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UNIVERSIDADE METODISTA DE SÃO PAULO – UMESP

DIRETORIA DE PÓS-GRADUAÇÃO E PESQUISA

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM CIÊNCIAS DA RELIGIÃO

LEIDE JANE SOARES DOS SANTOS

MEMÓRIAS E TRADIÇÕES ORIGINÁRIAS DO ANTIGO

ISRAEL:

Um estudo de Juízes 5.

São Bernardo do Campo

2019

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1

LEIDE JANE SOARES DOS SANTOS

MEMÓRIAS E TRADIÇÕES ORIGINÁRIAS DO ANTIGO

ISRAEL:

Um estudo de Juízes 5.

Dissertação apresentada em cumprimentos às exigências do Programa de Pós-Graduação em Ciências da Religião da Universidade Metodista de São Paulo, para obtenção do grau de Mestre.

Orientador: Profº Dr José Ademar Kaefer

São Bernardo do Campo

2019

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FICHA CATALOGRÁFICA

Sa59m

Santos, Leide Jane Soares dos

Memórias e tradições originárias do antigo Israel: um estudo de Juízes 5 / Leide Jane Soares dos Santos -- São Bernardo do Campo, 2019.

113 p.

Dissertação (Mestrado em Ciências da Religião) --Diretoria de Pós-Graduação e Pesquisa, Programa de Pós-Graduação em Ciências da Religião da Universidade Metodista de São Paulo, São Bernardo do Campo.

Bibliografia

Orientação de: José Ademar Kaefer.

1. Bíblia – A.T. – Juízes – História 2. Bíblia – A.T. – Israel – História I. ítulo

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A dissertação de mestrado sob o título MEMÓRIAS E TRADIÇÕES

ORIGINÁRIAS DO ANTIGO ISRAEL: Um estudo de Juízes 5, elaborada por

Leide Jane Soares dos Santos foi apresentada e aprovada em 09 de abril de 2019, perante banca examinadora composta por Prof. Dr José Ademar Kaefer (Presidente/UMESP), Profa. Dra. Suely Xavier dos Santos (Titular/UMESP) e Prof. Dr Antônio Carlos Frizzo (Titular/ITESP-SP).

__________________________________________

Prof. Dr. José Ademar Kaefer

Orientador e Presidente da Banca Examinadora

__________________________________________

Prof. Dr. Helmut Renders

Coordenador do Programa de Pós-Graduação

Programa: Pós-Graduação em Ciências da Religião

Área de Concentração: Linguagens da Religião

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AGRADECIMENTOS

À minha querida família, Aos queridos amigos, colegas, professores, Meu esposo, Muito obrigada!

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RESUMO

O foco desta pesquisa concentra-se nas memórias originárias do povo no antigo Israel contidas em Jz 5. Foram abordados os temas mais relevantes da perícope, partindo da ideia que este é um texto proveniente de Israel Norte, e pertence a uma coleção de “Salvadores e Libertadores” (Jz 3,7-12,15) do povo de Israel, que tardiamente foi reeditado pelo autor deuteronomista. As tradições e memórias originárias do povo destacadas pela exegese mostram a pessoa de Débora como representação do culto a divindades femininas. Elencamos também uma possível origem do culto ao Javé das “tempestades” e “tremores de terra”, vinda do sul de Canaã. Outro aspecto relevante está na lista original das tribos, pois sua menção no texto pode indicar topônimos. A memória do clímax do poema está em (Jz 5,19-22), onde percebemos um conflito no Vale de Jezrael causado pela destruição de Cidades-Estado e a queda do Egito, império que até então dominava a região. As memórias orais, consideradas originárias do Antigo Israel, estão localizadas no séc. 10 a.C., período anterior ao desenvolvimento da língua hebraica.

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ABSTRACT

This research focuses on the original memories of the people in ancient Israel contained in Jz 5. The most relevant themes of the pericope discussed start from the idea that this text comes from the Northern Kingdom of Israel and belongs to a collection of the "Saviors and Liberators" (Judges 3:7-12.15) of the people of Israel, which was later edited by the Deuteronomist. The original traditions and memories of the people highlighted by exegesis show the person of Deborah as a representation of the cult of female deities. We also note a possible origin of the worship of the Yahweh from "storms" and "earthquakes" from southern Canaan. Another relevant aspect is in the original list of tribes, as their mention in the text may indicate toponyms. The memory of the climax of the poem is in (Judges 5:19-22), where we perceived a conflict in the Valley of Jezrael caused by the destruction of city-states and the fall of Egypt, an empire that until then dominated the region. The oral memories, considered original of Old Israel, are located in the 10 BC century, a period prior to the development of the hebrew language.

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO ...10

1. CAPÍTULO I: O livro dos salvadores-libertadores: O contexto por trás do livro de Juízes ...13

1.1. Contexto e Processo Redacional do Livro de Juízes ... ...14

1.2. Processo redacional de Juízes 5 ...16

1.3. História da Hipótese Deuteronomista ...20

1.4. O livro dos Salvadores-Libertadores de Israel ...22

1.4.1. Considerações sobre a escrita em Israel Norte ...24

1.5. Questões introdutórias sobre o livro de Juízes ...25

1.6. Estrutura do livro de Juízes ...27

1.7. Questões introdutórias a Juízes 5 ...29

1.8. Considerações Preliminares ...33

2. CAPÍTULO II: Análise Exegética de Juízes 5 ...35

2.1. Tradução Interlinear literal ...36

2.2. Análise de Crítica Textual ...40

2.3. Tradução literal ...51 2.4. Delimitação ...54 2.5. Estrutura ...57 2.6. Análise de coesão ...60 2.7. Gênero literário ...64 2.8. Análise do conteúdo ...67 2.8.1 Introdução: v. 1-2 ...68 2.8.2 Teofania: v. 3-5 ...69

2.8.3 Realidade socioeconômica do povo de Israel: v. 6-8...72

2.8.4 Débora convoca o povo para a batalha: v. 9-13 ...74

2.8.5 Lista das tribos: v. 14-18 ...76

2.8.6 Local do conflito: v. 19-22 ...80

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2.8.8 A mãe de Sísera e a repercussão da batalha: v. 28-30 ...84

2.8.9 Fórmula final: v. 31 ...85

2.9 Considerações preliminares ...85

3 CAPÍTULO III: Memórias Originárias de Israel ...87

3.1. Débora – Divindade feminina ou sacerdotisa ...87

3.1.1. O culto as divindades femininas em Israel...90

3.1.2. A liderança feminina em Israel ...94

3.2. A originalidade da memória de Javé ...95

3.3. O Cenário Histórico do Conflito ...98

3.3.1. Uma possível localização para as tribos ...101

3.4. Considerações preliminares ...102

4. CONCLUSÃO ...105

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INTRODUÇÃO

O texto de Juízes 5 é tomado na presente dissertação como uma fonte das memórias e tradições originárias do antigo Israel. Isso significa que o trabalho pretende extrair do texto camadas redacionais e tradições, que auxiliem uma melhor compreensão do que seriam as memórias remanescentes dos primórdios de Israel.

A análise de Juízes 5 proporciona um estudo sobre as memórias mais antigas do povo de Israel, conservadas nos resquícios de uma antiga obra vinda do Norte e conhecida como livro dos “Salvadores e Libertadores” (Jz 3,7-12,15). Ao que tudo indica o conceito de doze tribos presente nos textos bíblicos, sua forma de organização, bem como as origens de Israel enquanto nação vinda de fora, são composições tardias de um autor conhecido como deuteronomista, o qual colocou suas ideologias e pontos de vista no texto.

Assim, a ideia básica e a motivação para a construção desta pesquisa é recuperar, por meio da exegese, memórias remanescentes dos inícios de Israel. Para essa empreitada, usaremos termos presentes na linguagem arcaica do texto, analizaremos o contexto histórico por tráz dessa memória e buscaremos compreendê-lo. Partindo de pesquisas atualizadas, pretendemos resgatar o que for possível da organização, formação e modelo social destes povos. Também discutir temas como a origem de Javé, a pessoa de Débora, a questão das tribos e a originalidade das memórias presentes no texto.

Existe consenso entre a maioria dos autores de que o Cântico de Débora guarda memórias1 originárias de Israel, enquanto na narrativa do capítulo 4 de Juízes não se pode encontrar nem as menções, tampouco a linguagem arcaica presente em Juízes 5. Assim, justifica-se que apenas o Cântico de Débora em Juízes 5 será objeto de nosso estudo. Contudo, o capítulo 4 será mencionado e consultado sempre que necessário, visando que o recorte na pesquisa e a hipótese de um texto original e mais antigo, ainda não é unânime entre o referencial teórico consultado2.

Diante de um texto escrito em época posterior ao período que pretendemos analizar fica a pergunta: o que se pode falar sobre as tradições e memórias originais do povo de Israel antes do texto ser tardiamente reeditado?

1

KAEFER, 2016b, p.3-4; OTTERMANN,1997, p.35; KNOHL, 2016, p. 45-65; LAMONTAGNE. 2013, p.4-30; FINKELSTEIN, 2017, p. 80-91; MAYFIELD, 2009, p. 306-305; RÖMER, 2016, p.50, entre outros.

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Para responder esta questão serão apresentados três capítulos. O primeiro capítulo pretende apresentar, por meio de revisão bibliográfica, o que os autores falam sobre Juízes 5, e determinar qual o estado atual das pesquisas sobre o texto. Este capítulo se dedicará a percorrer a trajetória da composição do texto, passando pelas etapas da Historiografia Deuteronomista e o contexto por trás da redação final de Jz 5.

Em seguida, pretendemos retroceder aos caminhos que o texto teria percorrido antes de chegar as mãos do redator deuteronomista. Consideraremos a possibilidade de ser um livro contando as histórias dos guerreiros de Israel Norte, anterior a ascenção do Sul, que migrou para a literatura do sul com a queda do Norte e migração do povo para o território do Sul.

Ainda nesse capítulo, discutiremos questões introdutórias sobre o livro de Juízes, refletindo como funciona sua teologia e estrutura. Num segundo momento, conduziremos a dissertação a temas introdutórios que perpassam o poema de Jz 5, dando ao leitor subsídios para compreender a análise exegética do capítulo II.

O segundo capítulo pretende elaborar os passos da exegese, com o propósito de encontrar ecos das tradições e memórias fundamentais de Israel. O objetivo será destacar possíveis camadas redacionais e temas pertencentes às memórias originais do povo.

Após seguir os passos da exegese, pretendemos constatar quais tradições perpassam os diversos temas presentes no texto. Percebemos que o autor norte israelita uniu diversas tradições para compor o cântico, usando linguagem arcaica e citando temas próprios de seu período, tradições independentes que se uniram no texto. Neste capítulo poderemos compreender o imaginário do povo de Israel em seus inícios, suas tradições e memórias.

No terceiro capítulo, serão apresentadas as características das tradições e memórias remanescentes do povo de Israel. A ideia é buscar a tradição original sobre Javé, que possivelmente venha do sul. A personagem de Débora como deusa e a memória dos cultos a divindades femininas também terá destaque, pois características próprias indicam que sua tradição foi inserida em ambos os textos. O modo de vida do povo e o acontecimento por trás da guerra relatada no texto também será discutida, onde pretendemos identificar o motivo que levou aos conflitos contados no poema.

Para alcançar estes objetivos, o trabalho exegético, os avanços arqueológicos na pesquisa sobre a sociedade de Israel neste período, e a revisão bibliográfica com as

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contribuições dos teóricos que analisaram o texto, ajudará a contextualizar o Cântico de Débora em seu período histórico e social.

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CAPÍTULO I

O livro dos salvadores-libertadores: O contexto por trás

do livro de Juízes

De forma preliminar e introdutória a nossa reflexão sobre Juízes 5, é preciso estabelecer parâmetros e definições importantes sobre os conceitos a serem discutidos ao longo do texto. A despeito disso, elencamos o que os referenciais teóricos utilizados para elaboração desta pesquisa consideram como dado histórico, como historiografia e como escrita da história.

John Van Seters em seu livro “Em busca da História” (2008, p. 19-25) inicia a pesquisa com esta perspectiva. Ao referir-se a estes assuntos, o autor diz que é difícil falar sobre história em relação a um acontecimento passado, e que a narração de algo passado, assim como qualquer forma literária do tipo não pode ser classificada como história. Neste sentido, história é um modo racional para o qual um povo presta contas de sua história para si.

Como Van Seters, Mario Liverani (2016, p. 29-36) introduz seu trabalho refletindo sobre o mesmo. Para ambos os autores o que encontramos em textos como Juízes 5 é uma memória historiográfica, mais preocupada com a auto justificação da identidade pessoal do povo e intensões ideológicas de seus redatores. A memória “histórica” conservada sobre os textos bíblicos estão dentro dente contexto, suas fontes são carregadas de elementos míticos, ideológicos, de justificação e prestação de contas do povo em relação a suas memórias antigas e tradições.

O conteúdo ideológico e mítico dos textos bíblicos não tem a intensão de contar mentiras para enganar o povo ou apenas justificar uma ideologia3. O mito e a memória é um meio para o povo conservar sua história e tradição e dar significado e sentido a sua nação. Portanto, como afirma Van Seters, a escrita da história é apenas uma parte da tradição, um gênero letrado da tradição que só acontece como resultado do desenvolvimento de meios de escrita presentes na sociedade (2008, p. 21).

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Ainda nesta mesma linha de considerações, é importante citar que a tentativa desta pesquisa de resgatar memórias remanescentes e originárias de Israel presentes no texto de Juízes 5 irá considerar que o texto escrito é apenas uma forma específica do fluxo da tradição de uma sociedade.

Juízes 5 é uma obra literária que não se preocupou unicamente com a coleta de dados, preservação e composição dos fatos nela citados, mas sim preocupa-se em examinar e contar as causas das condições e circunstâncias atuais presentes na memória do povo. Como veremos no estudo de Jz 5, na antiguidade as causas morais eram consideradas causadoras dos conflitos e problemas cotidianos do povo. Por isso era necessário responsabilizar algo ou alguém por determinadas situações da vida. (VAN SETERS. 2008, p. 23).

Diante dessas considerações e analisando a natureza dos textos, estudiosos como NOTH, 1943; CROSS, 1973; SMEND, 1971; ROMER, 2008, desenvolveram a hipótese da escrita destas tradições e concluíram que alguns livros, dentre eles o de Juízes, pertencem e foram editados em consequência a uma ideologia que buscou legitimar, no tempo do rei Josias e nos períodos seguintes até sua conclusão, a organização dos temas relacionados a cultura, política e origem do povo, bem como as causas e culpados dos acontecimentos que necessitavam de respostas. Assim elaborou-se a ideia de um editor deuteronomista.

1.1. Contexto e Processo Redacional do Livro de Juízes

Na Bíblia Hebraica o livro dos Juízes pertence aos “Profetas Anteriores”: Josué, Juízes, 1-2 Samuel e 1-2 Reis. Nas versões cristãs faz parte dos “livros históricos” junto com 1-2 Crônicas, Esdras, Neemias, Ester e Rute, Juízes e Samuel, que juntamente com o Deuteronômio são conhecidos a partir da tese de Martin Noth como “Obra Histórica Deuteronomista” por conter uma relação entre o conteúdo, vocabulário e estilo (ALMADA, 2008, p.41). A hipótese da História Deuteronomista afirma que estes livros sofreram um processo redacional em três fases: domínio assírio, neobabilônico e persa (ROMER, 2008, p.70). Onde cada fase teria deixado marcas no texto de acordo com as necessidades teológicas e ideológicas de cada época, passando por revisões literárias desde o séc. 7 a.C. até o final do séc. 5 a.C.

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Conhecida como umas das fontes da bíblia hebraica, juntamente com a Sacerdotal, Javista e Eloísta, a fonte Deuteronomista seria de um único autor (ROMER, 2008, p.51), ou seja, uma escola ou grupo que escreveu a partir de sua visão da realidade, e necessidades teológicas e ideológicas. Seriam eles provavelmente altos funcionários da corte de Jerusalém, possivelmente escribas, já que estes tinham a tarefa de copilar as leis e eram os que possuíam os documentos da corte.

É possível que a origem da escola deuteronomista venha do encontro do livro do Deuteronômio e da reforma do culto feita pelo rei Josias. No texto de 2Rs 22-23 temos o relato que no 18° ano do reinado de Josias, o sacerdote Helcias teria encontrado o livro nas dependências do templo de Jerusalém, e o alto funcionário do rei Safã, fez a leitura do rolo deixando o rei muito comovido. Após este fato, o rei Josias transmite a mensagem ao povo e a partir da leitura estabelece um tratado com Javé iniciando então uma serie de mudanças em Judá, dentre elas, a centralização do culto no templo de Jerusalém e a devoção a apenas um Deus, Javé. Extingue-se assim, os outros deuses existentes na época, seus templos e sacerdotes, implantando uma ideia de nação, onde todos andam para o mesmo caminho e este caminho é Jerusalém junto com seu rei.

Para Romer, as mudanças teológicas ocorridas no reinado de Josias tem função ideológica, e o encontro do rolo no templo serve para legitimar a ideologia deuteronomista.

Assim diz Romer:

O motivo do encontro de livros é na verdade um conceito muito comum na literatura antiga e é geralmente empregado a fim de legitimar mudanças no campo religioso, econômico ou político. Isso significa que a história da restauração do templo e da descoberta do livro em 2Rs 22 é com toda probabilidade uma construção literária complexa, baseada em motivos do Oriente Médio (ROMER 2008, pag.57).

O livro mencionado em 2Rs 22-23 é identificado como o Deuteronômio, já que as prescrições deste entre o capítulo 12-26 estão em conformidade com os atos do rei Josias e os fundamentos de centralização que ele utilizou para sua “reforma”. Vemos que Dt 17,1-3 se assemelha a 2Rs 23, 4-5; assim como Dt 12, 2-3 e 2Rs 23, 6-14; Dt 23,18 e 2Rs 23,7; Dt 18, 10-11 e 2Rs 23-24. Fato que leva a situar uma possível edição do livro no período de Josias (ROMER, 2008, p.56).

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Com base nesta teoria, fundamentamos que uma primitiva edição da história deuteronomista se situa no período de Josias (620-609 a.C.) e não apenas no período pós-exílico, e que 2Rs 22-23 seria o mito fundante desta obra. Apesar de não existir provas de uma reforma feita no período de Josias, existem indícios de que houve mudanças no século 7 a.C e uma possível reorganização cultural e política em Judá. Sendo assim, este seria o primeiro período redacional da obra Histórica Deuteronomista (ROMER, 2008, p.61).

1.2. Processo redacional de Juízes 5

As pesquisas arqueológicas mais recentes comprovam que diferente ao que nos relata a história bíblica, nunca houve doze tribos filhas de Jacó, tampouco monarquia unificada e menos ainda uma cisão (FINKELSTEIN e SILBERMAN, 2003, p.208). O que se sabe é que até que o Norte sofresse a invasão Assíria, Judá era menos povoada e com pouco poder bélico e econômico, enquanto Israel tinha uma povoação mais densa influência e certo poder econômico e armamentista, eram então dois povos bem distintos.

Para Finkelstein e Silberman (2003, p. 208), uma primeira redação da Obra Histórica Deuteronomista no período de Josias seria possível, pois este foi o período de elaboração e implantação da ideia. Antes da queda do reino do Norte Judá não teria condições de estruturar uma teologia tão complexa.

Vejamos o que diz Finkelstein e Silberman:

Há uma boa razão para sugerir que sempre existiram duas entidades distintas de regiões montanhosas, das quais a do sul sempre foi a mais pobre, mais fraca, mais rural e menos influente, até que ascendeu, repentinamente, a uma proeminência espetacular, depois da queda do reino de Israel, ao norte (FINKELSTEIN e SILBERMAN, 2003, p.208).

Partindo destas novas pesquisas, acredita-se que Judá só se expandiu após a queda do Reino de Israel, sendo este o período em que se organizou como nação. Possivelmente muita gente do norte deve ter migrado para o sul buscando melhores condições de vida após a devastação de seu reino. Estes levaram consigo memórias e tradições que se espalharam por Judá e se mesclaram entre as já existentes no sul (FINKELSTEIN e SILBERMAN, 2003, p. 207-233).

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Foi só após a queda do Norte (722 a.C.), que Judá cresceu em população e se desenvolveu. Por causa de todo este crescimento, do projeto dos deuteronomistas e de Josias, é que se fez necessário estratégias mais elaboradas para unificar o povo e centralizar o poder. Com este intuito começam a reunir as memórias que já circulavam entre os dois reinos, tanto escritas quanto da tradição oral, e de forma ordenada.

A partir de seus objetivos, compuseram a primeira redação dos livros: Js, Jz, 1-2 Sm e 1-2 Rs. legitimando seus ideais e a reforma. Os reis Ezequias (716-687 a.C.) e Josias (640-609 a.C.) tentaram usar a religião para a política, centralizando o lugar do culto e instituindo o culto a um deus único - Javé. Criaram regras para controlar e guiar o povo, ganhando apoio religioso, para assim expandir seu reino e se manter forte perante os impérios vizinhos (2 Rs 18, 1-8; 22; 23,30) (FINKELSTEIN e SILBERMAN, 2003, p.329-392).

A obra deuteronomista em sua primeira redação não é decorrência somente dos fatores regionais, ligados aos reinos de Israel Norte e Judá ao Sul, mas é resultado de todo um contexto internacional. Contexto este que trouxe a necessidade de resgatar o processo histórico de formação dos dois reinos.

Neste período a Assíria (1300-612 a.C.) era a grande potência (2Rs 17,1-6 e KAEFER, 2015, p.27), mas no século 7 a.C., sofreu um declínio importante. O reino do Norte já não existia, assim o reino Egípcio começou uma expansão territorial e um renascimento político, aproveitando que havia se libertado da vassalagem assíria. Os egípcios se preocuparam em dominar as regiões da planície costeira e as terras que antes pertenciam a Israel, pois estas possuíam grande riqueza agrícola e rotas comerciais. Em decorrência disso, os povos isolados nas montanhas como o reino de Judá foram deixados em paz, porque já não tinham importância para ninguém. Aproveitando o momento, o reino de Judá começou um projeto de organização, expansão e centralização do poder reformando seu modo de vida. (FINKELSTEIN e SILBERMAN, 2003, p. 379-383).

Esse plano ambicioso exigiria propaganda ágil e eficaz. O livro do Deuteronômio estabeleceu a unidade do povo de Israel e a centralidade do lugar de seu culto nacional, mas era na história deuteronomista e em partes do Pentateuco que se criaria uma saga épica para manifestar o poder e paixão dos sonhos ressurgentes de Judá. É provável ser essa a razão pela qual os autores e editores da história deuteronomista e de partes do pentateuco se reuniram para repensar as mais preciosas tradições do povo de Israel: envolver a

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18 nação para a grande luta publica que a esperava adiante (FINKELSTEIN e SILBERMAN, 2003, p. 380-381).

Apesar de sua tentativa de organização e expansão, o reino de Judá estava em meio ao conflito territorial entre os egípcios, babilônicos e assírios. Em uma batalha contra o rei Necau II do Egito, o rei Josias foi assassinado em Meguido (2Rs 23,29), terminando assim sua grandiosa reforma. Apesar disso as marcas do período de Josias ficaram,

A vida urbana de Jerusalém atingiu um pico que só seria igualado no império romano. O estado era bem organizado e muito centralizado na época de Manassés. Mas, em termos de seu desenvolvimento religioso e da expressão literária de sua identidade, a era de Josias marcou novo estágio na era de Judá (FINKELSTEIN e SILBERMAN, 2003, p.389).

Após a queda de Judá em 587 a.C., conquistada pelos Babilônicos (2Cr 36, 11-20), Judá também sentiu os efeitos dos projetos avassaladores de expansão deste império que invadiu, deportou e exilou sua corte e os membros mais importantes do reino, permanecendo por anos com conflitos até que o Império babilônico destruiria a cidade e o templo de Jerusalém, e a população restante seria levada para o exílio (2Rs 25,1-22). O povo que antes se via amparado por seu Deus agora se vê abandonado. Javé perdeu para os outros deuses? Será que ele é fraco? Então a resposta mais correta era pensar que Deus não pode ser culpado e sim o povo.

O povo de Israel, subjugado pela Babilônia, sofre o exílio. Os poucos que restam na terra de Canaã, ameaçados de perder sua identidade (não tem mais templo, não tem mais autonomia política), se questionam: Que aconteceu? Por que aconteceu? O que levou a esta desgraça? Por que javé nos abandonou? Releem então e reescrevem sua história, a partir do material já existente, na época da reforma de Josias, ou reforma deuteronomista, em 622 a.C. (coletânea vinda do reino do Norte) (SILVA, BARBOSA, e MORAIS, 1991, p. 59).

Tamanha desgraça para este povo os levou a perguntar-se o motivo de coisas tão terríveis acontecerem. A resposta que encontraram foi: resgatar antigas lendas, mitos e culparem-se alegando que a infidelidade à Javé resultou em punição, exílio e destruição do povo.

Neste momento de ruína e crise,

(...), surge a necessidade de avaliar e reler a história, no desejo de encontrar respostas para a vexatória realidade que se abateu sobre o

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19 ‘povo eleito’ de Javé (Ex 9,1; Dt 7,6;14,2). Foi preciso refletir e encontrar as causas de tanto sofrimento.

Na releitura histórica feita pelos sábios deuteronomistas, a prática da idolatria e o abandono da Torá são as causas originais dos males que assolaram Israel e Judá. Os reis não foram capazes de assegurar a integridade diante da proposta de javé, e por isso os Juízes são enviados na esperança de se retornar aos caminhos de Javé (3,7-11; 3,12-15; 4,1-3; 6,1; 8,27b.33-35; 10,6-16; 13,1). O fato de suscitar tais líderes certifica essa releitura em pleno exílio babilônico (BIBLIA PASTORAL, 2014, p.268).

Em 540 a.C., a Pérsia havia se tornado uma potência em ascensão resultando no fim da opressão babilônica. Uma fração do povo exilado retornou para sua terra (Esd 1,1-6), os ideais de pátria antes pregados ainda eram fortes entre eles, e este critério ideológico dominou e definiu a comunidade pós-exílica, pois o poder econômico e religioso estava com eles. Neste contexto se dá uma possível redação final da obra deuteronomista (ROMER, 2008, p.166). A população que habitava nas terras de Judá eram uma ameaça, não observavam a centralidade do culto ou a ideologia do deus único e ainda representavam o período do cativeiro. Assim a centralização do culto e rejeição dos “ilegítimos” no período persa foi à estratégia do autor deuteronomista para conservar sua ideologia (ROMER, 2008, p.68-69).

Ao observar a construção da história deuteronomista, fica claro que sua teologia é concebida por uma aliança entre Israel e Javé. Javé é o Deus libertador que elegeu a Israel como povo escolhido, e como consequência da aliança Deus lhes promete uma terra desde que o povo seja fiel a seus preceitos. Assim, o autor deuteronomista defende a observância da lei e a centralização do culto a Javé para justificar o cumprimento da aliança. E cada vez que o mal e a desgraça caíram sobre o povo é porque os reis e a população não foram fieis a esta aliança (OTTERMANN, 1997, p.42).

Segundo Mônica Ottermann (1997, p.41-44), a obra deuteronomista colocou em sequência eventos desconectados e os deu uma moldura teológica e ideológica. O autor denúncia infidelidades com o povo, tanto políticas quanto sociais, mas seu foco é a infidelidade religiosa, por isso culpam a idolatría do povo e dos governantes e o culto a outros deuses pelos males que sofrem. Para eles a destruição dos reinos do Norte e Sul é uma consequência ao descumprimento das leis.

Na sua redação da época monárquica, o “refrão” deuteronomista sobre a maioria dos reis avalia que “fizeram o mal aos olhos de Javé” (por exemplo 1Rs 14,22; 15,26.34; 16,25; 22,53; 2Rs 13,2.11; 14,24; 15,9.18.24.28; 16,2; 17,2; 2; 21,2; 23,33.37). Apesar de uns poucos

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20 reis justos, em lugar de destaque Josias (2Rs 22-23), este mal vai se acumulando e leva numa “linha reta” a catástrofe do exílio.

Também na época dos juízes, os redatores da Obra Historiográfica Deuteronomista deixaram este refrão: aquele esquema de “infidelidade – opressão – clamor – libertação” com o qual eles padronizaram as narrativas dos heróis e suas lutas. Antes de analisar este esquema, já devemos salientar que o sujeito avaliado aqui é o povo todo, e que não se trata de uma linha reta de mal acumulado, mas de “ciclos” que incluem a conversão. (OTTERMANN, 1997, p.42)

Após toda a trajetória feita acima sobre a obra deuteronomista fica claro, que quando lemos o livro de Juízes precisamos levar em consideração todo este processo de composição e de realidade histórica.

1.3. História da Hipótese Deuteronomista

Existe uma pré-história de autores que elaboraram a ideia da hipótese deuteronomista. Relacionando as semelhanças entre os profetas anteriores e o Deuteronômio, constataram que o editor do texto deveria ter vivido depois dos eventos de 587 a.C. e precisavam explicar o declínio de Judá a partir de suas histórias e tradições anteriores (ROMER, 2008, p. 22-29). Já neste período de pré-hipótese, existia consenso de que os textos de Josué, Juízes, Samuel e Reis tinham presentes as ideias deuteronomistas.

Diante deste cenário, em 1943, Martin Noth escreveu The Deuteronomistic

History, considerado o marco inicial para esta teoria. Neste trabalho Noth não tinha a

intenção de precisar quais textos contidos nos livros históricos eram ou não deuteronomistas, o que Noth faz é determinar o papel e função dos textos com esta ideologia dentro do Deuteronômio e profetas anteriores.

Outro feito de Martin Noth é a datação da História Deuteronomista logo após 560 ou 562 a.C. durante o exílio na Babilônia, afirmando que o autor conhecia a história, pois 2Rs 25,27-30 relata a libertação de Joaquim da prisão. Um novo aspecto levantado por Noth é a inclusão em Gênesis e Números de material deuteronomista, afirmando que a obra não começa em Js 1. Para ele os textos deuteronomistas possuem coerência, cronologia, estilo e teologia unificada, caracterizando que o autor não poderia ser apenas um editor, mas sim um autor que organizou as complexas e distintas tradições e memórias do povo. Contudo, Noth entende que algumas destas memórias são edições fiéis de materiais mais antigos e defende que o autor tinha acesso as

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informações sobre a história de Israel de forma cronológica (NOTH, 1996, p. 15-30; ROMER, 2008, 30-33).

Após a publicação de Noth e as diversas reações que seguiram em relação ao estudo da Historiografia Deuteronomista destacou-se a de Frank Moore Cross (CROSS, 1973, p. 274-289), que defendeu a dupla redação dos textos, distinguindo as camadas redacionais do período de Josias e posteriormente revisadas no período exílico. Para ele, a primeira edição foi produzida no período do rei Josias e que se completou em 587 a.C. no contexto do exílio, discordando do pensamento de Noth sobre uma edição exílica dos textos. Cross trouxe a teoria de que no tempo da reforma de Josias, uma ideologia de propaganda estava nascendo em Israel, teoria que se difundiu, principalmente nos Estados Unidos, como a escola de Cross (O´BRIEN, 1989, 10-12).

Diversas escolas surgiram após o pontapé inicial dado por Martin Noth. Uma delas é a de Rudolf Smend, que chama atenção para as diversas camadas redacionais exílicas e pós-exílicas presentes na Obra Historiográfica Deuteronomista, assim como Noth. Porém não defende a hipótese de que existiu um autor/redator que tenha organizado os livros, mas sim que a obra foi escrita em diversos períodos por mãos distintas (O´BRIEN, 1989, 7-10).

Tomas Römer comenta em seu livro A Chamada História Deuteronomista (2008, p. 38-44) sobre as diferentes posições abordadas ao longo dos anos sobre o tema. Para o autor, é preciso separar e diferenciar as diversas formas literárias e ideológicas na obra deuteronomista. John Van Seters (2008, pp. 331-353) atribui vários textos antes considerados deuteronomistas a um acréscimo posterior, porém defende a coerência da obra defendida por Martin Noth.

O atual estado da questão segundo Römer (2008, 48-50) seria a de situar a redação dos textos deuteronomistas em três períodos históricos, assírio, babilônico e persa, e afirma que o livro de Juízes teve sua elaboração no contexto assírio, apoiando a posse da terra de Judá por meio de Javé como reflexo da ideologia Josiânica.

Ao referir-se a tal assunto, Lanoir (2010, p. 329) concorda que a primeira redação deuteronomista está situada no período de Josias. Para ele nosso objeto de estudo, o cântico de Débora em Juízes 5, pertence a este contexto. Para o autor, a história de Débora esta presente a partir de três relatos centrais (Ehud, Deborá, Guideon) em um ciclo recorrente no livro de Jz, (pecado-punição-arrependimento-julgamento). Os ciclos são utilizados para descrever a corrupção de Israel, enfatizando a

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necessidade da monarquia e propondo um final feliz para o povo (LANOIR. In: RÖMER, MACCHI, NIHAN, 2010, p 323).

1.4. O livro dos Salvadores-Libertadores de Israel

Como foi dito anteriormente, as memórias descritas no livro não possuem a pretensão de ser, num primeiro momento, uma narrativa factual dos acontecimentos. Ou seja, histórica, mas sim, a partir da proposta dos deuteronomistas, pretende legitimar e fortalecer o povo a uma organização e conquista da terra.

Em outro aspecto levantado por autores como Romer (2008, p. 94), Lanoir (2010, p 333), Kaefer (2017, p.58), entre outros. É possível que o autor deuteronomista tenha herdado um rolo israelita contendo a história de salvadores, e a partir disso, elaboraram a trajetória dos Juízes, já que os heróis do livro são todos originários do Norte com exceção de Otoniel.

A observação de que todos os juízes exceto um (Otoniel) vieram do Norte levou à convincente hipótese de que, por trás do atual livro dos juízes, está uma coleção de relatos acerca de ‘salvadores’ israelitas originários do reino do Norte. Embora esta coleção tenha sido ligeiramente reelaborada pela escola deuteronomista quando, num tempo posterior, o livro dos salvadores foi integrado na História deuteronomista, é perfeitamente lógico supor que ela não foi usada pelos escribas reais no tempo de Josias, já que a orientação nortista desta coleção não se encaixava absolutamente na política nacionalista judaíta deles. Isto implica que, no tempo de Josias, ainda não havia propriamente falando uma ‘história’ deuteronomista, já que os livros de deuteronômio até Reis não estavam relacionados um com o outro por uma estrutura cronológica coerente e pela sucessão de períodos distintos diferentes (ROMER, 2008, p. 94).

A hipótese de um “livro dos salvadores” teria contido histórias próprias da literatura e do imaginário do povo do Norte. Relatos que dizem respeito à libertação da opressão que o povo sofria, sem implicar a existência de nenhum rei de Israel. O livro teria contido as histórias de Ehud, Deborá, Guideon e Jefté e relatos sobre a opressão sofrida no territórios do Norte (LANOIR. In: RÖMER, MACCHI, NIHAN, 2010, p 333).

Em 1964, Walter Richter identificou os capítulos 3,7-12,15 dentro do livro de Juízes como uma coleção independente de heróis e libertadores do povo que o reino do

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sul apropriou para sua cultura quando precisou elaborar sua história (VAN SETERS, 2008, p. 345-353).

Philippe Abadie (2005) inspirado em Walter Richter também defende que houve inicialmente um "livro de salvadores" (Eúde, Barak e Gideão), composto no reino de Israel no tempo do rei Jeú (841-814). Ele sustenta que a morte de Abimaleq, depois da maldição de Joatão (Juízes 9,56) constitui a conclusão deste primeiro trabalho. Este "livro de salvadores" encontrou uma primeira revisão sob Josias (640-609), que transformou batalhas locais em "guerras de YHWH" enriquecendo-as de elementos novos. Lanoir comenta a hipótese de uma tradição composta em Betel depois de 720 a.C. (LANOIR. In: RÖMER, MACCHI, NIHAN, 2010, p 333).

Para Wright (2011, p. 516-534), a música possui duas vertentes distintas, uma simbólica e mítica, e outra que pode conter tradições concretas e realistas. A primeira vertente está nos versículos 2–5,8–11,13–14,16–19–23,31, e podemos compará-lo com Ex 15 e o Sl 68.

O texto em Ex 15, 1 começa descrevendo Javé oriundo de Seir e do Sinaí, durante o acontecimento um tremor de terra é presenciado, semelhante ao Sl 68,8.18. No texto, semelhante a Jz 5, o povo desce para lutar contra reis anônimos em uma região próxima a Meguido (Sl 68,13). A região de Meguido é popular nos textos bíblicos quando o assunto é narrar guerras históricas do Levante Sul. Em do Sl 68, 9-10; Ex 15, 8-10, há referência ao desejo dos reis de saquear o local, porém águas torrenciais os varrem para fora do local, relato bastante semelhante as memórias das torrentes do Quison varrendo o povo. Por haver grande quantidade de memórias desses acontecimentos no texto biblíco, Wright levanta a possibilidade dessas serem memórias míticas presentes no imaginário do povo.

Por outro lado, os versículos 6-7.12.15.24-30 demonstram um seguimento mais concreto do texto. Para o autor, existe um tom coerente e explicito nos relatos de Débora, que desperta as tropas para lutar. Sísera representa os inimigos anônimos que foram vencidos na batalha pelo povo. Baraq representa aquele que lidera Israel. A descrição de sua morte por Jael, uma mulher e a cena satírica de sua mãe, que não conhece o final da batalha e o destino de seu filho, são muito explícitos e parecem ter relevância a algum tipo de memória ou referencia a dados históricos, pois a cronologia contida no livro de Juízes (dias de Samgar / Jael) parece prudente ao se pensar em uma cronologia real (WRIGHT, 2011, p. 516-534).

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Wright (2011, p. 516-534), ainda propõe que quando comparamos o v. 24-30 com o 31ª, vemos que o primeiro apresenta elementos realistas, enquanto o ultimo é composto apenas por símbolos míticos. Para o autor, o poema contido em Jz 5 é uma “epopeia heroica”, com datação mais antiga, onde mãos posteriores o retrabalharam e adicionaram elementos teológicos e míticos que conduzem o texto a uma imagem meramente simbólica, onde os protagonistas, antes cheios de humanidade, passam a ser vistos á luz de elementos divinos.

O Cântico de Débora tem poucos paralelos com outros textos bibícos, exceto Gn 35,8 e Ex 15, as informações fornecidas no texto são quase auto-sustentáveis, e cada vez que um bloco é desmembrado do texto, o conteúdo permanece coerente, sem causar dano estrutural a música. Ao contrário, ao remover blocos individuais, são reveladas novas formas literárias que enriquecem a análise do texto.

Sendo assim, podemos dizer que o livro é identificado como uma coleção originalmente independente de “salvadores e libertadores” e que provavelmente teria sido reelaborado e juntado no período do pós-exílio (KAEFER, 2016b, p.2). Por isso se observa que o livro de Juízes é o que tem o menor número de textos deuteronomistas, pois tiveram uma trajetória anterior vinda do norte e estas memórias se conservaram mesmo que em pequenos trechos cheios de revisões e construções ideológicas, como é o caso de Jz 4-5 e a possível memória mais antiga dos inicios de Israel Jz 5,14-18 (KAEFER, 2016b, p.2).

1.4.1. Considerações sobre a escrita em Israel Norte

Existem autores que fazem uma distinção entre o hebraico bíblico tardio e o hebraico bíblico clássico (Young, 1993; Sáenz-Badillos, 1993; Knauf, 2006). Schmid (2013, p. 54) e Young, (2005, p. 341-351) consideram que a presença de hebraico antigo nos textos bíblicos não atestam a antiguidade da escrita, pois podem apenas referir-se ao conhecimento do autor sobre termos arcaicos que embelezam o texto.

Ainda segundo Schmid (2013, p. 54-55), foi somente a partir do 9 séc a.C. que o alfabeto hebraico se formou com seus 22 símbolos e a direção para a esquerda passou a ser usada de modo fixo. Esse fato indica que somente após este período textos mais complexos poderiam ser escritos em Israel na língua hebraica.

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Conforme Schmid (2013, p. 56), a literatura hebraica poderia ter se desenvolvido em Israel Norte somente no período de 850-750 a.C. enquanto que em Judá, só apareceria por volta do séc. 8 a.C. com sua ascensão após a queda do reino do Norte.

Os achados que comprovam o período de desenvolvimento da escrita em Canaã só começaram a partir do séc 10 tardio a.C. Neste período quatro inscrições foram encontradas; o alfabeto de Tel Zayit é um elemento que facilita nossa compreensão do período inicial do desenvolvimento da escrita em Israel. A partir do séc. 9 a.C. a quantidade de inscrições aumentam. Schmid (2013, p. 57) as considera como um parâmetro para compreendermos a dinâmica da difusão da escrita por todo o território.

No séc. 9 a.C, 18 inscrições hebraicas foram encontradas, 16 na primeira metade do séc. 7 a.C. Ainda no séc. 7 a.C, porém na segunda metade, 129 inscrições apareceram, a partir disso se tornou mais constante a escrita em Israel. A grafia complexa presente na Estela de Mesa, uma estela moabita encontrada em Diban, território da Jordânia e que remonta ao período do séc 9 a 8 a.C. (GALLEAZZO, 2008, p.12) a inscrição de Balaão em Deir ala, também datada do mesmo período, a Estela de Tel Dan, no extremo norte de Israel (KAEFER, 2015, p. 78), ou o famoso calendário agrícola de Guezer, datado em 850 a.C. (KAEFER, 2015, p. 24), também auxiliam a perceber o quanto houve expansão na escrita nesse período.

Com essas informações, constatamos que atribuir a um redator norte israelita a autoria da história dos salvadores-libertadores é viável, pois este período de expansão escrita, acompanhada pela expansão do território do Norte gerou no povo a necessidade de recontar e escrever suas histórias e colocar as memórias no papel.

1.5. Questões introdutórias sobre o livro de Juízes

O livro dos Juízes tem como objetivo apresentar como se deu a posse das terras, a instalação e consolidação das tribos antes da monarquia. O autor buscava encontrar sentido acerca de tudo que presenciou, recapitulando a história. Para que esse processo fosse lido como algo querido por Deus, se conta a história de Juízes e Juízas que atuaram em seu nome e foram guiados por Ele. Assim, garantiam que a Terra é direito da nação escolhida - Israel, que os meios usados para conquista-la, são legítimos, e que

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os juízes/as são os pais do povo que têm a missão de leva-los aos caminhos de Javé (NOVA BÍBLIA PASTORAL, 2014, p.268).

O significado do nome Juízes (

hj'îp.v o

em hebraico), do verbo “Julgar”, possui o sentido de tomar decisão.

jpv

significa “Juiz”, aqueles que são chamados por Deus com a missão de guiar o povo, possivelmente sua função fosse a de lideres militares e não tinha relação com o julgamento do povo. Podem ser pessoas carismáticas que guiavam o povo em situações de guerrilhas, sendo então considerados seus libertadores (CUNDALL; MORRIS, 1986, p. 17; ANDIÑACH, 2017, p. 11-22).

Para Philippe Abadie (2005, p. 5) O particípio que forma o título

jpv

"juiz" designa um homem apto para administrar a justiça, ao contrário do sentido "decidir", como patrão habilitado para conduzir os destinos de um clã ou de uma tribo, e até mesmo de um grupo tribal. A origem do termo é provavelmente cananéia, e também a encontramos em Moabe (Am 2: 3).

O livro apresenta uma sucessão de doze juízes, tradicionalmente divididos em dois grupos. Seis deles, Sangar, Tola, Jaír, Ibsã, Elom e Abdom, dificilmente desfrutam de alguma nota focada em funções do governo. É sua pertença tribal o importante, exceto Samgar. Os outros seis, Otniel, Eúde Débora, Gideão, Jefté e Sansão, são objeto de uma história mais desenvolvida do que apenas o relato de suas façanhas militares e as circunstâncias em que salvaram Israel.

É comum que seja feita uma distinção entre juízes maiores e menores, a divisão parece coerente, mas não pertinente4, pois Jefté pertence a ambas categorias. É provável que as histórias venham de tradições diferentes, podemos até perguntar se Sansão é um juiz de verdade, já que aparece mais como um herói isolado do que como chefe de cidade.

Ao lado do verbo

jpv

devemos levar em conta outro verbo igualmente essencial, o verbo

[vy

que significa “salvar” (3,31, Sangar, 6,15, Gideão, 10.1, Tola), e seu particípio

[:yviªAm

“salvador” (3,9, Otoniel, 3,15, Eúde). Este vocabulário duplo torna possível distinguir entre "juízes" e "salvadores", tal distinção é ainda mais importante porque o verbo

jpv

está ausente ao longo da história de Gideão. A mistura

4

Corinne Lanoir emRÖMER, T., MACCHI, J., NIHAN, C. Antigo Testamento, história, escritura e teologia. São Paulo, Loyola, 2010. Afirma que alguns autores consideram que essas listas seriam baseadas no modelo das listas de chancelarias reais.

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dos dois tipos de funções denuncia a complexa gênese literária do livro (ABADIE, 2005, p. 5).

Vejamos a citação de Lanoir em relação à função e cronologia dos juízes.

Reunindo as duas listas obtém-se uma série de doze nomes, dos quais alguns acumulam as funções de juiz e de salvador mas figuram no livro outros personagens que nem julgam nem salvam, como Jael (4– 5) e Abimélek (9). Nenhuma dessas atividades é mencionada nos capítulos 17–21, enquanto a função de julgar é novamente atribuída, no livro de Samuel, a Eli (1Sm 4,18) e a Samuel (1Sm 7,15 especifica que “Samuel foi juiz de Israel durante todos os dias de sua vida”, e 1Sm 12,11 menciona Samuel como um libertador ao lado de Ierubáal, Bedan — aliás, desconhecido — e Jefté). Isso indica que na “cronologia” dos Profetas anteriores, Samuel é considerado pertencente ainda à época dos juízes (LANOIR. In: RÖMER, MACCHI, NIHAN, 2010, p 323).

Ao referir-se a tal assunto Corinne Lanoir, Spronk e Assis (2010, p. 322; 2001, p.232-242; 2005) destacam que Débora em Jz 4,4 é uma exceção em relação aos personagens evocados com o termo

jpv

“Juízes”, pois ao contrário dos demais, Débora parece desempenhar uma função de juíza no sentido jurídico. Em seu livro, Lanoir concorda com Abadie afirmando que ninguém tem o título de juiz no livro, exceto no resumo de Juízes 2,16-18 “O Senhor suscitou juízes”, afirmando que os termos que descrevem os personagens (

jpv

e

[vy

), os que julgam e os que salvam a terra os definem como libertadores e salvadores de sua tribo durante a opressão, com pouca ou nenhuma informação de sua extensão territorial ou função precisa.

1.6. Estrutura do livro de Juízes

Nas várias pesquisas sobre o livro de Juízes (OTTERMANM, 1997; SCHMIDT, 2004; LANOIR, 2010, MENDONÇA, 2017; ALMADA, 2008, dentre outros) nos são apresentadas diversas propostas de estruturas que ajudam a visualizar melhor o livro, optamos pela estrutura apresentada por Thomas Römer, (2008, p.14-14).

Para Römer, o livro tem duas aberturas diferentes, 1,1-2.5 e 2,6-3,6:

- A primeira abertura, relata a conquista de uma forma diferente da descrita em Josué 2-12, ela afirma o sucesso de Judá sobre as outras tribos já que estas não respeitaram a ordem de Javé de se separar do povo nativo. Também apresenta o difícil e lento

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processo das tribos de Israel em Canaã, e as ações isoladas de cada tribo. Mostra Judá como protagonista e culpa a infidelidade do povo pelos fracassos.

- A segunda abertura, tem o objetivo de criar uma história do período dos Juízes/as, dando forma sequencial aos relatos em que Javé manda um libertador que os salva, depois o povo dá as costas a seu Deus e é castigado, então Javé manda outro líder e tudo se repete de forma cíclica, fazendo com que os castigos sejam por culpa da desobediência do povo gerando a opressão. Esta interpretação tem um estilo mais doutrinal e teológico que serve como chave de leitura para cada ciclo.

A segunda introdução a Juízes em 2,6-3,6 fornece assim uma moldura para toda a coleção de 3,7-16,31 e os leitores, ou os ouvintes, são dessa forma instruídos sobre como deverão entender as narrativas subsequentes a respeito dos salvadores de Israel (ROMER, 2008, p.15).

Samuel Almada, ao falar sobre o conteúdo do livro de Juízes afirma que existe um esquema básico para a leitura de cada ciclo dos libertadores e os divide em quatro tempos sucessivos:

1. infidelidade de Israel (2,11;3,7.12;4,1;6,1;10,6;13,1)

2. aborrecimento e castigo por parte de Javé (2,14;3,8.12-14;4,2;6,1;10,7)

3. clamor de Israel a Javé (2,18b;3,9.15;4,3;6,6;10,10)

4. Javé suscita um juiz (2,16;3,9-10.15;4,4-10;6,34;11,29;15,19) que liberta Israel da opressão e o país fica em paz por certo tempo, até que o povo caí novamente na infidelidade (2,19;3,12;4,1;6,1;10,6;13,1) e começa outro ciclo. (2008, p. [193] 43).

As introduções são aparentemente posteriores às histórias dos Juízes, mas orientam sua leitura. Em seguida vem o centro do livro, no relato sobre os Juízes de Israel (3,6-16,31). Parece haver um esforço na redação para chegar ao número de doze tribos segundo a tradição. Dentre os Juízes, seis são menores e recebem pouca atenção do autor, são eles: Samgar (3,31), Tola (10,1-2), Jair (10,3-5), Abesã (12,8-10), Elon (12,11-12) e Abdon (12-13-15). Chama-se de “juízes maiores” os que as histórias são mais detalhadas e enfatizadas, contando a grandeza de suas façanhas libertadoras.

Thomas Romer descreve algo sobre os “juízes maiores”:

A primeira narrativa sobre Otoniel (3,7-11) é bem curta e estereotipada. Reúne e antecipa elementos importantes das histórias seguintes. Otoniel é o único juiz oriundo de Judá; todos os outros são do Norte. Os “Juízes” a quem os autores e redatores prestam mais

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29 atenção são: Aod, o trapaceiro que assassina o obeso rei de Moab (3,12-30); Débora e Barac, os líderes da guerra anticanaanita que envolveu algumas tribos israelitas (Jz 4-5); Gedeão, que luta contra os madianitas, e a fracassada tentativa de seu filho Abimalec de estabelecer uma monarquia (Jz 6-9); Jefté, sua guerra contra os amonitas e o sacrifício de sua filha (10,6-12,7). A história de Sanção e suas desavenças com os filisteus (Jz 13-16) é totalmente singular em comparação com os outros juízes. Algumas das narrativas sobre Sansão são burlescas (como o é a história de Aod) e apresentam paralelos com a mitologia grega, especialmente com as façanhas de Hércules (2008, p.15).

No fim, o livro apresenta dois apêndices (17-18 e 19-21) agregados de origem diferente. O primeiro refere-se à fundação do santuário em Dã e o segundo coloca o crime de Gabaá como causa da guerra contra a tribo de Benjamim, finalizando com sua recuperação e a reabilitação das tribos irmãs. Os apêndices se unem a um refrão afirmando que perante a ocasião cada tribo fez “o que era reto a seus olhos” (17,6; 18,1;21,25) parecendo ter a intenção de fazer uma ponte de transição para os livros de Samuel e Reis.

O debate atual que existe com certo consenso, refere-se ao fato de que o período dos juízes é uma construção teológica e não uma realidade histórica. Segundo Lanoir (RÖMER, MACCHI, NIHAN, 2010, p. 332-333) existe uma corrente que defende um lugar para o livro entre os profetas posteriores, afirmando que o livro de juízes possuía uma história independente e foi inserido entre Deuteronômio–Josué e Samuel–Reis apenas no período persa, permitindo que façamos uma leitura de 1 Samuel como sequencia de Josué.

1.7. Questões introdutórias a Juízes 5

Dentro do cântico se destacam diferenças gramaticais que apontam para a existência de camadas redacionais. Temas diversos também são identificáveis no texto, assim como palavras arcaicas. Para identificar as memórias mais antigas do povo de Israel, as palavras arcaicas são referência determinante no estudo proposto, em especial as contidas nos versículos 14-18, que, segundo Kaefer (2016, p.5-12), formam uma unidade independente e mais antiga sobre a lista original das tribos. Para ele estes versos parecem fazer menção à origem de Israel Norte a partir da valorização da tribo de Benjamim. Além disso, há outras referências mais antigas em relação às tribos, como

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o substantivo “povo” usado em vez de “tribos” (OTTERMANN,1997, p. 35), o que leva a entender que a referência a tribos também é tardia.

Ao referir-se a tal assunto Van Seters (2008, p. 351-353) diz que apesar de parecer que o autor/relator do texto extraiu algumas histórias e elementos de antigas lendas populares, não é possível reconstruir uma história pré-deuteronomista, a história de Débora e Barac, segundo o autor, tem plena integração da narrativa e esquema teológico. Para ele, o “juiz” se refere a algum tipo de magistrado presidente de tribunais, conhecido e utilizado para fundamentar a tentativa deuteronomista de resgatar um período histórico, pouco conhecido entre o povo de Israel.

Knohl (2016, p. 45-65) em uma pesquisa mais atualizada afirma que o cântico de Débora (Jz 5,2-31a) pode ser separado entre o poema original e seus acréscimos editoriais, ele isola o núcleo do texto e remove o que considera adições posteriores, com isso defende que o cântico é uma estrutura numérica clara e elaborada. Knol divide a canção em sete estrofes destacando a importância do número que para o autor do texto era sagrado, defendendo que o tetragrama também aparece sete vezes no texto. Em relação a ênfase do tetragrama nas primeiras e ultimas estrofes, Knohl afirma ser uma tentativa do autor de enfatizar as primeiras e ultimas aparições de Javé. Defende também que em cada verso a numeração das palavras estão colocadas propositalmente para marcar a divisão do texto.

Com estes e vários outros argumentos, Knohl defende que algumas partes do poema poderiam pertencer ao período pré-monárquico, e sua pesquisa suporta a possibilidade de que no período dos juízes uma grande parte do texto tenha sido composta. Afirma também que versos como os 6-8 foram acrescentados posteriormente, provavelmente no período monárquico, pois estes versos refletem a realidade e ideologia deste tempo.

Para Lamontagne (2013, p. 4-30) a discussão acadêmica sobre a veracidade histórica da Canção de Debora contém duas questões: qual é a idade da música e que relação ela tem com a narrativa do capítulo 4. Que a canção de Débora é uma das mais antigas, senão a mais antiga na Bíblia hebraica ainda é a opinião dominante entre os estudiosos. No entanto, há um número significativo que discorda. Determinar a idade da música não é uma tarefa simples, e vários fatores estão envolvidos. No entanto, afirma o autor, uma opinião sobre o texto só pode ser feita com base em elementos objetivos, como o estudo da língua usada e as referências em si. O problema de analisar até mesmo esses dados é que, por um lado, uma composição com linguagem mais antiga

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pode ter sido editada por copistas com a intensão de torná-lo mais inteligível, e por outro lado, uma composição posterior pode ter sido originalmente composta por elementos linguísticos arcaicos, uma característica comum da poesia hebraica e da poesia em geral.

Para evitar a discussão do mérito em relação aos argumentos dos autores, Lamontagne define em seu trabalho a opinião com a qual a maioria de estudiosos concordara, de que a composição do cântico de Débora começou não antes de 1100 a.C. e conseguiu uma forma final no mais tardar de 800 a.C.

A questão da historicidade da canção e sua conexão com o cap. 4 é uma discussão quase tão complexa quanto à do texto da canção. Antes da idade moderna, assumiu-se que tanto a narrativa quanto a canção eram relatos históricos e poderiam ser tratados como tal. Mesmo durante a era moderna, estes textos ainda foram usados como guia para a interpretação dos dados arqueológicos das áreas em torno de Taanaq e Meguido. Devido a isso, as escavações na área progrediram, no entanto, tornou-se cada vez mais difícil conciliar os eventos nos Juízes 4 e 5 com qualquer atividade histórica particular, de modo que na arqueologia moderna reconstruções do período deixaram de depender de uma ou outra explicação bíblica e passou a crer apenas na evidência

A conexão entre juízes 4 e 5 também está em questão para Lamontagne, segundo o autor, os comentaristas geralmente trataram os textos como histórias separadas de um único evento e os diferenciaram dizendo que os redatores foram informados por fontes distintas, Débora escreve o cântico enquanto o historiador escreveu a narrativa. Outro aspecto é a ideia de que sendo os textos de diferentes gêneros, justifica-se o fato de terem preservado diversos aspectos do evento. Hoje é mais comum encontrar comentaristas que argumentam sobre a dependência direta entre eles, na medida em que um foi composto com base no outro, o que exige uma explicação de como as diferenças surgiram. O fato é que de algum modo os textos estão relacionados, como uma unidade única e coerente e segundo o autor deve ser interpretada como uma narrativa (LAMONTAGNE. 2013, p. 4-30).

Dissertando sobre esta mesma temática, Mayfield (2009, P. 306-305) sugere que o salmo já existia quando a narrativa foi escrita. Ele concorda, com a maioria dos estudiosos em nossa bibliografia, que o cântico representa possivelmente o material bíblico mais antigo por causa de sua linguagem e gênero arcaico preservado próximo a sua forma original.

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Ele observa que segundo alguns autores, a ausência de Judá na lista de tribos, a natureza arcaica da língua e o reconhecimento do poeta da simultaneidade cronológica dos tempos de Jael e Samgar, sugere que a lista de dez tribos fornece o melhor meio de datação do poema, quando comparado com outros meios, como a linguística. Mais especificamente, estes autores datam a música para 1025 a. C, cerca de cem anos após o evento real, com base em características estilísticas, como a repetição. Além deste consenso entre autores, existem diversas tentativas de datação do texto, vejamos o esforço de Mayfield para relatar as datações sugeridas por diversos autores.

Niemann (2002) data o cerne da música até a época de Saul e Ishbaal e relaciona Jz. 5,19 a 1 Rs 4,8-17. Guillaume (2004) fornece a história mais extensa da música. Ele data a primeira forma da Idade do Ferro I e a atribui ao folclore zebulunita. Então, no final do século X, a música torna-se israelita, enquanto elementos javísticos são adicionados no século VIII. Por volta de 720 aC, foi adicionada ao Livro dos Salvadores, e a narrativa foi criada com base nela. Nem todos os estudiosos, no entanto, acreditam que a música representa a literatura mais antiga da Bíblia. Waltisberg (1999) data a um período entre o quinto e o terceiro séculos aC, baseado em aramamos dentro do poema. Diebner (1995) também data a Canção tardia - até a época dos asmoneos - ao destacar algumas das últimas características do texto, como os nomes, que fazem paralelo às histórias mitológicas gregas sobre o nascimento de Zeus. Finalmente, Levin (2003) data o poema ao período pós-exílico, e argumenta sobre sua dependência do capítulo 4 (MAYFIELD, 2009, p. 306-305).

Finkelstein (2017, p. 80-91) Propõe que o material original heroico e oral por trás desses capítulos representa duas tradições diferentes: a primeira incorporada ao capítulo 4, com origem na área do Monte Tabor e nas colinas a leste e nordeste, tendo a cidade de Harosheth-ha-goiim em seu núcleo. O outro, parte do capítulo 5, 19-22, veio do sudoeste do Vale de Jezrael. Essas tradições representam memórias de eventos turbulentos do século 10 a.C - a queda das últimas cidades-estados cananeias tardias, e a tomada da região por montanheses israelitas pouco antes, ou nos primeiros dias da ascensão do país. O reino do norte.

Eles foram escritos pela primeira vez por um autor norte-israelita na segunda metade do século 8 a.C. Este autor tinha apenas um conhecimento vago da tradição do vale ocidental; portanto, enquanto compunha o cântico inicial, ele “importou” detalhes do capítulo 4, fundiu os dois contos em uma única conta e “expandiu” ambos para retratar uma cena israelita ampla vinda do Norte. Um autor deuteronomista do final do século 7 a.C. inseriu os quadros característicos do Livro dos Juízes, harmonizou o

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capítulo 4 com a história de Jabin em Josué 11, e incluiu outras notas explicativas como a intervenção divina no capítulo 4. Um autor deuteronomista também introduziu a adoração dos segmentos YHWH no capítulo 5 (FINKELSTEIN, 2017, p. 80-91).

1.8. Considerações preliminares

Neste capítulo, percorremos a trajetória da composição do texto de Jz 5. Compreendemos o pano de fundo da redação final dos considerados textos deuteronomistas. E conhecemos o contexto por trás da composição do cântico de Débora, onde um redator usou memórias do povo de Israel Norte, recontando sua história pela ótica da ideologia da época.

O texto possui uma memória historiográfica preocupada apenas com a auto justificação da entidade pessoal e do povo. Pretendendo inserir suas ideologias para justificar as ideias teológicas da época da redação final.

O livro passou por um longo processo redacional, onde modificações foram acrescentadas a ele nos períodos persa, babilônico e assírio. Porém o início da ideologia deuteronomista parece pertencer ao período do rei Josias do sul (620-609 a.C.). Antes desse período o sul não teria se desenvolvido economicamente, tampouco em ideologia e escrita. Até que o Norte sofresse com a invasão assíria em 722 a.C. o sul permaneceu a sua sombra.

A partir dessas informações, percebemos que elementos arcaicos e temas específicos que remontam a tradições antigas estão no texto, como a lista das tribos nos v. 14-18. A estrutura dos relatos de juízes como salvadores e libertadores de Israel também indicam uma possível originalidade do texto nas tradições de Israel Norte, pois os relatos dos juízes vindos do norte e a menção a elementos próprios dos territórios nortistas nos permitem essa conclusão.

A partir desse capítulo, concluímos que houve um livro dos salvadores e libertadores de Israel originário das tradições do antigo reino do Norte. Verificamos que dentro do texto de Jz 5, elementos que remontam a uma memória antiga do povo de Israel aparecem.

Percebemos que o inicio da escrita no território do norte coincide com a hipótese do autor Israelita compor o texto por volta da segunda metade do séc. 7 a.C. Neste período, o surgimento da escrita elaborada permitiu que o povo colocasse suas

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memórias no papel. Assim, concluímos que o texto de Jz 5 teria sua origem escrita não antes desse período, contudo possui elementos que remontam a memórias antigas, possivelmente do séc. 10 a.C.

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CAPÍTULO II

Análise Exegética De Juízes 5

O Cântico de Débora (Jz 5) é uma poesia que enaltece a morte de Sísera, um general cananeu que oprime o povo com seu exército, sob às ordens do rei Jabim que reinava em Hazor (4,1-2). Débora, profetiza e juíza em Israel (4,4-5), une-se a Barac, filho de Abnoem (4,6) para entoar um cântico de vitória, porque assim como profetizou Débora (4,9), Iahweh entregou Sísara nas mãos de uma mulher, Jael (4,17-22), e a libertação chegou a Israel (4,23-24).

Os textos de juízes 4-5 têm estruturas diversas, mas juntos são igualmente necessários para compreender o quadro unificado da narrativa, assim como os múltiplos sentidos que ambos os textos ressaltam (BRENNER, 2001, p.124). O capítulo 4 está em forma de prosa, diferente do capítulo 5 que está em forma de hino e provavelmente contém as tradições mais antigas do povo de Israel (KAEFER, 2016b, p.3-4).

Juízes 4–5 geram interpretações concorrentes. Estudiosos retratam a identidade primária de Debora de várias maneiras - profetiza, mãe, guerreira, juiza - para compreender seu comportamento. Além disso, a erudição como um todo é ambígua em relação à figura de Jael. Ela foi descrita tanto como uma robusta defensora da fé israelita, quanto uma enganadora sedutora. Da mesma forma, Barac é retratado como um personagem frágil e assustado dentro de uma história dominada por mulheres, ou como o verdadeiro guerreiro, o verdadeiro juiz da história. Além disso, os intérpretes debatem o papel da divindade israelita. Para o autor fica a pergunta se Deus não tem papel dentro da história, ou ele serve como força motriz da narrativa. (MAYFIELD, 2009, p. 306-305).

Mayfield comenta segundo seu referencial bibliográfico, Nadav Na'aman, que não há uma perspectiva de gênero no capítulo quatro e cinco, observando que Barak perde um pouco da glória, mas permanece vitorioso no final. Além disso, Barac não é envergonhado por causa da ajuda que recebe de Deborah e Jael. Afirma também que Juízes 4 representa a única geograficamente detalhada história que temos do norte de Israel. No entanto, a geografia é confusa e contraditória, levando Na'aman a concluir que um redator tardio da Judeia, ignorante da topografia do norte, criou a confusão preenchendo detalhes incorretos como a localização de Debora, Jabin, Sísera, Barac, e

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