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O ABISMO QUE DISTANCIA AS ORGANIZAÇÕES SOCIAIS DAS TERCEIRIZAÇÕES NO DIREITO ADMINISTRATIVO BRASILEIRO.

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REPATS - Revista de Estudos e Pesquisas Avançadas do Terceiro Setor

REPATS, Brasília, V. 5, nº 2, p 307-345, Jul-Dez, 2018

O ABISMO QUE DISTANCIA AS ORGANIZAÇÕES SOCIAIS DAS TERCEIRIZAÇÕES NO DIREITO ADMINISTRATIVO BRASILEIRO.

THE ABYSS THAT DISTANCE THE SOCIAL ORGANIZATIONS OF THIRD PARTIES IN BRAZILIAN ADMINISTRATIVE LAW.

Theresa Christine de Albuquerque Nobrega* Marina Falcão Lisboa Brito**

RESUMO: O estudo que compara e elucida a distinção entre as Organizações

Sociais e a Terceirização no âmbito do direito administrativo brasileiro é uma incursão dogmática baseada na premissa de que a similaridade entre os institutos pode prejudicar o interesse público – fim a ser alcançado pela administração pública. O método hipotético-dedutivo é o eixo da pesquisa plantada na introdução que refere os institutos comparados, sugestionando os seis recortes categóricos onde se apoiaram as conjecturas e refutações voltadas para a distinção entre as Organizações Sociais e a Terceirização. O desenvolvimento do trabalho aborda a origem, trajetória e conceito dos pontos comparados, desembocando no confronto de pilares da dogmática jurídica no âmbito do direito administrativo que indicam as distinções entre Organizações Sociais e Terceirização com base nos seguintes elementos: natureza da gestão das entidades privadas, seu objetivo estatutário, seus institucionais, modelos contratuais correspondentes, preparo dos contratos e responsabilidade civil do Estado por danos decorrentes da execução do contrato.

Palavras-chave: Organização Social; Terceirização; Terceiro Setor.

ABSTRACT: The study that compares and elucidates the distinction between

Social Organizations and Outsourcing under Brazilian administrative law is a dogmatic incursion based on the premise that similarity between institutes may harm the public interest - an end to be achieved by the public administration. The hypothetical-deductive method is the axis of the research planted in the

Recebido em:14/07/2018 Aceito em: 12/08/2018

* Mestre e Doutora pela Universidade Federal Pernambuco - UFPE, Professora do Curso de

Especialização de Direito Administrativo na UFPE, Professora e coordenadora da Disciplina de Direito Administrativo e Assessora de Avaliação do Curso de Direito da Universidade Católica de Pernambuco – UNICAP, membro do Núcleo Docente Estruturante – NDE no âmbito da gestão acadêmica do Curso de Direito, na UNICAP. É Presidente da Subcomissão de Direito do Terceiro Setor da OAB-PE, atua como Gestora e Advogada do Escritório Theresa Nóbrega Advocacia, especializado em Direito do Terceiro Setor.

** Acadêmica em Direito pela Universidade Católica de Pernambuco (UNICAP). Monitora da

Disciplina Direito Administrativo II na Universidade Católica de Pernambuco (UNICAP). Pesquisadora Bolsista do Programa de Bolsas de Iniciação Científica (PIBIC/UNICAP) na área

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introduction that refers to the comparative institutes, suggesting the six categorical cuts that supported the conjectures and refutations aimed at distinguishing between Social Organizations and Outsourcing. The development of the work addresses the origin, trajectory and concept of the comparative points, leading to the confrontation of pillars of legal dogmatics in the scope of administrative law that indicate the distinctions between Social Organizations and Outsourcing based on the following elements: nature of the management of private entities, its statutory objective, its institutional, corresponding contractual models, preparation of contracts and civil liability of the State for damages resulting from the performance of the contract.

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INTRODUÇÃO

O Direito Administrativo tem sido a caixa de ferramentas do Estado na concepção de todos os instrumentos necessários para viabilizar a gestão de demandas contemporâneas multifacetadas como a infraestrutura no setor de transportes, energia elétrica, habitação, bem como regulação de mercados relevantes, serviços públicos com expectativas de escalada crescente como saúde e tantas outras agendas.

A Administração Pública vem avançando na condução dessas expectativas com a realização de conexões efetivadas por meio de contratos públicos customizados para cada eixo específico de necessidades, por isso, evidente é o processo de construção de um eixo de contratualidade administrativa paralelo à Lei Geral de Licitações e Contratos Públicos – Lei 8.666/1993.

A contratualização na Administração Pública é excentricidade do direito administrativo, pois a realidade é o prato que está na mesa do gestor público que assistiu à ampliação dos contratos que associam o Estado às instituições privadas em contratos muito além do tripé dos contratos administrativos: aquisição de bens, serviços, locações e obras de engenharia.

As concessões de serviço público regulamentas pela Lei 8.987/1995 depois de décadas de espera pisaram em campos virgens quando a Lei 11.079/2004 abriu as portas da infraestrutura diante de novas modalidades de financiamento do objeto e novo arranjo de segurança jurídica, mas essa engrenagem inovadora com eixos rotativos rodando a todo vapor não agregou todas as fatias do bolo que a potestade pública serviu.

O gargalo dos serviços sociais impulsionaram relações de parceria entre Estado e Terceiro Setor com as Leis 9.637/1998 e 9.790/1999 e o

reposicionamento das entidades paraestatais nos protocolos de

descentralização na administração pública para multiplicar as vagas oferecidas pelo SUS, implementar programas de reforço para coibir o analfabetismo, capacitação profissional de internos do sistema prisional e clínicas de

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310 reabilitação para dependentes químicos, mesmo antes da Lei 13.019/2014 entrar

em vigor.

O fato é que o Estado nunca fez gestão pública sem contratos, mas o contrato deixou de ser uma simples ferramenta da máquina administrativa onde se apresenta o Poder Público, e tomando mais corpo se tornou um sistema repleto de órgãos vitais com a estrutura de coração diante do cérebro, representado na cúpula do Poder Executivo, onde Secretarias e Ministérios vivem uma relação de interdependência sensorial com os entes privados.

É fundamental realizarmos um exercício de desapego ideológico e refletirmos sobre a contratualização na Administração Pública como um movimento inerente de reordenação do Direito Administrativo de natureza global e irrenunciável, para ter clareza sobre a improdutividade de um eventual salto no passado com um protocolo de retomada da Administração Pública racional-legal ou burocrática idealizada por Marx Weber na primeira metade do Século XX.

Partindo da premissa de que estamos contemplando o tempo dos contratos na Administração Pública pós-gerencial e o fenômeno é irrefutável, vamos esclarecer as razões desse preâmbulo na beira do abismo que separa os contratos de gestão que o Estado mantém com as Organizações Sociais e a terceirização amarrada aos contratos de prestação de serviços, tão corriqueiros na Administração Pública.

É certo que nos reportamos a duas modalidades de contratos públicos tocados por essa toada do pós-gerencialismo, com todos os riscos intrínsecos que passam pelos seguintes pontos: fraude no processo de seleção da instituição privada, monitoramento insipiente do plano de trabalho/ação e consequente inexecução total ou parcial do objeto, comissionamento de agentes públicos para desembaraço do bloqueio indevido de empenhos, insegurança jurídica provocada pela assimetria de informação nas ações dos controles interno e externo, repactuação indevida baseada em orçamento inflado por sobrepreço, dentre outros.

Se o risco é indissociável do contrato e as políticas voltadas a minimizá-lo devem ser parte agenda dos gestores públicos, então temos a justificativa para

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311 estudar um fenômeno planificado que coloca todo ato jurídico bilateral do Estado

num patamar absolutamente plano ou, no máximo, adornado de planícies; e não haveria motivo para cavar nenhuma fenda entre a parceria do Estado com a Organização Social e a Terceirização.

Contudo, há motivos apontando assimetrias na visão dos tribunais de contas estaduais e muitos administrativistas apanharam pás e cavaram o solo que separa o contrato de gestão da mera prestação de serviço terceirizado, num movimento frenético de construção dogmática voltado para mostrar distinção expressiva das tipologias contratuais, reordenando o relevo para apresentar um obstáculo fora da lista dos riscos referidos acima.

Em verdade, a equiparação equivocada dos contratos não é o fator, de per si, que aguça esse debate, pois o problema de pesquisa está além da discussão meramente teórica devido aos desdobramentos práticos da aplicação da tese aludida, já que quando um contrato de gestão é vestido como terceirização de serviço público estamos diante de ilegalidade passível de bloquear a parceria do Estado com o Terceiro Setor, paralisando o serviço público social que seria implantado ou complementado.

Nessa perspectiva, encontramos um viés do Direito Administrativo do “não”, que pode ser muito produtivo para defender corporações ou para conduzir a autoproteção de agentes públicos sufocados pelo fantasma da improbidade administrativa ou mecanismo de autopromoção para exaltar a vaidade agentes públicos apegados ao direito administrativo do século passado.

Na discussão que apresentamos a seguir, o interesse de conceituar e caracterizar os institutos é apenas um caminho para sedimentar as balizas necessárias para defender a hipótese da pesquisa, qual seja: a distinção entre o contrato de gestão das Organizações Sociais e o contrato de prestação de serviço terceirizado.

Com base nessa hipótese sustentamos a tese de que classificar o contrato de gestão como terceirização de serviço público é uma estratégia que alimenta a ideia de uma administração pública estanque passível de caminhar em rota de colisão contra o interesse público. Diante dessas considerações

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312 faremos incursão descritiva para apresentar as Organizações Sociais e a

Terceirização na Administração Pública.

O abismo é apenas uma figura de linguagem alçada para realçar a distinção entre os institutos descritos pertinentemente em função da eleição de análise preliminar ao estudo que ressalta seis eixos antagônicos de caracterização dos institutos associados a construção da hipótese da pesquisa.

1. AS ORGANIZAÇÕES SOCIAIS

1.1 origem das organizações sociais

As Organizações Sociais - OS são instituições privadas sem fins lucrativos de regulação jurídica costurada pela reforma gerencial do Estado para potencializar alternativa de gestão para os serviços públicos sociais que a Constituição Federal de 1988 referiu na agenda do Estado, sobretudo nas políticas públicas ligadas à educação, saúde, pesquisa científica, desenvolvimento tecnológico e meio ambiente.

A reforma gerencial do Estado abordou a reordenação da Administração Pública com a indicação de quatro eixos de realinhamento para a gestão pública e o capítulo dos serviços públicos sociais foi indicando um desses troncos, com apresentação de um plano descentralização específico para agregar organizações da sociedade civil à execução das atividades aludidas que o Poder Público já conduziria por meio de autarquias e fundações públicas.

Inicialmente, a ênfase do projeto sinalizava para uma estratégia de redução do tamanho do Estado, pois o Plano Diretor do Aparelho da Reforma do Estado refere que a publicização1 é objetivo do processo de descentralização e

1 O “Plano Diretor da Reforma do Aparelho do Estado”, em 1995, estabeleceu diretrizes e definiu objetivos, tendo como enfoque a reforma da administração pública brasileira. O Plano Diretor da Reforma do Estado havia sido elaborado pelo Ministério da Administração Federal e da Reforma do Estado e, em seguida, aprovado pela Câmara da Reforma do Estado. Posteriormente foi encaminhado ao Presidente da República, que também o aprovou. O viés do Plano Diretor era voltar suas atenções na administração pública federal, mas muitas das suas diretrizes e propostas também se adequaram aos níveis estaduais e municipais. BRASIL. Ministério da

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313 articulação de uma fatia do setor privado com “expertise” e energia subutilizadas

na administração da agenda social.

Nessa perspectiva, a ideia que alimenta a raiz da gestão de serviços públicos por meio de Organizações Sociais parte da premissa de que a execução indireta da agenda favoreceria a eficiência, por isso uma estratégia possível de acordo com o referido plano diretor seria a extinção de parte das entidades da Administração Indireta e a transferência de suas atribuições estatutárias para Organizações Sociais.2

É importante afirmar que essas informações iniciais, voltadas para localizar o horizonte onde as Organizações Sociais se originaram, são breve relato desprovido de captura ideológica, pois as Organizações Sociais existem, se multiplicaram em todo território nacional e o julgamento da ADIN 1923, declarando a constitucionalidade da Lei 9.637/1998 em 2015 foi uma espécie de aval tardio do Supremo Tribunal Federal capaz de desconstruir barreiras posicionadas por gestores e juristas mais cautelosos do núcleo estratégico da Administração Pública.

A fixação das Organizações Sociais no sistema de gestão do serviço público social é irrefutável, mas o Programa Nacional de Publicização não foi uma experimentação universal e massificada na administração pública, pois boa parte das organizações da sociedade civil que trabalham promovendo a política pública em conexão direta com as engrenagens do Estado não cuida de substituir uma operação preexistente deste.

É notável perceber que a grande maioria das autarquias e das fundações públicas arraigadas ao serviço social se mantiveram na estrutura da Administração Pública, por isso a publicização avançou pouco, enquanto as Organizações Sociais foram se expandindo na quantidade de instituições e nos

Administração Federal e da Reforma do Estado. Plano Diretor da Reforma do Aparelho do Estado. Editora: Brasília, 1995.

2 A estratégia de publicização determinada com base nesse processo de substituição do Estado via extinção de entidades públicas e consequente redirecionando das atribuições da entidade extinta para a Organização Social foi desenvolvida por meio de um projeto piloto alinhavado no artigo 17 e seguintes das disposições transitórias da Lei 9.637/1998 com a extinção do Laboratório Nacional Luz Síncrontron e da Fundação Roquete Pinto.

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314 números em termos de atendimento aos usuários da cifra de destinatários

encobertos no passivo social do Estado.3

O plano inicial de substituir entidades da Administração Pública por Organizações Sociais não teve grande utilidade, pois o Estado considerado muito grande diante da crise fiscal evidenciada pelos reformadores do Estado nos anos 1990, era muito miúdo diante da sua demanda reprimida de serviços públicos sociais sempre recordada por protocolos internacionais de defesa dos direitos humanos e desenvolvimento sustentável.

É nesse contexto que a Lei 9.637/1998 – marco regulatório da Organizações Sociais no âmbito federal se apresenta trazendo uma proposta de governança inovadora no Brasil, que se apropria de um discurso favorável à expertise do Terceiro Setor na condução de serviços sociais diante do reconhecimento do Estado favorável à gestão descentralizada, e sensível as potencialidades de instituições inseridas no setor público não estatal.4

1.2 As organizações sociais no contexto atual

No auge do seu aniversário de vinte anos, a Lei 9.637/1998 já foi referência para a edificação de centenas de Leis nas esferas estaduais e municipais de administração e o texto original não foi simplesmente reproduzido, pois mesmo antes da sua declaração de constitucionalidade da lei pelo Supremo Tribunal Federal, alguns alertas sinalizando o desvirtuamento do direito administrativo foram reordenadas nas leis de OS das entidades federativas mais conectadas com execução do serviço social.

As Organizações Sociais têm sido referidas como pessoas jurídicas de direito privado, sem fins lucrativos, que atuam no desenvolvimento de serviços

3 LOPEZ, Felix Garcia (Org.). Perfil das organizações da sociedade civil no Brasil. Brasília : Ipea, 2018.

4 BRESSER-PEREIRA, Luis Carlos; GRAU. Nuria Cunill. Entre o estado e o mercado: o público não-estatal. In: BRESSER-PEREIRA, Luis Carlos; GRAU, Nuria Cunill (Org.). O Público Não-Estatal na Reforma do Estado. Rio de Janeiro: Editora FGV, 1999: 15-48. p. 2. Disponível em:<http://www.bresserpereira.org.br/papers/1998/84 PublicoNaoEstataRefEst.p.pg.pdf>. Acesso em: 20 de setembro de 2018.

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315 públicos exclusivos (área exclusivamente social), mediante contrato de gestão

firmado com o Poder Público, com base em modelo gerencial de gestão pautado no controle de resultados e participação ativa da sociedade civil na Administração Pública.

No voto que declarou a constitucionalidade da Lei 9.637/1998, o Supremo Tribunal Federal refere o texto do artigo 1º da norma especificando as áreas de atuação das Organizações Sociais no ensino, pesquisa científica, desenvolvimento tecnológico, proteção e preservação do meio ambiente, cultura e ensino referindo um movimento de gestão do serviço público “fora do âmbito do Art. 175 da Constituição Federal.”5

O STF desconstrói a elaboração de tese que sugestiona a hipótese de delegação de serviço público, mas não deixa de reconhecer sutil aproximação entre no caminho de regulação indutiva que as Organizações Sociais podem compartilhar com as parcerias público-privadas6. Nesse sentido, a decisão do

Tribunal frisa o papel da Lei 9.637/1998 sintetizando que a pretensão da norma em causa: “foi somente a instituição de um sistema de fomento, de incentivo a que tais atividades fossem desempenhadas de forma eficiente por particulares, através da colaboração público-privada instrumentalizada no contrato de gestão.”7

O viés de amarração constitucional mais específico pode ser realizado na Ordem Social da Constituição Federal de 1988 que prevê a saúde como dever do Estado e da sociedade e entre os artigos 196 e 198, indicando a responsabilidade do Poder Público de promover a “regulamentação,

5 STF - ADI 1923/DF, rel. Min. Ayres Britto, DJ, de 16.04.2015. Disponível em:< http://redir.stf.jus.br/paginadorpub/paginador.jsp?docTP=TP&docID=10006961>. Acesso em: 20/08/2018.

6 É sabido que as parcerias público-privadas são espécies de concessão de serviço de acordo com a dogmática jurídica contemporânea atinente ao direito administrativo, mas o instituto é frequentemente citado na agenda do direito econômico com um corte vinculado ao artigo 174 da Constituição Federal atividade de fomento. A comparação aludida leva em consideração um campo de comunhão indissociável entre fomento econômico no caso das PPPs e fomento social no caso da OSs.

7 STF - ADI 1923/DF, rel. Min. Ayres Britto, DJ, de 16.04.2015. Disponível em:< http://redir.stf.jus.br/paginadorpub/paginador.jsp?docTP=TP&docID=10006961>. Acesso em: 20/08/2018.

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fiscalização e controle” das ações de saúde realizada por via “de execução direta ou meio de terceiros”.

A Lei 9.637/1998 introduz título que qualifica associações civis, entidades com personalidade jurídica de direito privado sem fins lucrativos ou econômicos como Organização Social, assinalando verdadeiro processo de credenciamento incrementado pela reforma gerencial do Estado, após a Emenda Constitucional 19/1998, cujo principal pilar está no princípio da eficiência.8

Enquanto a Lei 9.637/1998 faz menção à qualificação discricionária de instituições privadas sem fins lucrativos como Organização Social, a Lei 15.210/20139 refere que os requisitos para a obtenção do título são referidos em

rol vinculado de elementos apresentado no requerimento à Secretaria de Saúde do Estado de Pernambuco.

Há julgar pelo despontar do contrato baseado em processo de qualificação que é variável na legislação multifacetada das mais de cinco mil e quinhentas entidades federativas do Brasil, vamos notar que há um processo de caracterização variável das Organizações Sociais nesse país, sendo possível perceber por vezes que o objeto do contrato pode abarcar serviços que vão além da lista referida na Lei Federal e Conselhos de Administração que podem ter percentuais de participação dos atores da gestão que não coincidam.

Não é possível verter um dogma universal para as Organizações Sociais com a autonomia que o pacto federativo do nosso Brasil ostenta, por isso com alguma base conceitual construída nessa seção já é tempo de aproveitar o

8 “Em outros termos, a Constituição não exige que o Poder Público atue, nesses campos, exclusivamente de forma direta. Pelo contrário, o texto constitucional é expresso em afirmar que será válida a atuação indireta, através do fomento, como o faz com setores particularmente sensíveis como saúde (CF, art. 199, §2º, interpretado a contrario sensu – ‘é vedada a destinação de recursos públicos para auxílios ou subvenções às instituições privadas com fins lucrativos’)”. Confira o Voto ADI 1923/DF, p. 19. 2015. Disponível em: <http://www.stf.jus.br/arquivo/cms/noticiaNoticiaStf/anexo/Voto__ADI1923LF.pdf > Acesso em: 16 mar. 2018

9 PERNAMBUCO. Lei nº 15.210, de 19 de dezembro de 2013. Dispõe sobre as Organizações Sociais de Saúde – OSS, no âmbito do Estado de Pernambuco. Disponível em <http://www.secti.pe.gov.br/wp-content/uploads/leis/p2/Lei%20Estadual%2015.210-2013%20-%20Disp%C3%B5e%20sobre%20as%20Organiza%C3%A7%C3%A3o%20Sociais%20de%20

Sa%C3%BAde%20-%20OSS,%20no%20%C3%A2mbito%20do%20Estado%20de%20Pernambuco..pdf> Acesso em: 01 de outubro de 2018.

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317 conceito pacífico relativo ao sujeito – OS, e o sopro de segurança jurídica trazido

pela afirmação de constitucionalidade da Lei 9.637/1998 para concluir a remessa desse cartão de visita.

2. A TERCEIRIZAÇÃO

2.1 terceirização no contexto brasileiro: a iniciativa privada

No Brasil, a terceirização é instrumento de gestão concebido ou importado entre os anos de 1950 e 1960 no âmbito das empresas multinacionais vinculadas aprioristicamente ao mercado automobilístico. Essas empresas, com o intuito de apenas montar automóveis, visavam deixar de lado as tarefas das quais não foram originariamente pensadas, ou seja, a intenção era repassar para terceiros, as atividades que conferiam complexidade ao processo produtivo, demandando engrenagens muito pesadas como aquelas ligadas à fabricação e fornecimento de peças.

A sede de empresas brasileiras e estrangeiras operando no Brasil foi o impulso para o aprofundamento da busca por simplificação do processo produtivo e otimização dos custos; e o Direito cuidou de produzir as referências para a implantação de uma ferramenta inevitável, regulamentando o instituto. Em 1966 – apenas o início do que estava por vir – nasceram os Decretos-leis 1.212 e 1.216, permitindo as instituições financeiras contratarem serviços de segurança por empresas particulares terceirizadas, surgiu assim a segurança bancária terceirizada. Posteriormente, também foram editadas as Leis 6.019/74 e 7.102/83, ambas tratando, a seu modo, sobre o trabalho terceirizado e contribuindo para o crescimento desse mercado e da nova modalidade de contrato de trabalho10.

10 SEKIDO, Amelia Midori Yamane. Terceirização na Administração Pública: A Gestão e a

fiscalização dos contratos. p. 10. Disponivel em

<https://portal.tcu.gov.br/lumis/portal/file/fileDownload.jsp?fileId=8A8182 A24F0A728E014F0AE1B992493F> Acesso em 10 set. 2018.

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2.2 a terceirização da administração pública

A terceirização não tardaria a se apresentar na bandeja dos meios de gestão da Administração Pública e foi nessa toada que o Decreto Lei 200/1967 plantou o embrião da terceirização no direito administrativo brasileiro, sem nominar o instituto, mas referindo a estratégia que está sugestionada no artigo 10, §7º:

Art. 10. A execução das atividades da Administração Federal deverá ser amplamente descentralizada.

§ 7º Para melhor desincumbir-se das tarefas de planejamento, coordenação, supervisão e controle e com o objetivo de impedir o crescimento desmesurado da máquina administrativa, a Administração procurará desobrigar-se da realização material de tarefas executivas, recorrendo, sempre que possível, à execução indireta, mediante contrato, desde que exista, na área, iniciativa privada suficientemente desenvolvida e capacitada a desempenhar os encargos de execução.11 Depreende-se do supramencionado artigo que, de certa forma, foi estimulada a descentralização na execução das atividades da Administração Pública Federal. Com avanço do tempo e sutil experimentação, vamos observar o caminho que desemboca na edição do Decreto-lei 2.300/86, norma precursora da Lei 8.666/1993 na interface das Licitações e Contratos Públicos, esmiuçando a matéria, quando referiu12 a contratação de empresas privadas para execução

de obras e serviços públicos, através de um procedimento licitatório13.

Posteriormente, a Constituição Federal de 1988 também trouxe dispositivo que, mais uma vez, apesar de não referirem expressamente a terminologia “terceirização”, se reportavam, pelo menos em parte, a hipóteses no artigo 37, inciso XXI, indicando a contratação de serviços de terceiros pela

11 BRASIL. Decreto Lei n° 200 de 25 de fevereiro de 1967. Dispõe sobre a organização da Administração Federal, estabelece diretrizes para a Reforma Administrativa e dá outras providências. Disponível em < http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Decreto-Lei/Del0200.htm> Acesso em: 01 out. 2018.

12 FERNANDES, Jorge Ulisses Jacoby; LARA, Diva Belo. Terceirização no Serviço Público.

Disponível em <

https://www.jacoby.pro.br/novo/uploads/recursos_humanos/legis/terceirizacao/TSP.pdf> Acesso em 02 set. 2018.

13 BRASIL. Decreto Lei n° 2.300 de 21 de novembro de 1986. Disponível em <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Decreto-Lei/Del2300-86.htm> Acesso em: 01 out. 2018.

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319 Administração Pública, desde que houvesse lei específica prevendo licitação e

regras para os contratos a serem realizados.

A Lei 8.666/9314 é o expoente esperado na agenda de um ideal de

meritocracia furtado da administração pública burocrática e é possível que o protagonismo da terceirização tenha se perdido no tempo em que a edição dessa norma preconizava a tentativa de uma política anticorrupção enlaçada com a Lei 8.429/1992 – frutos do impeachment do Presidente Fernando Collor.

A terceirização ainda tinha uma agenda legislativa a cumprir e nesse contexto o Decreto Federal 2.271/199715 surgiu, disciplinando a contratação de

serviços terceirizados na Administração Pública Federal direta, autárquica e fundacional, contendo a especificação das atividades que poderiam, a priori, ser conduzidas de forma indireta, ou seja, terceirizadas, a exemplo: limpeza, vigilância, segurança, transporte, recepção.16

Diante de todos os dispositivos permissivos acerca da terceirização é que nesse interregno pode-se notar, com maior ênfase, a terceirização na Administração Pública como fenômeno do seu tempo, influenciado por outros movimentos legislativos como a privatização com todos os degraus da Lei 9.491/1997, sobretudo no que se refere as concessões.

A terceirização17 foi enfatizada na Administração Pública reordenada

pelo movimento da reforma gerencial do Estado com diretrizes análogas àquelas conduzidas na iniciativa privada, ou seja, reduzir a mão de obra operacional e os custos com a máquina estatal – logo, aumentar a produtividade –, repassando a

14 SEKIDO, Amelia Midori Yamane. Terceirização na Administração Pública: A Gestão e a

fiscalização dos contratos. p. 27. Disponivel em

<https://portal.tcu.gov.br/lumis/portal/file/fileDownload.jsp?fileId=

8A8182A24F0A728E014F0AE1B992493F> Acesso em: 10 de setembro de 2018.

15 No mesmo sentido o Decreto Federal 9.507/2018 que veda a terceirização em atividades que envolvam tomada de decisão, planejamento, coordenação, supervisão, controle, que sejam consideradas estratégicas para o controle, incluindo poder de polícia, regulação, outorga de serviços públicos, poder sancionador e respeitando as atividades desenvolvidas por servidores públicos, abrangidas nos seus planos de cargo dos órgãos ou entidades.

16 DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Parcerias na Administração Pública: concessão, permissão, franquia, terceirização e outras formas. 4 ed. São Paulo: Atlas, 2002.

17 DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Parcerias na Administração Pública: concessão, permissão, franquia, terceirização e outras formas. 4 ed. São Paulo: Atlas, 2002.

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320 execução de determinados serviços ao particular18 e otimizando a gestão de

recursos humanos e também a gestão de recursos materiais, o que, em tese, poderia reduzir o custo da máquina administrativa do Estado.19

A conta da terceirização foi aberta pela história do setor produtivo e a Administração Pública tomou carona inevitável, sucumbindo a uma agenda internacional, e importando um instrumento de gestão que chegaria com o impulso natural de uma estrela cadente com a mesma gravidade que plantou a reforma gerencial do Estado formalizada no Plano Diretor de Reforma do Aparelho Estatal20.

Era a ideia de que o Estado poderia reordenar a energia na condução do serviço público, buscando saídas para reduzir a execução direta e mesmo nas hipóteses em que a Administração Pública continuasse no cuidado direto dos usuários do serviço, seria necessário drenar o trabalho dos servidores públicos do núcleo de execução das políticas públicas e nesse contexto, mais uma vez, a retórica e a tendência de gestão alimentaram a utilização em larga escala da terceirização no país.21

2.3 conceito de terceirização

O conceito de terceirização não foi estabelecido por nenhuma norma jurídica, por isso diversos são os doutrinadores que estabelecem o conceito da terceirização.

Para Maria Sylvia Zanella Di Pietro, a terceirização:

18 DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Parcerias na Administração Pública: concessão, permissão, franquia, terceirização e outras formas. 4 ed. São Paulo: Atlas, 2002.

19 SEKIDO, Amelia Midori Yamane. Terceirização na Administração Pública: A Gestão e a

fiscalização dos contratos. p. 25. Disponível em

<https://portal.tcu.gov.br/lumis/portal/file/fileDownload.jsp?fileId=8A818 2A24F0A728E014F0AE1B992493F> Acesso em: 10 de setembro de 2018.

20 BRASIL. Câmara da Reforma do Estado. Plano Diretor da Reforma do Aparelho do Estado.

Brasília, 1995. Disponível

em:<http://www.bresserpereira.org.br/documents/mare/planodiretor/planodiretor.pdf>. Acesso em: 20 de agosto de 2018.

21 ZOCKUN, Carolina Zancaner Zockun. Terceirização na Administração Publica. São Paulo: Malheiros, 2014.

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321 No âmbito do direito do trabalho, terceirização é a contratação, por

determinada empresa (o tomador do serviço), do trabalho de terceiros para o desempenho de atividade-meio, ela pode assumir diferentes formas, como empreitada, locação de serviços, fornecimento etc. O conceito é o mesmo para a Administração Pública que, com muita frequência, celebra contratos de empreitada (de obra e de serviço) e de fornecimento [...]22.

No conceito enxuto de Di Pietro, a terceirização – seja no âmbito do direito privado ou do direito público – é a contratação feita através de um intermediador, qual seja, o tomador de serviço para realização de atividades relativas aos exercícios da empresa.

O conceito ventilado por Marçal Justen Filho apresenta outros elementos:

A terceirização indica a transferência para terceiros, promovida pelo agente econômico, do desempenho de certas atividades específicas, necessárias à prestação do serviço ou à produção e circulação da mercadoria. Rigorosamente, a terceirização não importa a delegação da prestação de serviço público. Configura-se como uma forma de subcontratação, por meio da qual o sujeito obrigado a realizar uma certa prestação transfere a terceiro, parcial ou totalmente, a sua execução23.

A exemplo das semelhanças encontradas nas definições acima destacadas, a terceirização sempre é trazida como um instituto que visa a redução de custos, a transferência da atividade da instituição que contrata para a empresa que executa o serviço, sempre tratando de atividades que não fazem parte do foco principal da instituição contratante.24

Trazendo a discussão para o âmbito do Poder Público, a terceirização se encaixa como a transferência para particulares de tarefas que normalmente são desempenhadas pelo próprio Estado.25 De certo modo, pode-se dizer que a

22 DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito administrativo. 31ed. Rio de Janeiro: GEN-Forense, 2018.

23 JUSTEN FILHO, Marçal. Curso de Direito Administrativo. 13 ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2018.

24 ZOCKUN, Carolina Zancaner Zockun. Terceirização na Administração Pública. São Paulo: Malheiros, 2014.

25 MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de Direito Administrativo. 33 ed. São Paulo: Malheiros, 2018.

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322 terceirização na Administração Pública foi transplantada do mesmo instituto

aplicado ao Direito do Trabalho.26

O conceito não tem sofrido alteração dogmática no direito do trabalho, mas no direito administrativo o instituto está no eixo de debates fundamentais que tocam a Administração Pública de acordo com a decisão do STF27.

2.4 a problemática na administração pública

Conforme visto, a terceirização na iniciativa privada é completamente possível, pois o intuito de constituição de uma empresa privada, e, por conseguinte do empresário inserido no sistema capitalista de produção, é lucrar com as atividades desempenhadas.

A terceirização pode concretizar esse fim, pois reduz custos e especializa as atividades que não são tidas como principais na empresa, e não havendo óbice legal, dentro dos parâmetros da lei, a terceirização é plenamente possível. O que resta saber é se é possível a utilização da terceirização no âmbito da Administração Pública, e, sendo a resposta positiva, em que perspectiva ela é aplicável.

Assim, para entender melhor a problemática do que se pode ou não terceirizar no âmbito da Administração Pública, é importante estabelecer uma diferença entre atividades-fim e atividades-meio. Apesar dessa distinção não se mostrar mais tão relevante para o Direito do Trabalho, no âmbito do Direito Administrativo continua sendo, pois através dela é que se estabelece quais atividades podem ou devem ser terceirizadas28. Isso, pois, a própria doutrina e

jurisprudência estabelecem diferenciação entre ambas, o que não poderia ser diferente aqui.

26 SCHIRATO, Vitor Rhein. Terceirização na Administração Pública. Fórum de Contratação e Gestão

Pública – FCGP, Belo Horizonte, ano 12, n. 139, p. 65-72, jul. 2013.

27 STF - ADPF 324/DF, rel. Min. Luís Roberto Barroso, DJ, de 30.08.2018. Disponível em:< http://portal.stf.jus.br/processos/downloadPeca.asp?id=314982712&ext=.pdf>. Acesso em: 20/09/20018.

28 ZOCKUN, Carolina Zancaner Zockun. Terceirização na Administração Pública. São Paulo: Malheiros, 2014.

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323 Entende-se por atividades-meio aquelas que dizem respeito ao apoio

necessário de atividades de produção. E, por atividades-fim aquelas que tem relação com o objeto final para o qual a empresa existe. De tal modo, é possível dizer que a terceirização consiste em repassar para outrem, atividades acessórias da empresa, para que sejam prestadas de maneira mais eficiente, viabilizando o foco na sua atividade primordial.29

As terceirizações de atividades-meio ocorrem quando a Administração Pública, ao invés de contar com pessoal próprio de seus quadros, prefere contratar um terceiro para exercer determinada atividade. A exemplo, é possível mencionar vigilância e limpeza de prédios públicos. A preferência desse tipo de serviço se dá, porque, terceirizando entende-se que a prestação do serviço ocorrerá de maneira mais aperfeiçoada se acaso fosse prestada pela própria Administração Pública.

Ademais, cumpre salientar que, mesmo havendo possibilidade de terceirização das atividades-meio, elas devem respeitar parâmetros legais, como a obrigatoriedade de licitar. O que se coaduna com o acordão do Tribunal de Contas da União no Processo nº 012.134/2005-8. Acórdão 933/2008 – Plenário,30 de que apenas é possível terceirizar atividades-meio, cabendo a

Administração Pública realizar atividades fins próprias da entidade.

3 O ABISMO E SUA PROFUNDIDADE: ENTRE AS ORGANIZAÇÕES SOCIAIS E A TERCEIRIZAÇÃO

3.1 a natureza da gestão

A terceirizada utiliza mecanismo de gestão privada para realizar serviços, razão pela qual a Administração Pública não tem prerrogativa para interferir na direção da empresa privada que fornece os serviços técnicos especializados.

29 ZOCKUN, Carolina Zancaner Zockun. Terceirização na Administração Publica. São Paulo: Malheiros, 2014.

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324 As Organizações Sociais não se submetem ao regime jurídico de direito

público, mas se obrigam a atuar de acordo com os princípios da Administração Pública e possuem gestão arraigada à colegiado com representação da Administração Pública, da Associação Civil qualificada como OS, de membros que representem a sociedade civil organizada e pessoas de notória capacidade na área de atuação social da entidade.

Trata-se de um modelo de gestão compartilhada, por isso a instituição do Terceiro Setor não pode administrar de forma solitária, definindo protocolos de trabalho e alinhando estratégias para a condução do objeto pactuado com o ente público de acordo com elucubrações que reportam a reflexão exclusiva de atores apartados do Estado.

É o Estado que define o protocolo de atuação da entidade do Terceiro Setor, especificando as atividades a serem desenvolvidas pela parceira no contrato de gestão e compartilhando a administração dos serviços sociais em tempo real, pois o Conselho de Administração da Organização Social, de acordo com a Lei 9.637/1998, terá de 20% (vinte por cento) a 40% (quarenta por cento) dos membros designados pelo parceiro público.

Contudo a política pública pode e tende a se consubstanciar como uma construção mais elaborada, de natureza coletiva, que favorece um aperfeiçoamento compatível com instrumentos de gestão democrática31 em

função da previsão de representação de até 30% dos membros da sociedade civil. Nesse sentido, o Estado pode ganhar legitimidade na promoção de serviços públicos e favorecer a agenda 203032 com seus serviços públicos sociais que se

aproximam mais dos usuários.

3.2 o objeto concernente à atividade

31 OLIVEIRA, Gustavo Justino de. Direito Administrativo Democrático. Belo Horizonte: Fórum, 2010

32GESTOS, Soropositividade, comunicação e gênero; IDS, Instituto Democracia e Sustentabilidade (Org.). Relatório Luz da agenda 2030 de desenvolvimento sustentável

síntese. Disponível em:<

http://actionaid.org.br/wp-content/files_mf/1499785232Relatorio_sintese_v2_23jun.pdf >. Acesso em: 20 de setembro de 2018.

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325 A terceirização remete a hipóteses de mera prestação de serviço. De

acordo com o art. 2º da Lei 8.666/1993, que regulamenta o artigo 37, XXI, da Constituição Federal de 1988, a licitação antecede obrigatoriamente os contratos de “obras, serviços, inclusive de publicidade, compras, alienações, concessões, permissões e locação da Administração Pública”.

O objeto aludido na Lei Geral de Licitações e Contratos Públicos reflete hipótese de acordo de vontades entre instituição pública e ente privado com fins lucrativos, em hipótese onde as partes apresentam interesses antagônicos e a atividade da contratada, que será desenvolvida com base em protocolo de trabalho definido estritamente por opções técnicas alheias a intervenção do Poder Público.33

No que diz respeito ao contrato gestão, firmado entre ente público e Organização Social é imperioso afirmar que as partes possuem interesses convergentes, pois o objeto social relativo ao serviço público conduzido pela OS refere atividade da instituição sem fins lucrativos que poderiam ser conduzidos por outros modelos de financiamento com recursos destinados pela Iniciativa Privada.34

A Organização Social se vincula a produção de um serviço público não exclusivo. A delegação realizada nesse contexto se aproxima de uma parceria público privada na modalidade concessão administrativa, o que Diogo de Figueiredo Moreira Neto entende como forma de descentralização que indica a

33 “Pode-se conceituar o contrato administrativo como o ajuste firmado entre a Administração Pública e um particular, regulado basicamente pelo direito público, e tendo por objeto uma atividade que, de alguma forma, traduza interesse público.” CARVALHO FILHO, José dos Santos. Manual de Direito Administrativo. São Paulo: Atlas, 2017, p. 144.

“A expressão contrato administrativo é reservada para designar tão somente os ajustes que a Administração, nessa qualidade, celebra com pessoas físicas ou jurídicas, públicas ou privadas, para a consecução de fins públicos, segundo regime jurídico de direito público.” DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito Administrativo. Rio de Janeiro: Forense, 2017, p. 295.

34 DIAS, Maria Tereza Fonseca. Direito Administrativo Pós-Moderno. Belo Horizonte: Mandamentos, 2003.

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326 construção de uma administração associativa, paralela à Administração Direta e

Indireta.35

Nesse ponto, a comparação não refere o objeto do contrato e sim a interface de cooperação que deve permear a relação entre Estado e Organização Social, potencializando a consensualidade administrativa que pode ser decisiva para um controle construtivo, associado ao envelope de tendências trazidas pela Lei 13.655/2018.

Para registrar pragmaticamente a distinção entre o contrato de gestão e delegação de serviço público nos moldes do artigo 175 da Constituição Federal, é importante arrematar os pontos que conectam as Concessões com o Programa nacional de Desestatização previsto na Lei 9.491/1997, que implica nas seguintes características:

a) Contratação de pessoa física ou pessoa jurídica voltada a obtenção de lucro;

b) Reordenação da posição do Estado diante da economia, ou seja, o Poder Público atribui atividade ao setor privado, deixando de realizar diretamente a prestação do serviço público;

c) Instituição de tarifa, voltada a remuneração dos serviços de forma direta pelo usuário, de acordo com o artigo 9º e seguintes da Lei 8.987/1995.

Observando as características da concessão e permissão de serviço público, percebe-se verdadeiro antagonismo com o formato de parceria determinado nas relações do Estado com o Terceiro Setor, com base nas seguintes premissas:

35 FACHIM, Luiz; TEPEDINO, Gustavo. O Direito e o Tempo: Embates Jurídicos e Utpias Contemporâneas. São Paulo: Renovar, 2008.

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327 a) A Organização Social é pessoa jurídica de direito privado sem fins

econômicos ou lucrativos, por isso excedentes financeiros decorrentes do contrato de gestão são devolvidos ao Poder Público; b) Como não há atuação econômica, devido ao objeto social inerente ao

contrato de gestão, o Estado não se retira da promoção do serviço público, passando a partilhar a gestão com a atuação do Conselho de Administração;

c) A tarifação é vedada na promoção dos principais serviços sociais abrangidos no objeto das Organizações Sociais.

O Supremo Tribunal Federal no voto já referido ratifica essa posição jurídica nos seguintes termos: “Afastadas a suposta afronta ao art. 175 da CF e a inconstitucionalidade dos artigos. 18 a 22 da Lei. (...)” E dando sequência a expurgação de qualquer querela, dúvida ou exegese imprecisa o Ministro Ayres Brito, afirma com base em Alexandre Santos Aragão que o contrato de gestão se aproxima de um convênio em função da conjugação de esforços das partes para a realização do seu objeto.36

Nessa perspectiva, o reconhecimento do objeto da atribuição do serviço social a Organização Social, qual seja, o fomento37, na sentença manifestada

em julgamento da Ação Direta de Inconstitucionalidade 1923 - DF, em 2015,

36 STF - ADI 1923/DF, rel. Min. Ayres Britto, DJ, de 16.04.2015, p. 24 e 25. Disponível em: <http://www.stf.jus.br/arquivo/cms/noticiaNoticiaStf/anexo/Voto__ADI1923LF.pdf > Acesso em: 16 mar. 2018. Alexandre Santos Aragão continua afirmando, em edição 2017, dez anos após a referência a edição do voto que o convênio e o contrato de gestão se conectam na comunhão dos propósitos a serem buscados pelas partes.

37 O fomento é atividade administrativa, mas não é nova, porque já era praticado na Idade Média; foi grandemente utilizado no período do Despotismo Esclarecido; mas atingiu o seu apogeu no período do Estado de Direito Social, justamente como decorrência da ampliação as atividades de interesse público; quer dizer, o atendimento do interesse público deixou de ser monopólio do Estado, até por força do princípio da liberdade individual, que permite ao indivíduo fazer tudo aquilo que a lei não proíbe, inclusive exercer atividades de interesse coletivo. O fomento pode ser definido como uma atividade administrativa, porque é uma das atribuições do Estado que tem por objetivo atender a necessidades coletivas, enquadrando-se, por isso mesmo, no conceito de função administrativa, em oposição às funções legislativa e jurisdicional. É uma atividade que o Estado procura atender utilizando-se do particular. E para que o particular exerça essa atividade, o Estado utiliza inúmeros meios de incentivo, excluídos, naturalmente, os coativos. DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Participação popular na Administração Pública. Revista de Direito Administrativo. Rio de Janeiro, v. 191, p26-39, jan./mar. 1993. p. 31.

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328 desconstrói a hipótese de acordo de vontades entre Estado e entidade do

Terceiro Setor, baseado na mera prestação de serviços ou a hipótese de delegação de serviço público, baseado no artigo 175 da Constituição Federal.

A própria Lei nº 9.637/98 menciona expressamente o termo fomento em diversos de seus dispositivos, como se vê de seus arts. 5º, 6º, parágrafo único, e 8º, bem como diretamente da denominação da Seção V – Do fomento às Atividades Sociais da Lei, integrada pelos arts. 11 a 15. Não há, assim, risco de sucateamento dos setores, que, pela só previsão em lei desse marco regulatório do terceiro setor, não serão colocados à margem do controle do Estado.38

De fato, mesmo que o fomento seja uma terminologia flexível que o direito administrativo tem na conta de uma grande caixa onde se encaixam a ordem econômica e a ordem social, não podemos supor que o serviço público social com as características especificas aludidas nessa seção deixe de ser uma atividade administrativa específica e ao mesmo tempo um estímulo capaz de referir a matriz do direito administrativo contemporâneo.39

3.3 os fins visados pelas distintas instituições privadas

A empresa privada contratada como terceirizada tem a obrigação de obter lucro, pois esse é o fim de qualquer empresa na iniciativa privada, por isso a Administração Pública ao remunerar o contrato de prestação de serviços, financia o custo da operação incluindo recursos humanos, recursos materiais e lucro (excedente distribuído entre os empresários).

As Organizações Sociais são instituições privadas sem fins lucrativos, proibidas de obter lucro com a realização do objeto estatutário e, por conseguinte, do contrato de gestão, por isso os recursos atribuídos pelo Estado a título de fomento custeiam os recursos humanos e materiais agregados a realização do projeto social, sendo os excedentes financeiros devolvidos para o Estado. Além de tudo, ainda há o dever de prestar contas:

38 STF - ADI 1923/DF, rel. Min. Ayres Britto, DJ, de 16.04.2015.

39 ARAGÃO, Alexandre Santos de. Direito dos serviços públicos. 4 ed. Belo Horizonte: Fórum, 2017

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329 É inconteste o dever de todo aquele que maneja algum tipo de recurso

público (dinheiro, bens) demonstrar como ele foi utilizado. Independentemente para qual órgão (controle interno ou externo), em qual momento (durante ou após), como foi recebido o recurso (contrato administrativo, convênio) ou quem o está gerenciando (pessoa física ou jurídica, agente político, servidor público ou civil), a prestação de contas é um imperativo constitucional descrito no artigo 70, parágrafo único da Constituição Federal.40

Com o avanço do controle especializado das Organizações Sociais a Administração Pública pode optar por uma política de compliance que favoreça a observação de desvios da finalidade conduzida pelas instituições dessa natureza e é possível que avanços realizados no controle das Organizações da Sociedade Civil de acordo com a Lei 13.019/2014 sejam agregados a política de controle desenvolvidas em todas as entidades do Terceiro Setor.

A implantação e experimentação do MROSC em todo Brasil tem sinalizado soluções em termos de monitoramento que podem auxiliar a reordenação de movimentos de controle no âmbito das Organizações Sociais, sobretudo para evitar que entidades do Terceiro Setor produzam serviços públicos sociais com a performance de gestão voltada para o lucro, como se fossem entidades do Segundo Setor.

3.4 a distinção quanto aos modelos contratuais.

O contrato de terceirização41 é classificado como contrato administrativo,

por isso se submete ao regime jurídico de direito público da geral de licitações e contratos público – Lei 8.666/1993 e com base no seu artigo 2º, a seleção pública realizada entre os fornecedores interessados o disputar o objeto é a licitação,

40 LAHOZ, Rodrigo Augusto Lazzari. De contas das organizações da sociedade civil: controle de meios ou de resultados?. In: MOTTA, Fabrício; MÂNICA, Fernando Borges; OLIVEIRA, Rafael Arruda (Coords.). Parcerias com o terceiro setor: as inovações da Lei n° 13.019/14. Belo Horizonte: Fórum, 2017. p. 375.

41 ZYMLER, Benjamin. A evolução legislativa e os antecedentes jurisprudenciais que levaram à edição da IN SEGES/MP n° 5/2017. In: FERNANDES, Jorge Ulisses Jacoby; FERNANDES, Murilo Jacoby. (Coords.). Terceirização: Legislação, doutrina e jurisprudência. Belo Horizonte: Fórum, 2018. p. 25

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330 que tende a ser realizada na modalidade pregão, de acordo com a Lei

10.520/2002.

De acordo com esses elementos, o Supremo Tribunal Federal, no julgamento da ADI 1923, referiu que o contrato de gestão não pode ser considerado um contrato administrativo, ou seja, acordo de vontades firmado pelo Estado que se submete a regime jurídico de direito público fixado pela Lei 8.666/1993.

Em primeiro lugar, deve ser afastada a incidência do art. 37, XXI, da CF quanto ao procedimento de qualificação como OS, porquanto tal ato não se configura como contratação no sentido próprio do termo. É que não ocorre, em tal hipótese, a contraposição de interesses, com feição comutativa e com intuito lucrativo, que consiste no núcleo conceitual da figura do contrato administrativo, conforme aponta a doutrina e conforme já ressaltado pelo voto do ilustre Min. Relator. Ao contrário, a qualificação consiste em uma etapa inicial, embrionária, pelo deferimento do título jurídico de “organização social”, para que Poder Público e particular colaborem na realização de um interesse comum, que consiste na prestação de serviços sociais para a população. Essa prestação, mais à frente, será fomentada pelo Estado através do repasse de recursos e da cessão de pessoal e de bens, mas a etapa inicial, a condição primeira para que isso ocorra, nos termos da Lei (Art. 1º), é a qualificação da entidade como organização social.42 Marçal Justen Filho43 mantem a posição doutrinária – em sua obra mais

recente – com o que anteriormente dito e que é deferente ao estabelecido pelo Supremo Tribunal Federal, no sentido de afastar a aplicação do artigo 37, XXI da Constituição Federal.

Já o contrato de gestão é contrato público que não se enquadra na classificação acima, pois refere a parceria entidade paraestatal ao Administração Pública, restringindo a autonomia da instituição privada em função da imposição de um projeto social com pauta normativa preordenada pelo ente público, e cujo plano trabalho tende a resultar de agenda democrática do Conselho de Administração da Organização Social.

A Administração Pública está diante de dois conceitos que não podem ser confundidos pois o contrato administrativo se submete ao regime jurídico de

42 STF - ADI 1923/DF, rel. Min. Ayres Britto, DJ, de 16.04.2015.

43 JUSTEN FILHO, Marçal. Curso de direito administrativo. 5ed. Belo Horizonte: Fórum, 2010, p. 428. 22

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331 direito público disciplinado na lei geral de contratos públicos, onde o ente público

define o objeto do contrato de forma exaustiva, diversamente da posição orientada na construção de serviço público social.

A doutrina administrativista brasileira, tem classificado as Organizações Sociais como entidades paraestatais, reconhecendo tratar-se de instituições que apesar de estarem fora da estrutura da Administração Pública atuam justapostas ao Estado e distanciadas do Mercado, onde estão as instituições com fins lucrativos ou econômicos.44

Por isso, as Organizações Sociais preenchem um espaço distante daquele onde estão as empresas privadas que atuam na manutenção de computadores, equipamentos de ar condicionado, segurança patrimonial, jardinagem, manutenção de fachada predial dentre outros serviços contratados com empresas privadas, de acordo com a Lei 8.666/1993.

O risco de terceirização não deve ser ignorado, pois vários fatores endógenos e exógenos podem contribuir para que o contrato de gestão seja um disfarce, na medida em que a seleção pública pode atrair empresas privadas que apresentam formalidades voltadas ao enquadramento como Terceiro Setor, e assim o chamamento público seria maculado por externalidades negativas, inclusive no que diz respeito aos trabalhadores recrutados pela Organização Social.

Fernando Mânica chama atenção para o risco da banalização do conceito de terceirização, registrando que a contratação de serviços de saúde nos moldes da Lei 8.666/1993 representa fornecimento de pessoal para a

44 Essas pessoas, a quem incumbirá a execução de serviços públicos em regime de parceria com o Poder Público, formalizado por contratos de gestão, constituem as organizações sociais. Advirta-se, porém, que não se trata de nova categoria de pessoas jurídicas, mas apenas de uma qualificação especial, um título jurídico concedido por lei a determinadas entidades que atendam às exigências nela especificadas. Não integram o sistema formal da Administração Pública; assumem, entretanto, a qualidade de entidades do terceiro setor parceiras do Poder Público, visando à execução de determinadas tarefas de interesse público. (...) O novo sistema, como se pode observar, tem na parceria entre o Poder Público e entidades privadas sem fins lucrativos o seu núcleo jurídico. A descentralização administrativa nesse tipo de atividade pode propiciar grande auxílio ao governo, porque as organizações sociais, de um lado, têm vínculo jurídico que as deixa sob controle do Poder Público e, de outro, possuem a flexibilidade jurídica das pessoas privadas, distante dos freios burocráticos que se arrastam nos corredores dos órgãos públicos. CARVALHO FILHO, José dos Santos. Manual de Direito Administrativo. São Paulo: Atlas, 2017, p. 253 – 254.

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Administração Pública, por isso teríamos evidente burla ao princípio do concurso público e expectativa de terceirização ilícita.45

Não é possível eliminar o risco inerente ao manejo dos contratos públicos, mas é certo que a Administração Pública precisa fixar referências e reduzir a insegurança jurídica no tocante a essa matéria. Nesse sentido, o Tribunal de Contas da União é deferente no julgamento da ADI 1923 do ano de 2015 no processo 023.410/2016-7, em resposta à solicitação do Congresso Nacional sobre a possibilidade de entes públicos, na área de saúde, celebrarem contratos de gestão com Organizações Sociais:

23. Primeiramente, cumpre salientar que o STF deixou claro que os contratos de gestão com organizações sociais têm natureza de convênio, dada a harmonia de objetivos do Estado e da entidade conveniada. Portanto, não há falar em terceirização de serviços nessas parcerias. Há terceirização quando o Estado contrata serviços diretamente da iniciativa privada, que os presta em nome próprio, mediante remuneração prevista em contrato, realizado mediante licitação, dispensa ou por inexigibilidade do procedimento licitatório, permitido o fim lucrativo, conforme preceitua a legislação e permite a Constituição. Nos contratos de gestão, a unidade continua pública, com todo seu patrimônio afeto ao serviço público ao qual é destinada, e os recursos ali aplicados vêm do orçamento do ente estatal. Somente o gerenciamento é feito em parceria com uma entidade privada sem fins lucrativos, o que, embora permita a aplicação de normas de direito privado em sua atuação, não desloca a natureza da unidade para a iniciativa privada nem retira a competência dos órgãos de controle.46

O entendimento diverge da posição do Tribunal de Contas do Estado de Minas Gerais, que apesar de reconhecer a possibilidade de parceria entre o

45 “Deve-se ter cautela, contudo, para que a contratação de serviços de assistência à saúde nos termos da Lei 8.666/1993 não implique mera terceirização de mão de obra, mediante fornecimento de pessoal para laborar sob comando da Administração Pública. Tal hipótese configura burla à legislação trabalhista e não se coaduna ao permissivo trazido pela Constituição Federal no que tange à prestação privada de serviços públicos de saúde.” MÂNICA, Fernando Borges. O setor privado nos serviços públicos de saúde. Belo Horizonte: Fórum, 2010. 46 TRIBUNAL DE CONTAS DA UNIÃO. Solicitação do Congresso Nacional: 023.410/2016-7 . Relator: Ministro Bruno Dantas. Data da Sessão: 10/0/2016. TCU – Tribunal de Contas da

União, 2016. Disponível em:

<3https://contas.tcu.gov.br/juris/SvlHighLight?key=41434f5244414f2d434f4d504c45544f2d3230

3933343635&sort=RELEVANCIA&ordem=DESC&bases=ACORDAO-COMPLETO;&highlight=&posicaoDocumento =0&numDocumento=1&totalDocumentos=1>. Acesso em: 10 de setembro de 2018.

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333 Estado e as Organizações Sociais, ainda trata o instituto como terceirização de

serviço público.

O Conselheiro Mauri Torres mencionou, também, no voto exarado na Consulta n. 838498, decisão do Supremo Tribunal Federal – STF proferida nos autos da Ação Direta de Inconstitucionalidade n. 1.923/98, a qual, no entendimento do Tribunal de Contas da União – TCU, encerrou a controvérsia relacionada à constitucionalidade da terceirização do gerenciamento de ações e serviços de saúde com organizações sociais47.

Mesmo reconhecendo a possibilidade de tal parceria, o estigma e o preconceito ainda pairam na atmosfera quando o assunto é a contratação com o terceiro setor, sempre atrelando a terceirização à parte das situações relacionadas a contratualização nesse segmento.

Há, ainda, certo receio quanto ao instituto das Organizações Sociais e a contratação com o Poder Público sem que essa atitude se configure como terceirização de serviços públicos.

Mesmo diante do julgamento da matéria pelo Supremo Tribunal Federal, em sede de ADI 1923, parece que alguns Tribunais de Contas estaduais preferem permanecer com posição divergente. Essa postura pode ser o freio necessário para parcerias falsas, que escondem relações empresariais disfarçadas do Poder Executivo, mas impede diversas contratações entre Estado e Organização Sociais realizadas por meio de chamamento público para posterior contrato de gestão.

Alguns estados-membros e municípios sequer conhecem o instituto e muitos menos possuem legislação específica tratando acerca da matéria.

Sendo assim, não há como negar a conexão entre o Tribunal de Contas da União e o tribunal constitucional, pois ao seguir o entendimento do STF na ADIN 1923, podemos notar que há uma postura hermenêutica e um protocolo de

47 TRIBUNAL DE CONTAS DE MINAS GERAIS. Consulta N. 965938. Disponível em <http://tcnotas.tce.mg.gov.br/TCJuris/Nota/BuscarArquivo/1239164> Acesso em: 01 out. 2018

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334 segurança jurídica que tenta construir um modelo de contratualização mais

estável48, atenuando a vulnerabilidade da Administração Pública.

3.5 o preparo dos contratos e a questão da licitação

Se a Administração Pública diante da oportunidade de contratar com Organização Social se vê em conflito diante dos deveres impostos pelo princípio da indisponibilidade do interesse público, que a dúvida não seja quanto ao dever de licitar, afastado com ampla base dogmática pelo voto do Supremo Tribunal Federal supracitado.

A recomendação do Egrégio Tribunal propõe que os princípios do caput do artigo 37 da Constituição Federal sejam observados, assim a Administração Pública pode devotar seus esforços na elaboração de um contrato de gestão que imponha à Organização Social metas relacionadas ao atendimento da população, referindo indicadores precisos de quantidade e qualidade da prestação, com a realização de controle gerencial, baseado na fruição dos destinatários do serviço social.

Trocando em miúdos, no caso das Organizações Sociais não há licitação49, mas sim chamamento público50 – institutos muitas vezes confundidos

no âmbito dos municípios – e posteriormente, o contrato de gestão celebrado com a Organização Social que melhor atenda aos critérios, metas e valores estabelecidos no chamamento público, sempre no interesse do Estado. No contrato firmado, que mais se assemelha a um convênio, conforme já

48 MOTTA, Fabricio. Organizações Sociais e a Lei n° 13.019/2014. In: MOTTA, Fabricio; MÂNICA, Fernando Borges; OLIVEIRA, Rafael Arruda (Coords.). Parcerias com o terceiro setor: as inovações da Lei n° 13.019/14. Belo Horizonte: Fórum, 2017.p. 160.

49 A licitação é um procedimento administrativo formal onde a Administração Pública com o intuito de contratar obras, bens ou serviços, convoca, mediante condições especificadas em ato administrativo próprio – qual seja, o edital ou a carta convite – empresas interessadas na apresentação de propostas para o oferecimento de obras, bens ou serviços.

50 O chamamento público não é uma modalidade de licitação, mas sim um procedimento que visa selecionar órgão ou entidade da administração pública direta ou indireta, de qualquer esfera do governo, consórcio público ou entidade privada sem fins lucrativos para firmar convênio ou contrato de repasse, respeitados os princípios da legalidade, impessoalidade, moralidade, igualdade, publicidade, probidade administrativa, julgamento objetivo e vinculação ao instrumento convocatório.

Referências

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