadasjuntamente
com
o
referencial teóricoda
dissertação ecom
as entrevistas.3.2.
Como
fizeram
o
Pão
3.2.1.
Os
saberes dos professores sobreo pão
Na
primeira etapa, aOñcina
inicioucom
o levantamento dos saberesque
asprofessoras
tinham
sobre o pão: seu significado, tipos, formas de produção, etc.As
professoras
que
jápossuíam
essa prática de fazer o própriopão
em
suas casas,auxiliavam as outras participantes
na
separação dos ingredientes,na
preparaçãodo
fermento e
da
massa
eno
processo de cozimento.Ao mesmo
tempo
em
que
a preparação inicialdo pão
se desenvolvia, surgiramuma
série de discussões e questionamentos quanto à origem,composição
quimica enutricional
de
cada ingrediente; a quantidade de cadaum
na preparaçãoda
massa;como
sedá
o processo de fermentação; otempo
necessário para o crescimento e cozimento; a temperaturaadequada do
formo, etc. .A
ferrnentação foi alvo de grandes discussões nas duas turmas. Surgiramquestionamentos e dúvidas quanto à
composição do
fermento e decomo
ocorre opróprio processo de fermentação. Inicialmente as professoras tentaram buscar as
respostas lendo as informações encontradas na
embalagem.
Elasmesmas
se perguntavam:0
O
que
eraSacharomyces
cerevises ?(Algumas
tiveram dificuldadeem
leronome
científico deste fungo).0
O
que
é liberado nessa fermentação para queo pão
cresça?0
Por que
usar o açúcarna
fermentação? -0
Qual
a diferença entre fermento químico e biológico?0
Que
outros tiposde
fennento existem,além do
biológico,do
químico?0
A
temperatura é importante para que ocorra a fermentação?Esses questionamentos aos poucos foram sendo entendidos,
quando foram
postos
em
disponibilidade alguns livros didáticos e paradidáticos,além
deenciclopédias,
em
que
as professorasbuscaram
algumas respostas para as questões.Quanto
aos tipos de fennento,uma
delaslembrou
que suamãe
fazia pão usandofermento feito da batata,
uma
práticaque
hoje é muitopouco
conhecida.Para fazerem
o pão
as professoras seguiram a seguinte receita, elaborada pormim, como
oficineira:250g
de farinhade
trigo integral 5 colheresde
linhaça250g
de farinha de centeio 5 colheresde
gergelim3 100g de farinha de trigo 5 colheres de açúcar
1
ovo
10 colheres de gordura1 colher de sal
2 tabletes de fennento biológico dissolvido
em
águanonna
com
1 colher de açúcar.Após
as professoras terem misturado os ingredientes e preparado amassa do
pão, a
mesma
foi repartidaem
partes e entregue a cada dupla de professoras parafazerem seu próprio pão e enformá-lo.
Cada
pão apresentava as suas próprias características quanto ao formato edecoração, sendo, portanto, único. Antes de serem levados ao
fomo
os pães forampesados
em
uma
balança doméstica para verificar se,com
o crescimento (aumento devolume),
mudariam ou não
de peso.A
massa
de cada pão apresentou,em
média,600g
antes de ir ao fomo.
Depois de
assados foramnovamente
levados à balança,Para surpresa das professoras, o
aumento de volume não
correspondeu ao peso4que esperavam.
Algumas achavam
que
seria maior, poiscomo
houve
um
aumento
devolume
opeso
seria proporcional.No
entanto, ocorreuo
contrário. Elas então se perguntaram:O
que
fezcom
que
opão
perdesse peso? Então, surgiram entre elasnovos
questionamentos
com
relação a essa situaçãoque
fezcom
quepudessem
determinarquais
foram
as causasda
perda de peso dos pães (a perda de água, o próprio processo decozimento, etc.). _
Apresentou-se
também
uma
situação colocada poruma
das professorascom
relação
ao
tempo
adequado
de crescimentodo pão
para ser assado,que
foi a seguinte:"Para saber
qual
o
momento
de se colocar opão
no forno
deve-se colocaruma
bolinhade
massa
em
um
copo
com
água.Quando
essa bolinha estiver boiando sobrea
água,~ ~ ~
isso significa
que
ospaes que
estao nasformas
estao prontospara
irao
formo"
(transcrição
do depoimento
da professora, fita de vídeol). Essa colocação gerou algunsquestionamentos:
l
-
0
O
que
fez a bolinha demassa
boiar?0
Qual
a ligaçãocom
a fermentação?Sugeriram então
algumas
explicações para essa questão: (fita de vídeol)0
"Eu acho que
ela incha".0 "A bolinha
de
massa
'crua cresce efica
na
superfícieda
água. Isso indica
que
orestante
dos
pães que
estão nasformas
estão prontospara
assar ".0 "
Eu
acho que
ocorrea
fermentação, deixandoa
massa
maisleve e aí ela sobe"
0 "A própria
fermentação
é que deixoua
bolinhamais
leve ". 'Novamente
as professorasbuscaram
respostas para essas questões relacionadasaos processos
químicos
e biológicos envolvidos na fermentação.Já
com
o uso da balança eda
colhercomo
instrumentos demedida
surgiu a possibilidade de trabalhar as unidadesde
medidas.Além
disso, realizou-seo
cálculo dos gastos para se fazeruma
determinada quantidadede
pães, o custo unitário de cadaum,
4
Utilizou-se aqui a linguagem do cotidiano das professoras. Somente mais tarde explicou-se que a massa, e não o peso, é o nome da unidade de medida correta, medida
em
gramas e suas subunidades.comparado
com
o custodo pão
vendido nas padarias. Discutiram-setambém
as possíveis vantagensde
se fazerpão
em
casa: nutricionais, econômicas, etc.Dando
continuidade, as professoras, agoraem
pequenos grupos, utilizaram o material bibliográficode
apoio .para pesquisar cada ingrediente usadono
preparo dopão, buscando as seguintes infomiaçõesz o
nome
científico (do trigo, aveia, centeio,_gergelim, linhaça, etc), aspectos históricos e culturais, importância para a saúde, forrnas
de
cultivo e propriedades nutricionais..
Surgiram
também,
algumas
práticas pessoais quanto aomanuseio
da massa,como
as seguintes:0
É
necessárioamassar
bem
0pão
para
ativar o fermento.L..)
0 Bater três vezes
com
a
mão
no
fundo da
forma
para que a
massa
cresça. (..)0 Colocar os
pães no
forno.Depois
colocaruma
forma
com
água
quenteem
baixo~ dos pães, isso
ajuda
no
crescimento dos paes. (..).0
Quando
está muito frio cobrirbem
ospão
com um
pano
pré-aquecido. (transcrição de depoimentos
da
Fita de vídeo 1)Exploraram-se
também
as embalagens dos produtos usadosno
produçãodo
pão retirando os seguintes dados:nome
do produto edo
fabricante,origem
(animal e vegetal), data de fabricação e validade, quantidade (unidadesde
medidas), local deprodução. '
Durante
odesenvolvimento
das atividades anteriores, os pãespennaneceram
assando no forno.
Após
o
término,do
cozimento as professorasforam
convidadas paradegustar sua produção. ~
3.2.2 Alguns saberes históricos, culturais e cientificos sobre o pão
Partindo
da
pesquisa das professoras, alguns saberes históricos, culturais ecientíficos foram resgatados e posteriormente aprofundados por
mim
neste trabalho dedissertação.
Todos
os diaso pão
está presente na alimentação de bilhõesde
pessoasno
fermentação e
o
cozimento.São
operações tão simplesque
praticamente nãomudaram
desde os registrosque temos
aindano
Egito antigo.No
entanto, se faz poucaou
quasenenhuma
reflexão
sobre todoo
contexto que envolve o processo de fazer pão.O
pão
éconsumido
desde a pré-história, sendo talvez o primeiro alimentoelaborado pelo ser
humano,
consideradocomo
vital. Ele sempre esteve presentena
simbologia religiosa e nos rituais de diferentes sociedades.
Para
Mascarenhas
(1992), os primeiros pães, produzidosno
Neolítico - períodoque
começa
por voltade
10.000 anos a.C, nãopassavam
de urna mistura de águacom
grãos de cereais grosseiramente tiiturados entre pedras, e
eram comidos
crus.Há
cercade 8 mil anos a.C.,
em
aldeias localizadasna
Suíça, elescomeçaram
a ser cozidos sobre pedras quentes.Eram
finos
e chatos,pouco
mais espessosdo
queuma
folha de árvore.Já desde
o
inícioda
era cristã, Jesus éo
pão da
vida: "Eu
sou opão
da
vida,- oque
vem
a
mim
não
terájamais
fome
e oque
crêem
mim, não
terá jamais sede". (J oão, 6,35).O
evangelho deMateus
conta que para matar afome
da multidão que oacompanhava
na
Galiléia, Jesusencheu
doze cestos de pão, multiplicando os pedaçosde
cinco pães de cevada. Já
na
última ceia, enquanto os apóstoloscomiam
"Jesustomou o
pão, disse
a
benção, partiu-os edeu a
seus discípulos dizendo: tomai e comei; isto émeu
corpo. " (Mateus, 26,26). Foi assim,com
a instituiçãoda
eucaristia, queo pão
ganhou
0 significado de alimentodo
espírito.Mesmo com
toda essa representação e simbologia religiosa, o pão nunca perdeua condição
de
alimento básico, sinônimo de condiçãomínima
de subsistência, refletidoem
expressões popularescomo:
“ganhar o pão de cada día”.,
No
caso dos provérbios populares, o pãotambém
marca
presença. Dizer “pão, pão, queijo, queijo”, revela sinceridade e franqueza. Já“comer o
pão
que o diaboamassou”
significa passar por urna provaçãoou
sofrimento muito grande,ou
penoso.“Em
casaonde
não
há
pão, todomundo
fala eninguém
tem razão”, reza outroprovérbio popular, significando
que
sem
a satisfação básica dafome
suprida, todas asdemais coisas