UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO NORTE CENTRO DE CIÊNCIAS SOCIAIS APLICADAS
CURSO DE PÓS-GRADUAÇÃO EM DIREITO
CURSO DE ESPECIALIZAÇÃO EM DIREITO ADMINISTRATIVO
IANDRA IZABELLI HONORATO VIDAL
A RESPONSABILIDADE EXTRACONTRATUAL DO ESTADO NOS CASOS DE BULLYING NO ENSINO PÚBLICO
Orientadora: Professora Msc. Catarina Cardoso Sousa França
NATAL / RN 2017
ii IANDRA IZABELLI HONORATO VIDAL
A RESPONSABILIDADE EXTRACONTRATUAL DO ESTADO NOS CASOS DE BULLYING NO ENSINO PÚBLICO
Monografia apresentada ao Curso de
Especialização em Direito Administrativo sob a orientação da Professora Msc. Catarina Cardoso Souza França, como requisito parcial para obtenção do título de especialista em Direito Administrativo, do Centro de Ciências Sociais Aplicadas, da Universidade Federal do Rio Grande do Norte.
Orientadora: Professora Msc. Catarina Cardoso Sousa França
NATAL / RN 2017
iii Universidade Federal do Rio Grande do Norte - UFRN
Sistema de Bibliotecas - SISBI
Catalogação de Publicação na Fonte. UFRN - Biblioteca Central Zila Mamede Vidal, Iandra Izabelli Honorato.
A responsabilidade extracontratual do Estado nos casos de bullying no ensino público / Iandra Izabelli Honorato Vidal. - 2018.
56 f.: il.
Monografia (especialização) - Universidade Federal do Rio Grande do Norte, Centro de Ciências Sociais Aplicadas, Programa de Pós-Graduação de Direito Público. Natal, RN, 2018.
Orientadora: Prof. Ma. Catarina Cardoso Sousa França.
1. Responsabilidade extracontratual do Estado - Monografia. 2. Bullying - Monografia. 3. Responsabilidade objetiva do Estado - Monografia. I. França, Catarina Cardoso Sousa. II. Título. RN/UF/BCZM CDU 342.9(81)
v A monografia “A Responsabilidade Civil Extracontratual do Estado nos casos de bullying no ensino público”, de autoria da aluna da especialização Iandra Izabelli Honorato Vidal, foi avaliada pela Comissão Examinadora formada pelos professores:
COMISSÃO EXAMINADORA
_____________________________________________________________ Professora Msc. Catarina Cardoso Sousa França
_____________________________________________________________ Professora Drª. Karoline Lins Câmara de Souza
_____________________________________________________________ Professor Dr. Vladimir da Rocha França
vi AGRADECIMENTOS
Honro primeiramente ao Supremo Pai pela dádiva da vida e por habitar as profundezas do meu espírito, socorrendo-me com amor, paz e glória.
Aos meus pais, por me mostrarem o caminho da verdade, inspirando os meus sonhos, confortando os obstáculos e me reerguendo com a força do amor sublime.
Aos meus irmãos, que mesmo diante das desavenças, sei que nossos laços são inseparáveis.
Ao meu namorado, por todo sentimento que nos envolve, pelo zelo, apoio incondicional, paciência, compreensão, incentivo e também por seu ombro amigo.
Aos meus avós maternos (in memoriam), que me protegem mesmo não estando mais em matéria e acalmam minha alma, pois sei que estão vivos em minha recordação e habitam o meu coração.
Aos meus poucos grandes amigos, pelo companheirismo e reciprocidade, por duplicar as alegrias e dividir as tristezas.
Aos professores, em especial a minha orientadora Catarina França, por todo suporte e por acreditar no meu potencial, encorajando e sensibilizando os seus orientandos a tratar de temáticas tão importantes em nosso cotidiano.
vii RESUMO
O presente trabalho tem por objetivo debater a respeito do bullying escolar nas escolas públicas e os danos decorrentes que dão ensejo à responsabilidade extracontratual do Estado. No intuito de elucidar as ideias desta pesquisa, é realizada, previamente, a origem do fenômeno social, os personagens envolvidos, bem como as causas e consequências decorrentes dessa prática agressiva. Posteriormente, são analisadas as diversas legislações brasileiras que englobam a temática, destacando-se a Lei Federal nº 13.185/2015, que considera o fenômeno como uma intimidação sistemática. Após ampla abordagem sobre o assédio escolar, analisa-se a origem dos direitos sociais, os seus fundamentos, em destaque o direito à educação expressamente previsto na Constituição Federal e no Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), como mecanismo primordial para o desenvolvimento dos indivíduos e o exercício da cidadania. Na sequência, demonstra-se que a existência do bullying escolar acomete o princípio da dignidade da pessoa humana, isonomia, legalidade, solidariedade e proteção integral da criança e do adolescente. Delineiam-se, por fim, as fases e teorias relativas à responsabilidade civil do Estado e a configuração da responsabilidade objetiva do Poder Público perante as omissões e a inércia no caso vertente.
Palavras-chave: Bullying Escolar. Responsabilidade Civil Extracontratual do Estado.
viii ABSTRACT
The present work aims to discuss about school bullying in public schools and the resulting damages that give rise to extracontractual responsibility of the State. In order to elucidate the ideas of this research, a prior analysis is made about the origin of the social phenomenon, the characters involved, as well as the causes and consequences of the practice of bullying. Subsequently, it is seen the various Brazilian legislations that encompass the theme, highlighting Federal Law No. 13.185 / 2015 which considers the phenomenon as a systematic intimidation. After a broad approach on school harassment, the origin of social rights, its foundations, is analyzed, highlighting the right to education expressly provided for in the Federal Constitution and in the Statute of the Child and Adolescent (ECA), as a primordial mechanism for development of individuals and the exercise of citizenship. In the sequence, it is demonstrated that the existence of school bullying refers to the violation of the principle of human dignity, isonomy, legality, solidarity and integral protection of children and adolescents. Finally, the phases and theories related to the civil responsibility of the State and the configuration of the objective responsibility of the Public Power in the event of the omissions and inertia in the present case are outlined.
ix SUMÁRIO
1 INTRODUÇÃO ... 11
2 BULLYING ... 13
2.1 ORIGEM E ESTUDOS CIENTÍFICOS ... 13
2.2 CONCEITO ... 16 2.3 MEIOS DE MANIFESTAÇÃO ... 17 2.4 PERSONAGENS ENVOLVIDOS ... 18 2.4.1 Vítimas ... 19 2.4.2 Agressores ... 20 2.4.3 Espectadores ... 20 2.5 CAUSAS ... 21 2.6 CONSEQUÊNCIAS ... 22
2.7 LEGISLAÇÕES BRASILEIRAS ANTIBULLYING ... 24
3 DIREITOS SOCIAIS ... 29
3.1 ORIGEM ... 29
3.2 FUNDAMENTO ... 31
3.3 DIREITO À EDUCAÇÃO ... 31
3.4 ESTATUTO DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE (ECA) – LEI Nº 8069/1990 ... 33
4 PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS VIOLADOS COM A PRÁTICA DO BULLYING ESCOLAR ... 36
4.1 PRINCÍPIO DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA ... 36
4.2 PRINCÍPIO DA ISONOMIA ... 37
4.3 PRINCÍPIO DA LEGALIDADE ... 38
4.4 PRINCÍPIO DA SOLIDARIEDADE ... 39
4.5 PRINCÍPIO DA PROTEÇÃO INTEGRAL DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE ... 40
x 5 FUNDAMENTOS PARA RESPONSABILIZAÇÃO DO ESTADO NOS CASOS DE BULLYING NO ENSINO PÚBLICO ... 41
5.1 BREVE RELATO DAS FASES EVOLUTIVAS E TEORIAS DA
RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO NO DIREITO BRASILEIRO ... 41 5.2 RESPONSABILIDADE EXTRACONTRATUAL DO ESTADO NOS
CASOS DE BULLYING NO ENSINO PÚBLICO ... 45 5.3 DESENVOLVIMENTO DE POLÍTICAS PÚBLICAS NA PREVENÇÃO DO BULLYING ESCOLAR ... 48 6 CONCLUSÕES ... 50 REFERÊNCIAS ... 52
11 1 INTRODUÇÃO
Elucidada em marco recente da história social, a problemática do bullying escolar tornou-se matéria de discussão intensa e causadora de comoção e preocupação em meio a sociedade.
Não obstante a contrariar profundamente importantes princípios éticos auferidos pelos mais nobres sentimentos humanos na área do direito, a prática
da violência escolar afeta direta, indireta e intensamente a vida de todos,
através das relações interpessoais, área profissional, afetiva e cívica.
Não desmerecendo os esforços do Estado e da sociedade na prevenção e amparo aos vitimados, que a propósito se faz atualmente com legislações bem definidas em todos os âmbitos, a saber: federal, estadual e municipal, o que se observa é que há um grande hiato entre o que o dever legal e o cumprimento do Estado em zelar pela guarda, proteção e incolumidade das crianças e dos adolescentes nas escolas da rede de ensino público.
Nessa perspectiva, toda ação e omissão Estatal, lícita ou ilícita, que ocasione danos a terceiros, ensejará na responsabilidade extracontratual do Poder Público.
Nos casos em que se constata a omissão do Estado, parte da doutrina e jurisprudência brasileira convergem no sentido de se valer da teoria da faute du
service, importada do Direito Francês, segundo a qual a responsabilidade
estatal por danos causados por omissão é subjetiva, necessitando da comprovação do elemento culpa.
No entanto, outra corrente doutrinária e inclusive a Suprema Corte, em alguns julgados paradigmáticos, têm flexibilizado essa regra, aplicando a responsabilidade objetiva aos casos em que se configura omissão específica estatal. É exatamente neste cenário que se encontra a problemática do presente trabalho.
Nesse contexto, as omissões específicas estatais são aquelas decorrentes da inércia do Poder Público e falta do dever de agir que acarretam lesões a terceiro, remetendo, assim, a responsabilidade objetiva do Estado, devendo nestes casos ser verificado apenas o comportamento do agente estatal e o dano existente para que haja a indenização.
12 Observa-se que, é no mínimo preocupante, e por vezes angustiante, o entendimento da responsabilidade subjetiva em virtude das omissões estatais no caso vertente, visto que já não bastam os dissabores das vítimas e de seus familiares, ainda ter que serem levados a se submeter à aflição de comprovar o ilícito já externado pelos fatos, e, assim, tão somente após julgamento, obterem algum tipo de amparo do Estado.
Por fim, a metodologia utilizada nessa monografia baseia-se, como procedimento de obtenção de informações, na pesquisa bibliográfica através de levantamentos de artigos científicos, teses e dissertações, livros, legislações
13 2 BULLYING
2.1 ORIGEM E ESTUDOS CIENTÍFICOS
O fenômeno bullying sempre existiu desde os tempos mais pretéritos,
porém, os estudos científicos sobre o tema começaram a ser desenvolvidos a partir da década de 1970, na Suécia.
Posteriormente, um jornal norueguês noticiou o suicídio de três crianças entre 10 a 14 anos e foi constatado que o motivo do episódio trágico foi a
prática do bullying1.
Em decorrência do acentuado índice de suicídios ocorridos na década
supracitada, o professor de psicologia da Universidade de Bergen, na Noruega, Dan Olweus, considerado o pai e fundador dos estudos envolvendo o episódio bullying, começou a desenvolver seus trabalhos na área.
Nesse contexto, motivado por uma iniciativa do governo nacional,
Olweus implementou em todas as escolas primárias e elementares
norueguesas o Olwues Bullying Prevetention Program (OBPP) – Programa
Olweus de Prevenção ao Bullying2.
O escopo do programa é a sua reproduzação ns diversas instituições escolares, como forma de repelir e reduzir os maus-tratos ocorridos. Além disso, o programa visa à conscientização de forma holística, inserindo, assim, a
escola, os educandos e toda a comunidade para interagir sobre o assunto3.
1
LEÃO, Letícia Gabriela Ramos. O fenômeno bullying no ambiente escolar. Revista FACEVV. Vila Velha, n. 4, p. 121, jan./jun. 2010. Disponível em: <http://facevv.cnec.br/wp-
content/uploads/sites/52/2015/10/O-FEN%C3%94MENO-BULLYING-NO-AMBIENTE-ESCOLAR.pdf>. Acesso em: 18 set. 2017. 2
.VIOLENCE PREVETION WORLD. Escolas mais seguras, comunidades mais seguras. Disponível em: <http://www.violencepreventionworks.org/public/olweus_authors.page>. Acesso em: 18 set. 2017. Texto Original em Inglês: Safer Schools, Safer Communities.
3
DO VALE, Ana Luiza Sawaya de Castro Pereira. Bullying no ambiente escolar: aspectos
relevantes, sociais, jurídicos e psicológicos. Dissertação (Mestrado em Direito) – PUC/São
Paulo, São Paulo, 2015. p. 28. Disponível em: <https://sapientia.pucsp.br/handle/handle/6785>. Acesso em: 18 set. 2017.
14
A pesquisa analisou o comportamento de 84 mil alunos, 400 professores
e 1.000 pais e seus resultados comprovaram um dado preocupante: um em
cada sete alunos envolvia-se na prática do bullying4.
A repercussão do estudo foi tão intensa que motivou Olweus a publicar seu primeiro estudo científico na Escandinávia, em 1973, intitulado de “Agression in the Schools: Bullies and Whipping Boys” (“Agressão nas Escolas: Valentões e Garotos Chorões”) e posteriormente, em 1978, nos Estados Unidos, abordando os diversos aspectos do fenômeno, bem como sua
identificação, proposta de combate e resultados de sua pesquisa5.
O estudo foi tomando largas dimensões, proporcionando, assim, o surgimento da Campanha Nacional Antibullying nas escolas norueguesas, com incentivo do Ministério da Educação, sendo reproduzida por outros países (Canadá, Grã-Bretanha, Portugal, Espanha, Itália, Alemanha, Grécia e Estados
Unidos) como forma de combate ao problema6.
Nesse cenário, novas pesquisas foram realizadas em outros países com
intuito de identificar e prevenir a problemática, demonstrando, assim, que o
fenômeno alcança níveis mundiais7:
No Brasil, em meados de 1997, mais precisamente no Rio Grande do
Sul (Santa Maria), iniciaram os estudos sobre violência escolar pela professora Marta Canfield. Em seguida, destacam-se os professores cariocas Israel
4 PEREIRA, Kris Kristoferson. Consequências e implicações do bullying nos envolvidos e no
ambiente escolar. Belo Horizonte, 2012, p. 3.
Disponível em: <http://www.arcos.org.br/artigos/consequencias-e-implicacoes-do-bullying-nos-envolvidos-e-no-ambiente-escolar/>. Acesso em: 19 set. 2017.
5
KONIG, Evelin Sofia. R. Bullying: a responsabilidade civil e o dever de indenização.
Dissertação (Mestrado em Direito) – PUC/São Paulo, São Paulo, 2013. p. 32. Disponível em:
<https://sapientia.pucsp.br/bitstream/handle/6216/1/Evelin%20Sofia%20R%20Konig.pdf>. Acesso em: 19 set. 2017.
6
FANTE, Cleo. Fenômeno Bullying: como prevenir a violência nas escolas e educar para a paz. Campinas: Venus, 2005. p.45.
7
De acordo com Chalita, na Grã-Bretanha, no início da década de 1990, uma pesquisa mostrava que 37% dos alunos de ensino fundamental e 10% dos alunos de ensino médio admitiam ter sofrido bullying pelo menos uma vez por semana. Outras pesquisas, na mesma década, trouxe achados semelhantes. Em Portugal, em um universo pesquisado de 7 mil estudantes, um em cada cinco alunos (22%) entre 6 a 16 anos, foi vítima de bullying na escola. Na Espanha, o nível de incidência de bullying estava em torno de 15 a 20% de estudantes em idade escolar, o que ratificava os estudos desenvolvidos em Portugal. Nos Estados Unidos, onde o bullying já está sendo classificado como fenômeno global, pesquisas realizadas em sala de aula com crianças de 6 a 10 anos de idade revelaram que 13% narram casos de bullying e 11% dizem ser vítimas (CHALITA, Gabriel. Pedagogia da amizade: bullying: o sofrimento das vítimas e dos agressores. São Paulo: Gente, 2008. p. 104.)
15 Figueira e Carlos Neto (2001, 2000); Ana Beatriz Barbosa Silva e Lélio Braga
Calhau8.
Dando seguimento às pesquisas, a educadora e especialista do
fenômeno aludido, Cleodelice Aparecida Zonato Fante, fez um levantamento envolvendo em média 1.500 estudantes da rede pública e privada de São José
do Rio Preto (São Paulo)9.
Frisa-se, ainda, estudos realizados em 2002/2003 pela Associação Brasileira Multiprofissional de Proteção à Infância e à Adolescência (ABRAPIA), com patrocínio da Petrobrás em 11 escolas do Município do Rio de Janeiro, sendo 9 públicas e 2 particulares, abrangendo mais de 5.800 estudantes do ensino fundamental; constatando que 40,5% dos adolescentes estavam
inseridos em situações envolvendo o bullying10.
Além disso, um levantamento feito pela PLAN, organização internacional não governamental voltada para a defesa dos direitos da infância, demonstrou que o bullying, mundialmente, abrange cerca de 6 a 40% de crianças e adolescentes, todavia, a proporção aumenta significativamente na faixa etária
da adolescência – entre 11 a 15 anos de idade11
.
Percebe-se, portanto, que apesar da grande importância que o caso
tem, pode-se afirmar que no Brasil as pesquisas demonstram ainda certa timidez e poucos esforços em relação a essa problemática, ocasionando, assim, dados alarmantes e preocupantes de violência escolar que poderão comprometer não só a educação como também a vida pessoal, psíquica e emocional das crianças e adolescentes.
8 LEÃO, L. Op. cit, p. 121. 9
NOGUEIRA, Rosana Maria César del Picchia de Araújo. A prática de violência entre pares: o bullying nas escolas. Revista Iberoamericana de Educación, n. 37, p. 7, 2005. Disponível em: <http://rieoei.org/rie37a04.pdf>. Acesso em: 20 de set.2017
10
Bullying. Revista Adolescência & Saúde, Rio de Janeiro, v. 4, n. 3, p. 51, 2007. Disponível em: <http://rieoei.org/rie37a04.pdf>. Acesso em: 20 set. 2017.
11
PLAN INTERNATIONAL BRASIL. Manual prático: bullying não é brincadeira. 2010. p. 14. Disponível em: <https://plan.org.br/sites/files/plan/manual_bullying_planfinal_1.pdf>. Acesso em: 20 set. 2017.
16 2.2 CONCEITO
Apesar da existência remota e universal do fenômeno in tela, não existe
uma definição acertada no que concerne à terminologia. O termo tem origem inglesa e sua tradução remete a um indivíduo valente, brigão, mandão.
Em diversos países o episódio foi ganhando expressões diversas, mas
sem perder a essência do sentido original.
Posto isso, na França designa-se de arcèlement quotidien – arcos
diários; na Alemanha agressionen unter schülern – agressão entre estudantes;
no Japão de ijime – intimidação; em Portugal de maus-tratos entre os pares12
.
Na língua portuguesa não há uma nomenclatura específica para
designar o bullying, porém, pode-se classificá-lo como o conjunto de comportamentos de desprezo, ensejando violência física e/ou psicológica, de
forma consciente, intencional e repetitiva13.
O aspecto repetitivo das ações contra uma vítima específica geralmente
permeia-se por um lapso temporal longo, fazendo com que tal prática se torne habitual, maltratando cada vez mais os sentimentos alheios.
Vale salientar que apesar do assédio moral existir em diversos setores em nossa sociedade, é no âmbito escolar, entre crianças e adolescentes, que esse fato ocorre de forma muitas vezes silenciosa e aterrorizante.
Destarte, a Organização Mundial de Saúde (OMS), assegura que o
bullying é um problema que envolve saúde pública. É preciso, por sua vez, uma ação holística que abarque não só a equipe pedagógica, como também os profissionais da área de saúde, os pais ou responsáveis pelos alunos, os
legisladores e governantes14.
Por fim, é imprescindível destacar que o fenômeno bullying não deve ser encarado como uma brincadeira inocente e inofensiva, mas sim como ações
12
FANTE, Cléo; PEDRA, José Augusto. Bullying escolar: perguntas & respostas. Porto Alegre: Artmed, 2008. p. 34.
13
SILVA, Ana Beatriz Barbosa. Bullying: mentes perigosas nas escolas. Rio de Janeiro: Objetiva, 2010. p. 21.
14
SRABSTEIN, Jorge C. Prevenção de morbimortalidade relacionada ao bullying: um apelo a políticas de saúde pública. Disponível em: <http://www.who.int/bulletin/volumes/88/6/10-077123/en/>. Acesso em: 22 set. 2017. Texto Original em Inglês: Prevetion of bullying-related morbidity and mortality: a call for public health policies.
17 violentas que podem denigrir física, emocional e moralmente os indivíduos envolvidos.
2.3 MEIOS DE MANIFESTAÇÃO
Inicialmente, o bullying manifesta-se de forma direta ou indireta, sendo
os maus-tratos configurados através de ações verbais, morais, psicológicas,
sexuais, materiais, sociais, físicas e virtuais15.
No que tange às agressões verbais, estas se manifestam através de
apelidos pejorativos, xingamentos, gritos, chacotas e insultos16.
As agressões morais, sociais e psicológicas caracterizam-se por
calúnias, difamações, exclusão, perseguições, humilhações e chantagens17.
Na esfera física e material, os autores do fenômeno costumam bater, beliscar, empurrar, esbofetear; além de furtar, roubar, quebrar e/ou esconder
os objetos pessoais da vítima18.
Com relação às agressões sexuais, estas se classificam em assédios,
abusos, insinuações19.
Por último, as agressões virtuais denomidas de cyberbullying, ocorrem
através das ferramentas tecnológicas, são elas: redes sociais (Instagram, Facebook, Twitter), e-mail, blogs, salas de bate-papo, aplicativos de
comunicação (Whatsapp, Viber, Skype, Telegram), SMS, jogos on-line20.
No tocante ao ciberbullying, diante do anonimato ou perfis falsos que
surgem nas redes sociais, consequentemente, haverá maior dificuldade para reconhecer os autores dos insultos, desencadeando, assim, sofrimentos
15
PLAN INTERNATIONAL BRASIL. Op. cit, p.15. 16
_______. Bullying: Cartilha 2010: justiça: mentes perigosas nas escolas. 2. ed. São Paulo: Globo, 2015. p. 7. Disponível em: <http://download.rj.gov.br/documentos/10112/157756/DLFE-59223.pdf/cartilha_webbullying.pdf>. Acesso em: 21 set. 2017.
17 Idem. 18 Idem. 19 Idem. 20
BARBOSA, Aline Castiel Batista. O bullying virtual praticado por crianças e adolescentes:
aspectos jurídicos relevantes da responsabilidade civil. Monografia (Graduação em Direito) –
Universidade Federal do Rio Grande do Norte, Natal, 2016. p. 29. Disponível em: <https://sigaa.ufrn.br/sigaa/public/docente/producao.jsf?siape=2188776>. Acesso em: 22 set. 2017.
18 profundos por um lapso temporal maior e sensação de impunidade nas
vítimas.21
Com relação ao gênero que as ações entre os pares se manifestam,
uma Pesquisa Nacional de Saúde Escolar – PeNSE, em 2012, realizada pelo
Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística – IBGE verificou que o episódio
prevalece, sobretudo, entre o gênero masculino22.
Atenta-se, por derradeiro, que os garotos têm maior índice de
participação, utilizando-se das formas físicas e verbais de agressão. As garotas, por sua vez, praticam de forma mais acentuada as agressões morais
(fofocas, intrigas) ou sociais (exclusão, isolamento)23.
2.4 PERSONAGENS ENVOLVIDOS
Diante da dimensão alcançada pelo fenômeno, houve a necessidade de
estabelecer categorias específicas para os envolvidos, com escopo de facilitar e organizar o reconhecimento dos indivíduos inseridos na problemática.
Sendo assim, de acordo com os estudos, os protagonistas do bullying
podem ser divididos em três grandes grupos: vítimas, agressores e espectadores.
Nesse cenário, no ano de 2000, em São José do Rio Preto, um
levantamento de dados feito pela pedagoga e escritora Cléo Fante, grande incentivadora no combate ao fenômeno, conclui que, entre os 49% dos alunos envolvidos na pesquisa, 22% eram classificados como vítimas, 15% como
agressores e 12% como vítimas agressoras24.
É imperioso esclarecer que os perfis de identificação dos indivíduos
surgiram não com o objetivo de induzir a segregação, mas sim como forma de objetivar e compreender com mais nitidez o fenômeno em si.
21 PLAN INTERNATIONAL BRASIL. Op. cit, p.16.
22
Segundo a VEJA, o perfil dos agressores também aponta para uma predominância masculina: 26,1% dos meninos praticam bullying, em comparação com 16% das meninas. Também são eles os que mais sofrem a agressão (7,9%), em relação a elas (6,5%). REVISTA VEJA. Um em cada cinco adolescentes pratica bullying no Brasil. Disponível em:
<http://veja.abril.com.br/educacao/um-em-cada-cinco-adolescentes-pratica-bullying-no-brasil/#>. Acesso em: 02 out. 2017. 23
PLAN INTERNATIONAL BRASIL, Op. cit, p.15. 24
19 2.4.1 Vítimas
As vítimas são classificadas em três subgrupos: vítimas típicas, vítimas provocadoras e vítimas agressoras.
Os alvos típicos normalmente são aqueles sujeitos que possuem alguma
dificuldade de interação, em virtude da timidez, passividade, sensibilidade, baixa autoestima, ou simplesmente porque trazem consigo estereótipos que os diferem dos demais, como raça, cor, altura, peso, classe econômica,
preferência sexual.25.
Em 2009, no levantamento de pesquisa desenvolvido pelo economista
José Afonso Mazzon, professor da Faculdade de Economia, Administração e Contabilidade da USP, em 501 escolas com 18.599 estudantes, pais, professores e funcionários da rede pública de todos os Estados do país, revelou que 19% das ações envolvendo bullying ocorreram em virtude de o indivíduo ser negro. Posteriormente, 18,2% em decorrência da situação
socioeconômica (pobre) e homossexualidade, 17,4%26.
Por outro lado, as vítimas provocadoras são geralmente hiperativas,
agitadas, impulsivas e descontroladas, atiçando as situações por intermédio de brincadeiras ofensivas e de mau gosto, ocasionando, assim, tumulto, desentendimentos e brigas, despertando o revide de comportamentos
agressivos de terceiros27.
Por término, as vítimas agressoras são aquelas que já foram alvo das
agressões e passam a reproduzir comportamentos semelhantes ou iguais aos dos agressores, como forma de “vingança” às humilhações já sofridas,
propagando cada vez mais a prática do fenômeno28.
25
SILVA, A. B. B. Op. cit, p. 38. 26
ESTADÃO. Escola é dominada por preconceitos, revela pesquisa, 18 de junho de 2009.
Disponível em:
<http://emais.estadao.com.br/noticias/geral,escola-e-dominada-por-preconceitos-revela-pesquisa,389064>. Acesso em: 03 out. 2017. 27
BARBOSA, A. C. B. Op. cit, p. 32. 28
CALHAU, Lélio Braga. Bullying: o que você precisa saber: identificação, prevenção e repressão. 3. ed. Niterói: Impetus, 2012. p. 11.
20 2.4.2 Agressores
Os agressores são aqueles indivíduos que demonstram características de valentia, impulsividade, irritabilidade, intolerância, egoísmo, falta de empatia
pelos semelhantes, maldade, desrespeito, manipulação29.
Além disso, os autores demonstram ainda repugnância ao cumprimento
das normas impostas, detestam serem chamados a atenção ou contrariados, o que configura uma falta de limites que vem do seio familiar e reflete no âmbito escolar.
Nota-se que os agressores querem a todo custo manter o seu posto de
liderança e para isso se utilizam de mecanismos dolorosos, agindo sempre de forma premeditada e com abuso de poder, subjugando, dominando e expondo
as vítimas a sofrimentos que muitas vezes podem ser irreversíveis30.
2.4.3 Espectadores
Os espectadores são divididos em três subcategorias: espectadores passivos, espectadores ativos e espectadores neutros.
As testemunhas passivas são aquelas que presenciam as atitudes dos
agressores, mas nada fazem a favor da vítima, ficando inertes por medo de futuramente também ser alvo do terror psicológico ou físico.
Por outro viés, os presenciados ativos são os que estimulam em algum grau a prática do assédio físico ou moral, através de palavras ou gargalhadas de apoio, tornando-se cúmplices dos agressores.
Os espectadores neutros são aqueles apáticos, como se estivessem
com “venda nos olhos”, em decorrência da vida social que têm, pois para esses indivíduos a violência é tão corriqueira no meio em que estão imersos que a prática do bullying se torna algo despercebido e comum. É como se eles
estivessem “anestesiados emocionalmente”31
.
29
PLAN INTERNATIONAL BRASIL, Op. cit, p. 21. 30
Ibidem, p. 8.
21 2.5 CAUSAS
O bullying se manifesta através de dois tipos de fatores: individuais e
contextuais32. As causas individuais são aquelas peculiares de cada aluno, tais
como: comportamentos agressivos, introspecção, preconceito, intolerância,
depressão, competitividade, ódio, falta de empatia33.
Em contrapartida, as causas contextuais relacionam-se a fatores
extrínsecos, abrangendo as relações sociais e socioculturais que causam
impactos diretos no comportamento dos estudantes34.
A Constituição Federal assevera no artigo 227 que o Estado, a família e
a sociedade devem proteger as crianças e adolescentes contra qualquer ato de
violência e opressão.35
Cumpre mencionar que as relações familiares são imprescindíveis para
formação dos valores de cada indivíduo. Os laços afetivos surgem no seio familiar e, naturalmente, irão refletir em outras esferas sociais em que a criança
e o adolescente mantêm vínculos. 36
A violência doméstica envolvendo o público infantojuvenil, a carência
afetiva, a falta de diálogos e negligência familiar; a superproteção dos pais e/ou responsáveis que não impõem limites e regras aos filhos; as situações traumáticas momentâneas (separação litigiosa dos pais), o abandono familiar, são as principais razões que levam os estudantes a praticarem o assédio escolar37.
Sucedendo a família, a escola é o meio secundário de formação social
dos indivíduos. É no âmbito escolar que as crianças e adolescentes
32
GOMES, Luiz Flavio; SANZOVO, Natália Macedo. Bullying e prevenção da violência nas escolas: quebrando mitos, construindo verdades. São Paulo: Saraiva, 2013. p. 42.
33 Idem. 34
Idem.
35 Art. 227 da CF. É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança, ao adolescente e ao jovem, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão (Redação dada Pela Emenda Constitucional nº 65, de 2010).
36
A influência familiar é contribuinte do surgimento e desenvolvimento do bullying escolar, dado o seu papel definidor na estruturação disposicional da criança para tornar-se um adolescente praticante ou vítima dessa violência. SANTOS, Jullyane Jocilene Souza Santos. Apego, autoconsciência e bullying escolar. Dissertação de Mestrado. Recife/PE, 2015. p. 161. Disponível em: <http://repositorio.ufpe.br/handle/123456789/17681>. Acesso em: 05 out. 2017. 37
22 desenvolvem maiores aptidões com relação ao mundo social em que vivem ampliando as visões cognitivas e estimulando as relações interpessoais.
Além de repassar conhecimentos, o papel dos educadores é prevenir e
combater os conflitos ocorridos no recinto estudantil para que a tolerância, a harmonia e a paz sejam mantidas. Sendo assim, é preciso bastante atenção e cuidado para sustar qualquer tipo de violência ocorrida não só dentro de sala de aula, como também nos pátios e corredores escolares.
A omissão institucional; o despreparo da equipe pedagógica em orientar as crianças e adolescentes; a ausência de punição; a inexistência de diálogos entre professores, pais e/ou responsáveis, através de palestras e campanhas; a escassez as políticas públicas, são ferramentas que contribuem e instigam a
existência do fenômeno supracitado38.
Em suma, não há como identificar um único e exclusivo fator para o
desencadeamento do acontecimento in tela, pois há multifacetadas causas.
2.6 CONSEQUÊNCIAS
As consequências provocadas perante a violência entre pares incidem negativamente não só nas vítimas, como também nos agressores e espectadores, deixando resquícios físicos e emocionais que poderão refletir em
diversos setores da vida do ser.39
No que concerne às vítimas, em virtude das reiteradas humilhações já sofridas, poderão desenvolver reações intrapsíquicas e extrapsíquicas,
afetando diretamente na saúde física e mental da criança e do adolescente40.
Nesse sentido, os efeitos negativos decorrentes dessa prática são: Sintomas Psicossomáticos (cefaleia, cansaço crônico, insônia etc.); Transtorno
do Pânico; Fobia Escolar; Fobia Social (Transtorno de Ansiedade Social –
TAS); Transtorno de Ansiedade Generalizada (TAG); Depressão; Anorexia e
38
PLAN INTERNATIONAL BRASIL. Op. cit, p. 26. 39
NETO, Aramis. A. Lopes. Bullying: comportamento agressivo entre estudantes. Jornal de Pediatria, Rio de Janeiro, v. 81, n. 5 (supi), p. 168, 2005. Disponível em: <http://www.scielo.br/scielo.php?pid=S0021-75572005000700006&script=sci_abstract&tlng=pt> Acesso em: 06 out. 2017.
40
23 Bulimia; Transtorno Obsessivo Compulsivo (TOC); Transtorno do Estresse
Pós-Traumático (TEPT); esquizofrenia; suicídios, homicídio41.
No que tange à vida escolar, os impactos ocasionados aos alvos são: redução do rendimento escolar, dificuldade de concentração e absorção dos conteúdos, desinteresse pelos estudos, baixa frequência escolar, reprovação e evasão escolar.
Por outro ângulo, os espectadores, ao invés de denunciarem as práticas sistemáticas de intimidação, tornam-se omissos e apáticos, pois se sentem receosos de se tornar a “próxima vítima”.
Nutrem, portanto, sentimentos de terror e medo, falta de compaixão, compreensão e empatia pelas vítimas, insegurança, interferindo, assim, no
processo de aprendizagem desses indivíduos42.
Com relação aos autores, a tendência no futuro é a reprodução de
comportamentos violentos e criminosos, estimulando a criminalidade.43
Como se não bastasse, o desejo de vingança das vítimas, o receio dos espectadores aliado às atitudes de desprezo dos agressões, contribuirá para o surgimento das “gangues” e, consequentemente, aumento da violência juvenil.44
Os efeitos traumáticos são tão profundos e intensos que podem surgir, ulteriormente, problemas na vida laboral, social e afetiva dos indivíduos, bem como na construção familiar.
Os pais ou responsáveis pelas crianças e adolescentes alvos das
práticas humilhantes dentro do ambiente escolar público acabam sendo, indiretamente, atingidos, uma vez que diante da omissão estatal percebem que
41
SILVA. A. B. B. Op. cit, p. 39. 42
PLAN INTERNATIONAL BRASIL. Op. cit, p. 23. 43
Cleo Fante explica que os agressores (de ambos os sexos) envolvidos no fenômeno estarão propensos a adotar comportamentos delinquentes, tais como: agregação a grupos delinquentes, agregação sem motivo aparente, uso de drogas, porte ilegal de armas, furtos, indiferença à realidade que os cercam, crença de que deve levar vantagem em tudo, crença de que é impondo-se com violência que conseguirá obter o que quer na vida. Afinal, foi assim nos anos escolares (FANTE, C. Op. cit, 81).
44
Lélio Calhau considera um registro de grande similaridade do funcionamento do bullying e o das gangues como forma de perpetuação do grupo. Há um movimento forçado de fora para o centro todos os agentes (provocadores, espectadores e vítimas) de forma que o bullying e as gangues sempre se perpetuem. A “norma interna” é não se envolver, não interromper o movimento (sob pena de se tornar uma “vítima”) e nunca denunciar os agressores (CALHAU, L.B. Op. cit, p.18).
24 seus filhos encontram-se desamparados, gerando, por conseguinte, inconformismo e ódio contra a escola.
Percebe-se que a inércia do Estado diante dos acontecimentos ora
exposto nas escolas públicas, poderá comprometer financeira e socialmente não só o recinto estudantil, como também as famílias dos alunos e toda a sociedade, uma vez que as crianças e adolescentes envolvidos na situação deverão ser assistidos através de serviços sociais, justiça da infância e adolescente, educação especial.
2.7 LEGISLAÇÕES BRASILEIRAS ANTIBULLYING
A larga proporção que a prática do bullying tomou no Brasil e no mundo
fez com que algumas leis fossem criadas na tentativa de coibir tais ações, principalmente dentro do campo escolar.
Salienta-se que há diferentes abordagens com relação à legislação
antibullying em alguns Estados brasileiros. A primeira abordagem refere-se às ações que preconizam o fomento da boa relação interpessoal e valorização individual dos alunos.
Nessa perspectiva, as legislações dos Estados do Rio Grande do Sul
(Lei nº 13.474/2010)45, Maranhão (Lei nº 9.297/2010)46, Piauí (Lei nº
6.076/2011)47, Sergipe (Lei nº 7.055/2010)48, enveredam suas ações dentro da
ótica da moral e promoção dos “círculos restaurativos” como ferramentas não
45
RIO GRANDE DO SUL. Lei nº 13.474, de 28 de junho de 2010. Dispõe sobre o combate da prática de “bullying” por instituições de ensino e de educação infantil, públicas ou privadas, com ou sem fins lucrativos. Publicada no DOE nº 121, de 29 de junho de 2010. Disponível em: <http://www.al.rs.gov.br/legis/M010/M0100099.ASP?Hid_Tipo=TEXTO&Hid_TodasNormas=54 438&hTexto=&Hid_IDNorma=54438>. Acesso em: 19 set. 2017.
46
MARANHÃO. Lei nº 9.297 de 17 de novembro de 2010. Dispõe sobre a inclusão de medidas de conscientização, prevenção e enfrentamento ao bullying escolar no projeto pedagógico elaborado pelas instituições de ensino públicas e particulares no Estado do Maranhão, e dá outras providências. Publicado no DOEMA dia 18 de novembro de 2010. Disponível em: <http://www.normasbrasil.com.br/norma/lei-9297-2010-ma_130081.html>. Acesso em: 19 set. 2017.
47
PIAUÍ. Lei Ordinária nº 6.076 de 31/05/2011. Dispõe sobre o enfrentamento da prática de bullying por instituições de ensino fundamental e médio, públicas ou privadas, no Estado do
Piauí. Publicado no DOE nº 102 de 31/05/2011. Disponível em:
<http://legislacao.pi.gov.br/legislacao/default/ato/15250>. Acesso em: 19 set. 2017.. 48
SERGIPE. Lei nº 7.055 de 16/12/2010. Dispõe sobre o combate da prática de "bullying" por instituições de ensino e de educação, públicas ou privadas, com ou sem fins lucrativos e dá providências correlatas. Publicado no DOE em 17 dez 2010. Disponível em: Disponível em: <http://www.diariooficial.pi.gov.br/diario.php?dia=20110531>. Acesso em: 19 set. 2017.
25 opressivas de conscientização e capacidade empática para mudança comportamental.
Os Estados do Paraná (Lei nº 17.335/2012)49, Santa Catarina (Lei nº
14.651/2009)50 e Ceará (Lei nº 14.754/2010)51, estabelecem ações que
enaltecem as particularidades de cada indivíduo, extraindo e trabalhando as incompatibilidades existentes entre cada um deles juntamente com os professores.
Por outro lado, com relação aos envolvidos nas ações, as leis
supracitadas do Piauí, Sergipe, Rio Grande do Sul e Maranhão dispõem que as escolas devem advertir os agressores e seus familiares acerca dos efeitos dos seus atos, a fim de deixá-los cientes das futuras retratações existentes.
Os Estados do Mato Grosso do Sul (Lei nº 3.887/2010)52 e de Rondônia
(Lei nº 2.621/2011)53 também determinam pré-avisos e mecanismos severos
de combate à violência escolar, podendo, inclusive, haver a prisão.
No que diz respeito às vítimas, as leis supramencionadas nos três parágrafos anteriores sugerem que as instituições escolares concedam o suporte necessário, pois só assim será evitada a segregação dessas pessoas perante as demais. Advertem, ainda, que os envolvidos nas práticas agressivas podem ser direcionados a serviços de assistência social.
49
PARANÁ. Lei nº 17.335 de 2012. Institui o Programa de Combate ao Bullying, de ação interdisciplinar e de participação comunitária, nas Escolas Públicas e Privadas do Estado do Paraná. Publicado no Diário Oficial nº. 8816 de 10 de Outubro de 2012. Disponível em: <http://www.legislacao.pr.gov.br/legislacao/pesquisarAto.do?action=exibir&codAto=77838&indic e=1&totalRegistros=1>. Acesso em: 19 set. 2017.
50
SANTA CATARINA, Lei nº 14.651, de 12 de janeiro de 2009. Fica o poder executivo autorizado a instituir o programa de combate ao bullying, de ação interdisciplinar e de participação comunitária nas escolas públicas e privadas do estado de Santa Catarina. Publicado no DO: 18.524, de 12/01/09. Disponível em: <http://www.leisestaduais.com.br/sc/lei-ordinaria-n-14651-2009-santa-catarina->. Acesso em: 19 set. 2017.
51
CEARÁ. Lei nº 14.754 de 2010. Institui o programa de prevenção e combate ao preconceito, intimidação, ameaça, violência física e/ou psicológica originária do ambiente escolar. Disponível em: <http://imagens.seplag.ce.gov.br/PDF/20110705/do20110705p01.pdf#page=3>. Acesso em: 19 set. 2017.
52
MATO GROSSO DO SUL. Lei n. 3.887, de 06 de maio de 2010. Dispõe sobre o Programa de inclusão de medidas de conscientização, prevenção e combate ao bullying escolar no projeto pedagógico elaborado pelas Instituições de Ensino e dá outras providências. Diário Oficial do Mato Grosso do Sul. Disponível em: <http://www.normasbrasil.com.br/norma/lei-3887-2010-ms_138629.html>. Acesso em: 19 set. 2017.
53
RONDÔNIA. Lei n. 2621, de 04 de novembro de 2011. Assembleia Legislativa de Rondônia. Autoriza o Poder Executivo a instituir o programa de combate ao bullying, de ação interdisciplinar e de participação comunitária, nas escolas da rede de ensino público e
particular do Estado de Rondônia. Disponível em:
<http://ditel.casacivil.ro.gov.br/cotel/Livros/detalhes.aspx?coddoc=3372>. Acesso em: 19 set. 2017.
26 No que tange às ações de caráter de divulgação, as leis dos Estados de Sergipe (Lei nº 7.055, 2010), Piauí (Lei nº 6.076, 2011), Rio Grande do Sul (Lei nº 13.474, 2010) e Maranhão (Lei nº 9.297, 2010), delineiam que as políticas de conscientização devem ser efetuadas através dos responsáveis legais das crianças e adolescentes.
Em contrapartida, os Estados de Pernambuco (Lei nº 13.995, 2009)54,
Mato Grosso (Lei nº nº 9.724, 2012) e Goiás (Lei nº 17.151, 2010)55, defendem
que são imprescindíveis as ações de informações sobre o bullying por parte das instituições escolares.
Por sua vez, os Estados do Ceará (Lei nº 14.754, 2010), Santa Catarina (Lei nº 14.651, 2009), Rondônia (Lei nº 2621, 2011) e Paraná (Lei nº 17.335, 2012) preceituam que os episódios de bullying não devem ser confundidos com uma brincadeira, sendo necessário, portanto, separar de forma clara e objetiva as características de cada ação.
No tocante às ações de capacitação, tão necessárias para verificar, evitar e erradicar a ocorrência do assédio escolar, destacam-se as legislações dos Estados do Piauí (Lei nº 6.076, 2011), Sergipe (Lei nº 7.055, 2010), Rio Grande do Sul (Lei nº 13.474, 2010), Rondônia (Lei nº 2621, 2011), Mato Grosso do Sul (Lei nº 3.887, 2010), Ceará (Lei nº 14.943, 2011), Santa Catarina (Lei nº 14.651, 2009) e Paraná (Lei nº 17.335, 2012), englobando, assim, um treinamento integrado de professores e equipes pedagógicas.
Já as legislações de Goiás (Lei nº 17.151, 2010), Maranhão (Lei nº 9.297, 2010) e Pernambuco (Lei nº 13.995, 2009), incluem, além dos indivíduos mencionados anteriormente, os agentes educacionais.
54
PERNAMBUCO. Lei n. 13.995, de 22 de dezembro de 2009. Dispõe sobre a inclusão de medidas de conscientização, prevenção, diagnose e combate ao bullying escolar no projeto pedagógico elaborado pelas escolas públicas e privadas de educação básica do Estado de Pernambuco, e dá outras providências. Assembleia Legislativa de Pernambuco. Disponível em: <http://legis.alepe.pe.gov.br/arquivoTexto.aspx?tiponorma=1&numero=13995&complemento=0 &ano=2009&tipo=&url=>. Acesso em: 19 set. 2017.
55
GOIÁS. Lei n. 17.151, de 16 de setembro de 2010. Dispõe sobre a inclusão de medidas de conscientização, prevenção, diagnose e combate ao “bullying” escolar no projeto pedagógico elaborado pelas escolas públicas e privadas de Educação Básica do Estado de Goiás, e dá outras providências. Assembleia Legislativa de Goiás. Disponível em:
<http://www.gabinetecivil.goias.gov.br/leis_ordinarias/2010/lei_17151.htm>. Acesso em: 19 set. 2017.
27 Na esfera municipal, destacam-se as legislações do Município de Natal
(Lei nº 6.283/2011)56 e de São Gonçalo do Amarante (Lei nº 1.503/2015)57. A
primeira autoriza o Poder Executivo a criar o Programa de Enfrentamento ao Bullying, cujos principais escopos são: prevenção, capacitação, observação, identificação, conscientização, orientação, promoção de debates e palestras nas escolas.
A segunda lei (1.503/2015) estabelece em todas as instituições públicas do município de São Gonçalo do Amarante, a criação do Projeto “Cultivando a Paz na Escola” (artigo 1º), instaurando Grupos de Combate e Prevenção à Violência na Escola, com a participação em conjunto dos docentes, servidores, pais, especialistas em educação e representantes da comunidade escolar, a fim de traçar mecanismos para frear o “assédio escolar”.
No âmbito federal, foi publicada a Lei nº 13.815/15 cujo texto foi
sancionado por Dilma Rousseff, instituindo, assim, o Programa de Combate à
Intimidação Sistemática (Bullying).58 .
Além disso, esse diploma legal vincula que todas as instituições de ensino, clubes e agremiações recreativas devem adotar mecanismos de prevenção e conscientização para solucionar ou amenizar a problemática
(artigo 5º da Lei nº 13.185/2015)59.
Os escopos do Programa de Combate à Intimidação Sistemática são: promover ações de advertência; treinar os professores, bem como toda a equipe pedagógica, para que estes possam estar mais aptos a enfrentar a problemática; fomentar campanhas que despertem o interesse não só dos alunos, como também de toda coletividade; conceder assistência social,
56
NATAL. Lei nº. 6.283, de 12 de setembro de 2011. Dispõe sobre o Programa de Combate ao Bullying nas Escolas do Município de Natal e dá outras providências. Disponível em:
<http://www.natal.rn.gov.br/anexos/publicacao/legislacao/LeiOrdinaria_20110913_6283_.pdf>. Acesso em: 19 set. 2017.
57
SÃO GONÇALO DO AMARANTE. Lei 1.503, de 22 de julho de 2015. Institui o Projeto Cultivando a Paz na Escola, de ação interdisciplinar e participação comunitária para prevenção, conscientização e combate ao bullying e toda forma de violência na Rede Pública Municipal de
Ensino, e dá outras providências. Disponível em:
<http://cmsga.rn.gov.br/site/wp- content/uploads/2015/01/1.503-2015-PL-203-2015-Institui-o-Projeto-Cultivando-a-Paz-na-Escola.pdf>. Acesso em: 19 set. 2017.
58 Art. 1º, §1º da Lei 13.815/15. Todo ato de violência física ou psicológica, intencional e repetitivo que ocorre sem motivação evidente, praticado por indivíduo ou grupo, contra uma ou mais pessoas, com o objetivo de intimidá-la ou agredi-la, causando dor e angústia à vítima, em uma relação de desequilíbrio de poder entre as partes envolvidas.
59
Art. 5º da Lei nº 13.185/2015. É dever do estabelecimento de ensino, dos clubes e das agremiações recreativas assegurar medidas de conscientização, prevenção, diagnose e combate à violência e à intimidação sistemática (bullying).
28 psicológica e jurídica para os alvos e autores; criar meios brandos para lidar com os agressores e, por fim, combater não só as ações sistemáticas, mas sim todos os tipos de violência existentes no âmbito escolar (art. 4º da Lei nº
13.185/2015)60.
Ressalta-se que os objetivos traçados anteriormente devem ser
aplicáveis tanto na esfera pública quanto privada. Caso haja omissão das instituições escolares, estas deverão ser responsabilizadas legal e judicialmente.
Além disso, a lei federal impõe que os estados e municípios devem
desenvolver e publicar relatórios bimestrais para identificação do fenômeno social, com intuito de fiscalizar e controlar as organizações de ensino (artigo 6º
da Lei nº 13.185/2015)61.
Em suma, verifica-se que as legislações brasileiras antibullying possuem
mecanismos semelhantes para repelir o fenômeno social. Em todas as leis supramencionadas encontram-se estratégias para o reconhecimento e enfrentamento da problemática, incumbindo aos Estados o cumprimento do dever legal.
60
Art. 4º da Lei nº 13.185/2015. Constituem objetivos do Programa referido no caput do art. 1º: I - prevenir e combater a prática da intimidação sistemática (bullying) em toda a sociedade; II - capacitar docentes e equipes pedagógicas para a implementação das ações de discussão, prevenção, orientação e solução do problema;
III - implementar e disseminar campanhas de educação, conscientização e informação;
IV - instituir práticas de conduta e orientação de pais, familiares e responsáveis diante da identificação de vítimas e agressores;
V - dar assistência psicológica, social e jurídica às vítimas e aos agressores;
VI - integrar os meios de comunicação de massa com as escolas e a sociedade, como forma de identificação e conscientização do problema e forma de preveni-lo e combatê-lo;
VII - promover a cidadania, a capacidade empática e o respeito a terceiros, nos marcos de uma cultura de paz e tolerância mútua;
VIII - evitar, tanto quanto possível, a punição dos agressores, privilegiando mecanismos e instrumentos alternativos que promovam a efetiva responsabilização e a mudança de comportamento hostil;
IX - promover medidas de conscientização, prevenção e combate a todos os tipos de violência, com ênfase nas práticas recorrentes de intimidação sistemática (bullying), ou constrangimento físico e psicológico, cometidas por alunos, professores e outros profissionais integrantes de escola e de comunidade escolar.
61
Art. 6º da Lei nº 13.185/2015. Serão produzidos e publicados relatórios bimestrais das ocorrências de intimidação sistemática (bullying) nos Estados e Municípios para planejamento das ações.
29 3 DIREITOS SOCIAIS
O intuito do presente trabalho é também abordar o direito à educação, previsto expressamente na Constituição Federal. Para se chegar a uma compreensão mais ampla desse assunto, é imprescindível discorrer sobre os direitos sociais e seus fundamentos na vigência do Estado Democrático de Direito.
3.1 ORIGEM
Para se chegar até o surgimento dos direitos sociais, faz-se necessária uma breve transição entre o Estado Liberal ao Estado Social.
O século XVIII (constitucionalismo moderno) foi marcado pelo pensamento liberal-burguês e desencadeia-se com as revoluções liberais (francesas e americanas).
Nesta fase liberal ou clássica, diante das intensas arbitrariedades de poder, os indivíduos buscaram reivindicar direitos associados ao valor da “liberdade” (igualdade formal), são os direitos civis e políticos, também nomeados de direitos de primeira dimensão (direito à vida, à liberdade, à propriedade e igualdade perante a lei).
Ressalta-se que tais direitos têm status negativo, impondo uma abstenção estatal. Através deles os indivíduos participam da vida política do Estado e este, por consequência, deverá manter a ordem pública necessária para preservação das liberdades individuais.
Ocorre que, se por um lado o modelo liberal trouxe a ascensão dos indivíduos, por outro aumentou as disparidades entre as classes. A classe burguesa, que conquistou grandes privilégios, inclusive econômicos durante a
Revolução Francesa, agora enfrenta conflitos com a classe proletariada62.
Posteriormente, com o fim da primeira fase da Revolução Industrial e em meio às intensas desigualdades sociais, condições desumanas de trabalho
62
GOTTI, Alessandra. Direitos sociais: fundamentos, regime jurídico, implementação, aferição de resultados. São Paulo: Saraiva, 2012. p. 34.
30 e exploração econômica, o liberalismo entrou em declínio e passou a ser
questionado. 63
Diante da hipossuficiência dos trabalhadores e das intensas desigualdades de condições vividas na época, buscou-se a intervenção do Estado como mecanismo de proteção e garantia da igualdade material dos indivíduos.
Diferentemente do Estado Liberal (absenteísta), os direitos
resguardados no Estado Social têm caráter positivo e exigem do poder estatal prestações materiais e/ou jurídicas, com vistas à redução das desigualdades.
Nesse cenário, surgem algumas constituições sociais que consagraram um novo grupo de direitos, dando início a uma nova fase dentro do
constitucionalismo moderno: o constitucionalismo social. Dentre as
constituições democráticas, destacam-se a Mexicana (1917) e a Alemã de Weimar (1919).
A Constituição Mexicana (1917), visando proteger a hipossuficiência dos trabalhadores, estabeleceu que os direitos trabalhistas deveriam ser
inseridos no rol de direitos fundamentais64.
A Constituição de Weimar (1919) surgiu também em torno de graves conflitos sociais ocorridos na época. Ampliou uma série de direitos de segunda geração, quais sejam: o direito fundamental de educação escolar; direito à
saúde, à previdência social65.
Nota-se, portanto, que através das Constituições supracitadas, surge o Estado da Democracia Social, com intuito de fomentar o bem-estar e a justiça social por intermédio da atuação ativa do Estado nas esferas sociais, econômicas e culturais, enaltecendo o princípio da igualdade entre os indivíduos.
63 A luta pela melhoria das condições dos trabalhadores e a percepção das distorções
intoleráveis a que levavam a aplicação das noções jurídicas do liberalismo às relações laborais
conduziram à derrocada desse modelo, e à sua substituição por um novo, ao qual – dada sua
articulação como resposta ao conflito que então se denominava “questão social” – se deu o nome de Direito Social. SARLET, Ingo Wolfgang. A eficácia dos direitos fundamentais. 7. ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2007. p. 150.
64
GOTTI, A. Op. cit, p. 37. 65
31 3.2 FUNDAMENTO
Os direitos sociais possuem múltiplos fundamentos que convergem entre si e têm como principal fator de legitimidade e concretização, a existência do princípio da dignidade da pessoa humana.
Nesse sentido, o primeiro fundamento refere-se ao exercício da liberdade individual. Dessa forma, as prestações positivas estatais que são exteriorizadas através dos direitos sociais, possuem limitação, pois o indivíduo
deve ser compreendido como um ser autônomo66.
O segundo fundamento configura-se através da consolidação da democracia, pois “os direitos humanos sociais não são apenas condição de liberdade individual e garantes de defesa, mas igualmente condição e garantes
da participação no processo geral de produção legislativa do Direito”67
.
Finalmente, a efetivação dos direitos sociais, destina-se à redução das desigualdades sociais, integração social e, consequentemente, o tratamento igualitário entre os indivíduos.
3.3 DIREITO À EDUCAÇÃO
A Constituição Federal de 1988 traz previsão legal expressa do direito à
educação no artigo 6º68.
Acrescenta-se que, o direito supracitado vem, de forma específica, assegurado no título VIII (Da Ordem Social), capítulo III da Lei Maior. O artigo 205 dispõe que a educação é um direito universal que deve ser desenvolvido,
66 Estas prestações devem tentar de maneira prioritária dotar a pessoa das condições
necessárias para que se ajude a si mesma, para que possa velar pela sua própria subsistência. Por esta razão, no possível, as prestações públicas devem ser temporárias e devem ser aptas a conseguir que os sujeitos beneficiários desenvolvam sua própria autonomia. NETO, Cláudio Pereira de Souza; SARMENTO, Daniel. Direitos sociais: fundamentos judicialização e direitos sociais em espécie. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2010. p. 147.
67
NEUNER, Jörg. Os direitos humanos sociais. Disponível em:
<http://dspace.idp.edu.br:8080/xmlui/bitstream/handle/123456789/595/Direito%20Publico%20n 262009_Jorg%20Neuner.pdf?sequence=1>. Acesso em: 11 nov. 2017.
68
Art. 6º da CF. São direitos sociais a educação, a saúde, a alimentação, o trabalho, a moradia, o transporte, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados, na forma desta Constituição. (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 90, de 2015).
32 de forma holística, através da atuação do Estado (prestações positivas), família
e sociedade69.
Por seu turno, o texto constitucional insere no artigo 206 os princípios basilares do direito à educação, dentre eles cita-se o “princípio da igualdade de condições para o acesso e permanência na escola”; “liberdade de aprender, ensinar, pesquisar e divulgar o pensamento, a arte e o saber”, garantindo, assim, o exercício dos direitos e garantias individuais.
Ademais, o direito à educação é contemplado também por alguns documentos jurídicos, nacionais e internacionais. Dentre eles, destacam-se: o Pacto Internacional sobre os Direitos Econômicos e Culturais (1966); a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (Lei nº 9.394/96); o Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei nº 8.069/90), o Plano Nacional de Educação (Lei
nº 10.172/2001)70.
No que corresponde ao texto do Pacto Internacional sobre os Direitos Econômicos e Culturais, este foi aprovado pelo Congresso Nacional por intermédio do Decreto Legislativo nº 226, de 12 de Dezembro de 1991 e promulgado pelo Decreto Presidencial (Fernando Collor) nº 591, de 06 de Julho
de 1992.71
O artigo 13.172 do referido pacto garante que a educação é um “direito
de toda pessoa”, objetivando o “pleno desenvolvimento da personalidade humana e do sentido de sua dignidade”, enaltecendo, assim, os direitos humanos fundamentais. Além disso, o artigo supracitado abrange que o escopo
da educação é a criação de uma “sociedade livre”, tolerante e compreensiva73
.
69 Art. 205 da CF. A educação, direito de todos e dever do Estado e da família, será promovida
e incentivada com a colaboração da sociedade, visando ao pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho.
70
DUARTE, Clarice Seixas. A educação como um direito fundamental de natureza social. Revista Educação & Sociedade, v. 28, n. 100, Campinas, p. 692, 2007. Disponível em: <http://www.scielo.br/pdf/es/v28n100/a0428100>. Acesso em: 12 nov. 2017.
71
NETO, C. P. S; SARMENTO, D. Op. cit, p. 775. 72
Artigo 13.1. Os Estados Partes do presente Pacto reconhecem o direito de toda pessoa à educação. Concordam em que a educação deverá visar ao pleno desenvolvimento da personalidade humana e do sentido de sua dignidade e fortalecer o respeito pelos direitos humanos e liberdades fundamentais. Concordam ainda em que a educação deverá capacitar todas as pessoas a participar efetivamente de uma sociedade livre, favorecer a compreensão, a tolerância e a amizade entre todas as nações e entre todos os grupos raciais, étnicos ou religiosos e promover as atividades das Nações Unidas em prol da manutenção da paz.
73
BRASIL. Decreto nº 581, de 6 de Julho de 1992. Estabelece Atos Internacionais. Pacto Internacional sobre Direitos Econômicos, Sociais e Culturais. Publicado no Diário Oficial da União em 7 de Julho de 1992.
33 Constata-se, portanto, que a Constituição Federal de 1988 está em perfeita consonância com o pacto supramencionado. Ressalta-se ainda que, a partir da Emenda Constitucional nº 45, os tratados e convenções internacionais com conteúdo relativo aos direitos humanos e que o Brasil seja adepto, serão
incorporados automaticamente ao ordenamento jurídico brasileiro74.
Em síntese, o direito à educação tem como escopo central promover o desenvolvimento psíquico, social e moral dos indivíduos; fomentar a tolerância, o respeito e o equilíbrio entre os alunos, professores e sociedade; coibir toda forma de discriminação, seja ela racial, cultural, econômica, sexual, entre outras.
Contudo, nota-se que a prática do bullying no ambiente escolar é completamente prejudicial ao processo educacional da criança e do adolescente, configurando uma afronta ao direito social à educação e princípios estabelecidos no Estado Democrático de Direito que serão vistos adiante.
3.4 ESTATUTO DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE (ECA) – LEI Nº
8069/1990
As primeiras manifestações para criação do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) se deram através da Convenção Internacional da ONU relativa aos Direitos da Criança, em 1989. Nesse cenário, discutiu-se o estabelecimento de “diretrizes e princípios de uma proteção integral” a estes
indivíduos75.
Posteriormente, em 13 de julho de 1990, foi publicado o referido Estatuto, resguardando a doutrina da proteção integral já consagrada pela Lei
Maior no artigo 22776.
Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto/1990-1994/d0591.htm>. Acesso em: 1 out. 2017.
74
NETO, C. P. S; SARMENTO, D. Op. cit, p. 776. 75
BARBOSA, A. C. B. Op. cit, p.16. 76
Art. 227 da CF. É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança, ao adolescente e ao jovem, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão (Redação dada Pela Emenda Constitucional nº 65, de 2010).
34 A Doutrina da Proteção Integral defende que o Estado, a família e a coletividade devem zelar pelo direito à vida, à saúde, à educação, à alimentação, ao lazer, à profissionalização, à dignidade, ao respeito, à liberdade e a convivência familiar e comunitária da criança e do adolescente.
Com relação ao direito à liberdade, o artigo 16 do ECA77 preconiza que
deverá ser exercido em sua plenitude através do direito à liberdade de pensamento (opinião e expressão), liberdade religiosa, locomoção (direito de ir e vir), liberdade de integração das crianças e adolescentes no seio familiar, social e político e, por fim, o direito ao auxílio, refúgio ou orientação pessoais.
Destaca-se também o artigo 17 do ECA78, que engloba o direito ao
respeito, determinando a “inviolabilidade da integridade física, psíquica e moral da criança e do adolescente, abrangendo a preservação da imagem, da identidade, da autonomia, dos valores, ideias e crenças, dos espaços e objetos pessoais”.
No tocante ao direito à dignidade, o Estatuto supracitado impõe que é “dever de todos velar pela dignidade da criança e do adolescente, pondo-os a salvo de qualquer tratamento desumano, violento, aterrorizante, vexatório ou
constrangedor” (artigo 18 do ECA)79
.
No que concerne ao direito à educação, o artigo 5380 estabelece
mecanismos de prática e efetividade dispostos à criança e ao adolescente, a fim de alcançar o pleno desenvolvimento educacional desses indivíduos.
77 Art.16 do ECA. O direito à liberdade compreende os seguintes aspectos:
I - ir, vir e estar nos logradouros públicos e espaços comunitários, ressalvadas as restrições legais;
II - opinião e expressão; III - crença e culto religioso;
IV - brincar, praticar esportes e divertir-se;
V - participar da vida familiar e comunitária, sem discriminação; VI - participar da vida política, na forma da lei;
VII - buscar refúgio, auxílio e orientação. 78
Art. 17 do ECA. O direito ao respeito consiste na inviolabilidade da integridade física, psíquica e moral da criança e do adolescente, abrangendo a preservação da imagem, da identidade, da autonomia, dos valores, ideias e crenças, dos espaços e objetos pessoais. 79
Art. 18 do ECA. É dever de todos velar pela dignidade da criança e do adolescente, pondo-os a salvo de qualquer tratamento desumano, violento, aterrorizante, vexatório ou constrangedor.
80
Art. 53 do ECA. A criança e o adolescente têm direito à educação, visando ao pleno desenvolvimento de sua pessoa, preparo para o exercício da cidadania e qualificação para o trabalho, assegurando-se-lhes:
I - igualdade de condições para o acesso e permanência na escola; II - direito de ser respeitado por seus educadores;