DEPARTAMENTO DE GEOGRAFIA
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM GEOGRAFIA
CARLOS ALBERTO CAETANO
A LÓGICA HEGEMÔNICA DA PRODUÇÃO DO ESPAÇO NA ESCALA
DA BACIA HIDROGRÁFICA DO RIO JAGUARIBE
SALVADOR – BAHIA
Salvador
2007
CARLOS ALBERTO CAETANO
A LÓGICA HEGEMÔNICA DA PRODUÇÃO DO ESPAÇO NA ESCALA
DA BACIA HIDROGRÁFICA DO RIO JAGUARIBE
SALVADOR – BAHIA
Dissertação de Mestrado apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Geografia, do Departamento de Geografia, Instituto de Geociências, Universidade Federal da Bahia, como pré-requisito parcial para obtenção do grau de Mestre em Geografia.
Orientador: Prof. Dr. Antonio Puentes Torres
Salvador
2007
C128 Caetano, Carlos Alberto,
A lógica hegemônica da produção do espaço na escala da Bacia hidrográfica do rio Jaguaribe, Salvador – Bahia / Carlos Alberto Caetano. _Salvador, 2007.
210 f.: il.
Orientador: Prof. Dr. Antonio Puentes Torres
Dissertação (Mestrado) – Pós-Graduação em Geografia. Instituto de Geociências da Universidade Federal da Bahia, 2007.
1. Geografia 2. Jaguaribe, Rio, Bacia (Salvador, BA) – Segregação socioeconômica espacial 3. Jaguaribe, Rio, Bacia (Salvador, BA) – Expansão territorial – Segregação socioeconômica espacial I. Título
À minha mãe Maria Aparecida Galdino D. Nina
AGRADECIMENTOS
Aos meus ancestrais e aos orixás que me protegem e abrem meus caminhos:
Adupé-ô!
À CAPES pelas duas bolsas de estudo, sem as quais o trabalho de construir esta dissertação teria sido mais difícil, senão impossível.
Ao INPE pela cessão das imagens de satélite usadas no trabalho.
Ao meu orientador pela paciência, liberdade e estímulo permanentes.
Aos professores que aceitaram integrar minha banca examinadora, profa. Neyde Maria Santos Gonçalves e prof. Antônio Fernando de Souza Queiroz, pela confiança que me passaram durante todo o processo. E também pela paciência.
Ao Coordenador do Mestrado, prof. Ângelo Serpa, pelas críticas, sinalizações de caminhos e, em especial, pela contribuição no que diz respeito à teorização e à metodologia em Geografia.
A todos os professores que suportaram e esclareceram minhas dúvidas durante dois anos.
À profa. Bárbara-Christine N. Silva um agradecimento especial pelos ensinamentos em relação ao uso da quantificação em Geografia, inclusive após a conclusão da disciplina, em caráter particular.
Aos colegas da turma, sempre solidários.
À Dirce, secretária do Mestrado, pela eficiência permanente.
A todos e todas que de alguma forma me ajudaram a conquistar esta vitória.
O trabalho foi feito por um pesquisador, mas o conhecimento é propriedade coletiva. Todos os direitos estão liberados para utilização, sendo obrigatória a citação da fonte.
O Ser Estético veicula sublimações Formays que se materializam à Cadência Erotyca, estimulante às teorias produtoras. O Ritmo rompe a Harmonia – ou a dilata num tempo que é cortado quanto saturado. A montagem nasce desta relação contraditória entre o Tempo ErotyKo e o Espaço Ideológico. Há Cineastas que suturam seus planos, costuram, colam, emendam, amarram – raros montam e excepcionais desmontam. Tudo que o
plano revela é profano na sacralização da montagem: o Espaço permite o
tempo Proibydo. FLUXO-AUDIOVISUAL produzido na Uzina In-Konsciente, neutronizado por Eros, convertendo toda matéria sensível em Energia Sexual (Energia Nuclear). A Obra: Stravinsky ou Pound revisitando Homero, Sosígenes Costa e Wally Sailormoon, Gramiro de Matos e João Ubaldo Ribeiro, Caco kaetano e Caetano Veloso, Xyko Buarque, Augustoarold de los Campos – teatro, romance, poesya, filosozophya, musika, kynema – todas as artes são representações do In-Konscyente, o interesse estético nascendo da sensação diante da originalidade. A dimensão primária da arte é o Realismo. O I-Realismo Sociológico temporal cede campo ao Espaço Real do Autor e tudo que se Vê e Ouve é Real. Improcede a Idéia de que a Fantasia é abstrata, como se o visto-ouvido&cheirável fosse I-rreal.
Glauber Rocha
Fonte: ROCHA, Glauber. Revolução do Cinema Novo.
RESUMO
Esta dissertação de mestrado buscou como objetivo estudar a relação entre a sociedade e a natureza sob a ótica da lógica hegemônica da produção do espaço para identificar a ocorrência de segregação socioeconômica espacial na escala de uma bacia hidrográfica. A bacia hidrográfica do rio Jaguaribe está totalmente localizada no perímetro urbano de Salvador, Bahia, em área definida a partir dos anos 1970 como vetor de crescimento e expansão da capital baiana com a da abertura da Av. Paralela, elo de ligação entre os eixos Estação Rodoviária/Aeroporto Internacional. O trabalho se iniciou a partir da interpretação de mapas históricos do período colonial chegando até os dias atuais com a utilização do Sensoriamento Remoto (SeRe) com imagens de diferentes satélites obtidas no Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE), no período compreendido entre os anos 1980 e 2005. Para a análise destas imagens foi adotado o paradigma dos Geossistemas como referência teórica, com base em BERTRAND, G. (1971); SOTCHAVA, V. B. (1977) e MONTEIRO, C.A. de F., (1978; 2001), sendo definidas então as unidades internas do Geossistema como o alto curso, o médio curso e o baixo curso do rio, analisados como Geofácies; também foi adotado o materialismo histórico dialético como método de abordagem, tendo como referências QUAINI, M. (1979); MARX, K. (1986); CASTELLS, M. (2000); HARVEY, D. (2005); entre outros. A contradição central identificada no desenvolvimento do trabalho foi a relação entre a cobertura vegetal e a expansão urbana, de cuja oposição evidenciou-se a existência de um processo de segregação socioeconômica espacial identificada a partir da análise de dados estatísticos obtidos através do Censo 2000 (IBGE). Foram projetados no espaço geográfico os resultados destas análises, sendo gerados mapas temáticos quantitativos e um mapa/síntese qualitativo. Foram analisados ainda aspectos relativos à existência nas nascentes dos tributários do rio de diversas lagoas de tratamento e decantação de esgotos, implantadas em vales e planícies de inundação que não garantem resultados significativos em termos de qualidade ambiental ao Geossistema, em especial nos momentos de ocorrência de maior precipitação pluviométrica, sendo apresentada então uma recomendação de manejo natural destas lagoas, com geração de trabalho e renda para a população que habita o seu entorno.
Palavras chaves: Geografia. Jaguaribe, Rio, Bacia (Salvador. BA) Segregação
socioeconômica espacial. Jaguaribe, Rio, Bacia (Salvador. BA) – Expansão Territorial – Segregação socioeconômica espacial.
ABSTRACT
This master’s degree dissertation of searched as objective to study the relation between the society and the nature under the optics of the hegemonic logic of the production of the space to identify the occurrence of space socioeconomic segregation in the scale of a hydrographical basin. The hydrographical basin of the Jaguaribe river, that total is located in the urban perimeter of Salvador, Bahia, in area defined from years 1970 as vector of growth and expansion of the Bahia’s seat of government, with the opening of the Av. Parallel, connector link between the axles Road Station/International Airport. The work was initiated from the interpretation of historical maps of the colonial period arriving until the current days with the use of the Remote Sensoryment (SeRe) with images of different satellites gotten in the Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE), in the period understood between years 1980 and 2005. For the analysis of these images, the paradigm of the Geossistem was adopted as theoretical reference, on the basis of BERTRAND, G. (1971); HUNTER, C.A. of F., (1978; 2001) e SOTCHAVA, V. B. (1977), being defined then the internal units of the Geossistem as the high course, the average course and the low course, analyzed as Geofácies; also the dialéctic historical materialism was adopted as boarding method, having as references CASTELLS, M. (2000); HARVEY, D. (2005); MARX, K. (1986); QUAINI, M. (1979); among others. The identified central contradiction in the development of the work was the relation between the vegetal covering and the urban expansion, whose opposition proved it existence of a process of identified space socioeconomic segregation from the analysis of gotten statistical data through Censo 2000 (IBGE). The results of these analyses, being generated quantitative thematic maps had been projected in the geographic space and a
qualitative map/synthesis that had allowed to conclude for the existence of space
socioeconomic segregation in the area in study. Relative aspects to the existence in the springs of the tributaries of the river of diverse lagoons of treatment and decantation of sewers, implanted in valleys and plains of flooding that do not guarantee resulted significant in terms of ambient quality to the Geossistem, in special at the moments of pluviometric precipitation occurrence bigger, being presented then a recommendation of natural handling of these lagoons, with work generation and income for the population had been analyzed still that inhabits its amer cool.
Words keys: Geography. Jaguaribe, River, Hydrographical basin ( Salvador. BA).
Space socioeconomic segregation. Jaguaribe, River, Hydrographical basin (Salvador. BA). Territorial expansion - space socioeconomic segregation
LISTA DE FIGURAS
1 Remanescentes da pecuária de gado leiteiro nas margens do rio ... 22
2 As principais bacias hidrográficas de Salvador ... 26
3 Imagem mostrando independência da bacia do rio Passa Vaca ... 28
4 A MDT mostra rio Trobogy como o último afluente ... 29
5 Imagem de satélite mostra o encontro dos rios na planície costeira ... 320
6 Detalhe do MDT com curvas de nível com 5 m comprova separação .. 31
7 Aglomerado urbano localizado nas encostas do médio curso ... 45
8 Carta onde rio Vermelho e a Pedra de “Tapoan” ficam próximos ... 52
9 O primeiro registro encontrado sobre o rio Jaguaribe ... 53
10 Mapa onde muitas bacias hidrográficas já eram conhecidas ... 54
11 Ocupação dispersa nos anos 1970 ... 56
12 População tende a aumentar a partir dos anos 1980 ... 57
13 Nos anos 1990, médio-baixo curso apresenta áreas sem habitantes ... 58
14 A expansão urbana compromete a cobertura vegetal ... 59
15 Correção geométrica usando base cartográfica de Salvador ... 71
16 Roteiro Metodológico ... 88
17 Imagem Landsat 2 adquirida em 29/07/1981, sensor MSS [...] ... 92
18 Imagem Cbers 2 adquirida em 21/12/2005, sensor CCD 1x [...] ... 93
19 Em 1981 a dispersão da população preserva cobertura vegetal ... 94
20 Em 2005 a concentração da ocupação e supressão da cobertura ... 95
21 Altimetria P&B com resolução espacial de 30 m ... 96
22 Altimetria Color com resolução espacial de 30 m ... 97
23 A existência de falhas geológicas na bacia ... 99
24 MDT com curvas de nível de 5 m reforça a hipótese das falhas ... 99
25 Cobertura vegetal identificada em 2005: canais R(1),G(2) e B(3) ... 100
26 Imagem mostra situação real em 2005: 8 bits, [...] ... 102
27 Bairros contidos em cada área de ponderação ... 103
28 Distribuição da população nas áreas de ponderação ... 133
29 A quantificação dos resíduos em desvio padrão ... 136
30 A violência em Itapuã na manchete do principal jornal ... 141
32 População que estuda em escolas públicas ... 143
33 População que não estuda mas já estudou ... 144
34 População que nunca estudou ... 145
35 Análise qualitativa dos resíduos ... 151
36 Lagoas de decantação localizadas no alto curso ... 156
37 Aterro de Canabrava e as lagoas de decantação do médio curso ... 157
38 Satélite permitiu localizar lagoas de decantação do alto curso ... 158
39 As três lagoas de decantação João de Barros do rio Águas Claras ... 159
40 As duas lagoas de decantação de Fazenda Grande VII ... 159
41 A proximidade entre o braço do rio canalizado e a lagoa ... 160-
42 Detalhe das três lagoas do sistema do rio Cambunas ... 161
43 Outro detalhe da maior lagoa de decantação do rio Cambunas ... 161
44 Mais uma lagoa de decantação do rio Cambunas ... 162
45 A proximidade entre as casas na encosta e a lagoa de decantação ... 162
46 As casas na encosta e a lagoa no vale do rio Cambunas ... 163
47 Uma das lagoas do sistema Cambunas se encontra desativada ... 163
48 No médio curso do rio o que sobrou do Aterro de Canabrava ... 164
49 Lagoa de decantação de Jaguaribe II, ao lado co curso do rio ... 165
50 No médio curso a lagoa de Mata Atlântica desativada e seca ... 165
51 Verde previsto para 2015 no zoneamento proposto pelo PDDU ... 166
52 Localização da av. 29 de março e do Projeto Tecnovia ... 168
53 Impacto de Alphaville I visto por satélite e imagem aérea ... 169
54 2005: cobertura vegetal menor que área usada para outros fins ... 170
55 Mata Atlântica sofrerá grande impacto com projetos previstos ... 171
56 Ilustração utilizada na apresentação do Projeto Tecnovia ... 172
57 Condomínios são implantados na planície de Inundação do rio ... 173
LISTA DE QUADROS
1 Autores e conceitos usados no sensoriamento remoto ... 63
2 Imagens obtidas com os satélites Landsat ... 65
3 Principais usos que as bandas do satélite Landsat permitem ... 65
4 Imagens obtidas com o satélite Cbers 2 ... 66
5 Banco de Dados sobre a Bacia do rio Jaguaribe ... 69
6 Base usada para georreferenciar as imagens de satélite ... 70
7 Rol das Áreas de Ponderação selecionadas ... 77
8 Pessoas de ambos os sexos residentes na bacia ... 104
9 Rol de pessoas residentes na bacia ... 105
10 População residente nas áreas de ponderação ... 107
11 Áreas de ponderação selecionadas para a análise ... 109
12 Domicílios particulares independente da condição de ocupação ... 111
13 Densidade de moradores por cômodo ... 113
LISTA DE GRÁFICOS
1 Diagrama de dispersão e reta de previsão de correlação ... 83
2 População residente ... 108
3 Pessoas de ambos os sexos residentes em domicílios particulares ... 110
4 Domicílios permanentes próprios, alugados e/ou cedidos ... 112
5 Renda média per capita ... 115
6 Renda média domiciliar ... 116
7 Renda mediana per capita ... 117
8 Renda mediana domiciliar ... 119
9 População sem instrução ... 120
10 População com 15 anos ou mais de estudo ... 122
11 População que se declara parda ... 124
12 População que se declara de cor preta ... 125
13 Soma dos que se declaram pretos e pardos ... 127
LISTA DE TABELAS
1 Equivalência de numeração das áreas de ponderação ... 76 2 População residente nas áreas de ponderação ... 78 3 Porcentagem de residentes por área em relação à população total da
LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS
APs Áreas de Ponderação
CAPES Coordenação de Aperfeiçoamento do Ensino Superior
CBERS China Brazil Earth Resources Satellite
CCD Charge Coupled Device
CONDER Companhia de Desenvolvimento Urbano do Estado da Bahia
IBGE Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística INPE Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais
MDT Modelo Digital do Terreno
MSS Multispectral Scanner Subsystem
PDDU Plano Diretor de Desenvolvimento Urbano
PDI Processamento Digital de Imagens
PMS Prefeitura Municipal de Salvador
RGB Cores Red, Green, Blue
SEPLAM Secretaria Municipal de Planejamento e Meio Ambiente de Salvador – Ba
SEI Superintendência de Estudos Econômicos do Estado da Bahia
SESC Serviço Social do Comércio
SeRe Sensoriamento Remoto
SHP Formato “shape” do ArcMap
SIG Sistema de Informações Geográficas
SPOT Systeme Proboitoire de Observation de la Terre
SMA Superintendência do Meio Ambiente da SEPLAM
SRTM Shuttle Radar Topographic Mission
SUMÁRIO 1 INTRODUÇÃO ... 15 1.1 JUSTIFICATIVA ... 17 1.2 PROBLEMA ... 19 1.3 OBJETIVOS ... 20 1.3.1 Objetivo Geral ... 20 1.3.2 Objetivos Específicos ... 20
1.4 CARACTERIZAÇÃO DA ÁREA EM ESTUDO ... 21
2 FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA ... 34
2.1 OS ESPAÇOS URBANOS COMO CATIVEIROS ... 44
2.1.1 Uma questão histórica ... 50
2.2 METODOLOGIA ... 63
3 O ESPAÇO VISTO DO ESPAÇO ... 89
3.1 AS VARIÁVEIS NATURAIS E SOCIAIS ... 89
3.1.1 As variáveis naturais - O sensoriamento remoto ... 90
3.1.2 As variáveis sociais – O Censo Demográfico ... 102
4 ANÁLISE GEOSSISTÊMICA ... 131
4.1 AS UNIDADES INTERNAS DO GEOSSISTEMA ... 131
4.1.1 O alto, o médio e o baixo curso ... 131
4.2 O SALTO QUALITATIVO ... 1249
4.2.1 Quando a quantidade vira qualidade ... 150
4.3 RECURSOS, USOS E PROBLEMAS ... 152
4.3.1 As lagoas de decantação de esgotos ... 153
5 ATUAIS E FUTURAS INTERVENÇÕES ... 166
6 CONSIDERAÇÕES FINAIS ... 176
6.1 CONSIDERAÇÕES FINAIS ... 176
6.2 RECOMENDAÇÕES ... 179
REFERÊNCIAS ... 181
CAPÍTULO 1
1
INTRODUÇÃO
A expressão ‘lógica hegemônica’ pode ser considerada controversa quando
se refere ao espaço geográfico, mas seu uso tem se tornado cada vez mais
freqüente em trabalhos recentes de Geografia, em decorrência do fato de que as
características do chamado ‘modo de produção capitalista’ se tornam bastante
evidentes quando são espacializadas. Nos estudos sobre o espaço urbano, ao se
falar em ‘lógica hegemônica’, está se falando, como sugere Harvey (2005), da
dependência que a vida cotidiana tem de mercadorias produzidas mediante o
sistema de circulação do capital, que tem a busca do lucro como seu objetivo direto
e socialmente aceito.
A lógica hegemônica, portanto, é a lógica do lucro obtido através da moeda
usada para adquirir mercadorias, sejam estas mercadorias a força de trabalho e
meios de produção, ou qualquer tipo de matéria, inclusive o espaço propriamente
dito, ou as matérias utilizadas para o acesso à formação escolar, ainda que neste
último caso o apelo ao estímulo ao lucro ganhe contornos que procuram dissolvê-lo
no caldeirão das chamadas infra-estruturas sociais. Estas, ainda segundo Harvey
(2005), apenas sustentam a circulação do capital. Sustentam a obtenção do lucro.
Sustentam a lógica hegemônica.
Nessa ótica, a utilização da expressão ‘produção do espaço’ implica em
falar no que Castells (2000), afirma ser algo denominado pelos sociólogos como
‘cultura urbana’, um sistema de valores, atitudes e comportamentos, bem como da
densidade. Produção aqui entendida como uma atividade humana destinada em
primeiro lugar à assegurar a própria sobrevivência. Trata-se, portanto, como prefere
definir Castells (2000), da produção social das formas espaciais caracterizada por
relações de dependência, que são relações hegemônicas.
Ao se fazer referência aos limites de dimensão e densidade da concentração
espacial a intenção é se reportar à necessidade de adoção de uma ‘escala’. Que
fique claro que se está utilizando a palavra “escala” tanto no sentido que ela é
empregada por Santos (2002), como área de ocorrência que é dada pela extensão
dos eventos, ou seja, uma escala que varia com o tempo mas, também, no sentido
das variáveis envolvidas na produção do evento, as chamadas forças operantes.
Para Whitehead (The Concept of Nature, 1920, 1971, p.34), “a passagem dos eventos e a extensão de uns eventos sobre os outros são as qualidades de que se originam, como abstrações, o tempo e o espaço” e “a teoria reclama que sejamos conscientes dessas duas relações fundamentais, a ordem temporal dos instantes e a relação entre os instantes do tempo e os estados da natureza que acontecem nesses instantes” (SANTOS, 2002, p. 155).
Whitehead, ainda segundo Santos (2002), esclarece a função de relação que
o evento assume quando opera a fusão de ocasiões atuais que se inter-relacionam
numa determinada maneira e numa determinada extensão, possibilitando que se
fundam as noções de escala do acontecer e de escala geográfica. É possível
admitir que cada combinação de eventos ao mesmo tempo cria um fenômeno unitário, unitariamente dotado de extensão e se impõe sobre uma área, necessária à sua ação solidária. Vem daí o papel central que a noção de evento pode representar na contribuição da geografia à formulação de uma teoria social. É através do evento que podemos rever a constituição atual de cada lugar e a evolução conjunta dos diversos, (SIC) lugares, um resultado da mudança paralela da sociedade e do espaço (SANTOS, 2002, p.155).
É nesse sentido que este trabalho adotou a escala de uma bacia hidrográfica
urbana, a bacia hidrográfica do rio Jaguaribe, Salvador, Bahia, como um evento
atual, absoluto, individualizado e finito, em processo de inter-relação com outros
eventos, alguns de origem social, e criou com todos eles uma continuidade do
mundo vivente e em movimento (Leslie Paul, 1961, apud Santos, 2002).
O próprio Santos (2002), chama esse fenômeno de continuidade temporal e
coerência espacial, ao afirmar que “é assim que as situações geográficas se criam e
se recriam”, ou seja, no caso deste estudo, é assim que o espaço dessa bacia
hidrográfica é produzido e reproduzido.
Uma questão importante a ser destacada diz respeito à localização dessa
bacia hidrográfica em Salvador, hoje uma metrópole global. Salvador é uma
cidade-metrópole perfeitamente enquadrada no modo de produção neoliberal que
caracteriza a atual fase da globalização, o que causa reflexos na produção e
reprodução do espaço urbano, e que se refletem, por sua vez, nos rios que cortam a
cidade.
1.1 JUSTIFICATIVA
Os rios de Salvador passaram a apresentar, ao longo do século XX, sinais de
degradação, característica de um modo de produção e de uma forma de se
relacionar da sociedade com o ambiente, o que justifica plenamente a realização
A existência de uma Dissertação de Mestrado sobre a bacia hidrográfica do
rio Jaguaribe, defendida no ano de 1998, cuja pesquisa envolveu dados de há quase
dez anos, portanto, escrita por Abreu (1998), foi uma referência obrigatória e um
facilitador do trabalho.
Tal dissertação apresenta uma completa caracterização física da área em
estudo naquele momento, final do século XX, e traz alguns dados. Faz a análise de
alguns aspectos sociais da área e utiliza como base a divisão da cidade em Regiões
Administrativas, adotada pela Prefeitura Municipal de Salvador, além de dados
relativos aos Distritos Sanitários e Zonas de Informação, ZI.
A atualização do estudo anteriormente realizado sobre a bacia hidrográfica do
rio Jaguaribe é bastante relevante do ponto de vista acadêmico, uma vez que se
trata de uma bacia totalmente localizada no perímetro urbano e a cidade do
Salvador mudou muito nos últimos dez anos.
A área onde está localizada a bacia hidrográfica em questão se tornou um
dos principais vetores de crescimento da cidade, com forte impacto sobre a
cobertura vegetal, entre outros aspectos, que caracterizam a ação humana na
produção e reprodução do espaço.
Além disso, a possibilidade de se utilizar hoje a ferramenta do sensoriamento
remoto (SeRe), no monitoramento da área em estudo, com imagens de diferentes
satélites, que não eram tão acessíveis há dez anos, se tornou um elemento
importante na construção deste trabalho. As imagens de satélites têm se tornado um
elemento importante nas pesquisas atuais sobre o espaço urbano, pelas inúmeras
Some-se a esse fato uma outra referência, ainda mais importante no que diz
respeito ao estudo das populações, o recurso aos dados estatísticos do Censo 2000,
realizado pelo IBGE – Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística -, que não
estavam disponíveis quando o trabalho de Abreu (1998) foi concluído. Esses dados
estatísticos se mostraram fundamentais na estruturação da interpretação que se
realizou.
1.2 PROBLEMA
Uma bacia hidrográfica totalmente localizada em uma área urbana coloca em
evidência as relações que se estabelecem dentro dela e à sua volta, mas não se
tratam apenas de relações homem/natureza, nem de relações homem/homem.
Porque o “funcionamento” de uma bacia hidrográfica, numa determinada área de
uma cidade, explicita que não pode haver polarização entre homem/natureza porque
ambos vivem uma permanente relação de in put e out put e o desequilíbrio de um
implica, inevitavelmente, no desequilíbrio do outro, devendo esse relacionamento
caminhar na direção de uma simbiose.
A produção do espaço na área da bacia hidrográfica do rio Jaguaribe pode
ser caracterizada até o final dos anos 80 do século passado como tendo uma
característica de dispersão, que fica bastante evidenciada nas imagens de satélite
da época. A partir do final do século XX e no início do XXI, vê-se, também, nas
imagens de satélite, que essa produção do espaço passa a ter uma forte
característica de concentração, com grande impacto sobre a cobertura vegetal a
O problema que este trabalho pesquisou diz respeito à compreensão desse
processo histórico, onde se evidenciam mudanças na relação entre a sociedade e a
natureza, ou seja, na relação de produção e reprodução do espaço.
1.3 OBJETIVOS
1.3.1 Objetivo geral
• Problematizar, do ponto de vista da Geografia como ciência, aspectos relativos ao processo de segregação socioeconômica espacial, característico
da lógica hegemônica da produção do espaço, no contexto de uma bacia
hidrográfica localizada em uma cidade global.
1.3.2 Objetivos específicos
• Analisar variáveis sobre a população residente na área da bacia hidrográfica do rio Jaguaribe, tais como, número de residentes; concentração de
domicílios; moradores por domicílio; renda média e mediana per capita e
domiciliar e grau de instrução.
• Definir as variáveis que permitam caracterizar a ocorrência de segregação socioeconômica espacial na área em estudo.
• Mensurar a relação de correlação possível entre as variáveis “ser alfabetizado” (independente) e “ser economicamente ativo” (dependente),
como indicadoras de segregação socioeconômica espacial através da análise
• Projetar no espaço em estudo aspectos relativos à segregação socioeconômica espacial da população que habita a área.
• Questionar a relação entre os projetos previstos para serem implantados na área e a sua gestão sócio-ambiental.
1.4 CARACTERIZAÇÃO DA ÁREA EM ESTUDO
Definida como zona rural de Salvador até o século XIX, a área onde está
localizada a bacia hidrográfica do rio Jaguaribe foi se urbanizando a partir da
transformação em avenidas de antigas estradas que saiam do perímetro urbano em
direção à então zona rural.
Um exemplo é a estrada que ligava o bairro de Amaralina à Itapuã, pela orla
marítima (até o início do século XX), ou a estrada que ligava a BR-324 à Base Aérea
de Ipitanga, hoje Aeroporto Internacional de Salvador, conhecida como Estrada
Velha do Aeroporto.
Essa transformação da zona rural de Salvador em urbana se acentuou
posteriormente com a abertura da Avenida Paralela, nos anos 1970, culminando
com a completa extinção da zona rural de Salvador, no final do século XX.
Ainda se encontrou no trabalho de campo – em abril de 2005 -
remanescentes de antigas fazendas de criação de gado próximos à orla marítima de
Piatã, como se vê na figura 1, nas margens do rio Jaguaribe, no trecho próximo à
Figura 1. Remanescentes da pecuária de gado leiteiro nas margens do rio Jaguaribe, Salvador – BA.
(Foto: CAETANO, Carlos Alberto 2005).
A dificuldade em definir os limites entre o rural e o urbano no caso da
expansão das cidades, no Brasil, é um fenômeno recente, porque as cidades foram
inchando e transformando fazendas em loteamentos, com conseqüências inevitáveis
sobre o uso do solo, o espaço e o meio ambiente.
Mas, não se pode esquecer de que também os moradores dessas fazendas,
assim como os imigrantes das zonas rurais de outras cidades, foram sendo
incorporados nessa expansão urbana que foi, assim, criando e expandindo suas
periferias.
O fascínio que os grandes centros urbanos exercem sobre as populações de
cidades menores e mesmo sobre a população rural, do ponto de vista da cidade
como centro de atividades e inovações, explica em grande parte o inchaço que as
cidades brasileiras sofreram na segunda metade do século XX, fato que também
aconteceu em Salvador, com grande impacto da expansão urbana sobre o meio
Este trabalho considerou três vias de circulação como as referências que
caracterizam a área em estudo, em termos de circulação de pessoas e veículos: a
Br-324, estrada federal que liga Salvador a Feira de Santana; a Avenida Paralela,
que liga o eixo Shopping Iguatemi/Rodoviária ao Aeroporto Internacional de
Salvador e a Estrada Velha do Aeroporto, que corta transversalmente a área da
bacia.
Abreu (1998), descreve a Geologia da bacia hidrográfica do rio Jaguaribe
como apresentando três unidades diferenciadas cronologicamente: o embasamento
cristalino pré-cambriano, a Formação Barreiras e os depósitos quaternários.
Segundo esse autor, o embasamento cristalino pode ser observado associado às
outras duas unidades ou, de forma menos representativa, exposto em superfície, no
alto e médio curso do rio. A Formação Barreiras é o aspecto mais visível que
aparece nos topos planos do alto e médio curso, sendo pouco representativa no
baixo curso.
Apresenta um modelado de espigões alongados e morros convexos e ocupa cotas entre 100 e 40m. Foi observado em campo, de forma generalizada, um conglomerado basal ou “alinhamento de pedras”, que separa esta unidade do manto alterado precambriano subjacente [...] em que a espessura dos sedimentos Barreiras decresce, acompanhando o declínio topográfico em direção à planície costeira (ABREU, 1998, f.30).
Além dessas unidades, segundo Abreu (1998), os depósitos quaternários
encontrados na área da bacia em estudo são formados por terraços marinhos,
cordões arenosos, praias atuais e depósitos flúvio-marinhos de manguezais, sempre
no baixo curso. O autor registra ainda a ocorrência de arenitos de praia de forma
Em relação aos principais tipos de solos encontrados, Abreu (1998), descreve
os Latossolos amarelos; os Podzólicos Vermelho-Amarelos; os Podzóis e Areias
Quartzosas. Destaca ainda características particulares dos Podzóis, das Areias
Quartzosas, dos solos Hidromórficos Indiferenciados, das Areias Quartzosas
Marinhas e dos “Solos/Sedimentos de Manguezais”1.
Todos esses aspectos relativos à formação geológica da área em estudo
foram bastante desenvolvidos por Abreu (1998), que apresenta também a evolução
geomorfológica do sítio de Salvador e análise geomorfológica da área em estudo,
traçando um perfil esquemático entre a nascente e a foz.
No trabalho de laboratório com imagens de satélite na construção desta
Dissertação foi possível observar o que pode ser uma lacuna no trabalho supra
citado, em relação à existência de duas falhas geológicas na área da bacia: uma no
médio curso e outra no baixo curso, fato que será melhor desenvolvido em outro
capítulo, inclusive como sugestão para aprofundamento da pesquisa na área da
Geologia.
Abreu (1998), divide o curso do rio em três segmentos: o alto curso, das
nascentes até a confluência dos rios Cambunas e Águas Claras; o médio curso, que
se inicia após essa confluência e se estende até o cruzamento com a Avenida
Paralela, e o baixo curso, que se prolonga desde o cruzamento com a avenida
Paralela até a foz no Oceano Atlântico. Essa divisão é inquestionavelmente correta e
foi adotada nesta pesquisa.
Em praticamente toda a extensão da bacia, originalmente, eram encontradas
extensas áreas remanescentes da floresta ombrófila em diferentes estágios,
caracterizando um ambiente típico de Mata Atlântica que recobria e estabilizava o
1
Com relação a essa terminologia é importante que se destaque que os processos evolutivos relacionados a esses termos têm conduzido a uma nova nomenclatura, ainda em discussão, onde mais apropriadamente deve ser utilizado “solos/sedimentos de manguezais” (QUEIROZ, 2007, informação verbal).
solo. Esta mata constituída por diferentes espécies arbóreas, sempre verde e
apresentando grande diversidade biológica, foi bastante reduzida com a ocupação
da área, consolidada no final da primeira metade do século XX, de forma bastante
acentuada a partir dos anos 1970, com a abertura da Avenida Paralela.
Abreu (1998) refere-se, ainda, à existência de formações de vegetação
pioneira, como as de restinga, na planície costeira; a vegetação higrófila e hidrófila,
respectivamente ao redor de áreas úmidas e na superfície d’água e a vegetação de
manguezal.
Salvador possui uma característica especial do ponto de vista administrativo:
a cidade é dividida em Regiões Administrativas. O fato de a cidade não possuir uma
divisão em bairros faz com que cada pesquisador adote a divisão que lhe parece
mais adequada ao seu projeto.
No caso deste trabalho foi adotada a divisão em Áreas de Ponderação, feita
pelo IBGE a partir do Censo 2000, e se questionou a divisão em Bacias
Hidrográficas feita pela Prefeitura através da SEPLAM (PDDU/2004), que apresenta
o rio Passa Vaca como o último afluente do rio Jaguaribe, constituindo-se, portanto,
numa sub-bacia do mesmo, do ponto de vista oficial.
Este trabalho considerou como último afluente do rio Jaguaribe o rio Trobogy,
tributário do mesmo na altura do SESC, em Piatã. O rio Passa Vaca foi definido
como uma pequena bacia, porém totalmente independente do rio Jaguaribe, como
Figura 2. As principais bacias hidrográficas de Salvador. (FONTE: PMS/SEPLAM/PDDU/2004). Elaboração: CAETANO, Carlos Alberto (2007).
É importante fazer a ressalva que algumas cartas apresentadas nesta
pesquisa, por fazerem parte de trabalhos de outros pesquisadores, como é o caso
de Brito (2005), ou por terem sido construídas anteriormente a esta constatação com
material indisponível para um reordenamento atualizado, estão apresentadas com a
definição de área da bacia que está sendo questionada, ou seja, com a definição
oficial feita pela PMS.
No desenvolvimento deste trabalho foram encontradas informações que
permitiram adotar, sem qualquer receio, esta nova definição da área da bacia
hidrográfica do rio Jaguaribe, diferente da oficial utilizada pela PMS através da
SEPLAM.
Esta nova definição ocorreu a partir de trabalhos de campo e de laboratório,
com a utilização de imagens de satélite através do processo de sensoriamento
remoto (SeRe), e apresenta uma modificação na configuração das bacias
hidrográficas de Salvador, sendo portanto uma contribuição desta dissertação para
uma nova compreensão sobre como funcionam os processos hidrológicos na orla
Leste da cidade.
É possível perceber na imagem de satélite da figura 3, que o rio Passa Vaca
constitui uma bacia hidrográfica totalmente independente do rio Jaguaribe.
Uma bacia que tem um relevo próprio, um sistema hidrológico próprio e que,
em momento algum, se comunica com o rio Jaguaribe, a não ser quando se
Figura 3. Imagem do satélite SPOT 4, com resolução espacial de 10m, mostrando a “independência” da bacia do rio Passa Vaca – Litoral de Salvador – Bahia.
Fonte: SPOT 4 / INPE
Elaboração: CAETANO, Carlos Alberto (2007).
A imagem do satélite SRTM da figura 4, utilizada para construir o mapa de
altimetria a partir do Modelo Digital do Terreno (MDT), explicita que as duas bacias
não se comunicam, a não ser no estuário, já na praia.
É importante esclarecer que a descoberta e formulação da nova proposta de
área da bacia foi resultado dos trabalhos do curso “Gestão Ambiental de Áreas
Degradadas”, ministrado como requisito para uma bolsa CAPES do Programa
PROCES, sob a coordenação do Prof. Dr. Antonio Puentes Torres, Orientador desta
pesquisa.
A bolsa foi obtida através do Programa de Pós-Graduação ao qual a
Figura 4. O Modelo Digital do Terreno, a partir de imagem do satélite SRTM, mostra o rio Trobogy como último afluente do rio Jaguaribe.
Fonte: SRTM / INPE
Elaboração: CAETANO, Carlos Alberto (2007).
Utilizando-se as curvas de nível do trabalho de Brito (2005), também é
possível perceber que trata-se de um equívoco considerar o rio Passa Vaca como
um afluente do rio Jaguaribe.
O rio Passa Vaca, como se vê na figura 5, passa sob a chamada Terceira
Ponte, da avenida Otávio Mangabeira, após formar o manguezal do rio Passa Vaca,
e já na planície oceânica, se encontra com o Jaguaribe, que corre entre as duas
Figura 5. Imagem do satélite Quick Bird mostrando o encontro dos rios Jaguaribe e Passa Vaca na planície costeira, Orla Marítima de Salvador-Bahia.
Fonte: Quick Bird/2005
Elaboração: CAETANO, Carlos Alberto (2007).
É um caso típico de rios que deságuam no mesmo trecho do oceano, sem
que, contudo, estabeleçam qualquer relação de “pertencimento” um ao outro. As
curvas de nível usadas para construir o detalhe do MDT do estuário não deixam
Figura 6 - Detalhe do MDT com curvas de nível de 5 m comprova a separação entre as bacias do rio Jaguaribe e do rio Passa Vaca.
Fonte: BRITO (2005)
Elaboração: CAETANO, Carlos Alberto (2007).
A presente pesquisa foi desenvolvida em seis capítulos, com um total de 220
folhas, tendo como uma de suas preocupações o fato de que, neste começo de
século XXI, o grande desafio da ciência, ou das ciências, é buscar o caminho do
conhecimento complexo através da interdisciplinaridade.
A Geografia tem, ao mesmo tempo, a facilidade de trilhar o caminho
interdisciplinar e a dificuldade de abandonar antigas convicções ou vícios
cartesianos. O desafio, portanto, foi organizar a pesquisa envolvendo em condições
de igualdade – ou não seria interdisciplinar – os conhecimentos de Geografia,
Geologia, Estatística, Sensoriamento Remoto, Sociologia, entre outros, utilizando o
espaço como plataforma transversal onde sociedade e natureza se mutualizam.
No primeiro capítulo são apresentadas a justificativa, o problema de pesquisa
primeiro diferencial desta pesquisa: ela não é porta voz da oficialidade, e questiona a
definição oficial de área da bacia hidrográfica em estudo adotada pela PMS.
No segundo capítulo são apresentadas as referências teóricas que serviram
de embasamento para a interpretação. É bom que se esclareça que este trabalho
não se propôs a construir uma verdade, mas uma Interpretação da realidade.
Interpretação esta que não é definitiva nem a única possível.
Foi utilizado o paradigma dos Geossistemas, com base nos ensinamentos de
Bertand (1978), Sotchava (1979) e Monteiro (2001), recorrendo também ao
materialismo histórico dialético, melhor seria dizer materialismo histórico geográfico
dialético, como método de abordagem, tendo como principal referência autoral
Harvey (2005). Houve uma busca incessante de construir a interpretação a partir do
estabelecimento de uma tese, uma antítese e uma síntese.
No terceiro capítulo foram estabelecidas as variáveis naturais e sociais que
orientaram a pesquisa. As variáveis naturais foram construídas a partir da utilização
do sensoriamento remoto, com imagens de diversos satélites, recorrendo-se, assim
à uma série histórica de 24 anos, entre 1981 e 2005, período no qual a bacia
hidrográfica em estudo sofreu modificações substanciais, com a supressão de
praticamente metade da sua cobertura vegetal.
As variáveis sociais tiveram como base o Censo Demográfico de 2000.
Trazem algumas revelações escondidas nas entrelinhas dos números e que
puderam ser reveladas graças à utilização da quantificação, da análise de dados
estatísticos com cálculos de regressão linear e correlação, em busca de identificar
as áreas onde ocorre maior segregação socioeconômica espacial na bacia
Destaque-se aqui que a segregação, a face mais cruel da lógica hegemônica
da obtenção de lucros a qualquer custo, não tem um único perfil e pode ser
identificada a partir dos mais diversificados olhares. A pesquisa escolheu um
caminho e percorreu-o: a correlação entre ser alfabetizado e ser economicamente
ativo, e projetou o resultado dessa interpretação no espaço geográfico.
No quarto capítulo foi feita a análise geossistêmica propriamente dita, sem
que o paradigma do geossistema se tornasse uma prisão, uma referência que
engessasse a interpretação. Foram definidos como geofácies o alto, o médio e o
baixo curso do rio e, cada um desses geofácies recebeu outra divisão, esta de
caráter socioeconômico, as áreas de ponderação usadas pelo IBGE no Censo 2000,
com dados obtidos através da SEI-BA, disponíveis no Anexo A.
Ainda no quarto capítulo ocorreu o grande momento da pesquisa que utiliza o
materialismo dialético como método de abordagem, que é o salto qualitativo, quando
os dados obtidos com a quantificação se transformaram em qualidade, atendendo a
uma das leis da dialética de Marx (1986) e Engels (1991). Foram analisadas as
lagoas de decantação de esgoto existentes na área em estudo, sob gestão da
Embasa, um foco de problemas socioambientais.
O quinto capítulo traz a análise de alguns projetos em implantação ou
previstos para serem implantados na área em estudo. Dois desses projetos
mereceram uma análise mais detalhada: a proposta da Tecnovia e o projeto da Av.
29 de março, que já se encontrava em fase de execução.
Finalmente, o sexto capítulo apresenta algumas conclusões e indicações,
sempre tendo em vista que o objetivo da ciência interdisciplinar é construir uma
CAPITULO 2
2. FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA
Para problematizar a produção e reprodução do espaço em estudo adotou-se
como ponto de partida um debate sobre o conceito de totalidade. Para esse fim
foram colocadas algumas perguntas: afinal, o que é totalidade? O objeto de estudo
deste trabalho é uma totalidade? Em que nível? Ou ele faz parte de uma totalidade?
A forma atual da economia mundial está baseada nas redes globais. Uma
vertente – qualquer que seja –, da bacia hidrográfica do rio Jaguaribe, ou de
qualquer outro rio, em qualquer lugar do planeta, está “integrada”, portanto, a um
sistema socioeconômico global. Esse sistema que desmaterializou o dinheiro
transformando-o em “moeda virtual” que corre o mundo em fração de segundos,
chama-se globalização. Ela é uma totalidade e há autores que preferem denominá-la
de mundialização, discussão que não cabe neste trabalho.
A noção de totalidade se impôs ao longo dos tempos como um fato histórico.
A totalidade está sempre em movimento, num incessante processo de totalização, nos diz Sartre. Assim, toda totalidade é incompleta, porque está sempre buscando totalizar-se. Não é isso mesmo o que vemos na cidade no campo ou em qualquer outro recorte geográfico? Tal evolução retrata o movimento permanente que interessa à análise geográfica: a totalização já perfeita, representada pela paisagem e pela configuração territorial e a totalização que se está fazendo, significada pelo que chamamos de espaço (SANTOS, 2002, p. 119).
Não se pode separar a idéia de totalidade da idéia de poder, aqui
compreendido com o sentido que Santos (2002), o emprega, atribuíndo-o a Taylor &
Thrift, a capacidade de uma organização para controlar os recursos necessários ao
Assim, é importante compreender que a totalidade, no caso deste estudo,
como propõe Santos (2002), deverá ser vista no que pode ser chamado de seu
terceiro nível, ou terceira totalidade, o nível do lugar, considerando o mundo como
primeira totalidade; o território, o país, o Estado, como segunda.
O lugar é a terceira totalidade, onde fragmentos da rede ganham uma dimensão única e socialmente concreta, graças à ocorrência, na contigüidade, de fenômenos sociais agregados, baseados num acontecimento solidário, que é fruto da diversidade e num ocorrer repetitivo, que não exclui a surpresa (SANTOS, 2002, p.270).
Ao se utilizar a palavra lugar, é importante rever o que Harvey (2004), propõe
como sendo as principais qualidades de um lugar. Para o autor citado, as qualidades
do lugar (o que, segundo ele, se poderia chamar de “em-localização” [placefulness])
são importantes, e envolvem a evocação da, e a atenção meticulosa à, forma
espacial entendida como continente de processos sociais (grifo do autor) e
expressão de alguma ordem moral. O autor supracitado fala ainda sobre a questão
da produção de escalas espaciais ao comentar sobre os lares, as nações, os
continentes e a vida planetária.
Os seres humanos costumam produzir uma hierarquia acomodada de escalas espaciais com que organizar suas atividades e compreender seu mundo. Lares, comunidades e nações são exemplos óbvios de formas organizacionais contemporâneas existentes em diferentes escalas. Intuímos de imediato no mundo de hoje que o caráter das coisas se afigura distinto quando analisado na escala global, continental, nacional, regional, local ou do lar/pessoal. O que parece relevante ou faz sentido numa dessas escalas não se manifesta automaticamente em outra (HARVEY, 2004, p.108).
Santos (2002), define os lugares como espaços do acontecer solidário. Exatamente como Harvey (2004), propõe, ao afirmar que o espaço contém o processo social. O espaço, portanto, contém a sociedade e a natureza, ele é resultado da ação do homem. Santos (2002), faz questão de frisar que o espaço não depende exclusivamente da estrutura econômica, mas que os movimentos da sociedade
atribuindo novas funções às formas geográficas, transformam a organização do espaço, criam novas situações de equilíbrio e ao mesmo tempo novos pontos de partida para um novo movimento. Por adquirirem uma vida, sempre renovada pelo movimento social, as formas – tornadas assim formas-conteúdo – podem participar de uma dialética com a própria sociedade e assim fazer parte da própria evolução do espaço (SANTOS, 2002, p. 106).
Para o autor, não é correto se subordinar o espaço à dimensão econômica,
uma vez que a questão a colocar é a da própria natureza do espaço.
Quando se pretende subordinar o espacial ao econômico, a primeira pergunta que acode é a seguinte: pode a economia funcionar sem uma base geográfica? A resposta naturalmente é não, mesmo se a a palavra geográfico é tomada na sua acepção mais equivocada, como um sinônimo de condição natural (SANTOS, 2002, p. 182).
Assim o espaço para Santos (2002) deve ser visto, por um lado, como
resultado material acumulado das ações humanas e, de outro, pelas ações atuais
que hoje lhe atribuem dinamismo e uma funcionalidade. Neste sentido, ao analisar a
produção de um determinado espaço, não se deve negligenciar o contexto dessa
produção, que ocorre num sistema capitalista, numa economia global.
Ao analisar como as forças produtivas do capitalismo operam em nível da
produção do espaço Harvey (2005), assegura que no campo do espaço, o impulso
para revolucionar as forças produtivas é tão grande quanto em qualquer outro.
O capitalismo se esforça para criar uma paisagem social e física da sua própria imagem, e requisito para as suas próprias necessidades em um instante específico do tempo, apenas para solapar, despedaçar e inclusive destruir essa paisagem num instante posterior do tempo. As contradições internas do capitalismo se expressam mediante a formação e reformação incessantes das paisagens geográficas. Essa é a música pela qual a geografia histórica do capitalismo deve dançar sem cessar (HARVEY, 2005, p. 150).
Totalmente localizada no perímetro urbano, em área definida como de
expansão urbana, a bacia hidrográfica em estudo tem na sua cobertura vegetal o
foco principal da contradição expressa por Harvey (2004),entre a formação e a
reformação da relação entre a sociedade e a natureza na produção e reprodução
desse espaço. Também é na supressão da cobertura vegetal onde se manifesta, de
forma mais explícita, a lógica da obtenção de lucros com a expansão urbana. Por
isto, a cobertura vegetal foi escolhida para “retratar” a problematização proposta.
Ao escolher a cobertura vegetal da área da bacia hidrográfica como principal
“retrato” para análise e interpretação, se levou em conta que ela expressa uma
síntese das interfaces do tripé proposto por Bertrand (1971): potencial ecológico;
exploração biológica e ação antrópica.
Monteiro (2001, p.30), comenta sobre a proposta de Bertrand, explicando que
se trata de uma noção compósita, integrada ao geossistema, assegurando que ela é
aceitável, embora o tríptico potencial ecológico, explotação biológica e ação
antrópica, além de pouco esclarecer a conjunção, não difere muito daquele outro de
abiótico, biótico e antrópico.
O autor fala, ainda, sobre a origem da palavra geossistema, conforme posição
assumida por Bertrand em artigo publicado em 1978. Seria esclarecido ali, segundo
Monteiro (2001, p.47), que Sotchava, ao usar o termo “geossistema” em obra
publicada em 1960, merece a palma de “pioneiro”.
As diferenças entre as posturas de Bertrand e Sotchava, ainda segundo
Monteiro (2001), começam pelo fato de Bertrand ter procurado amarrar a sua
tipologia às ordens taxonômicas do “relevo”, e continuam com a iniciativa de
Portanto, para a Geografia, o geossistema funciona como uma idéia
unificadora da Geografia Física com a Geografia Humana e, mais que isso, para
Monteiro (2001, p.50), caracteriza a busca por uma Geografia mais integrada e
conjuntiva.
Essa visão unificadora, para Monteiro (2001), se acentua quando o
pesquisador busca construir uma modelização, apontando como requisito básico
para a modelização dos geossistemas a montagem de um sistema singular e
complexo, onde os elementos socioeconômicos não sejam vistos como um outro
sistema, mas incluídos no próprio sistema.
A observação de Monteiro (2001, ps. 53, 54), foi importante na construção da
análise feita nesta pesquisa no que diz respeito à busca por uma integração das
análises quantitativas às análises qualitativas, como vai ser evidenciado nos
próximos capítulos.
Ao se problematizar no desenvolvimento deste trabalho sobre a definição dos
limites do geossistema em estudo, no que diz respeito à proposta de redefinir os
limites da bacia hidrográfica do rio Jaguaribe, levou-se em conta não apenas a
definição das curvas de nível do relevo mas, como sugere Monteiro (2001),
considerou-se que
o geossistema é uma integração de vários elementos, não parece lógico que os seus limites sejam conduzidos por uma curva de nível (relevo), por uma isoieta (clima) pelo limite (borda) de uma formação vegetal, etc, etc. Embora considerando que estas variações ou atributos possam indicar ou sugerir, com maior peso, uma configuração espacial dos elementos do geossistema, desde que esse “emane” de uma integração, não é de esperar-se que isto seja uma regra (MONTEIRO, 2001, p.58).
Assim, o fato de não haver qualquer tipo de integração entre as bacias
hidrográficas dos rios Passa Vaca e Jaguaribe, foi fundamental para que se optasse
pela compreensão que a primeira não é uma sub-bacia da segunda, mas uma bacia
que tem existência independente.
Bertrand (1971), caracteriza o geossistema como “unidade dimensional
compreendida entre alguns quilômetros quadrados e algumas centenas de
quilômetros quadrados”. É nessa escala, explica ele, que se situa a maior parte dos
fenômenos de interferência entre os elementos da paisagem e que evoluem as
combinações dialéticas as mais interessantes para o geógrafo. O autor sentencia
que o geossistema é uma boa escala para os estudos de organização do espaço,
porque ele é compatível com a escala humana.
A abordagem geossistêmica dos sistemas ambientais físicos revela, portanto,
uma organização espacial complexa e individualizada, segundo os variados
elementos componentes da natureza. De acordo com Sotchava (1977), os
geossistemas possuem formações naturais que atuam na esfera terrestre de um
sistema em que os valores sociais e econômicos estão vinculados ao geossistema
em nível planetário.
Por outro lado, a concepção de Bertrand (1971), apresenta o elemento
antrópico mais vinculado aos geossistemas do que a definição de Sotchava.
Segundo Bertrand (1971), o geossistema pode ainda ser considerado uma estrutura
tripartite, uma superestrutura composta em sua infra-estrutura de geofácies e
Na análise de Monteiro (2001), a abordagem do geossistema é um meio para
o diagnóstico de um dado espaço, [...] é a base da qual se possa atingir uma
avaliação econômica [...] e, assim, uma projeção mais adequada a uma razoável
prognose.
Na Geografia, uma das aplicações mais usuais do paradigma do geossistema
ocorre, exatamente, no estudo das bacias hidrográficas. Quando se aplica tal
paradigma ao estudo de uma bacia hidrográfica é importante levar em conta que,
caracterizada como um geossistema, a bacia deve ter definidas suas unidades
internas.
No caso desta pesquisa optou-se por adotar os cursos do rio (alto, médio e
baixo), como unidades internas do geossistema, assim definidos como geofácies. Os
geofácies, segundo Bertrand (1971), correspondem a um setor fisionomicamente
homogêneo onde se desenvolve uma mesma fase de evolução geral do
geossistema. Diz o autor que em relação à superfície coberta, algumas centenas de
metros quadrados em média, podendo-se distinguir para cada geofácies um
potencial ecológico e uma exploração biológica.
O geofácies representa assim uma pequena malha na cadeia das paisagens que se sucedem no tempo e no espaço no interior de um mesmo geossistema. Pode-se falar de cadeias progressivas e de cadeias regressivas de geofácies, como também de um “geofácies-climax”, que constitui um estágio final da evolução natural do geossistema. Na superfície de um geossistema, os geofácies desenham um mosaico mutante cuja estrutura e dinâmica traduzem fielmente os detalhes ecológicos e as pulsações de ordem biológica. O estudo dos geofácies deve sempre ser recolocado nessa perspectiva dinâmica (BERTRAND, 1971, p. 16).
Recorreu-se ainda no desenvolvimento deste trabalho ao método de
abordagem do materialismo dialético, particularmente ao que se convencionou
(1975) a partir numa visão atual, contemporânea e desengessada, tendo como
referência a leitura de teóricos como Castels e David Harvey.
Para Harvey (2004),
Marx, que em muitos aspectos era filho do pensamento iluminista, buscou transformar o pensamento utópico – a luta para os seres humanos realizarem sua “natureza específica”, como ele dizia em suas primeiras obras – numa ciência materialista ao mostrar que a emancipação humana universal poderia emergir da lógica classista e evidentemente repressiva, embora contraditória, do desenvolvimento capitalista (HARVEY, 2004, p.24; 25).
Um dos temas do debate atual sobre o uso do materialismo dialético como
método de abordagem diz respeito às categorias e aos conceitos que podem ser
considerados contextualizados numa interpretação marxista.
Para o materialismo dialético, a história não é linear: tem conflitos,
contradições, antagonismos. Kosik (1976), diz que a transformação da sociedade é
produtora e produto da história e a história é produtora e produto da sociedade.
Além disso, se pode afirmar que o objetivo do recurso ao materialismo dialético
como método de abordagem neste trabalho, foi distinguir a aparência, enquanto
forma de manifestação, da essência.
Nesse sentido, do ponto de vista do materialismo dialético, as categorias de
análise devem nascer não de um idealismo, mas da expressão teórica da práxis
social: elas não precisam ser operacionais, mas têm que ser essenciais. Elas
constituem a própria realidade e derivam desta realidade.
Esta pesquisa adotou como única categoria de análise a formação
econômico-social, que foi considerada aqui como uma totalidade. A preocupação
estudo, ou seja, uma bacia hidrográfica urbana e sua “ocupação” pela sociedade.
Uma sociedade que se estabelece historicamente como colonial e produz e reproduz
o espaço em função da obtenção de rendas monopolistas.
Para a lógica dialética, tudo se relaciona no real de forma diferenciada pela
intensidade e qualidade. O real é visto em movimento onde operam contradições
como forma de ser. Mas um ser que não se restringe à sua forma, no caso desta
pesquisa, a forma de uma bacia hidrográfica. Esta aparência do fenômeno estudado
possibilitou a compreensão da sua essência, do seu conteúdo e do seu movimento,
que são sociais e históricos e, por serem sociais e históricos, são geográficos.
O que se buscou foi desnudar a bacia hidrográfica em busca da
compreensão, ao mesmo tempo, dos seus elementos mais universais e mais
singulares, sempre levando em conta que a realidade não pode e não deve ser
mutilada. Ela possui identidade própria e manifesta esta identidade no seu
específico. Esse específico é, em si, um todo, um sistema, ou seja, nesse caso um
geossistema. Uma totalidade. Uma terceira totalidade. A totalidade em nível do
lugar.
Definida a formação econômico-social como a categoria de análise a que se
recorreu, os seus conteúdos, ou seja, os seus conceitos, foram definidos como
sendo o espaço e o tempo, dois conceitos centrais para a Geografia. Espaço aqui
entendido ao mesmo tempo como a natureza em si e como produção, apropriação e
transformação da materialidade orgânica e inorgânica pelo homem, gerando uma
materialidade social.
Com base no fato de que o materialismo dialético como método só pode ser
compreendido na sua prática, utilizou-se como ponto de partida a elaboração de
construída uma afirmação, uma posição claramente definida que, como pressupõe
o método, “atraiu” a sua negação.
A afirmação diz respeito à imagem que caracteriza o início da série histórica
construída para a análise. Foi considerado que, nos anos 1980, ainda havia no
objeto de estudo uma dispersão na sua produção e ocupação, e que essa dispersão
se refletia claramente na cobertura vegetal existente, bastante evidenciada pela
imagem do satélite Landsat utilizada, datada de 1981.
Apesar de a abertura da Avenida Paralela, nos anos 1970, indicar um vetor
de expansão urbana cortando a área da bacia hidrográfica, até o início dos anos
1980, essa expansão ainda estava rarefeita, ocorrendo de forma mais intensa fora
da área da bacia, particularmente na região do Shopping Iguatemi.
Essa afirmação (a dispersão), foi considerada uma tese e atraiu a sua
negação, que é a concentração, que se tornou bastante visível na produção do
espaço, analisada no final da série histórica, a partir das imagens do satélite CBERS
de 2005. Essa concentração também é evidenciada pela supressão da cobertura
vegetal.
Assim, dispersão e concentração são consideradas neste trabalho como tese
e antítese e vice-versa.
2.1 OS ESPAÇOS URBANOS COMO CATIVEIROS
O verbo cativar, segundo Ferreira (1999), é originário do latim tardio,
captivare, sendo ao mesmo tempo, transitivo direto e indireto. Como transitivo direto
seduzir. Como transitivo direto e indireto significa prender, ligar, sujeitar (física ou
afetivamente). Assim, cativeiro é o substantivo (masculino) que define a qualidade, o
caráter ou o estado de cativo, ao mesmo tempo em que identifica uma relação de
escravidão, servidão, e no sentido figurado, quer dizer opressão, tirania, domínio.
O adjetivo urbano, ainda segundo Ferreira (1999), também é uma palavra de
origem latina, urbanu , mas trata-se de um adjetivo relativo à cidade, e que se refere
a tudo que tem características de cidade.
Para problematizar a partir das palavras cativeiro e urbano, se adotou
inicialmente o conceito de cidade apresentado por Castells (2000).
A cidade – considerada, ao mesmo tempo, como expressão complexa de sua organização social e como meio determinado por restrições técnicas bastante rígidas – torna-se, alternadamente, centro de criação e local de opressão pelas forças técnico-naturais suscitadas (CASTELLS, 2000, p. 138).
O foco deste trabalho, ao abordar a lógica hegemônica, portanto, foi o de
observar as relações de opressão e de dominação social estabelecidas em um
recorte específico da cidade de Salvador, definido a partir da delimitação da área da
bacia hidrográfica do rio Jaguaribe. Relações de opressão e de dominação estas
que foram analisadas de um ponto de vista específico, como um aspecto da luta de
classes projetada sobre o espaço urbano.
Por isso se adotou como estratégia de desenvolvimento a compreensão dos
processos sociais que estão contidos na bacia hidrográfica do rio Jaguaribe.
Ao longo do processo de construção desta pesquisa se questionou sobre
“ser” ou “não ser” correto chamar de cativeiros urbanos os aglomerados localizados
em algumas áreas da bacia, a exemplo daquele situado nas margens do rio
Figura 7. Aglomerado urbano nas encostas do médio curso do rio Jaguaribe, Salvador – Bahia.
(Foto: Luiz Henrique Souza, 2006).
A resposta que se construiu foi sim, porque a expressão ‘cativeiros urbanos’
reporta-se à consideração (ou tratamento) da área de pesquisa como espaço de
produção e reprodução da opressão do proletariado pelas forças do capitalismo
internacional. Capitalismo que se encontra em seu atual estágio avançado, definido
como o momento da globalização e de supremacia do capital financeiro, com o
estabelecimento de uma sociedade pós-moderna, entendida como a conceitua
Harvey (1992).
Começo com o que parece ser o fato mais espantoso sobre o pós-modernismo: sua total aceitação do efêmero, do fragmentário, do descontínuo e do caótico que formavam uma metade do conceito baudelairiano de modernidade. Mas o pós-modernismo responde a isso de uma maneira bem particular; ele não tenta transcendê-lo, opor-se a ele e sequer definir os elementos “eternos e imutáveis” que poderiam estar contidos nele. O pós-modernismo nada, e até se esponja, nas fragmentárias e caóticas correntes da mudança, como se isso fosse tudo o que existisse (HARVEY, 1992, p. 49).